Da vergonha ao orgulho, e tudo que há no meio | Kris Barz Mendonça | TEDxCSU
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0:10 - 0:11Olá a todos.
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0:11 - 0:13(Aplausos) (Vivas)
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0:13 - 0:16Olá. Preparados para uma história de drag?
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0:16 - 0:18Plateia: Estamos!
Kris Barz Mendonça: Ótimo. -
0:19 - 0:20Olá.
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0:20 - 0:22Meu nome é Kris Barz Mendonça,
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0:22 - 0:25pelo menos a pessoa
que está debaixo disso tudo aqui. -
0:25 - 0:28Sou quadrinista e artista.
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0:28 - 0:31Hoje, gostaria de falar com vocês
sobre alguns temas -
0:31 - 0:32e, com o auxílio dos meus quadrinhos,
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0:32 - 0:35adoraria que se juntassem a mim
nesta minha pequena jornada: -
0:35 - 0:37a minha infância no Brasil.
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0:38 - 0:40Eu nasci em 1985.
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0:40 - 0:43Fui criança no início dos anos 1990.
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0:44 - 0:47Minha família se mudava muito
por todo o país -
0:47 - 0:49porque meu pai era militar.
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0:49 - 0:54Nessa época, vivíamos numa pequena
cidade do interior do Sul do Brasil. -
0:55 - 0:56Nunca me comportei
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0:56 - 1:01como meus pais e outras crianças esperavam
que um menino comum se comportasse. -
1:01 - 1:08Eu era sensível, nada agressivo
e, por isso, era considerado afeminado. -
1:09 - 1:13Por ser como eu era, pela primeira vez
fui chamado de "veado", -
1:13 - 1:19que é um xingamento usado
para ofender pessoas gays no Brasil, -
1:19 - 1:20equivalente à palavra com "f" aqui,
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1:20 - 1:24e também de "mariquinha", "mulherzinha",
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1:26 - 1:28antes mesmo de saber
o que isso significava. -
1:28 - 1:33Aí, aprendi que, se eu não me comportasse
como os demais meninos, -
1:33 - 1:35não me encaixaria no grupo deles.
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1:35 - 1:39De vez em quando, meu pai saltava
de paraquedas com amigos. -
1:39 - 1:42Ele dizia que seu maior
medo era o de altura -
1:42 - 1:45e que, saltando, ele o enfrentava.
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1:46 - 1:49Aí, aprendi que os meninos
tinham que fazer coisas perigosas. -
1:49 - 1:52Mas acho que o maior medo dele
não era o de altura. -
1:52 - 1:57Acho que o maior medo dele
era que eu me tornasse "veado". -
1:58 - 1:59Mas ele nunca disse isso.
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1:59 - 2:03Então, aprendi que os meninos
não só não poderiam ter medo, -
2:03 - 2:04mas, acima de tudo,
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2:04 - 2:08não podiam deixar que os outros
soubessem dos seus medos. -
2:08 - 2:11Ele era muito rígido comigo
em relação a isso. -
2:11 - 2:17Passei minha infância com medo
de não me comportar como ele esperava -
2:17 - 2:22e com medo de me tornar um "gay",
o que quer que aquilo significasse. -
2:22 - 2:24Na época, eu só sabia que era algo ruim.
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2:24 - 2:26Também tinha medo dos outros meninos.
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2:26 - 2:28Eles implicavam comigo
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2:28 - 2:32por qualquer coisinha que eu fizesse
ou dissesse que não fosse masculina. -
2:32 - 2:37Aí, aprendi que, se não me comportasse
de forma masculina, -
2:37 - 2:40eu seria automaticamente
considerado feminino. -
2:41 - 2:44Eu vivia em estado de vigilância,
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2:44 - 2:47principalmente por parte
de meninos e homens. -
2:47 - 2:50Por fim, eu me tornei
meu próprio controlador. -
2:50 - 2:55Fui criado numa caixinha minúscula,
tão apertada, tão nada a ver comigo, -
2:55 - 2:59que tornou triste a minha infância.
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3:00 - 3:04Fui uma criança e um adolescente triste
porque eu não podia ser eu mesmo. -
3:05 - 3:08Nem sequer podia descobrir
o que eu era realmente, -
3:09 - 3:14que eu não era apenas gay,
o que aceitei finalmente aos 19 anos, -
3:14 - 3:16mas também "queer".
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3:17 - 3:20Eu gostava de futebol
e de carrinhos no início, -
3:20 - 3:23mas também queria brincar
de casinha e bonecas. -
3:23 - 3:28Como qualquer outra criança,
eu era curioso e queria explorar tudo. -
3:28 - 3:31No início, não havia barreiras
na minha mente. -
3:31 - 3:34Foram me ensinando
sobre elas gradualmente. -
3:34 - 3:37Passei a evitar carros, armas e futebol
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3:37 - 3:41porque brincar com os meninos
envolvia agressão física e verbal. -
3:41 - 3:43Ficar isolado era mais seguro,
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3:43 - 3:48então eu me isolei
e comecei a desenhar e a escrever. -
3:49 - 3:51Eu disse a vocês que meu nome é Kris,
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3:51 - 3:55mas meu primeiro nome inteiro é Krisagon;
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3:55 - 3:57nada comum no Brasil, aliás.
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3:58 - 4:01Cresci num país que fala uma língua
oriunda do latim: o português. -
4:01 - 4:04Nossos substantivos e adjetivos
variam em gênero. -
4:04 - 4:06Para tornar as palavras
masculinas ou femininas, -
4:06 - 4:10acrescentamos um "o"
ao final das palavras masculinas -
4:10 - 4:12e um "a" ao final das palavras femininas.
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4:12 - 4:16Como eu era considerado afeminado
pelos outros meninos, -
4:16 - 4:19uma das coisas que eles faziam
para implicarem comigo -
4:19 - 4:21era acrescentar um "a"
ao final do meu nome. -
4:21 - 4:25Então, "Krisagon" virava "Krisagona".
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4:25 - 4:28Aí, aprendi que,
para ofender outro menino, -
4:28 - 4:33tudo que eu precisava fazer era chamá-lo
de qualquer coisa que lembrasse uma menina -
4:33 - 4:38e, sempre que isso acontecia comigo,
eu devia me sentir superofendido -
4:38 - 4:39porque nada poderia ser pior
-
4:39 - 4:43do que ser chamado de menina
ou ser comparado a uma menina. -
4:46 - 4:51As coisas de menino tinham que ser
rudes, agressivas, insensíveis. -
4:51 - 4:52Eu não era assim,
-
4:52 - 4:56então ficava brincando com as meninas
ou com "coisas de menina". -
4:57 - 4:59As meninas eram muito receptivas comigo,
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4:59 - 5:02mas, sempre que queriam
me afastar por qualquer motivo, -
5:02 - 5:04me diziam: "Isso é coisa de menina".
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5:04 - 5:08Aí, aprendi que eu também
não me encaixava com as meninas. -
5:10 - 5:12Eu tinha um primo da mesma idade que eu.
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5:12 - 5:15Ele morava a um hora de distância
e, de vez em quando, -
5:15 - 5:18a família dele vinha nos visitar
e passar o fim de semana. -
5:18 - 5:23Como eu, ele também era chamado
de "veado", "mulherzinha", "mariquinha", -
5:23 - 5:25pelos outros meninos.
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5:25 - 5:28A família dele era
conservadora como a minha, -
5:28 - 5:31mas ele tinha algumas
liberdades que eu não tinha. -
5:31 - 5:36Ele podia imitar a nossa apresentadora
de TV infantil favorita, a Xuxa. -
5:36 - 5:39Ele tinha a bicicleta
e o microfone oficiais dela, -
5:39 - 5:42ambos cor-de-rosa, com plumas.
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5:42 - 5:46Quando estava com ele, eu também tinha
algumas daquelas liberdades. -
5:47 - 5:49Ele podia brincar de boneca.
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5:49 - 5:54Eu o invejava muito
porque ele devia se divertir bastante, -
5:54 - 5:59e eu nem sequer podia sonhar em chegar
perto de coisas de menina sozinho. -
6:00 - 6:02As bonecas não eram dele, é claro.
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6:02 - 6:04Eram das primas dele.
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6:04 - 6:08Ele tinha algumas liberdades,
mas não tinha nenhuma boneca própria. -
6:09 - 6:14Aí, aprendi que meninos não podiam gostar
de cor-de-rosa, nem de bonecas, -
6:14 - 6:16nem brincar de casinha.
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6:16 - 6:18Só meninas podiam fazer isso.
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6:19 - 6:21Todas essas regras
estavam lá, de alguma forma. -
6:21 - 6:26Era como se houvesse
um manual de como ser menino. -
6:28 - 6:31Muitas dessas regras eram faladas;
-
6:31 - 6:32muitas vezes eram impostas.
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6:32 - 6:34Um monte de outras regras eram veladas,
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6:34 - 6:37mas dava pra sentir
que elas existiam mesmo assim. -
6:38 - 6:42Eu tinha cada vez menos identidade
-
6:43 - 6:47à medida que mais e mais regras
eram acrescentadas àquele manual. -
6:47 - 6:48Por exemplo...
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6:48 - 6:51A regra de não chorar
foi, é claro, uma das primeiras: -
6:51 - 6:53"Meninos não choram".
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6:53 - 6:57Meninos não podiam cruzar as pernas,
nem sentados, nem em pé. -
6:57 - 7:00Não podiam pôr a mão na cintura.
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7:00 - 7:03Os punhos tinham que ficar firmes,
nunca soltos demais. -
7:03 - 7:06Do contrário, era coisa de menina.
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7:07 - 7:09Eu não podia ter cabelo comprido.
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7:10 - 7:16Também aprendi que devia evitar
tudo que tivesse o número 24 -
7:16 - 7:19porque esse era um número gay no Brasil.
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7:20 - 7:22Sim, um número gay.
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7:22 - 7:24(Risos)
-
7:25 - 7:26Ainda é.
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7:26 - 7:32No Senado brasileiro,
as salas pulam do número 23 para o 25. -
7:32 - 7:36Jogadores de futebol evitam
ter esse número em suas camisas do time. -
7:37 - 7:41Também aprendi que, embora
as meninas pudessem usar calça, -
7:41 - 7:46os meninos nunca, jamais,
podiam usar saia ou brincos. -
7:47 - 7:52Na adolescência, aprendi que, em cada nova
escola para a qual eu era transferido, -
7:52 - 7:57eu tinha que beijar logo um menina,
antes que começassem a me chamar de gay. -
7:58 - 8:01Também aprendi que,
se eu não falasse de forma agressiva, -
8:01 - 8:03eu não seria temido pelos outros meninos,
-
8:03 - 8:09e que, se eu falasse de forma branda,
o que era considerado "feminino", -
8:09 - 8:11eu não seria respeitado.
-
8:13 - 8:16Talvez você também tenha tido
seu próprio manual. -
8:16 - 8:18Era parecido com o meu?
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8:19 - 8:21Você ainda o segue?
-
8:23 - 8:25Me lembro de um fim de semana de verão
-
8:25 - 8:29em que meu primo e família
vieram nos visitar. -
8:29 - 8:33Meu pai e outros homens tinham planejado
saltar de paraquedas no domingo à tarde. -
8:34 - 8:35As famílias fizeram piqueniques
-
8:35 - 8:40enquanto assistiam àqueles homens
corajosos e másculos no céu. -
8:40 - 8:42Naquela tarde,
-
8:42 - 8:46vi a oportunidade perfeita
para brincar de boneca. -
8:48 - 8:52As mães prepararam sanduíches.
-
8:52 - 8:56Naquela altura, minha irmã
provavelmente já tinha se dado conta -
8:56 - 9:00que, como menina,
aquilo era função dela também. -
9:00 - 9:01Como éramos homens,
-
9:01 - 9:05meu primo, o pai dele,
o irmão mais velho dele e eu -
9:05 - 9:09ficamos com as tarefas
que eram esperadas de nós: -
9:09 - 9:11nenhuma.
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9:11 - 9:13(Risos)
-
9:13 - 9:16Então, tudo que tínhamos
que fazer era brincar. -
9:17 - 9:20Aí, aprendi que, por eu ser menino,
-
9:20 - 9:23não precisava ajudar
com a comida nem com a limpeza. -
9:24 - 9:28Meu pai estava a milhares
de metros do chão, -
9:28 - 9:30sendo machão,
-
9:30 - 9:36enfrentando seu medo para receber elogios
de sua família por sua coragem. -
9:36 - 9:40Hoje eu sei que tudo
que ele precisava era de amor. -
9:41 - 9:43Ser admirado era a forma dele de obtê-lo
-
9:43 - 9:47porque ele não sabia
como expressar seus sentimentos. -
9:48 - 9:51Meu primo e eu
fomos direto para o milharal. -
9:51 - 9:53Tínhamos uma missão
-
9:53 - 9:59e, para realizá-la, tínhamos que usar
nossa criatividade e imaginação. -
10:00 - 10:04Ali, as espigas de milho,
ainda um pouco verdes, -
10:04 - 10:08se tornaram bonecas
com lindos cabelos lilás -
10:08 - 10:12e roupas verde-amarelo incríveis.
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10:13 - 10:17De longe, parecia que só estávamos
brincando com espigas. -
10:17 - 10:22Poderiam ser aviões, armas, espadas.
-
10:23 - 10:27Estávamos acima de qualquer suspeita,
mesmo que sob os olhos do meu pai -
10:27 - 10:30que, ironicamente, podia ver tudo do céu.
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10:31 - 10:33Foi uma tarde feliz.
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10:35 - 10:39A opressão pode nos impedir
de descobrirmos quem somos. -
10:39 - 10:44Os estereótipos de gênero e o machismo
condicionam nossa mente, -
10:44 - 10:45a forma como tratamos os outros,
-
10:45 - 10:49as ideias que criamos
a favor ou contra alguém. -
10:49 - 10:54Ditam a forma como fazemos sexo,
independentemente da nossa sexualidade. -
10:54 - 10:58Influenciam nossas escolhas
em períodos de eleições. -
10:58 - 11:02Moldam nossa identidade,
queiramos nós ou não. -
11:02 - 11:05E não estou falando de ser gay ou hétero.
-
11:05 - 11:08Estou falando de não ter liberdade.
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11:10 - 11:13No fim da tarde, meu pai voltou.
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11:13 - 11:16A diversão dele tinha acabado,
e a minha também. -
11:17 - 11:18Ninguém tinha como saber
-
11:18 - 11:23que tínhamos brincado de boneca
e sido "mariquinhas". -
11:23 - 11:26Eram só espigas largadas no chão.
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11:27 - 11:30Eu e meu primo nos afastamos
ao longo dos anos. -
11:30 - 11:33Hoje eu vivo no Colorado;
ele vive na Estônia. -
11:33 - 11:36Hoje, na casa dos 30 anos,
ambos temos orgulho de sermos LGBTQ. -
11:38 - 11:42Graças à internet, eu liguei para ele
dois anos atrás para nos reconectarmos. -
11:43 - 11:48Eu o visitei na Estônia e compartilhamos
nossas recordações e momentos difíceis, -
11:48 - 11:53finalmente podendo ser nós mesmos juntos,
primos LGBTQ, sem preocupação alguma. -
11:54 - 11:58Nós nos divertimos bastante no caraoquê,
-
11:58 - 12:02quebrando uma daquelas infinitas regras
daquele maldito manual. -
12:02 - 12:05Cantamos e dançamos
aos som das Spice Girls. -
12:05 - 12:06(Risos)
-
12:06 - 12:09(Aplausos)
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12:14 - 12:15E...
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12:16 - 12:17eu era a Baby Spice, aliás.
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12:17 - 12:19(Risos)
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12:21 - 12:23Embora tenhamos progredido
enquanto sociedade, -
12:23 - 12:26o bullying contra LGBTQs e a vergonha
em torno de ser LGBTQ ainda existem -
12:26 - 12:28nos EUA, no Brasil
-
12:28 - 12:32e em muitos outros países
onde não é mais ilegal ser LGBTQ. -
12:32 - 12:36O bullying pode ser
uma das causas de traumas, -
12:36 - 12:38e pode se interseccionar
com muitas outras coisas. -
12:38 - 12:40A homofobia é uma delas.
-
12:42 - 12:44Ao mesmo tempo,
-
12:44 - 12:47pessoas que cresceram
enfrentando opressões desse tipo -
12:47 - 12:50geralmente ouvem dizer
que, no fim das contas, -
12:50 - 12:54aquelas experiências horríveis na verdade
foram boas para o seu crescimento. -
12:55 - 12:56Eu já ouvi isso.
-
12:56 - 12:59Parece aquele tapinha nas costas:
-
12:59 - 13:04"Olha, você passou por isso tudo,
mas está bem e está vivo". -
13:05 - 13:06Bem,
-
13:06 - 13:09muitos LGBTQs não estão vivos.
-
13:09 - 13:14Muitos LGBTQs estão vivos,
mas será que estão bem? -
13:14 - 13:16A que custo?
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13:16 - 13:17Ao custo de sua autoestima?
-
13:17 - 13:19Ao custo de sua saúde mental?
-
13:20 - 13:23Será que eu e você estamos realmente bem?
-
13:24 - 13:27Ninguém devia ter vergonha
de dizer que não. -
13:29 - 13:31Como você se cura de traumas, então?
-
13:31 - 13:33Não posso dar soluções, lamento.
-
13:33 - 13:39Tudo que posso fazer é compartilhar
minha própria experiência e história. -
13:40 - 13:43A cura, para mim,
certamente não tem sido fácil -
13:43 - 13:47e, sem dúvidas, não tem sido
um caminho reto e tranquilo. -
13:47 - 13:48Acima de tudo,
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13:48 - 13:54curar-se de traumas de bullying homofóbico
não é uma coisa definitiva. -
13:54 - 13:55É um processo.
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13:55 - 13:57Alguns dias, parece que você conseguiu.
-
13:57 - 14:01Outros dias, parece que você
voltou à estaca zero. -
14:01 - 14:05É frustrante, é cansativo,
mas é preciso continuar tentando. -
14:06 - 14:09A arte e a terapia
têm me ajudado bastante. -
14:09 - 14:11Escrever e desenhar minhas histórias
-
14:11 - 14:16me torna mais poderoso
do que o que aconteceu comigo na infância. -
14:16 - 14:22A terapia, que só comecei
a fazer aos 29 anos, -
14:22 - 14:27me ajuda a entender, destrinchar
e lidar com o que aconteceu comigo. -
14:28 - 14:33Aquelas experiências ruins
vão ficando menores e mais fracas -
14:33 - 14:36a cada vez que crio
algo novo a partir delas, -
14:36 - 14:38o que inclui a arte drag.
-
14:39 - 14:43Lembram-se do meu nome, Krisagon,
e do apelido maldoso que me deram? -
14:43 - 14:46Bem, já adulto,
-
14:46 - 14:50decidi pegar algo que havia sido
doloroso e traumático pra mim -
14:50 - 14:51durante muito tempo
-
14:51 - 14:55e transformar em algo belo e criativo.
-
14:55 - 15:01A minha drag é aquele menino dentro de mim
finalmente podendo brincar de boneca. -
15:02 - 15:05Mais do que isso,
eu posso ser a própria boneca. -
15:05 - 15:08Posso virar as regras ao avesso,
-
15:08 - 15:11ou até jogar aquele
maldito manual pela janela. -
15:11 - 15:16A personagem que está falando
com vocês agora se chama Krisa Gonna. -
15:17 - 15:18Muito prazer.
-
15:19 - 15:22(Aplausos)
-
15:28 - 15:31Não tenho mais vergonha daquele apelido.
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15:31 - 15:35Eu o ressignifiquei e posso criar
minhas próprias regras, -
15:35 - 15:37estando ou não na personagem drag.
-
15:37 - 15:40Espero que os que implicavam comigo
da primeira série à faculdade -
15:40 - 15:42tenham encontrado a liberdade.
-
15:42 - 15:46Sabe, quem faz bullying
odeia a liberdade que outros têm. -
15:46 - 15:48Por isso, fazem bullying.
-
15:49 - 15:51Na verdade, cabe somente a eles...
-
15:51 - 15:53Sabe, não é minha obrigação
ensinar a eles, -
15:53 - 15:57e eles têm que se dar conta
de que esse comportamento também os fere, -
15:57 - 15:59mas espero que eles
assistam a esta palestra. -
16:00 - 16:05A arte e a psicoterapia são recursos
que deviam ser acessíveis a todos -
16:05 - 16:08porque todos precisam.
-
16:08 - 16:11Todos temos algo a ser
trabalhado em nós mesmos. -
16:11 - 16:12Eu sei que eu tenho.
-
16:12 - 16:15Afinal, fui socializado como menino.
-
16:16 - 16:19Minha família era tradicional.
-
16:20 - 16:22Ela também era muito dividida
-
16:22 - 16:26por causa do que chamamos
de masculinidade tóxica. -
16:26 - 16:29Talvez seja esse o significado
de "família tradicional". -
16:29 - 16:35Só tive exemplos heterossexuais,
supermasculinos e impostos a seguir. -
16:35 - 16:39Vai além do meu pai,
além do pai do meu pai. -
16:41 - 16:46Muitos homens passam por formas
diferentes de condicionamento -
16:46 - 16:49em relação ao que significa ser homem.
-
16:50 - 16:55Não é de se admirar que hoje,
estatisticamente e com base em pesquisas, -
16:55 - 16:56haja menos homens fazendo terapia
-
16:56 - 17:00porque não falam sobre seus sentimentos
e não procuram ajuda. -
17:00 - 17:04Há menos homens que se sentem naturalmente
preparados para serem bons pais -
17:04 - 17:07porque cuidar de filhos
é "coisa de mulher". -
17:07 - 17:11Se lembram de quem podia brincar
de casinha e de boneca na infância? -
17:11 - 17:14Há mais homens lidando com o suicídio -
-
17:14 - 17:18se lembram de quem era ensinado a ser
forte e não demonstrar sentimentos? - -
17:18 - 17:21lidando de forma inconsequente
com o uso de drogas -
17:22 - 17:26como forma de anestesiar seus sentimentos
de medo, raiva e tristeza. -
17:26 - 17:32Bem, eu não sou psicólogo,
nem sociólogo, nem assistente social. -
17:32 - 17:35Sou apenas uma pessoa queer
socializada como menino, -
17:35 - 17:38assumidamente gay e queer,
-
17:38 - 17:41que confia nos cientistas e pesquisadores
-
17:41 - 17:44que estudam todas essas coisas
sobre as quais falei. -
17:44 - 17:46Todos devíamos confiar neles.
-
17:46 - 17:50Lembrem-se: em nossa sociedade,
a vergonha vem de graça. -
17:50 - 17:54Mas lembrem-se também
de que ninguém precisa sentir vergonha -
17:54 - 17:57para saber como é ter orgulho de si mesmo.
-
17:58 - 18:04Mudar a forma como criamos filhos homens
não vai mudar a sexualidade deles. -
18:04 - 18:09Ter permissão e incentivo para brincar
com diversos tipos de brinquedo -
18:09 - 18:11só vai tornar os filhos mais criativos,
-
18:11 - 18:15mais preparados para os desafios da vida
-
18:15 - 18:19e mais tolerantes com os outros
e consigo mesmos. -
18:20 - 18:22Eles serão livres.
-
18:22 - 18:23Obrigado.
-
18:23 - 18:24(Aplausos) (Vivas)
- Title:
- Da vergonha ao orgulho, e tudo que há no meio | Kris Barz Mendonça | TEDxCSU
- Description:
-
A homofobia ocorre de formas diferentes no mundo inteiro, mas seu modus operandi, em geral, tem raízes na misoginia e na masculinidade tóxica. As consequências para as pessoas LGBT normalmente são vergonha e a autoaversão. Precisamos nos curar. A arte e a terapia podem funcionar como ferramentas importantes no enfrentamento do transtorno do estresse pós-traumático decorrente do bullying homofóbico.
Kris Barz Mendonça é um artista brasileiro que vive no Colorado, nos EUA. Seu trabalho inclui e mescla ilustração, quadrinhos, contação de histórias, drag e dança. Por meio da arte, ele questiona, desafia e reinterpreta os papéis tradicionais de gênero, a heteronormatividade e a masculinidade tóxica, curando-se, ao mesmo tempo, dos traumas da vergonha que lhe foi imposta por seu gay e do bullying homofóbico.
Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx
- Video Language:
- English
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 18:37