A educação como fator (trans)formador | Maria Clara Araújo | TEDxUFPE
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0:07 - 0:09Não liguem de eu estar nervosa, tá?
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0:09 - 0:12Eu estou um pouco "Daisy",
meio desestruturada. -
0:12 - 0:13(Risos)
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0:13 - 0:16Então, as coisas podem não funcionar
da forma como eu previ. -
0:16 - 0:18Então, né...
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0:19 - 0:25Eu tive sorte de ter ouvido o que era ser
mulher trans aos meus 15 anos, -
0:26 - 0:32quando uma de minhas ídolas,
a modelo Lea T, -
0:33 - 0:38falou, na sua primeira entrevista
a um programa brasileiro, -
0:38 - 0:41sobre suas experiências de vida
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0:42 - 0:46e, embora Lea estivesse falando
sobre a vida dela, -
0:46 - 0:51eu, daqui de Recife, consegui estabelecer
uma relação de compreensão -
0:51 - 0:55e de identificação
com o que ela estava falando. -
0:55 - 1:00Lea, nessa entrevista,
falava que ser uma pessoa trans -
1:00 - 1:03- no nosso caso, ser uma mulher trans -
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1:03 - 1:05era colocar as sandálias contrárias
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1:05 - 1:09e andar com aquelas
sandálias todos os dias. -
1:09 - 1:13E eu me identifiquei com aquilo e eu fiz:
"É isso o que eu sou". -
1:14 - 1:19Eu fiquei visível, digamos assim,
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1:19 - 1:23após a minha aprovação aqui
na Universidade Federal de Pernambuco, -
1:23 - 1:26quando eu escrevi um manifesto.
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1:28 - 1:31O manifesto é ilustrado com a minha mãe,
raspando a minha sobrancelha. -
1:31 - 1:34Não liguem de eu começar
a chorar nessa parte -
1:34 - 1:36em que estou falando da minha mãe,
porque eu sou pisciana, -
1:36 - 1:40então as coisas acontecem
de uma forma meio emocional. -
1:40 - 1:43Minha mãe inclusive está aqui.
Ai, não posso chorar. -
1:43 - 1:46Eu queria dizer a ela
que eu a amo muito, tá? -
1:47 - 1:51E foi reconhecido um valor muito político,
contido nesse manifesto, -
1:51 - 1:55que se chamava
"Meu Manifesto pela Igualdade". -
1:55 - 1:59sobre ser travesti e ter sido aprovada
em uma universidade federal. -
2:00 - 2:03Embora eu seja uma mulher visível,
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2:04 - 2:10embora eu tenha conseguido estabelecer
uma relação próxima com a nossa reitoria -
2:10 - 2:14e ter conseguido o nome social
de travestis e pessoas trans, -
2:14 - 2:16enquanto regulamentação,
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2:16 - 2:19essa minha posição ainda é um contraste
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2:19 - 2:23quando colocada de frente
com as vidas de outras pessoas trans. -
2:23 - 2:28Pessoas trans estão em uma posição
de abjeção na nossa sociedade. -
2:28 - 2:30Nós não convivemos com pessoas trans.
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2:30 - 2:33Nós não conversamos com pessoas trans.
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2:33 - 2:38Elas não estão no nosso círculo
de família, de amigos, -
2:38 - 2:45e, por conta disso, não há uma circulação
de informação sobre pessoas trans, -
2:45 - 2:51suficiente pra que faça
com que tenhamos essa consciência -
2:51 - 2:56que eu tive ao assistir à Lea
e que [me permitiu] me construir. -
2:56 - 3:01Isso infelizmente resulta
em transições hormonais tardias, -
3:01 - 3:05porque, infelizmente, só quando
a pessoa tem acesso à informação -
3:05 - 3:07é que ela descobre,
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3:07 - 3:11é que ela tem conhecimento,
digamos assim, do que ela é. -
3:11 - 3:16E, dentro desse processo
de me assumir um ano depois -
3:16 - 3:18enquanto mulher trans, aos 16 anos,
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3:18 - 3:21eu me vi bastante insegura.
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3:21 - 3:24Eu me vi bastante insegura,
porque eu percebi -
3:24 - 3:27que a identidade da mulher trans
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3:27 - 3:34está atrelada a aspectos
ruins, digamos assim. -
3:34 - 3:40E, nesse processo de eu estar insegura
e eu querer que algo me desse um apoio, -
3:40 - 3:43sem dúvidas, eu achei isso
no transfeminismo. -
3:43 - 3:47O transfeminismo
é uma corrente do feminismo, -
3:47 - 3:50entendendo que o feminismo é múltiplo.
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3:50 - 3:53São "os feminismos", entende?
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3:53 - 4:00E o transfeminismo vem justamente
dar voz e escutar as pessoas trans, -
4:01 - 4:07porque nós não escutamos pessoas trans,
nos não falamos sobre pessoas trans. -
4:07 - 4:12E, nesse processo de eu ter quem me escute
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4:12 - 4:16e eu poder produzir algo
falando sobre a minha vida, -
4:16 - 4:20sem dúvidas, eu estou trabalhando
dentro do que eu acredito -
4:20 - 4:23como uma boa representatividade trans.
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4:23 - 4:29E qual é a importância de trabalharmos
com uma boa representatividade trans? -
4:29 - 4:32Se você liga a televisão
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4:32 - 4:37e você vê uma reportagem
sobre uma pessoa trans, -
4:37 - 4:42você só vai ver certos aspectos
que não [inaudível]: -
4:42 - 4:49o aspecto da prostituição,
o aspecto da criminalidade -
4:49 - 4:51e o aspecto das mortes.
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4:51 - 4:56Se você buscar no Google
a palavra "travesti", -
4:56 - 4:58só irá ter notícias de morte.
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4:59 - 5:02E, quando eu falo
sobre representatividade... -
5:02 - 5:04O som está ruim...
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5:04 - 5:06Quando eu falo sobre...
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5:14 - 5:17Então... e quando eu falo
sobre representatividade... -
5:18 - 5:20"Fazendo a Britney"...
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5:20 - 5:22(Risos)
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5:22 - 5:25Quando eu falo sobre representatividade,
eu estou justamente falando -
5:25 - 5:30sobre humanizar a minha condição
de vida em frente de todos vocês. -
5:30 - 5:33E trabalhar uma boa representatividade
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5:33 - 5:37é ter, por exemplo, uma notícia
de uma mulher trans ou travesti brasileira -
5:37 - 5:40tendo sido aprovada
em uma universidade federal, -
5:40 - 5:44lugar em que vocês precisam
ter consciência de que nós não estamos. -
5:44 - 5:45Entende?
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5:45 - 5:50E nós não estamos convivendo
com vocês de modo geral, -
5:50 - 5:55e isso é algo que precisa ser humanizado,
para que vocês tenham consciência -
5:55 - 5:59de que aquelas pessoas podem
conviver com vocês. -
5:59 - 6:05E, quando eu falo que
nós não estamos nesse espaço, -
6:05 - 6:07é porque vocês precisam ter consciência
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6:07 - 6:11de que o Brasil é o país que mais mata
travestis e transexuais no mundo. -
6:12 - 6:16Nós matamos, infelizmente,
quatro vezes mais do que o México, -
6:16 - 6:18que é o segundo colocado.
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6:18 - 6:22Então, dentro do que eu acredito
enquanto uma transfeminista, -
6:22 - 6:25nós estamos falando aqui de uma cultura
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6:25 - 6:29enraizada na nossa
construção de indivíduos. -
6:29 - 6:32Nós tratamos travestis por "ele".
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6:32 - 6:34Quando uma amiga está muito maquiada,
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6:34 - 6:36nós dizemos que ela está
parecendo um "traveco", -
6:36 - 6:39com um teor pejorativo,
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6:39 - 6:42e isso é naturalizado;
a gente fala e a gente não questiona. -
6:42 - 6:43Entende?
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6:44 - 6:49Todas essas ações,
por menores que elas pareçam, -
6:49 - 6:54elas dão ênfase, digamos assim,
a esses percentuais. -
6:55 - 7:01E, dentro dessa cultura,
nos é condicionado um ciclo natural. -
7:01 - 7:03Eu percebi esse ciclo natural
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7:03 - 7:08quando eu me vi conversando
com amigas, mulheres trans, -
7:08 - 7:13e parecia que nossas experiências
de vida eram compartilhadas. -
7:13 - 7:15E que experiências de vida eram essas?
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7:15 - 7:17Nós saímos da escola,
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7:17 - 7:22porque a escola não representa
um lugar de respeito e de acolhimento. -
7:22 - 7:26Pelo contrário:
nós apanhamos todos os dias; -
7:26 - 7:31nós sofremos não só
violências físicas, mas psicológicas, -
7:31 - 7:34e, quando infelizmente
procuramos a direção -
7:34 - 7:37ou as professoras para resolver
a situação, elas falam: -
7:37 - 7:41"Mas está acontecendo isso
porque você é desse jeito. -
7:41 - 7:45Então, por que você não muda seu jeito
pra isso parar de acontecer?" -
7:45 - 7:48Então, há uma culpabilização da vítima.
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7:48 - 7:51Não se tem um entendimento de que eu,
enquanto a pessoa que está apanhando -
7:51 - 7:56por ser reconhecida como travesti,
aquilo é uma violência comigo. -
7:56 - 7:59Essas meninas acabam saindo da escola,
porque a escola não representa -
7:59 - 8:03um lugar onde nós podemos
ter uma boa sociabilidade. -
8:03 - 8:04Não estando na escola,
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8:04 - 8:08quando essas meninas verbalizam
para os pais que saíram da escola, -
8:08 - 8:12não há uma compreensão, uma compaixão,
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8:12 - 8:18que eu acredito que é o que se deveria ter
de pais para filhos e filhas, -
8:18 - 8:22e essas famílias acabam colocando
essas meninas pra fora de casa. -
8:22 - 8:26E eu coloco essa questão da situação
familiar como o ponto principal -
8:26 - 8:30para nós sabermos qual vai ser
o futuro daquela menina. -
8:30 - 8:32Se hoje eu estou falando aqui pra vocês,
-
8:32 - 8:34se hoje eu estou nesta
universidade estudando, -
8:34 - 8:36é porque meus pais me aceitaram.
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8:36 - 8:42E, sem escola, sem família,
essas meninas vão procurar trabalho, -
8:42 - 8:45mas quem dá trabalho
pra travesti e transexual? -
8:45 - 8:49Nas farmácias em que vocês são atendidos,
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8:49 - 8:51alguma travesti já atendeu vocês?
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8:51 - 8:52Não.
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8:52 - 8:56Vocês já tiveram aula com alguma travesti?
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8:56 - 8:57Não. Entende?
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8:57 - 9:01Vocês já se viram de frente
com alguma médica travesti num hospital? -
9:01 - 9:03Não. Entende?
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9:03 - 9:06Nós não estamos
no mercado formal de trabalho -
9:06 - 9:09e, infelizmente, parece que,
a partir do momento -
9:09 - 9:12em que eu me assumo como travesti
ou transexual dentro da sociedade, -
9:12 - 9:18automaticamente me é dado um carimbo
que me designa pra prostituição. -
9:18 - 9:23E, na prostituição,
nós estamos vulneráveis -
9:23 - 9:25e, por estarmos vulneráveis,
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9:29 - 9:31a maioria de nós morremos.
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9:31 - 9:36A nossa expectativa de vida
é de 30 a 35 anos, -
9:36 - 9:41enquanto a do resto
da população brasileira é de 75, -
9:41 - 9:44e isso é algo alarmante.
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9:45 - 9:48Isso é algo que, no cotidiano,
no nosso dia a dia, -
9:48 - 9:51a gente acaba tentando transformar
numa coisa engraçada. -
9:51 - 9:54Uma amiga faz 30 anos,
a gente fala: "Viraste vovó!" -
9:54 - 9:57A gente tenta minimizar isso
de certa forma, -
9:57 - 10:00mas isso continua sendo
algo triste, entende? -
10:00 - 10:03E é nesse momento
que vocês me perguntam: -
10:03 - 10:08"Mas por que vocês estão jogando
essa carga em cima de mim?" -
10:08 - 10:12E é preciso que eu contextualize tudo isso
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10:12 - 10:15para vocês entenderem
o caminho que eu escolhi, -
10:15 - 10:17que foi o caminho da educação.
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10:17 - 10:22Eu vejo a educação, sem dúvidas,
como um fator transformador. -
10:22 - 10:26Eu vejo a educação como o que vai tirar
essas meninas da rua. -
10:26 - 10:29Eu vejo a educação
como o que vai nos ensinar -
10:29 - 10:32a não termos preconceito
com outras pessoas, -
10:32 - 10:35porque essas pessoas não estão
dentro de um padrão hegemônico -
10:35 - 10:37em que nós acreditamos
que todos devam estar. -
10:38 - 10:42Eu vejo a educação como o que vai criar
mecanismos de apoio mútuo, -
10:42 - 10:45e foi, sem dúvidas, isso que hoje me levou
-
10:45 - 10:50a estar trilhando o caminho
em que eu acredito. -
10:50 - 10:53Eu sou Maria Clara Araújo,
eu tenho 19 anos, -
10:53 - 10:55eu sou militante afrotransfeminista
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10:55 - 10:58e eu sou estudante de pedagogia
da Universidade Federal de Pernambuco. -
10:58 - 10:59Muito obrigada.
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10:59 - 11:02(Aplausos) (Vivas)
- Title:
- A educação como fator (trans)formador | Maria Clara Araújo | TEDxUFPE
- Description:
-
Maria Clara Araújo é mulher trans, negra, ativista afrotransfeminista, graduanda em pedagogia pela UFPE, futura pesquisadora interseccional e colaboradora das revistas on-line "Capitolina" e "Blogueiras Negras".
Esta palestra foi dada num evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite: http://ted.com/tedx
- Video Language:
- Portuguese, Brazilian
- Team:
closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 11:05