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De "filha do diabo" a bailarina estrela | Michaela DePrince | TEDxAmsterdam 2014

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    Chamo-me Michaela DePrince.
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    Quando comecei a escrever o meu discurso,
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    pensei que talvez lhe pudesse dar
    um toque de conto de fadas.
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    Isso porque muita gente me diz
    que a minha vida é um conto de fadas.
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    Mas devo dizer que discordo totalmente.
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    Sim, eu tenho tudo aquilo com que sonhei,
    mas tive de lutar por isso.
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    Nem sempre me chamei Michaela DePrince.
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    O meu nome original é Mabinty Bangura.
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    Nasci na Serra Leoa,
    na África Ocidental, em 1995,
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    quatro anos antes
    da sangrenta guerra civil.
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    Essa guerra deslocou milhares de homens,
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    violou milhares de mulheres e crianças
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    e morreram mais de 50 000 pessoas.
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    Os meus pais estiveram entre eles.
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    Nasci com vitiligo,
    uma deficiência na pele.
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    Deixa manchas brancas
    em todo o meu corpo.
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    Eu era diferente.
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    Na Serra Leoa, não percebiam
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    porque é que eu tinha
    manchas brancas na pele,
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    mas foi assim que eu nasci.
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    Julgavam que eu estava amaldiçoada.
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    Começaram a chamar-me "filha do diabo",
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    porque qualquer pessoa com o meu aspeto
    tinha de ser filha do diabo.
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    Fui ridicularizada e perseguida,
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    porque tinha um aspeto diferente.
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    Os meus pais tentaram defender-me
    o melhor que puderam,
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    mas perceberam que eu nunca
    havia de casar
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    por causa do aspeto que tinha.
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    Tentaram educar-me,
    ensinaram-me a ler,
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    e começaram a poupar
    dinheiro para a minha educação.
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    Mas, quando os meus pais morreram,
    eu fiquei indefesa e sozinha.
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    Nunca tive tanto medo na minha vida.
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    O meu tio levou-me para o orfanato,
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    sabendo que nunca obteria
    um bom preço por mim, como noiva,
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    e nunca mais me foi buscar.
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    No orfanato, éramos tratadas por tias,
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    não eram as tias que vocês têm em casa,
    as tias que vos amam,
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    que se preocupam convosco
    façam vocês o que fizerem.
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    Aquelas tias eram mulheres sem formação,
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    que só tomavam conta de nós
    para levarem comida para os filhos.
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    Lavavam a nossa roupa
    e davam-nos comida.
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    Mas essas tias tinham preferidas.
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    Havia 27 crianças no orfanato.
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    A número 1 recebia a maior porção
    de comida e a primeira escolha das roupas.
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    A número 27 recebia a menor porção
    de comida e a última escolha das roupas.
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    Eu era a número 27.
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    Todos os dias no orfanato
    eu passava fome.
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    Nunca me tinha sentido tão só.
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    Como é que aquilo me tinha acontecido?
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    Então percebi que era muito mais fácil
    não me dedicar a ninguém
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    porque acabavam sempre por me deixar.
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    Mas, depois, fiz uma amiga no orfanato.
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    Ela chamava-se Mabinty, Mabinty Suma.
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    A número 26 estava sempre doente,
    mas tinha um coração de ouro.
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    Estava sempre muito alegre.
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    A número 26 escutava sempre
    os meus medos e todos os meus sonhos.
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    Sempre que eu estava assustada,
    ela cantava para mim.
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    Quando eu não conseguia adormecer,
    ela contava-me uma história de embalar.
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    A número 26 continua a fazer isso,
    15 anos depois, como a minha irmã Mia.
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    Um dia,
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    a ventania atirou uma revista
    para o portão do orfanato.
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    Apanhei-a e folheei-a.
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    Vi uma coisa.
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    Uma criatura espantosa, uma pessoa
    que eu nunca tinha visto antes.
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    Estava em bicos de pés
    com um fato rosa belíssimo.
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    Mas o que me atingiu mais
    foi o facto de ela parecer tão feliz.
  • 4:10 - 4:13
    Eu não me sentia feliz há muito tempo.
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    Por isso, pensei: "Se ela é feliz
    por causa do que está a fazer,
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    "talvez eu também possa ser feliz um dia".
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    Eu tinha de ser aquela pessoa,
    tinha de ser,
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    para vir a ser alguém.
  • 4:26 - 4:30
    Arranquei a capa da revista
    e escondi-a nas cuecas
  • 4:30 - 4:32
    porque não tinha mais nada onde a pôr.
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    Porque, enquanto número 27,
    eu não tinha outra hipótese.
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    Não me davam brinquedos
    nem roupas.
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    Onde é que eu a havia de pôr?
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    Um dia, uma professora veio
    ao orfanato para nos ensinar inglês.
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    Nessa altura, ela estava grávida.
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    Mostrei à professora Sarah
    a capa da revista
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    e ela explicou-me que aquela pessoa
    era uma dançarina de "ballet".
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    Era uma bailarina.
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    Eu ia ser aquela bailarina, tinha de ser.
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    Andava sempre em bicos de pés,
    e praticava como a bailarina fazia.
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    Pensava que, talvez, um dia,
    se tudo corresse bem,
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    se eu tivesse alguém
    que se preocupasse comigo,
  • 5:10 - 5:13
    talvez, um dia, eu pudesse ser
    aquela bailarina.
  • 5:14 - 5:16
    A professora Sarah
    preocupou-se muito comigo
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    e sabia como era importante
    eu ter uma boa educação,
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    por isso, dava-me sempre lições extra.
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    Ao fim de algumas lições extra,
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    a professora Sarah e eu
    fomos até ao portão.
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    Eu rodopiava, tentando ser
    a bailarina da revista.
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    De repente, dois rebeldes
    chegaram ao portão,
  • 5:34 - 5:37
    com um pequeno rebelde
    um pouco mais atrás.
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    Mais adiante, um camião cheio deles.
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    Estavam a rir e a festejar.
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    Deviam ter estado a beber
    ou a tomar qualquer droga.
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    Viram-nos.
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    Viram que a professora Sarah
    estava grávida.
  • 5:52 - 5:55
    Começaram a apostar se seria
    uma rapariga ou um rapaz.
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    E decidiram averiguar.
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    Agarraram nas catanas
    e abriram-lhe o ventre.
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    Era uma rapariga.
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    Se fosse um rapaz,
    talvez o tivessem deixado vivo
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    porque dir-lhe-iam que fosse
    um rebelde quando crescesse.
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    Mas como era uma rapariga,
    cortaram-lhe os braços e as pernas,
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    à minha frente.
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    Eu tentei salvá-la, por isso
    aproximei-me do portão.
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    O rapazito pensou que devia
    copiar os rebeldes mais velhos.
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    Pegou na catana e abriu-me o ventre.
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    Agora que estão a ouvir a minha história
    o início da minha vida,
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    ainda acham que é um conto de fadas?
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    Em breve, a minha vida
    deu uma reviravolta.
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    Em breve, tive coisas positivas
    na minha vida.
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    Disseram-me que ia ser adotada
    por uma família americana.
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    Demorei um bocado
    até encontrar a minha família adotiva.
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    Tivemos de andar — todas as crianças,
    do orfanato tiveram de andar —
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    de Makeni, na Serra Leoa,
    até chegar à Guiné
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    e na Guiné apanhámos um avião
    para Makeni.
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    Eu estava muito doente
    quando saí do avião,
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    sentia-me muito infeliz.
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    Como é que a minha vida podia melhorar?
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    Eu era filha do diabo;
    nada de bom me podia acontecer.
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    Também me sentia infeliz,
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    porque pensava que nunca mais
    voltaria a ver a minha melhor amiga.
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    Mas depois, vi-a, a senhora
    de sapatos vermelhos vivos.
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    Com um cabelo muito branco,
    nunca tinha visto ninguém assim.
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    Foi a minha nova mamã.
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    Chegou-se ao pé de mim e disse:
    "Eu sou a tua nova mamã".
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    Agarrou na minha mão
    e na mão da minha melhor amiga
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    e fomo-nos embora.
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    Eu ia ser adotada
    com a minha melhor amiga.
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    Fomos para o hotel.
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    Quando a minha mãe pousou a bagagem,
    procurei em toda a parte,
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    procurei em todos os recantos
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    tentando encontrar os sapatos de pontas
    a minha tiara e o meu tutu
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    porque não é o que acontece sempre
    num conto de fadas?
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    Mas não estavam em parte alguma.
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    Eu não falava inglês,
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    por isso pensei que a única forma
    de lhe mostrar era mostrar-lhe a revista.
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    Tirei-a das cuecas e mostrei-lha.
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    Ela percebeu imediatamente.
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    Disse: "Vais dançar".
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    Quando cheguei aos EUA,
    comecei com aulas de bailado.
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    A minha mãe levava-me todos os dias.
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    Antes da minha primeira aula de dança,
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    eu tinha muito medo de mostrar
    as minhas manchas
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    e que as miúdas fizessem troça de mim.
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    Pedi à minha mãe que comprasse
    uma malha para esconder as manchas.
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    Era uma malha de mangas compridas
    que me tapavam até ao pescoço.
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    Tinha tanto calor com aquilo
    que tive de a despir imediatamente
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    E vesti a malha cor-de-rosa
    e os "collants".
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    Eu ia às aulas uma vez por semana,
    duas vezes por semana
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    e, por fim, quando já tinha 10 anos,
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    estava a dançar cinco vezes por semana.
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    Trabalhava tanto quanto possível
    porque tinha de ser aquela bailarina,
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    era a única forma que tinha de ser feliz.
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    Mas quando eu estava a trabalhar
    tanto, perdi uma pessoa.
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    Perdi o meu irmão Teddy, de 24 anos.
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    Foi a pessoa que tinha conseguido
    que eu confiasse de novo nos homens,
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    deixasse de ter medo
    de homens negros que gritavam,
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    deixasse de ter medo dos homens, em geral,
    de ter medo do meu próprio pai.
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    É o que sempre acontece
    quando gosto duma pessoa.
  • 9:31 - 9:33
    Morrem e deixam-me só.
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    Decidi rejeitar a minha família
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    porque, se morressem e me deixassem,
    eu não sabia o que poderia fazer.
  • 9:39 - 9:42
    Eu não queria que eles morressem
    porque eu gostava deles.
  • 9:43 - 9:45
    Mas os meus pais
    conseguiram convencer-me
  • 9:45 - 9:48
    que, apesar de as pessoas
    de quem eu gostava pudessem morrer,
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    o seu amor estaria sempre comigo.
  • 9:51 - 9:54
    O seu amor faz parte de quem eu sou hoje.
  • 9:57 - 10:02
    Trabalhei muito durante muitos anos
    e, finalmente, o trabalho deu frutos.
  • 10:03 - 10:07
    Fui aceite numa companhia
    de bailado profissional.
  • 10:07 - 10:11
    Tornei-me na bailarina
    como sempre sonhara.
  • 10:11 - 10:12
    Nem podia acreditar.
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    Como é que isso me tinha acontecido?
    Eu era a filha do diabo.
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    Apesar de todo aquele trabalho,
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    eu não julgava que o meu sonho
    se pudesse tornar realidade.
  • 10:26 - 10:28
    Finalmente, sentia-me muito feliz.
    Finalmente.
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    Mas a razão para eu estar aqui hoje,
    a razão para contar a minha história
  • 10:35 - 10:39
    é porque quero encorajar
    os jovens a sonhar,
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    quero que as pessoas compreendam
  • 10:41 - 10:45
    que tudo bem em ser diferente,
    tudo bem em destacar-se.
  • 10:45 - 10:47
    Eu sou diferente.
  • 10:47 - 10:50
    Quero que compreendam
    a acreditar em vocês mesmos,
  • 10:50 - 10:53
    a acreditar que têm talento
    mesmo que pensem que não têm.
  • 10:54 - 10:56
    Sejam quais forem as circunstâncias,
  • 10:56 - 10:59
    sejam pobres ou estejam tristes
    em determinado momento,
  • 10:59 - 11:01
    acreditem.
  • 11:01 - 11:04
    Atrevam-se a sonhar.
    Atrevam-se a afastar as barreiras.
  • 11:04 - 11:08
    Atrevam-se a serem diferentes,
    a destacarem-se.
  • 11:09 - 11:14
    Por fim, mas igualmente importante,
    não tenham medo de viver e de amar.
  • 11:15 - 11:17
    É assim que eu me exprimo.
  • 11:24 - 11:26
    (Música)
  • 12:25 - 12:28
    (Aplausos)
Title:
De "filha do diabo" a bailarina estrela | Michaela DePrince | TEDxAmsterdam 2014
Description:

Nascida Mabinty Bangura em 1995, Michaela DePrince tem muitas identidades. A história dela é uma história de trabalho difícil, de sofrimento e de perdas, mas é também uma história de conquista, de amor, de alegria e de vontade de sonhar. A sua mensagem é forte e clara: tornem o vosso talento parte do vosso sonho e atrevam-se a fazer com que o amor faça parte da vossa vida. Nunca ter medo de viver e nunca ter medo de amar.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
12:32

Portuguese subtitles

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