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(música calma)
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Quando criança, meus pais
possuiam réplicas de artes
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na casa deles
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e algumas eram bem cafonas.
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(furador de papel)
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(música calma)
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Mas na sala de visitas, eles tinham
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uma pintura texturizada de Van Gogh.
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Então eu subi em cima da cadeira e
a toquei.
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E o que me marcou foi
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o fato da pintura ter uma
espécie de textura.
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(música calma)
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É quase um tipo de euforia.
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O processo de tornar-se um artista
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é muito gratificante.
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Tenho uma sensação de liberdade.
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(música calma)
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As molduras estão na parede.
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Isso é ótimo!
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- Estamos decorando as salas
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- Gostei assim, gostei assim.
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(Howardena ri)
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- Quer colocar algumas formas neste aqui?
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- Uhum, vamos ver... Assim?
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Eu gostei assim.
- Isso.
-
Ou assim?
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- Até que gostei disto.
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- [Erin] Gostou assim?
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- É, gostei dessas formas meio tortinhas,
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e estou querendo colocar uma forma assim,
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mas sem essa mudança aqui
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na borda, bem aqui.
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- [Erin] Ah sim, ok.
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- Minha intenção é que se tornasse isso
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- Entendi, ok.
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- E depois com isto,
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acho que gostaria de colocar isso
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- [Erin] Ok.
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- Porque eu realmente quero
esse escuro em algo.
-
- [Erin] Ok.
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- Eu vejo o abstrato como
uma expressão intuitiva
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da experiência de alguém,
seja boa ou ruim.
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Pelo menos você entende toda a ideia.
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Vamos ver.
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(música calma)
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Quando você trabalha com o abstrato,
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trabalha com os seus próprios
sentimentos intuitivos sobre espaço,
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cor, linha, formato.
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Seu propósito é quase uma forma de abrir
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nosso processo de pensamento,
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porque você está lendo o idioma de alguém
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e interpretando em seu próprio idioma.
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Você queria fazer um quadro
dimensional?
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Você queria fazer um quadro
que fosse sobre números?
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Me senti desafiada por isso.
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O formato circular é
um tipo de gravidade interna.
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É tão compacto e você consegue fazer algo
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que tenha muita tensão.
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É uma forma icônica da natureza.
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Posso vê-la nos
planetas, nas estrelas,
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na lua, moléculas.
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Está por todo lado.
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(música calma)
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Eu sou fascinada pelo círculo.
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(música calma)
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Lá pelos anos 70,
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eu comecei a pintar pontos de spray
com molduras
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que eu fazia perfurando
pastas de arquivos,
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e eu pintava através da moldura.
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(música calma)
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(pintando com spray)
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Eu faço os desenhos básicos
para as pinturas de spray.
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A gerente do estúdio, Erin,
cuida do equipamento do spray.
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(música calma)
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Meu pai era um cientista e matemático,
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e eu não me lembro de ganhar
uma boneca no Natal,
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mas eu ganhei um microscópio.
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Eu era bem curiosa,
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e usei um conta-gotas pra
colocar um pouco de água potável na lâmina
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e olhar sob o microscópio,
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e tinha muitos micróbios nadando
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na água potável.
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E foi meio aleatório,
eles estavam por toda parte.
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(música calma)
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E era um drama porque eles se colidiam
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ou se moviam, ou não se encontravam.
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E não tinha nenhum motivo em particular
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além do fato de estarem na água.
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Esse microscópio fez a diferença
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porque eu via as coisas
se movendo aleatóriamente.
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(música calma)
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Meu Senhor.
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Meu Deus, Virgil.
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Essa sou eu com a Nancy.
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Não me lembro minha idade aqui.
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Oh, isso é fantástico,
é a casa dos meus pais
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na Av. Wayne na Filadélfia.
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Isso é incrível.
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Este é o meu pai.
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57.
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Ele amava ler.
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14 de Abril, meu aniversário.
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(esfregando as fotos)
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Meu Deus, isso é muito interessante,
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é a casa da minha avó.
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Ah, isso é em Hamilton, Ohio,
que fica ao sul de Ohio.
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E minha avó possuía
um pedaço de terra e uma casa,
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e ela plantava sua própria comida.
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Eu não sabia se tinha alguma
mercearia em Hamilton.
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(música calma)
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Essas memórias de círculos
me dão gatilhos.
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Meus pais e eu fomos a Ohio
para visitar minha avó.
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Nós fomos até ao norte de Kentucky
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e tinha uma barraca de cerveja-de-raiz,
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e meu pai gostava de cerveja-de-raiz,
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e nos deram canecas geladas,
assim como todo mundo,
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só que tinha um grande
círculo vermelho no fundo.
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E, basicamente, isso significava que
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aquelas eram as canecas
usadas pelos não-brancos.
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(música calma)
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E aquilo meio que me chocou.
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Eu continuei observando círculos por anos.
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Quero dizer, o choque de ver aquilo.
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(música calma)
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Eu gostava de desenhar números,
mas eu não tinha ideia
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qual o significado deles.
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Então eu os chamava de
números sem sentido.
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Isso veio de ver meu pai
escrevendo números
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como matemático.
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Eu acho eles bonitos,
uma coisa linda de se ver.
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É uma parte essencial da vida.
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É quase como o nosso coração.
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Sem o nosso coração, não temos vida,
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onde tudo são números.
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(música calma)
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- Você gostou das cores dos pontos?
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- Sim, eu amei.
Eu amo essa cor de sopa de ervilhas.
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(pessoas conversando simultaneamente)
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- Howardena, você furava todos
os pontos à mão.
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- Sim, com um único furo.
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(Howardena rindo)
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Esse é o meu terceiro ano na Dieu Donné.
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- [Mulher] Terceiro ano?
-
- Sim, o terceiro.
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- [Mulher] Mais de 100 peças?
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- 100 peças, sim, sim.
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Bem, dei uma olhada numa amostra de cores
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e eu gostei desta,
eu chamo de verde sopa de ervilha.
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(todos riem)
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E depois com o azul-púrpura,
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e depois vai do escuro pro claro.
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Eu gosto da gradação.
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- Pode ser uma pergunta boba,
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mas, Howardena, você um dia imaginou
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que seria tão grande?
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- Está brincando?
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Eu nem acredito nisso.
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Não acredito nisso agora.
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Sabe, quando Amy me enviou
aquele texto sobre Hong Kong,
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Eu fiquei tipo: meu Deus.
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(Howardena rindo)
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(música calma)
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É como se fosse tarde demais.
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Soa estranho,
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mas acho que eu teria gostado disso
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quando eu era mais nova.
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Eu me sentia isolada.
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Naquela época eu
não tinha um representante.
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Algumas rejeições vinham de
colecionadores brancos.
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Porque eu compraria uma obra abstrata
de uma pessoa negra
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sendo que eu posso comprar
de uma pessoa branca?
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Isso é o que artistas negros
tinham que enfrentar.
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Eu trabalhei no Museu de Arte Moderna
por cerca de 12 anos.
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Geralmente tinham mais brancos e homens.
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Perguntas desagradáveis também vinham
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de algumas historiadoras mulheres.
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"O que eu tinha feito para me qualificar
para trabalhar no Museu?"
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- Sabe, você realmente deve ser paranóica.
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Essas coisas nunca me aconteceram.
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Eu não conheço ninguém que
tenha passado por isso.
-
Mas claro, elas eram
livres e brancas aos 21
-
então elas não tinham
esse tipo de experiência.
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- Livres e Brancas aos 21 foi
um vídeo que fiz em 1980
-
que foi por volta da época
de quando me demiti
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do trabalho no Museu.
-
- Porém, ela sentiu que
uma estudante branca
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menos qualificada iria mais longe,
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sendo assim eu não teria oportunidades.
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- Bem, eu estava irritada
com as mulheres brancas,
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e também queria enfrentar
a parte racista
-
no mundo da arte.
-
Então eu decidi ser eu mesma
-
e depois me personifiquei como
a mulher branca que me criticava.
-
- Sabe, ouço as experiências
-
de vocês e penso:
bem, tem que estar na arte dela.
-
É a única forma de te validarmos.
-
E tem que ser de uma forma
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que consideramos válida.
-
Se não estiver, sabe, de uma certa forma,
-
se seu símbolos não estão sendo usados
da mesma forma que usamos,
-
nós não os reconheceremos.
-
Na verdade, você não existe
até nós te reconhecermos.
-
E, você sabe, se você não quiser
fazer o que nós mandarmos,
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encontraremos quem faça.
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- E eu ficava indo e voltando
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nessa narrativa, e no final
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eu me revelo, como se tivesse
retirando minha pele
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mas é quase como se eu tivesse
revelando outra camada.
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Primeiro foi exibido numa
exposição da Ana Mendieta
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que eu organizei na A.I.R.
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Estava bem no fundo e
eu tinha um metrônomo
-
que ficava pulsando conforme
passava o vídeo
-
e os brancos surtaram.
-
Eles enlouqueceram.
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Eles não estavam felizes com aquilo.
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Foi exibido em Berlim,
na Escócia e na Irlanda,
-
e o Museu expôs brevemente,
-
o que é um pouco irônico.
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(Howardena rindo)
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- Você é uma ingrata,
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depois de tudo que fizemos por você.
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(música calma)
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- Mesmo que no início meu trabalho
enfrentou muita rejeição,
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eu continuei.
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Eu não desisti.
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Sabe, eu continuei insistindo
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e o trabalho floresceu mesmo
em um ambiente hostil.
-
Eu estava acostumada com meu
trabalho sendo rejeitado ou zombado.
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E, ironicamente, é o mesmo trabalho
que estou exibindo agora.
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Literalmente, algumas peças são as mesmas
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mas as reações são diferentes.
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(música calma)
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Eu pareço estar limitada fisicamente,
-
mas o meu lado artístico ainda está aqui.
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E eu consigo libertar esse lado
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e ser livre para expressar o que sinto,
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independente de ser limitada fisicamente.
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É uma fonte de vida para mim.
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Eu não me canso de ser uma artista.
-
Eu me canso de outras coisas,
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mas eu sinto que consigo
vir aqui e fazer arte.
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E isso não vem de esperar reconhecimento,
-
só estou fazendo meu trabalho.
-
(música calma)