As pessoas dizem que, muito tempo atrás,
todos no planeta falavam a mesma língua
e pertenciam à mesma tribo.
Acho que as pessoas dispunham
de um pouco de tempo demais,
porque decidiram trabalhar juntas
para se tornarem tão grandes quanto Deus.
Elas começaram a construir
uma torre para chegar até o céu.
Deus viu isso e ficou furioso.
Para punir o povo por sua arrogância,
Deus destruiu a torre,
espalhou o povo pelos confins do planeta
e fez com que todos
falassem línguas diferentes.
Essa é a história da Torre de Babel.
Não é provavelmente
uma verdade histórica literal,
mas ela nos revela algo
sobre nosso modo de entender
línguas e falantes.
Por isso, muitas vezes,
usamos "não falar a mesma língua"
para dizer que não nos damos bem
ou talvez estejamos em conflito,
e "falar a mesma língua"
para dizer que pertencemos
ao mesmo grupo e podemos trabalhar juntos.
Os linguistas modernos sabem que a relação
entre língua e categorias sociais
é intrincada e complexa.
Trazemos muita bagagem
para nosso modo de entender a língua
a ponto de até uma pergunta
aparentemente simples,
como "O que torna uma pessoa
falante de uma língua?",
acabar se tornando muito complicada.
Sou professora de espanhol
da Universidade Estadual de Ohio.
Leciono principalmente
em cursos avançados,
cujos alunos cursaram
de quatro a cinco anos
de espanhol em nível universitário.
Portanto, os alunos de minha turma falam
espanhol comigo durante todo o semestre.
Eles me ouvem falar espanhol,
entregam trabalhos escritos em espanhol.
No entanto, quando perguntei a eles
no início do semestre:
"Quem se considera falante de espanhol?",
poucos levantaram a mão.
Então você pode ser um falante
muito bom de uma língua
e ainda assim não se considerar
falante dessa língua.
Talvez não se trate apenas
de o quanto você fala bem uma língua,
mas também da idade
em que começa a aprendê-la.
Porém, quando observamos crianças
que falam espanhol em casa,
mas principalmente inglês
no trabalho ou na escola,
muitas vezes, elas acham que não falam
nenhuma das línguas muito bem.
Às vezes, elas se sentem
como se não tivessem uma língua,
porque não ficam totalmente à vontade
com o espanhol na escola
nem totalmente à vontade
com o inglês em casa.
Temos uma ideia muito arraigada
de que, para sermos bons bilíngues,
precisamos ser dois monolíngues em um.
Mas os linguistas sabem que não é
assim que funciona o bilinguismo.
Na verdade, é muito mais comum
as pessoas se especializarem
e usarem uma língua ou outra
dependendo do lugar.
Nem sempre se trata apenas
de como nós nos vemos,
mas também de como os outros nos veem.
Faço minhas pesquisas na Bolívia,
país da América do Sul.
Lá, assim como nos Estados Unidos,
existem diferentes grupos sociais
e categorias étnicas.
Uma dessas categorias étnicas
é um grupo conhecido como quíchua,
um povo indígena.
Os quíchuas falam espanhol
de uma maneira um pouco diferente
de um falante comum de espanhol.
Especificamente, alguns sons
ficam um pouco mais parecidos
quando muitos falantes quíchua os usam.
Então, um colega e eu planejamos um estudo
no qual pegamos uma série de pares
de palavras com sons muito semelhantes,
exatamente do mesmo modo
que os falantes quíchua
costumam usar quando falam espanhol.
Tocamos esses pares de palavras de som
semelhante para um grupo de ouvintes
e dissemos à metade do grupo
que eles iam ouvir apenas
um falante comum de espanhol
e, à outra metade,
que eles iam ouvir um falante quíchua.
Todos ouviram a mesma gravação,
mas descobrimos
que as pessoas que pensavam estar ouvindo
um falante comum de espanhol
faziam diferenças claras
entre os pares de palavras,
e as que pensavam estar ouvindo
um falante quíchua
não pareciam realmente
fazer diferenças claras.
Com o auxílio de um gráfico,
eis os resultados de nosso estudo.
Vemos aqui, na linha superior,
uma leve curvatura.
Isso é o que esperamos
de pessoas que fazem diferenças claras
entre os pares de palavras.
É o que vemos para aquelas que pensaram
estar ouvindo um falante de espanhol.
Vemos, na parte inferior,
uma linha mais plana,
que esperamos ver quando as pessoas
não fazem diferenças claras.
Isso veio do grupo que pensou
estar ouvindo um falante quíchua.
Como nada mudou na gravação,
isso significa que as categorias sociais
que demos aos ouvintes
mudaram a percepção deles sobre a língua.
Não se trata apenas de algo curioso
que só acontece na Bolívia.
Pesquisas vêm sendo feitas
nos Estados Unidos,
no Canadá, na Nova Zelândia,
e mostram exatamente a mesma coisa:
incorporamos categorias sociais
em nosso entendimento da língua.
Já houve estudos
feitos com universitários norte-americanos
que ouviram uma palestra universitária.
Mostraram à metade dos alunos
a foto de um rosto branco
como sendo a do professor
e, à outra metade,
a foto de um rosto asiático
como sendo a do professor.
Os alunos que viram o rosto asiático
disseram que a palestra foi menos clara
e mais difícil de entender,
embora todos tivessem ouvido
a mesma gravação.
Categorias sociais realmente influenciam
nosso modo de entender a língua.
Essa questão se tornou
particularmente pessoal para mim
quando meus filhos começaram na escola.
Meus filhos são latinos.
Falamos espanhol em casa,
mas eles falam principalmente inglês
com seus amigos fora de casa
e com seus avós.
Quando começaram na escola,
fui informada sobre a exigência
de que, em qualquer família
que tenha membros falantes
de uma língua diferente do inglês,
as crianças devem fazer um teste
para ver se precisam de reforço
de inglês como segunda língua.
Pensei: "Sim! Meus filhos
vão arrasar nesse teste".
Mas não foi isso que aconteceu.
Podemos ver, atrás de mim, os resultados
do exame de nivelamento de minha filha.
Ela tirou a nota máxima cinco
em habilidades de interpretação,
leitura e compreensão.
Mas ela tirou uma nota três
em habilidades de fala e escrita.
Pensei: "Isso é muito estranho,
porque essa menina é uma tagarela".
(Risos)
Mas achei que fosse
só um teste qualquer esporádico.
Até que, vários anos depois,
meu filho começou na escola.
Ele também obteve, no exame, a pontuação
de um falante não nativo de inglês.
Pensei: "Isso é muito estranho,
e não parece ser coincidência".
Enviei um bilhete à professora,
e ela foi muito gentil.
Ela me enviou uma longa mensagem
explicando o motivo
da classificação de meu filho.
Ela me disse algumas coisas
que realmente chamaram minha atenção.
Uma delas foi
que, até um falante nativo de inglês
pode não obter pontuação
no nível avançado desse teste,
dependendo do tipo de recursos
e acompanhamento que recebe em casa.
Isso me revela
que o teste não fazia uma ótima avaliação
da proficiência em inglês,
mas podia estar avaliando algo
como a quantidade de recursos
que as crianças tinham em casa.
Nesse caso, essas crianças precisam
de tipos diferentes de apoio na escola,
e não de ajuda na língua inglesa.
Ela mencionou outra coisa
que chamou minha atenção como linguista.
Ela disse que pediu a meu filho
que repetisse a frase:
"Quem está com o lápis de Jane?"
[Quem está com o lápis de Jane?]
E ele repetiu: "Quem está
com o lápis Jane?"
Ela disse que esse é um erro típico
de um aluno falante não nativo de inglês
cuja língua materna não inclui
uma estrutura semelhante para possessivos.
Isso chamou minha atenção
porque sei que há uma variedade de inglês
sistemática e governada por regras
na qual essa construção possessiva
é completamente gramatical.
Os linguistas conhecem essa variedade
como "inglês afro-americano".
O inglês afro-americano é, na verdade,
um grupo de dialetos
falados nos Estados Unidos,
principalmente em comunidades
afro-americanas.
Mas acontece que a escola de meu filho
é cerca de 60% afro-americana.
Sabemos que, nessa idade,
as crianças aprendem coisas com os amigos,
fazem experimentos com a língua
e a utilizam em contextos diferentes.
Acho que, quando
a professora viu meu filho,
ela não esperava ver uma criança
falante de inglês afro-americano.
Assim, em vez de avaliá-lo
como uma criança que estava aprendendo
naturalmente vários dialetos do inglês,
ela o avaliou como uma criança
cujo inglês padrão era inadequado.
Língua e categorias sociais
estão conectadas de um modo complexo,
e trazemos muita bagagem
para nosso modo de entender a língua.
Quando me perguntam:
"Quem pode ser considerado
falante de uma língua?",
não tenho uma resposta simples
para essa pergunta.
Mas posso afirmar
que as pessoas buscam padrões
e sempre procuram maneiras de entender
tipos diferentes de informação.
Isso pode ser um problema
quando nossos preconceitos básicos
são projetados na língua.
Quando observo crianças como as minhas
e as vejo serem, da maneira
mais gentil e bem-intencionada,
racialmente discriminadas
como falantes não nativos de inglês,
fico pensando:
"O que vai ocorrer à medida que forem
passando pelo ensino fundamental,
ensino médio, faculdade
e primeiro emprego?
Quando elas estiverem em uma entrevista,
a pessoa sentada à mesa na frente delas
analisará a cor da pele ou o sobrenome
e as ouvirá falando com sotaque espanhol
ou falando um inglês ruim?"
São esses tipos de julgamento
que podem ter efeitos duradouros
na vida das pessoas.
Espero que essa pessoa, assim como vocês,
reflita sobre os vínculos estabelecidos
entre língua e categorias sociais
e questione suas suposições
sobre o real significado
de ser falante de uma língua.
Obrigada.
(Aplausos) (Vivas)