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Quem pode ser considerado falante de uma língua?

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    As pessoas dizem que, muito tempo atrás,
  • 0:03 - 0:06
    todos no planeta falavam a mesma língua
  • 0:06 - 0:07
    e pertenciam à mesma tribo.
  • 0:08 - 0:11
    Acho que as pessoas dispunham
    de um pouco de tempo demais,
  • 0:11 - 0:15
    porque decidiram trabalhar juntas
    para se tornarem tão grandes quanto Deus.
  • 0:15 - 0:19
    Elas começaram a construir
    uma torre para chegar até o céu.
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    Deus viu isso e ficou furioso.
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    Para punir o povo por sua arrogância,
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    Deus destruiu a torre,
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    espalhou o povo pelos confins do planeta
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    e fez com que todos
    falassem línguas diferentes.
  • 0:31 - 0:34
    Essa é a história da Torre de Babel.
  • 0:34 - 0:37
    Não é provavelmente
    uma verdade histórica literal,
  • 0:37 - 0:38
    mas ela nos revela algo
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    sobre nosso modo de entender
    línguas e falantes.
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    Por isso, muitas vezes,
    usamos "não falar a mesma língua"
  • 0:46 - 0:50
    para dizer que não nos damos bem
    ou talvez estejamos em conflito,
  • 0:50 - 0:52
    e "falar a mesma língua"
  • 0:52 - 0:56
    para dizer que pertencemos
    ao mesmo grupo e podemos trabalhar juntos.
  • 0:57 - 1:01
    Os linguistas modernos sabem que a relação
    entre língua e categorias sociais
  • 1:01 - 1:04
    é intrincada e complexa.
  • 1:04 - 1:08
    Trazemos muita bagagem
    para nosso modo de entender a língua
  • 1:08 - 1:10
    a ponto de até uma pergunta
    aparentemente simples,
  • 1:10 - 1:13
    como "O que torna uma pessoa
    falante de uma língua?",
  • 1:13 - 1:16
    acabar se tornando muito complicada.
  • 1:17 - 1:20
    Sou professora de espanhol
    da Universidade Estadual de Ohio.
  • 1:20 - 1:22
    Leciono principalmente
    em cursos avançados,
  • 1:22 - 1:24
    cujos alunos cursaram
    de quatro a cinco anos
  • 1:24 - 1:26
    de espanhol em nível universitário.
  • 1:26 - 1:31
    Portanto, os alunos de minha turma falam
    espanhol comigo durante todo o semestre.
  • 1:31 - 1:34
    Eles me ouvem falar espanhol,
    entregam trabalhos escritos em espanhol.
  • 1:34 - 1:38
    No entanto, quando perguntei a eles
    no início do semestre:
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    "Quem se considera falante de espanhol?",
  • 1:41 - 1:43
    poucos levantaram a mão.
  • 1:44 - 1:47
    Então você pode ser um falante
    muito bom de uma língua
  • 1:47 - 1:50
    e ainda assim não se considerar
    falante dessa língua.
  • 1:52 - 1:55
    Talvez não se trate apenas
    de o quanto você fala bem uma língua,
  • 1:55 - 1:59
    mas também da idade
    em que começa a aprendê-la.
  • 2:00 - 2:03
    Porém, quando observamos crianças
    que falam espanhol em casa,
  • 2:03 - 2:07
    mas principalmente inglês
    no trabalho ou na escola,
  • 2:07 - 2:10
    muitas vezes, elas acham que não falam
    nenhuma das línguas muito bem.
  • 2:10 - 2:14
    Às vezes, elas se sentem
    como se não tivessem uma língua,
  • 2:14 - 2:18
    porque não ficam totalmente à vontade
    com o espanhol na escola
  • 2:18 - 2:21
    nem totalmente à vontade
    com o inglês em casa.
  • 2:22 - 2:26
    Temos uma ideia muito arraigada
    de que, para sermos bons bilíngues,
  • 2:26 - 2:29
    precisamos ser dois monolíngues em um.
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    Mas os linguistas sabem que não é
    assim que funciona o bilinguismo.
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    Na verdade, é muito mais comum
    as pessoas se especializarem
  • 2:36 - 2:41
    e usarem uma língua ou outra
    dependendo do lugar.
  • 2:42 - 2:46
    Nem sempre se trata apenas
    de como nós nos vemos,
  • 2:46 - 2:49
    mas também de como os outros nos veem.
  • 2:50 - 2:52
    Faço minhas pesquisas na Bolívia,
  • 2:52 - 2:55
    país da América do Sul.
  • 2:55 - 2:57
    Lá, assim como nos Estados Unidos,
  • 2:57 - 3:01
    existem diferentes grupos sociais
    e categorias étnicas.
  • 3:01 - 3:05
    Uma dessas categorias étnicas
    é um grupo conhecido como quíchua,
  • 3:05 - 3:07
    um povo indígena.
  • 3:07 - 3:09
    Os quíchuas falam espanhol
  • 3:09 - 3:13
    de uma maneira um pouco diferente
    de um falante comum de espanhol.
  • 3:13 - 3:16
    Especificamente, alguns sons
    ficam um pouco mais parecidos
  • 3:16 - 3:18
    quando muitos falantes quíchua os usam.
  • 3:20 - 3:22
    Então, um colega e eu planejamos um estudo
  • 3:23 - 3:27
    no qual pegamos uma série de pares
    de palavras com sons muito semelhantes,
  • 3:27 - 3:31
    exatamente do mesmo modo
  • 3:31 - 3:36
    que os falantes quíchua
    costumam usar quando falam espanhol.
  • 3:37 - 3:40
    Tocamos esses pares de palavras de som
    semelhante para um grupo de ouvintes
  • 3:41 - 3:42
    e dissemos à metade do grupo
  • 3:42 - 3:46
    que eles iam ouvir apenas
    um falante comum de espanhol
  • 3:46 - 3:47
    e, à outra metade,
  • 3:47 - 3:50
    que eles iam ouvir um falante quíchua.
  • 3:51 - 3:53
    Todos ouviram a mesma gravação,
  • 3:53 - 3:54
    mas descobrimos
  • 3:54 - 3:57
    que as pessoas que pensavam estar ouvindo
    um falante comum de espanhol
  • 3:57 - 4:00
    faziam diferenças claras
    entre os pares de palavras,
  • 4:00 - 4:03
    e as que pensavam estar ouvindo
    um falante quíchua
  • 4:03 - 4:06
    não pareciam realmente
    fazer diferenças claras.
  • 4:06 - 4:09
    Com o auxílio de um gráfico,
  • 4:09 - 4:11
    eis os resultados de nosso estudo.
  • 4:11 - 4:14
    Vemos aqui, na linha superior,
    uma leve curvatura.
  • 4:14 - 4:15
    Isso é o que esperamos
  • 4:15 - 4:19
    de pessoas que fazem diferenças claras
    entre os pares de palavras.
  • 4:19 - 4:22
    É o que vemos para aquelas que pensaram
    estar ouvindo um falante de espanhol.
  • 4:22 - 4:25
    Vemos, na parte inferior,
    uma linha mais plana,
  • 4:25 - 4:29
    que esperamos ver quando as pessoas
    não fazem diferenças claras.
  • 4:29 - 4:33
    Isso veio do grupo que pensou
    estar ouvindo um falante quíchua.
  • 4:33 - 4:35
    Como nada mudou na gravação,
  • 4:35 - 4:39
    isso significa que as categorias sociais
    que demos aos ouvintes
  • 4:39 - 4:42
    mudaram a percepção deles sobre a língua.
  • 4:43 - 4:46
    Não se trata apenas de algo curioso
    que só acontece na Bolívia.
  • 4:46 - 4:49
    Pesquisas vêm sendo feitas
    nos Estados Unidos,
  • 4:49 - 4:51
    no Canadá, na Nova Zelândia,
  • 4:51 - 4:53
    e mostram exatamente a mesma coisa:
  • 4:53 - 4:57
    incorporamos categorias sociais
    em nosso entendimento da língua.
  • 4:58 - 4:59
    Já houve estudos
  • 4:59 - 5:04
    feitos com universitários norte-americanos
    que ouviram uma palestra universitária.
  • 5:05 - 5:08
    Mostraram à metade dos alunos
    a foto de um rosto branco
  • 5:08 - 5:09
    como sendo a do professor
  • 5:09 - 5:12
    e, à outra metade,
    a foto de um rosto asiático
  • 5:12 - 5:14
    como sendo a do professor.
  • 5:14 - 5:17
    Os alunos que viram o rosto asiático
  • 5:17 - 5:21
    disseram que a palestra foi menos clara
    e mais difícil de entender,
  • 5:22 - 5:25
    embora todos tivessem ouvido
    a mesma gravação.
  • 5:28 - 5:32
    Categorias sociais realmente influenciam
    nosso modo de entender a língua.
  • 5:33 - 5:36
    Essa questão se tornou
    particularmente pessoal para mim
  • 5:36 - 5:37
    quando meus filhos começaram na escola.
  • 5:38 - 5:40
    Meus filhos são latinos.
  • 5:40 - 5:42
    Falamos espanhol em casa,
  • 5:42 - 5:45
    mas eles falam principalmente inglês
    com seus amigos fora de casa
  • 5:45 - 5:47
    e com seus avós.
  • 5:47 - 5:50
    Quando começaram na escola,
    fui informada sobre a exigência
  • 5:50 - 5:51
    de que, em qualquer família
  • 5:51 - 5:54
    que tenha membros falantes
    de uma língua diferente do inglês,
  • 5:54 - 5:56
    as crianças devem fazer um teste
  • 5:56 - 5:59
    para ver se precisam de reforço
    de inglês como segunda língua.
  • 6:00 - 6:04
    Pensei: "Sim! Meus filhos
    vão arrasar nesse teste".
  • 6:06 - 6:08
    Mas não foi isso que aconteceu.
  • 6:08 - 6:12
    Podemos ver, atrás de mim, os resultados
    do exame de nivelamento de minha filha.
  • 6:12 - 6:15
    Ela tirou a nota máxima cinco
  • 6:15 - 6:19
    em habilidades de interpretação,
    leitura e compreensão.
  • 6:20 - 6:25
    Mas ela tirou uma nota três
    em habilidades de fala e escrita.
  • 6:25 - 6:27
    Pensei: "Isso é muito estranho,
  • 6:27 - 6:30
    porque essa menina é uma tagarela".
  • 6:30 - 6:31
    (Risos)
  • 6:32 - 6:36
    Mas achei que fosse
    só um teste qualquer esporádico.
  • 6:37 - 6:40
    Até que, vários anos depois,
    meu filho começou na escola.
  • 6:40 - 6:45
    Ele também obteve, no exame, a pontuação
    de um falante não nativo de inglês.
  • 6:46 - 6:51
    Pensei: "Isso é muito estranho,
    e não parece ser coincidência".
  • 6:51 - 6:52
    Enviei um bilhete à professora,
  • 6:52 - 6:53
    e ela foi muito gentil.
  • 6:53 - 6:55
    Ela me enviou uma longa mensagem
  • 6:55 - 6:58
    explicando o motivo
    da classificação de meu filho.
  • 6:58 - 7:01
    Ela me disse algumas coisas
    que realmente chamaram minha atenção.
  • 7:02 - 7:03
    Uma delas foi
  • 7:03 - 7:06
    que, até um falante nativo de inglês
  • 7:06 - 7:09
    pode não obter pontuação
    no nível avançado desse teste,
  • 7:09 - 7:13
    dependendo do tipo de recursos
    e acompanhamento que recebe em casa.
  • 7:15 - 7:16
    Isso me revela
  • 7:16 - 7:20
    que o teste não fazia uma ótima avaliação
    da proficiência em inglês,
  • 7:20 - 7:22
    mas podia estar avaliando algo
  • 7:22 - 7:25
    como a quantidade de recursos
    que as crianças tinham em casa.
  • 7:25 - 7:29
    Nesse caso, essas crianças precisam
    de tipos diferentes de apoio na escola,
  • 7:29 - 7:32
    e não de ajuda na língua inglesa.
  • 7:33 - 7:37
    Ela mencionou outra coisa
    que chamou minha atenção como linguista.
  • 7:38 - 7:41
    Ela disse que pediu a meu filho
    que repetisse a frase:
  • 7:41 - 7:43
    "Quem está com o lápis de Jane?"
  • 7:43 - 7:44
    [Quem está com o lápis de Jane?]
  • 7:44 - 7:48
    E ele repetiu: "Quem está
    com o lápis Jane?"
  • 7:49 - 7:54
    Ela disse que esse é um erro típico
    de um aluno falante não nativo de inglês
  • 7:54 - 7:58
    cuja língua materna não inclui
    uma estrutura semelhante para possessivos.
  • 7:59 - 8:01
    Isso chamou minha atenção
  • 8:01 - 8:07
    porque sei que há uma variedade de inglês
    sistemática e governada por regras
  • 8:07 - 8:11
    na qual essa construção possessiva
    é completamente gramatical.
  • 8:12 - 8:16
    Os linguistas conhecem essa variedade
    como "inglês afro-americano".
  • 8:17 - 8:19
    O inglês afro-americano é, na verdade,
  • 8:19 - 8:22
    um grupo de dialetos
    falados nos Estados Unidos,
  • 8:22 - 8:24
    principalmente em comunidades
    afro-americanas.
  • 8:26 - 8:30
    Mas acontece que a escola de meu filho
    é cerca de 60% afro-americana.
  • 8:31 - 8:33
    Sabemos que, nessa idade,
  • 8:33 - 8:36
    as crianças aprendem coisas com os amigos,
  • 8:36 - 8:37
    fazem experimentos com a língua
  • 8:37 - 8:40
    e a utilizam em contextos diferentes.
  • 8:40 - 8:44
    Acho que, quando
    a professora viu meu filho,
  • 8:44 - 8:49
    ela não esperava ver uma criança
    falante de inglês afro-americano.
  • 8:50 - 8:52
    Assim, em vez de avaliá-lo
  • 8:52 - 8:57
    como uma criança que estava aprendendo
    naturalmente vários dialetos do inglês,
  • 8:57 - 9:01
    ela o avaliou como uma criança
    cujo inglês padrão era inadequado.
  • 9:05 - 9:09
    Língua e categorias sociais
    estão conectadas de um modo complexo,
  • 9:09 - 9:13
    e trazemos muita bagagem
    para nosso modo de entender a língua.
  • 9:13 - 9:15
    Quando me perguntam:
  • 9:15 - 9:18
    "Quem pode ser considerado
    falante de uma língua?",
  • 9:18 - 9:21
    não tenho uma resposta simples
    para essa pergunta.
  • 9:21 - 9:25
    Mas posso afirmar
    que as pessoas buscam padrões
  • 9:25 - 9:30
    e sempre procuram maneiras de entender
    tipos diferentes de informação.
  • 9:32 - 9:33
    Isso pode ser um problema
  • 9:33 - 9:38
    quando nossos preconceitos básicos
    são projetados na língua.
  • 9:39 - 9:42
    Quando observo crianças como as minhas
  • 9:42 - 9:47
    e as vejo serem, da maneira
    mais gentil e bem-intencionada,
  • 9:47 - 9:51
    racialmente discriminadas
    como falantes não nativos de inglês,
  • 9:52 - 9:54
    fico pensando:
  • 9:54 - 9:57
    "O que vai ocorrer à medida que forem
    passando pelo ensino fundamental,
  • 9:57 - 10:02
    ensino médio, faculdade
    e primeiro emprego?
  • 10:02 - 10:04
    Quando elas estiverem em uma entrevista,
  • 10:04 - 10:07
    a pessoa sentada à mesa na frente delas
  • 10:07 - 10:10
    analisará a cor da pele ou o sobrenome
  • 10:10 - 10:13
    e as ouvirá falando com sotaque espanhol
  • 10:13 - 10:16
    ou falando um inglês ruim?"
  • 10:17 - 10:18
    São esses tipos de julgamento
  • 10:18 - 10:21
    que podem ter efeitos duradouros
    na vida das pessoas.
  • 10:23 - 10:26
    Espero que essa pessoa, assim como vocês,
  • 10:26 - 10:32
    reflita sobre os vínculos estabelecidos
    entre língua e categorias sociais
  • 10:32 - 10:34
    e questione suas suposições
  • 10:34 - 10:37
    sobre o real significado
    de ser falante de uma língua.
  • 10:38 - 10:39
    Obrigada.
  • 10:39 - 10:41
    (Aplausos) (Vivas)
Title:
Quem pode ser considerado falante de uma língua?
Speaker:
Anna Babel
Description:

Com o respaldo de pesquisas e casos pessoais, a professora de espanhol Anna Babel revela a complexa relação entre língua e cultura, mostrando como categorias sociais e preconceitos básicos influenciam nossa maneira de ouvir, considerar e, por fim, julgar uns aos outros. Esta palestra nos fará questionar nossas suposições sobre o real significado de se falar uma língua.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
10:55

Portuguese, Brazilian subtitles

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