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Das ruas de Kinshasa para a passadeira vermelha dos Óscares | Rachel Mwanza | TEDxParis

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    Bom dia, vou contar-vos
    a história duma feiticeira.
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    Não a feiticeira que conhecem
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    com um nariz adunco,
    uma vassoura e verrugas,
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    mas uma feiticeira do Congo.
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    Essa feiticeira sou eu.
  • 0:30 - 0:34
    A minha história é uma história
    de coragem, de força e de fé.
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    Nasci na República Democrática do Congo,
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    numa boa família, sim.
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    Quando eu era pequena,
  • 0:43 - 0:46
    o meu pai era agente numa sociedade
    de minas de diamantes.
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    Vivíamos numa casa enorme
  • 0:49 - 0:51
    em Mbuji-Mayi na província do Kasaï.
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    Andava na escola e era feliz.
  • 0:55 - 0:57
    A minha mãe vinha duma família pobre
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    e, por causa disso, a família do meu pai
    não gostava da minha mãe.
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    Um dia, o meu pai perdeu o emprego.
  • 1:06 - 1:08
    Eu tinha seis anos.
  • 1:08 - 1:11
    Ele disse à minha mãe
    para ir para Kinshasa
  • 1:11 - 1:15
    comigo, com a minha irmã
    e os meus quatro irmãos.
  • 1:15 - 1:18
    Disse que iria ter connosco
    para arranjar trabalho.
  • 1:19 - 1:23
    Na realidade, a família dele
    tinha-lhe pedido para se livrar de nós.
  • 1:24 - 1:27
    Quando a minha mãe percebeu isso,
    já era tarde demais.
  • 1:27 - 1:29
    Encontrou-se sozinha, longe da família.
  • 1:30 - 1:33
    Teve que vender tudo o que tinha
    para nos dar de comer.
  • 1:33 - 1:35
    Mudou muito.
  • 1:35 - 1:37
    Emagreceu muito.
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    A minha mãe pediu à nossa avó
    que fosse ajudar-nos,
  • 1:40 - 1:43
    mas andávamos sempre com fome.
  • 1:44 - 1:48
    Então, a minha mãe começou
    a mandar-nos a casa de amigos.
  • 1:48 - 1:51
    Fazíamos quilómetros a pé
    para ir buscar comida.
  • 1:52 - 1:55
    Foi assim que, um dia,
    encontrei-me em casa duma senhora
  • 1:55 - 1:58
    que me tinha dado comida para a família.
  • 1:58 - 2:00
    Mas já era muito tarde
    para voltar para casa.
  • 2:00 - 2:02
    Ela propôs-me
    que eu dormisse em casa dela
  • 2:02 - 2:05
    e só me fosse embora na manhã seguinte.
  • 2:06 - 2:09
    Durante a noite, eu falei durante o sono.
  • 2:09 - 2:11
    Isso não é assim muito grave, pois não?
  • 2:13 - 2:16
    Mas essa amiga disse à minha mãe
    que eu falava com os demónios.
  • 2:18 - 2:19
    E a minha mãe e a minha avó
  • 2:19 - 2:22
    foram pedir conselho aos profetas,
  • 2:22 - 2:23
    os que representam Deus.
  • 2:23 - 2:26
    Queriam saber a causa
    de toda a desgraça da nossa família.
  • 2:27 - 2:30
    O problema é que levaram-me
    a casa dum falso profeta
  • 2:32 - 2:35
    e ele decidiu que a causa era eu
  • 2:35 - 2:37
    e que eu era uma feiticeira.
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    Os charlatães falaram comigo
    durante mais de uma hora
  • 2:39 - 2:42
    para que eu confessasse
    que era uma feiticeira.
  • 2:42 - 2:45
    Gritaram comigo sem parar.
  • 2:45 - 2:49
    Obrigaram-me a beber
    cinco litros de água com ervas nojentas.
  • 2:50 - 2:53
    Disseram-me que vomitasse
    a carne das pessoas
  • 2:53 - 2:56
    que eu teria comido no mundo das trevas.
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    Estão a imaginar a cena?
  • 2:58 - 3:01
    Uma criança de sete anos,
    em frente de vários adultos
  • 3:01 - 3:02
    que gritam sem parar.
  • 3:03 - 3:06
    Batiam-me nas costas
    para fazer sair essa carne.
  • 3:08 - 3:09
    A certa altura,
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    tive medo e estava tão cansada,
  • 3:12 - 3:13
    que acabei por dizer:
  • 3:13 - 3:16
    "Sim, eu sou uma feiticeira".
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    Julgava que, se dissesse
    que sim, o mal ia parar,
  • 3:19 - 3:23
    mas acabei por ser uma feiticeira,
    sem querer.
  • 3:26 - 3:28
    A partir do momento
    em que me rotularam de feiticeira,
  • 3:28 - 3:30
    era impossível voltar atrás.
  • 3:30 - 3:33
    A minha mãe aceitou a situação,
  • 3:33 - 3:36
    mas isso não quer dizer
    que a minha mãe não me amasse.
  • 3:36 - 3:38
    Ao mesmo tempo,
  • 3:38 - 3:41
    como a situação lá em casa
    não se alterava,
  • 3:41 - 3:43
    sem dinheiro, sem comida,
  • 3:43 - 3:48
    a minha mãe decidiu partir
    com a irmã dela para Angola
  • 3:48 - 3:49
    para ir procurar trabalho.
  • 3:50 - 3:52
    O plano dela não resultou
  • 3:53 - 3:56
    e a minha mãe ficou
    sozinha, retida em Angola,
  • 3:56 - 3:58
    sem dinheiro, sem comida.
  • 3:58 - 4:01
    Por fim, nunca mais voltou,
  • 4:02 - 4:04
    contra a sua vontade
  • 4:04 - 4:07
    e foi forçada a abandonar-nos também.
  • 4:08 - 4:10
    Perdemos toda a comunicação com ela.
  • 4:12 - 4:15
    Ficámos com a nossa avó.
  • 4:15 - 4:18
    Durante dois anos,
    fui tratada como uma feiticeira.
  • 4:18 - 4:20
    As acusações,
  • 4:20 - 4:21
    os gritos,
  • 4:21 - 4:23
    o jejum forçado,
  • 4:23 - 4:25
    a pimenta nos olhos.
  • 4:25 - 4:29
    Ela dizia que era eu a causa
    de a minha mãe ter deixado de telefonar.
  • 4:29 - 4:32
    Pensava que ela estava morta
    e que eu a tinha sacrificado.
  • 4:33 - 4:36
    Dizia a toda a gente para não me ajudarem.
  • 4:36 - 4:38
    Para não falarem comigo.
  • 4:38 - 4:40
    Para não brincarem comigo.
  • 4:41 - 4:42
    No meu bairro,
  • 4:42 - 4:45
    não me deixavam aproximar-me
    das outras crianças.
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    Estava sozinha, era pobre, tinha fome
  • 4:49 - 4:52
    mas, sobretudo, tinha falta de amor.
  • 4:53 - 4:57
    Por fim, a minha avó expulsou-me de casa.
  • 4:58 - 5:00
    Passei a ser uma "shegué",
  • 5:00 - 5:02
    uma miúda da rua.
  • 5:03 - 5:04
    Na rua,
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    somos como borboletas.
  • 5:06 - 5:08
    Onde temos sono, é onde dormimos.
  • 5:09 - 5:10
    Na rua,
  • 5:10 - 5:13
    passamos a ser soldados
    a lutar pela sobrevivência.
  • 5:13 - 5:17
    Esquecemos a leitura e a escrita,
    para aprender a lutar.
  • 5:19 - 5:22
    Na rua, vendi água, amendoins,
  • 5:22 - 5:24
    fiz limpezas.
  • 5:24 - 5:28
    Mas, sempre que via as outras crianças
    a ir para a escola,
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    lembrava-me dos dias
    em que tinha sido feliz.
  • 5:31 - 5:32
    E chorava.
  • 5:32 - 5:36
    Pensava se, um dia,
    conseguiria sair da rua.
  • 5:39 - 5:41
    Depois, um dia,
  • 5:41 - 5:42
    a minha sorte mudou.
  • 5:42 - 5:46
    Participei num documentário
    "Kinshasa Kids".
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    Pagaram-me e eu quis logo ir dar
    esse dinheiro à minha família,
  • 5:52 - 5:54
    Porque, mesmo na rua,
  • 5:54 - 5:55
    sempre que eu tinha qualquer coisa,
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    ia ver a minha família, para lha dar.
  • 5:59 - 6:02
    A minha avó aceitou o dinheiro
  • 6:02 - 6:04
    mas voltou a pôr-me na rua.
  • 6:07 - 6:08
    Mais tarde,
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    ouvi falar dum filme canadiano
    que ia ser rodado em Kinshasa.
  • 6:14 - 6:18
    A mesma pessoa que se ocupava
    do "casting" reconheceu-me
  • 6:18 - 6:20
    e fui convidada para o "casting".
  • 6:20 - 6:23
    Encontrei-me sob os olhares
    das crianças ricas
  • 6:23 - 6:25
    que estavam na audição.
  • 6:25 - 6:29
    Apesar da vontade que tinha para fugir
    por causa desses olhares,
  • 6:29 - 6:33
    fiquei lá e fiz tudo por tudo
    para ter o papel.
  • 6:34 - 6:38
    Para mim, era uma forma
    de mudar a minha situação.
  • 6:38 - 6:41
    Consegui o papel principal no filme.
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    Foi muito fixe.
  • 6:44 - 6:47
    A produção pôs-me numa grande casa
  • 6:47 - 6:49
    onde podia comer todos os dias
  • 6:49 - 6:51
    e ter tudo o que eu quisesse.
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    Mas, apesar de tudo isso,
    eu estava triste.
  • 6:55 - 6:58
    Falei disso ao Kim, o realizador.
  • 6:59 - 7:00
    A minha vida era bela,
  • 7:00 - 7:04
    mas os meus irmãos e irmãs
    continuavam na miséria.
  • 7:04 - 7:06
    Não me sentia bem, quando comia
  • 7:06 - 7:08
    sabendo que eles tinham fome.
  • 7:08 - 7:13
    Então, a equipa e Kim
    foram dar dinheiro à minha família.
  • 7:14 - 7:16
    Quando as pessoas da equipa
    voltaram para casa,
  • 7:16 - 7:18
    não me largaram mais.
  • 7:18 - 7:19
    Arranjaram uma casa de acolhimento,
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    trataram de eu poder voltar à escola,
  • 7:23 - 7:26
    eu, que sonhava com isso há tanto tempo.
  • 7:27 - 7:31
    Foi então que essa história da feiticeira
    se transformou num conto de fadas.
  • 7:32 - 7:34
    O filme teve um grande êxito
  • 7:34 - 7:38
    e eu passei das ruas de Kinshasa
    para a passadeira vermelha dos festivais.
  • 7:39 - 7:42
    Recebi o Urso de Prata em 2012 em Berlim.
  • 7:43 - 7:45
    O filme foi nomeado para os Óscares.
  • 7:46 - 7:52
    Hoje, tenho 18 anos,
    já recebi 18 prémios em todo o mundo.
  • 7:53 - 7:55
    Os Óscares seria bom...
  • 7:56 - 8:01
    mas, para mim,
    o dia mais belo da minha vida
  • 8:01 - 8:05
    foi aquele em que, pela primeira vez,
    depois de anos na rua,
  • 8:06 - 8:08
    voltei à escola.
  • 8:11 - 8:13
    Se há crianças na rua,
  • 8:13 - 8:15
    em todo o mundo,
  • 8:16 - 8:19
    é sobretudo porque os pais
    não tiveram direito à educação.
  • 8:20 - 8:23
    Compreendam-me bem,
    o problema é profundo,
  • 8:23 - 8:27
    a pobreza é o que leva
    à falta de educação.
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    Em minha casa, enviar as crianças
    para a escola é um luxo
  • 8:31 - 8:33
    mas, sem educação,
  • 8:33 - 8:35
    corremos o risco de ouvir
  • 8:35 - 8:37
    tudo o que os outros dizem
  • 8:37 - 8:40
    que devemos fazer e como pensar.
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    A minha mãe não era estúpida.
  • 8:43 - 8:48
    Foi ela que me ensinou a perdoar
    e como ter confiança em mim mesma,
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    mas deixou-se apanhar numa armadilha.
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    Todos vocês sabem
    que a educação é importante.
  • 8:58 - 9:01
    Então, porque é que a educação
    se mantém aqui
  • 9:02 - 9:05
    e a educação não chegou
    à aldeia da minha mãe
  • 9:05 - 9:07
    antes do meu nascimento?
  • 9:08 - 9:10
    Não é tão bom que, nos dias de hoje,
  • 9:10 - 9:13
    com tudo o que existe
    de tecnologia e de ideias,
  • 9:13 - 9:15
    isso já não aconteça?
  • 9:16 - 9:19
    A ignorância produz feiticeiras.
  • 9:20 - 9:22
    A ignorância pode matar.
  • 9:22 - 9:25
    Portanto, para afugentar as feiticeiras
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    construamos escolas.
  • 9:29 - 9:31
    Eu consegui safar-me,
  • 9:31 - 9:34
    porque tive muita sorte e coragem.
  • 9:35 - 9:39
    Não acontece o mesmo com muitas crianças
    que ainda estão na rua.
  • 9:39 - 9:42
    Elas também esperam
    que os seus sonhos se realizem.
  • 9:43 - 9:46
    É por isso que não podemos esquecê-las.
  • 9:47 - 9:52
    Também tive a coragem
    de sair de Kinshasa aos 17 anos.
  • 9:52 - 9:57
    Hoje vivo no Quebec,
    numa família de acolhimento.
  • 9:57 - 10:00
    Concretizo os meus sonhos, os meus estudos
  • 10:00 - 10:03
    e recupero o tempo que me roubaram.
  • 10:04 - 10:08
    Falo-vos de esperança,
    de coragem e de força.
  • 10:10 - 10:13
    Não quero que tenham pena de mim.
  • 10:13 - 10:16
    Não quero que tenham pena de mim.
  • 10:16 - 10:17
    Não quero.
  • 10:17 - 10:20
    Fixem esta frase tão simples:
  • 10:22 - 10:24
    "Enquanto o coração bater,
  • 10:25 - 10:26
    "tudo é possível",
  • 10:26 - 10:27
    Obrigada,
  • 10:27 - 10:29
    (Aplausos)
Title:
Das ruas de Kinshasa para a passadeira vermelha dos Óscares | Rachel Mwanza | TEDxParis
Description:

Acusada de feitiçaria aos oito anos, Rachel é expulsa de casa e aprende a sobreviver nas ruas de Kinshasa até que a sorte e a sua coragem a levam até à passadeira vermelha dos maiores festivais de cinema.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
French
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
10:36

Portuguese subtitles

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