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Sonhos de culturas ameaçadas

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    Um dos intensos prazeres de viajar
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    e um dos encantos
    da investigação etnográfica
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    é a oportunidade de viver
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    entre os que não se esqueceram
    dos usos antigos,
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    os que ainda sentem
    o seu passado no vento,
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    o apalpam nas pedras
    polidas pela chuva,
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    saboreiam-no
    nas folhas ácidas das plantas.
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    Saber que os xamãs jaguares
    ainda viajam para além da Via Láctea,
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    ou que os mitos dos anciãos inuítes
    ainda fazem ouvir o seu significado
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    ou que, nos Himalaias,
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    os budistas ainda procuram
    o sopro do "dharma".
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    É recordar a revelação central
    da antropologia,
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    ou seja, a ideia de que
    o mundo em que vivemos
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    não existe num sentido absoluto,
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    mas é apenas uma imagem da realidade,
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    a consequência de um conjunto particular
    de escolhas adaptadas
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    que os nossos antepassados fizeram,
    com êxito, há muitas gerações.
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    Claro que todos nós partilhamos
    dos mesmos imperativos de adaptação.
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    Nascemos. Trazemos
    os nossos filhos ao mundo.
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    Passamos por rituais de iniciação.
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    Lidamos com a inexorável
    separação da morte,
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    portanto, não nos devíamos admirar
    por todos cantarmos e dançarmos,
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    por todos termos arte.
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    O que é interessante
    é a cadência especial da canção,
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    o ritmo da dança em cada cultura.
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    Quer sejam os penans
    nas florestas de Bornéu,
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    ou os acólitos vudus no Haiti,
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    ou os guerreiros no deserto Kaisut
    do norte do Quénia,
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    o curandero na cordilheira dos Andes,
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    ou um caravançarai no meio do Saara
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    — já agora, este é o tipo com quem
    atravessei o deserto no mês passado —
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    ou um guardador de iaques
    nas encostas de Qomolangma,
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    no Everest, a deusa-mãe do mundo.
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    Toda esta gente ensina-nos
    que há outras formas de ser,
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    outras formas de pensar, outras formas
    de nos orientarmos na Terra.
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    Se pensarem nisso, isto é uma ideia
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    que só nos pode encher de esperança.
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    No seu conjunto, as miríades
    de culturas pelo mundo
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    formam uma teia
    de vida espiritual e de vida cultural
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    que envolve o planeta
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    e é tão importante
    para o bem-estar do planeta
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    como a teia biológica da vida
    a que chamamos bioesfera.
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    Podemos pensar nesta teia cultural de vida
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    como sendo uma etnoesfera.
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    Podemos definir etnoesfera
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    como sendo o somatório
    de todos os pensamentos e sonhos,
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    mitos, ideias, inspirações, intuições
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    produzidas pela imaginação humana
    desde o despertar da consciência.
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    A etnoesfera é o grande
    legado da Humanidade.
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    É o símbolo de tudo o que somos
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    e de tudo o que podemos ser
    enquanto espécie espantosamente curiosa.
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    Tal como a bioesfera tem sofrido
    uma profunda corrosão,
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    o mesmo acontece com a etnoesfera
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    — de resto, a um ritmo muito maior.
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    Por exemplo, nenhum biólogo
    se atreveria a sugerir
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    que 50% de todas as espécies, ou mais,
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    estão à beira da extinção,
    porque não é verdade.
  • 2:44 - 2:47
    No entanto, o cenário mais apocalítico
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    no domínio da diversidade biológica,
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    mal se aproxima do que sabemos ser
    o cenário mais otimista
  • 2:53 - 2:55
    no domínio da diversidade cultural.
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    Claro que o grande indicador disto
    é a perda das línguas.
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    Quando todos nós nesta sala nascemos,
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    havia 6000 idiomas falados no planeta.
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    Ora bem, uma língua não é
    um simples conjunto de vocabulário
  • 3:06 - 3:08
    ou um conjunto de regras gramaticais.
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    Uma língua é uma centelha
    do espírito humano.
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    É um veículo através do qual
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    a alma de cada cultura
    entra no mundo material.
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    Cada língua é uma floresta adulta
    do espírito,
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    um repositório, um pensamento,
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    um ecossistema
    de possibilidades espirituais.
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    Desses 6000 idiomas,
    hoje aqui em Monterey,
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    uma boa metade já deixou de ser sussurrada
    aos ouvidos das crianças.
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    Já não é ensinada aos bebés,
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    o que significa que,
    a não ser que haja uma mudança,
  • 3:35 - 3:36
    já estão mortas.
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    Que há de mais solitário
    do que ficar envolvido no silêncio,
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    ser a última das pessoas
    a falar a nossa língua,
  • 3:42 - 3:45
    não ter forma de transmitir
    a sabedoria dos antepassados
  • 3:45 - 3:47
    ou prever o futuro das crianças?
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    Contudo, esse destino fatídico
    é o fardo de alguém,
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    algures na Terra, de 15 em 15 dias,
  • 3:52 - 3:54
    porque, de 15 em 15 dias,
    morre um ancião
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    que leva para a cova
    as últimas sílabas duma língua antiga.
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    Sei que podem dizer:
  • 4:00 - 4:02
    "O mundo não seria melhor,
  • 4:02 - 4:04
    "se falássemos uma única língua?"
  • 4:04 - 4:06
    E eu digo: "Ótimo.
    Que seja a língua ioruba.
  • 4:06 - 4:09
    "Que seja o cantonês. Que seja o cogui".
  • 4:09 - 4:10
    De repente, percebemos
  • 4:10 - 4:13
    o que é ser incapaz
    de falar a própria língua.
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    O que eu quero fazer hoje
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    é levar-vos numa viagem
    através da etnoesfera,
  • 4:20 - 4:22
    uma breve viagem através da etnoesfera,
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    tentar dar-vos uma ideia
    do que se está a perder.
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    Talvez muita gente se esqueça de que,
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    quando eu digo "diferentes formas de ser",
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    quero mesmo dizer
    diferentes formas de ser.
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    Vejam, por exemplo, esta criança barasana
    do noroeste do Amazonas,
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    o povo da anaconda,
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    que crê, mitologicamente
    que subiu o rio de leite, vindo de leste
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    dentro do corpo de serpentes sagradas.
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    É um povo que, cognitivamente,
  • 4:53 - 4:55
    não distingue a cor azul da cor verde
  • 4:55 - 4:57
    porque o dossel dos céus
  • 4:57 - 4:59
    é equivalente ao dossel da floresta
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    de que as pessoas dependem.
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    Têm uma linguagem curiosa
    e uma regra de casamento
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    a que chamamos "exogamia linguística":
  • 5:05 - 5:08
    têm que casar com alguém
    que fale uma língua diferente.
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    Isto tem raízes no passado mitológico.
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    O curioso reside nas famílias grandes,
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    em que se falam seis ou sete línguas
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    por causa dos casamentos mistos.
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    Nunca ouvimos ninguém praticar uma língua.
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    Basta ouvirem e começam logo a falar.
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    Uma das tribos mais fascinantes
    com quem já vivi,
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    são os huaoranis do nordeste do Equador,
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    um povo espantoso contactado
    pacificamente, pela primeira vez, em 1958.
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    Em 1957, cinco missionários
    tentaram um contacto
  • 5:35 - 5:36
    e fizeram um erro crítico.
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    Lançaram do ar as suas fotografias
    brilhantes, 8 x 10,
  • 5:40 - 5:42
    num gesto amigável,
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    esquecendo que
    aquela gente da selva tropical
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    nunca tinha visto na vida
    uma coisa bidimensional.
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    Recolheram essas fotografias na floresta,
  • 5:49 - 5:51
    espreitaram por trás das caras
    para ver a figura,
  • 5:51 - 5:55
    não encontraram nada e concluíram
    que eram bilhetes do demónio.
  • 5:55 - 5:57
    Assim, mataram os cinco missionários
    com as lanças.
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    Os huaorani não matavam só os intrusos,
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    também se matavam entre si.
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    54% da mortalidade devia-se
    a matarem-se entre si com lanças.
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    Seguimos genealogias de oito gerações
  • 6:06 - 6:08
    e só encontrámos
    duas situações de morte natural.
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    Apertámos as pessoas sobre esse facto,
  • 6:11 - 6:13
    e elas reconheceram que um deles
    tinha morrido de velho,
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    mas que lhe tinham espetado
    uma lança na mesma.
  • 6:15 - 6:17
    (Risos)
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    Eles tinham um conhecimento perspicaz
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    e assombroso da floresta.
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    Os caçadores cheiravam
    a urina animal a 40 passos
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    e diziam-nos qual a espécie
    que a tinha deixado.
  • 6:26 - 6:29
    No início dos anos 80,
    tive uma missão espantosa
  • 6:29 - 6:31
    quando o meu professor
    em Harvard me perguntou
  • 6:31 - 6:33
    se eu estava interessado em ir ao Haiti,
  • 6:33 - 6:35
    infiltrar-me nas sociedades secretas
  • 6:35 - 6:38
    que eram a base da força
    de Duvalier e de Tonton Macoute,
  • 6:38 - 6:41
    e descobrir qual o veneno usado
    para fazer "zombies".
  • 6:42 - 6:45
    Claro que, para entender o que me pediam,
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    eu tinha que perceber um pouco
    dessa crença espantosa do vudu.
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    O vudu não é um culto de magia negra.
  • 6:51 - 6:53
    É uma complexa
    perspetiva metafísica do mundo.
  • 6:53 - 6:56
    Se eu pedir para referirem
    as grandes religiões do mundo,
  • 6:56 - 6:57
    o que é que diriam?
  • 6:57 - 6:59
    Cristianismo, islamismo,
    budismo, judaísmo, etc.
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    Há sempre um continente que fica de fora,
  • 7:01 - 7:05
    na suposição de que a África subsaariana
    não tem crenças religiosas.
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    Pois bem, tem sim e o vudu
    é pura e simplesmente
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    a destilação dessas ideias religiosas
    muito profundas
  • 7:10 - 7:13
    que surgiram durante a trágica Diáspora
    da era da escravatura.
  • 7:13 - 7:14
    O vudu é muito interessante
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    porque é uma relação viva
    entre os vivos e os mortos.
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    Os vivos dão origem aos espíritos.
  • 7:19 - 7:22
    Os espíritos podem ser invocados
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    respondendo ao ritmo da dança
  • 7:23 - 7:26
    para deslocarem a alma dos vivos
    momentaneamente.
  • 7:26 - 7:28
    Durante aquele
    breve momento resplandecente,
  • 7:28 - 7:30
    o acólito torna-se no deus.
  • 7:30 - 7:31
    Por isso, eles gostam de dizer:
  • 7:31 - 7:34
    "Vocês, brancos, vão à igreja
    e falam sobre Deus.
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    "Nós dançamos no templo
    e tornamo-nos Deus".
  • 7:37 - 7:39
    Como estão possuídos,
    são levados pelo espírito
  • 7:39 - 7:41
    — como é que podem sofrer?
  • 7:41 - 7:43
    Vemos estas demonstrações espantosas:
  • 7:43 - 7:45
    acólitos vudus em estado de transe
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    manipulando cinzas ardentes impunemente,
  • 7:49 - 7:51
    uma demonstração espantosa
    da capacidade do espírito
  • 7:51 - 7:53
    em afetar o corpo que o contém,
  • 7:53 - 7:56
    quando catalizado
    num estado de excitação extrema.
  • 7:56 - 7:58
    De todos os povos com quem já estive,
  • 7:58 - 8:00
    o mais extraordinário é o povo kogui
  • 8:00 - 8:03
    da Serra Nevada de Santa Marta
    no norte da Colômbia.
  • 8:04 - 8:06
    Descendentes da antiga civilização tairona
  • 8:06 - 8:09
    que outrora ocupou a planície costeira
    caraibenha da Colômbia,
  • 8:09 - 8:11
    na sequência da conquista
  • 8:11 - 8:13
    este povo recuou
    para um maciço vulcânico isolado
  • 8:13 - 8:16
    elevado sobre
    a planície costeira caraibenha.
  • 8:16 - 8:18
    Num continente afogado em sangue,
  • 8:18 - 8:20
    só este povo nunca foi conquistado
    pelos espanhóis.
  • 8:20 - 8:23
    Até hoje, mantêm-se governados
    por um clero ritual
  • 8:23 - 8:26
    mas a formação clerical
    é bastante extraordinária.
  • 8:26 - 8:29
    Os jovens acólitos
    são retirados às famílias
  • 8:29 - 8:30
    na idade de três e quatro anos,
  • 8:30 - 8:32
    sequestrados num mundo sombrio de escuridão
  • 8:32 - 8:35
    em cabanas de pedra na base de glaciares,
  • 8:35 - 8:38
    durante 18 anos:
    dois períodos de nove anos,
  • 8:38 - 8:41
    deliberadamente escolhidos
    para imitar os nove meses de gestação
  • 8:41 - 8:43
    que eles passam no útero da mãe natural.
  • 8:43 - 8:46
    Nessa altura, estão metaforicamente
    no útero da grande mãe
  • 8:46 - 8:47
    Durante todo esse tempo,
  • 8:47 - 8:51
    são-lhes incutidos
    os valores da sociedade,
  • 8:51 - 8:53
    valores que defendem
    a proposição de que as suas preces,
  • 8:53 - 8:56
    e apenas as suas preces,
    mantêm o equilíbrio cósmico
  • 8:56 - 8:58
    — ou, diríamos nós, ecológico.
  • 8:58 - 9:00
    No fim desta iniciação espantosa,
  • 9:00 - 9:02
    um dia saem bruscamente
  • 9:02 - 9:06
    e, pela primeira vez na vida, com 18 anos,
    veem um nascer do sol.
  • 9:06 - 9:09
    Nesse momento cristalino
    de consciência da primeira luz,
  • 9:09 - 9:11
    quando o sol começa a banhar as encostas
  • 9:11 - 9:13
    daquela paisagem estonteantemente bela,
  • 9:13 - 9:16
    de repente, tudo o que
    aprenderam em abstrato
  • 9:16 - 9:18
    afirma-se na sua glória estupenda.
  • 9:18 - 9:19
    O sacerdote recua e diz:
  • 9:19 - 9:21
    "Estão a ver? É mesmo como eu vos disse.
  • 9:21 - 9:24
    "É muito belo. Compete-vos protegê-lo".
  • 9:24 - 9:26
    Intitulam-se os "irmãos mais velhos"
  • 9:26 - 9:28
    e dizem que nós,
    que somos os irmãos mais novos,
  • 9:28 - 9:31
    somos os responsáveis
    pela destruição do mundo.
  • 9:32 - 9:35
    Este nível de intuição
    torna-se muito importante.
  • 9:35 - 9:37
    Sempre que pensamos
    em povos indígenas e paisagem,
  • 9:37 - 9:41
    ou invocamos Rousseau
    e a velha história do "bom selvagem"
  • 9:41 - 9:44
    — que é uma ideia racista
    na sua simplicidade —
  • 9:44 - 9:46
    ou, em alternativa, invocamos Thoreau
  • 9:46 - 9:49
    e dizemos que estes povos
    estão mais perto da Terra do que nós.
  • 9:49 - 9:51
    Os povos indígenas não são sentimentais
  • 9:51 - 9:52
    nem estão débeis por nostalgia.
  • 9:52 - 9:54
    Não há muito espaço para nada disso
  • 9:54 - 9:56
    nos pântanos cheios de malária do Asmat
  • 9:56 - 9:58
    os nos ventos gelados do Tibete.
  • 9:58 - 10:01
    No entanto, forjaram,
    através dos tempos e de rituais,
  • 10:01 - 10:03
    uma mística tradicional da Terra
  • 10:03 - 10:06
    que não se baseia na ideia
    de estar conscientemente perto dela,
  • 10:06 - 10:10
    mas numa intuição muito mais subtil:
  • 10:10 - 10:12
    a ideia de que a Terra só existe
  • 10:12 - 10:14
    porque respira a vida
    na consciência humana.
  • 10:15 - 10:16
    O que é que isso significa?
  • 10:16 - 10:18
    Significa que uma criança dos Andes
  • 10:18 - 10:21
    criada a acreditar que
    a montanha é um espírito Apu
  • 10:21 - 10:23
    — que vai orientar o seu destino —
  • 10:23 - 10:25
    virá a ser uma pessoa
    profundamente diferente
  • 10:25 - 10:30
    e terá uma relação diferente
    com aquele recurso natural
  • 10:30 - 10:31
    do que uma criança de Montana
  • 10:31 - 10:33
    criada a acreditar que a montanha
    é um monte rochoso
  • 10:33 - 10:35
    pronto a ser explorado.
  • 10:35 - 10:38
    Ser a morada de um espírito
    ou um monte de rochas é irrelevante.
  • 10:38 - 10:41
    O que é interessante é a metáfora
    que define a relação
  • 10:41 - 10:43
    entre o indivíduo e o mundo natural.
  • 10:43 - 10:46
    Eu fui criado nas florestas
    da Colúmbia Britânica.
  • 10:46 - 10:48
    Para mim, elas eram para serem derrubadas.
  • 10:48 - 10:50
    Isso fez de mim um ser humano diferente
  • 10:50 - 10:51
    dos meus amigos entre os kwagul
  • 10:51 - 10:54
    que creem que as florestas são
    a morada de Huxuku,
  • 10:54 - 10:55
    do Bico Torto do Céu
  • 10:55 - 10:58
    e dos espíritos canibais que moram
    a norte do mundo,
  • 10:58 - 11:01
    espíritos que eles tinham que invocar
    durante a sua iniciação Hamatsa.
  • 11:02 - 11:03
    Se começarmos a pensar
  • 11:03 - 11:05
    que estas culturas
    criam realidades diferentes,
  • 11:05 - 11:09
    talvez compreendamos
    as suas descobertas extraordinárias.
  • 11:09 - 11:10
    Olhem para esta planta.
  • 11:10 - 11:14
    Tirei esta fotografia
    no norte da Amazónia em abril passado.
  • 11:14 - 11:16
    É a huasca, de que
    provavelmente já ouviram falar,
  • 11:16 - 11:20
    o preparado psicoativo mais poderoso
  • 11:20 - 11:22
    do arsenal do xamã.
  • 11:22 - 11:24
    O que torna fascinante a huasca
  • 11:24 - 11:29
    não é o grande potencial farmacológico
    do seu preparado, mas a sua elaboração.
  • 11:29 - 11:33
    É feita com duas coisas diferentes:
  • 11:33 - 11:34
    esta liana lenhosa
  • 11:34 - 11:36
    que tem uma série de betacarbolinas,
  • 11:36 - 11:39
    a harmina, a harmalina,
    alucinogénios suaves
  • 11:39 - 11:42
    — tomar apenas a liana
    é como inalar o fumo inebriante
  • 11:42 - 11:44
    que atravessa a consciência —
  • 11:44 - 11:48
    e que é misturada com as folhas
    dum arbusto da família do cafezeiro
  • 11:48 - 11:49
    chamado "Psychotria viridis".
  • 11:49 - 11:52
    Esta planta contém triptaminas
    muito poderosas
  • 11:52 - 11:56
    muito parecidas com a serotonina cerebral,
    a dimetiltriptamina,
  • 11:56 - 11:58
    a 5-metoxidimetiltriptamina.
  • 11:58 - 12:00
    Se já viram os ianomâmis
  • 12:00 - 12:01
    a inalar essa droga pelo nariz,
  • 12:01 - 12:05
    essa substância que eles fazem
    com um conjunto de diferentes espécies
  • 12:05 - 12:08
    também contém metoxidimetiltriptamina.
  • 12:08 - 12:11
    Enfiar esse pó pelo nariz acima
  • 12:11 - 12:14
    é como ser disparado
    pelo cano duma espingarda,
  • 12:14 - 12:17
    imerso em pinturas barrocas
    e aterrar num mar de eletricidade.
  • 12:17 - 12:19
    (Risos)
  • 12:19 - 12:21
    (Aplausos)
  • 12:21 - 12:23
    Não cria distorção da realidade,
  • 12:23 - 12:25
    cria a dissolução da realidade.
  • 12:25 - 12:27
    Eu discutia com o meu professor,
    Richard Evan Shultes
  • 12:27 - 12:29
    — o homem que desencadeou
    a era psicadélica
  • 12:29 - 12:32
    com a sua descoberta dos cogumelos mágicos
  • 12:32 - 12:33
    no México nos anos 30 —
  • 12:33 - 12:36
    argumentava que não podíamos
    classificar estas triptaminas
  • 12:36 - 12:39
    como alucinogénios porque,
    quando estamos sob o efeito delas,
  • 12:39 - 12:42
    deixa de haver espaço
    para experimentar uma alucinação.
  • 12:42 - 12:43
    (Risos)
  • 12:43 - 12:46
    Mas as triptaminas
    não podem ser ingeridas oralmente
  • 12:46 - 12:47
    porque são desnaturadas por uma enzima
  • 12:47 - 12:49
    que se encontra
    no intestino humano,
  • 12:49 - 12:51
    chamada monoamina oxidase [MAO].
  • 12:51 - 12:53
    Só podem ser ingeridas oralmente,
  • 12:53 - 12:56
    se tomadas com qualquer outro químico
    que desnature a MAO.
  • 12:57 - 12:58
    O que é fascinante
  • 12:58 - 13:02
    é que as betacarbolinas
    encontradas nesta liana
  • 13:02 - 13:05
    são inibidoras da MAO
    exatamento do tipo necessário
  • 13:05 - 13:07
    para potenciar a triptamina.
  • 13:07 - 13:09
    Isto suscita uma pergunta.
  • 13:09 - 13:12
    Como é que, numa flora
    de 80 mil espécies de plantas vasculares,
  • 13:12 - 13:16
    estes povos descobriram estas duas
    plantas morfologicamente dissociadas
  • 13:16 - 13:18
    que, quando combinadas desta forma,
  • 13:18 - 13:20
    criam um tipo de versão bioquímica
  • 13:20 - 13:22
    em que o todo é maior
    do que a soma das partes?
  • 13:22 - 13:25
    Nós usamos o grande eufemismo
    "por erros e tentativas"
  • 13:25 - 13:26
    que não significa nada.
  • 13:26 - 13:28
    Se perguntamos aos índios, eles dizem:
  • 13:28 - 13:29
    "As plantas falam connosco".
  • 13:29 - 13:31
    O que é que isso significa?
  • 13:31 - 13:35
    Esta tribo, os cofans,
    tem 17 variedades de huasca,
  • 13:35 - 13:38
    que eles distinguem umas das outras,
    a grande distância, na floresta
  • 13:38 - 13:42
    Aos nossos olhos, parecem
    todas da mesma espécie.
  • 13:42 - 13:46
    Perguntei-lhes como é que eles
    definem a sua taxonomia e eles dizem:
  • 13:46 - 13:48
    "Julgava que conhecias as plantas,
  • 13:48 - 13:49
    "afinal, não sabes nada?"
  • 13:49 - 13:50
    E eu digo: "Não".
  • 13:50 - 13:52
    "Apanhamos cada uma das 17 variedades
  • 13:52 - 13:55
    "numa noite de lua cheia
    e elas cantam num tom diferente".
  • 13:55 - 13:58
    Isto não nos vai dar
    um doutoramento em Harvard,
  • 13:58 - 14:00
    mas é muito mais interessante
    do que contar estames.
  • 14:00 - 14:02
    (Risos)
  • 14:02 - 14:05
    (Aplausos)
  • 14:05 - 14:07
    O problema é que os que são solidários
  • 14:07 - 14:09
    com a triste sorte do povo indígena,
  • 14:09 - 14:11
    acham-nos esquisitos e coloridos,
  • 14:11 - 14:13
    e reduzidos às margens da História
  • 14:13 - 14:16
    enquanto o mundo real,
    ou seja o nosso mundo, continua a girar.
  • 14:16 - 14:18
    A verdade é que, daqui a 300 anos,
  • 14:18 - 14:20
    o século XX não vai ser recordado
    pelas suas guerras
  • 14:20 - 14:22
    nem pelas inovações tecnológicas,
  • 14:22 - 14:24
    mas como uma era em que acompanhámos
  • 14:24 - 14:27
    e promovemos ativamente
    ou aceitámos passivamente
  • 14:27 - 14:31
    a destruição maciça da diversidade
    biológica e cultural no planeta.
  • 14:31 - 14:33
    O problema não vai mudar.
  • 14:33 - 14:35
    Todas as culturas, em todos os tempos,
  • 14:35 - 14:37
    se envolveram constantemente numa dança
  • 14:37 - 14:39
    com novas possibilidades de vida.
  • 14:39 - 14:42
    O problema não é a tecnologia em si mesma.
  • 14:42 - 14:44
    Os índios sioux não deixaram de ser sioux
  • 14:44 - 14:46
    por largar o arco e flecha,
  • 14:46 - 14:48
    tal como um americano não deixou de o ser
  • 14:48 - 14:49
    por ter largado o cavalo e a carroça.
  • 14:49 - 14:53
    Não é a mudaça nem a tecnologia
    que ameaçam a integridade da etnoesfera,
  • 14:53 - 14:55
    é o poder,
  • 14:55 - 14:56
    o rosto rude do domínio.
  • 14:56 - 14:58
    Onde quer que olhemos em todo o mundo
  • 14:58 - 15:01
    vemos que estas culturas
    não estão condenadas a desaparecer.
  • 15:01 - 15:03
    São povos de vida dinâmica,
  • 15:03 - 15:06
    empurrados para a extinção
    por forças identificáveis
  • 15:06 - 15:08
    que ultrapassam
    a sua capacidade de adaptação,
  • 15:08 - 15:11
    quer seja uma gigantesca desflorestação
  • 15:11 - 15:13
    na terra natal dos penans
  • 15:13 - 15:16
    — um povo nómada
    do sudeste asiático, de Sarawak
  • 15:16 - 15:21
    um povo que, na geração passada,
    vivia livremente na floresta
  • 15:21 - 15:24
    e agora está reduzido
    à servidão e à prostituição
  • 15:24 - 15:25
    nas margens dos rios,
  • 15:25 - 15:29
    onde vemos o próprio rio
    poluído com o lodo
  • 15:29 - 15:32
    que parece transportar metade do Bornéu
    para o sul do Mar da China,
  • 15:32 - 15:35
    onde os cargueiros japoneses
    alinhados no horizonte
  • 15:35 - 15:38
    prontos a encher os porões
    com troncos arrancados à floresta —
  • 15:38 - 15:40
    ou, no caso dos ianomâmis,
  • 15:40 - 15:41
    em que apareceram as doenças
  • 15:41 - 15:43
    na sequência da descoberta de ouro.
  • 15:43 - 15:46
    Se formos para as montanhas do Tibete,
  • 15:46 - 15:48
    — onde estive a fazer
    uma grande investigação —
  • 15:48 - 15:51
    vemos esse rosto rude no domínio político
  • 15:51 - 15:54
    O genocídio, a extinção física dum povo
  • 15:54 - 15:55
    é universalmente condenado,
  • 15:55 - 15:58
    mas o etnocídio, a destruição
    da forma de vida dum povo,
  • 15:58 - 16:02
    não só não é condenado mas é festejado
    universalmente, em muitos quadrantes
  • 16:02 - 16:05
    por fazer parte
    duma estratégia de desenvolvimento.
  • 16:05 - 16:07
    Não temos hipótese de perceber
    o sofrimento do Tibete
  • 16:07 - 16:10
    se não o acompanharmos no terreno.
  • 16:10 - 16:14
    Uma vez viajei 7500 km
    desde Chengdu na China ocidental,
  • 16:14 - 16:17
    atravessei pelo sudeste do Tibet até Lassa,
  • 16:17 - 16:20
    com um jovem colega
    e só quando cheguei a Lassa
  • 16:20 - 16:23
    percebi o rosto por trás das estatísticas
  • 16:23 - 16:25
    de que ouvimos falar:
  • 16:25 - 16:28
    a destruição de 6000 monumentos sagrados,
    reduzidos a pó e cinzas,
  • 16:28 - 16:30
    um milhão e duzentas mil pessoas
  • 16:30 - 16:34
    mortas pelos quadros,
    durante a Revolução Cultural.
  • 16:33 - 16:36
    O pai deste jovem tinha sido
    afetado ao Panchen Lama
  • 16:36 - 16:38
    Isso decretou de imediato a morte dele
  • 16:38 - 16:39
    na altura da invasão chinesa.
  • 16:39 - 16:42
    O tio dele fugiu com Sua Santidade
    na Diáspora
  • 16:42 - 16:44
    que levou o povo para o Nepal.
  • 16:44 - 16:49
    A mãe dele foi encarcerada
    pelo crime de ser rica.
  • 16:49 - 16:52
    Introduziram-no secretamente
    na cadeia, com dois anos,
  • 16:52 - 16:54
    escondeu-se sob as saias dela
  • 16:54 - 16:56
    porque ela não suportava viver sem ele.
  • 16:56 - 16:57
    A irmã, que correu esse risco,
  • 16:57 - 16:59
    foi posta num campo de educação.
  • 16:59 - 17:02
    Um dia, involuntariamente,
    pisou uma braçadeira de Mao
  • 17:02 - 17:04
    e, por essa transgressão,
  • 17:04 - 17:06
    foi condenada a sete anos
    de trabalhos forçados.
  • 17:07 - 17:10
    O sofrimento do Tibete
    pode ser insuportável
  • 17:10 - 17:13
    mas o espírito redentor
    do povo merece ser admirado.
  • 17:14 - 17:16
    Afinal, tudo se reduz a uma escolha:
  • 17:16 - 17:19
    queremos viver num mundo
    monocromático de monotonia
  • 17:19 - 17:22
    ou queremos adotar um mundo
    policromático de diversidade?
  • 17:22 - 17:25
    Margaret Mead, a grande antropóloga,
    disse, antes de morrer
  • 17:25 - 17:28
    que o seu maior receio
    era que caminhássemos
  • 17:28 - 17:31
    para essa perspetiva de um mundo
    genérico e amorfo,
  • 17:31 - 17:35
    em que víssemos toda a gama
    da imaginação humana
  • 17:35 - 17:39
    reduzida a uma modalidade
    de pensamento mais estreita
  • 17:39 - 17:41
    e que um dia
    acordássemos do sonho
  • 17:41 - 17:44
    esquecidos de que tinha havido
    outras possibilidades.
  • 17:44 - 17:47
    É acabrunhante recordar
    que a nossa espécie
  • 17:47 - 17:50
    existe talvez há uns 600 000 anos.
  • 17:50 - 17:52
    A Revolução Neolítica
    — que nos deu a agricultura,
  • 17:52 - 17:55
    altura em que sucumbimos
    ao culto da semente,
  • 17:55 - 17:58
    em que a poesia do xamã foi substituída
    pela prosa do sacerdote,
  • 17:58 - 18:01
    em que criámos uma hierarquia
    de excedentes de especialização
  • 18:01 - 18:02
    — apenas há 10 000 anos.
  • 18:02 - 18:05
    O mundo industrial moderno ,
    tal como o conhecemos
  • 18:05 - 18:07
    tem pouco menos de 300 anos.
  • 18:07 - 18:08
    Esta história superficial não sugere
  • 18:08 - 18:11
    que temos todas as respostas
    para todos os desafios
  • 18:11 - 18:14
    que enfrentaremos nos próximos milénios.
  • 18:14 - 18:16
    Quando perguntamos a estas miríades
    de culturas do mundo
  • 18:16 - 18:18
    qual o sentido de ser humano,
  • 18:18 - 18:21
    respondem com 10 000 vozes diferentes.
  • 18:21 - 18:26
    E é nessa canção que todos
    redescobrimos a possibilidade
  • 18:26 - 18:29
    de sermos o que somos:
    uma espécie plenamente consciente
  • 18:29 - 18:33
    plenamente cientes de que
    todos os povos e todos os jardins
  • 18:33 - 18:35
    encontrem forma de florescer.
  • 18:35 - 18:37
    São grandes momentos de otimismo.
  • 18:38 - 18:41
    Tirei esta fotografia
    na ponta norte da Ilha Baffin
  • 18:41 - 18:44
    quando fui caçar o narval
    com o povo inuíte.
  • 18:44 - 18:48
    Este homem, Olayuk, contou-me
    uma história maravilhosa do seu avô.
  • 18:48 - 18:50
    O governo canadiano
    nem sempre foi simpático
  • 18:50 - 18:52
    para com o povo inuíte e, nos anos 50,
  • 18:52 - 18:55
    para impor a sua soberania,
    forçámo-los a irem para reservas.
  • 18:55 - 18:59
    O avô deste ancião recusou-se a ir.
  • 18:59 - 19:01
    A família, receosa pela vida dele,
  • 19:01 - 19:04
    retirou-lhe todas as armas,
    todos os instrumentos.
  • 19:05 - 19:08
    É preciso que saibam
    que os inuítes não receiam o frio,
  • 19:08 - 19:10
    tiram partido dele.
  • 19:10 - 19:13
    Os patins dos trenós eram feitos de peixes
    envolvidos em pele de rena.
  • 19:13 - 19:18
    Assim, o avô deste homem
    não ficou intimidado com a noite do Ártico
  • 19:18 - 19:19
    ou com os nevões.
  • 19:19 - 19:23
    Saiu para o exterior,
    baixou as calças de pele de foca
  • 19:23 - 19:25
    e defecou nas mãos.
  • 19:25 - 19:27
    Quando as fezes começaram a congelar,
  • 19:27 - 19:29
    moldou-as com a forma duma lâmina.
  • 19:29 - 19:32
    Pôs um bocado de saliva
    no fio da lâmina da faca de fezes
  • 19:32 - 19:35
    e, quando ela ficou sólida,
    matou um cão com ela.
  • 19:35 - 19:38
    Esfolou o cão e improvisou uns arreios.
  • 19:38 - 19:41
    Usou as costelas do cão
    para improvisar um trenó,
  • 19:41 - 19:43
    pôs os arreios num outro cão
  • 19:43 - 19:45
    e desapareceu pelas
    placas de gelo flutuante
  • 19:45 - 19:47
    com a faca de fezes à cintura.
  • 19:47 - 19:49
    Venham cá falar de subsistir sem nada!
  • 19:50 - 19:51
    (Risos)
  • 19:51 - 19:53
    (Aplausos)
  • 19:53 - 19:56
    Sob muitos aspetos, é um símbolo
    da resistência do povo inuíte
  • 19:56 - 19:58
    e de todos os povos indígenas
    em todo o mundo.
  • 19:58 - 20:01
    O governo canadiano em abril de 1999
  • 20:01 - 20:03
    devolveu aos inuítes o controlo total
  • 20:03 - 20:07
    duma faixa de terra maior do que
    a Califórnia e do Texas, em conjunto.
  • 20:07 - 20:09
    É a nossa nova terra. Chama-se Nunavut.
  • 20:09 - 20:12
    É um território independente.
    Controlam todos os recursos minerais,
  • 20:12 - 20:15
    Um exemplo espantoso
    de como uma nação-estado
  • 20:15 - 20:18
    encara a restituição ao seu povo.
  • 20:19 - 20:22
    Por fim, penso que é bastante óbvio,
  • 20:22 - 20:24
    pelo menos para todos nós que viajaram
  • 20:24 - 20:26
    por estas remotas paragens do planeta,
  • 20:26 - 20:28
    perceber que afinal não são remotas.
  • 20:28 - 20:30
    São a terra natal de alguém.
  • 20:30 - 20:33
    Representam ramos da imaginação humana
  • 20:33 - 20:35
    que remontam aos primórdios dos tempos.
  • 20:35 - 20:38
    Para todos nós, os sonhos destas crianças,
  • 20:38 - 20:40
    tal como os sonhos das nossas crianças,
  • 20:40 - 20:43
    fazem parte da geografia
    nua e crua da esperança.
  • 20:43 - 20:47
    Por fim, o que estamos a tentar fazer
    na National Geographic,
  • 20:47 - 20:50
    — como achamos que os políticos
    nunca farão nada...
  • 20:50 - 20:53
    (Aplausos)
  • 20:53 - 20:56
    ... pensamos que as polémicas
    não são persuasivas —
  • 20:56 - 20:58
    pensamos que contar histórias
    pode mudar o mundo.
  • 20:58 - 21:01
    Provavelmente somos a melhor instituição
    do mundo a contar histórias.
  • 21:01 - 21:04
    Temos 35 milhões de visitas por mês
    no nosso "website".
  • 21:04 - 21:07
    Há 156 países que transmitem
    o nosso canal de televisão.
  • 21:08 - 21:11
    As nossas revistas são lidas por milhões.
  • 21:11 - 21:14
    Fazemos uma série de viagens à etnoesfera,
  • 21:14 - 21:16
    e levamos as nossas audiências
  • 21:16 - 21:18
    a locais de tão grande maravilha cultural
  • 21:18 - 21:20
    que não podem deixar de ficar estupefactos
  • 21:20 - 21:22
    com o que veem.
  • 21:22 - 21:25
    Assim, esperamos que adiram,
    gradualmente, um por um,
  • 21:25 - 21:28
    à revelação central da antropologia:
  • 21:28 - 21:31
    que este mundo merece existir
    na sua forma variada,
  • 21:31 - 21:34
    que podemos encontrar
    uma forma de viver num mundo
  • 21:34 - 21:36
    verdadeiramente multicultural, pluralista,
  • 21:36 - 21:38
    onde toda a sabedoria de todos os povos
  • 21:38 - 21:40
    possa contribuir
    para o nosso bem-estar coletivo.
  • 21:40 - 21:42
    Muito obrigado.
  • 21:42 - 21:44
    (Aplausos)
Title:
Sonhos de culturas ameaçadas
Speaker:
Wade Davis
Description:

Com fotos e histórias estonteantes, Wade Davis, da National Geographic Explorer, elogia a extraordinária diversidade das culturas indígenas mundiais, que estão a desaparecer do planeta a um ritmo alarmante.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
21:44
Margarida Ferreira approved Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
Isabel Vaz Belchior edited Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
Isabel Vaz Belchior edited Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
Isabel Vaz Belchior edited Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
Isabel Vaz Belchior accepted Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for Dreams from endangered cultures
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