Sonho lúcido, abraçando pesadelos | Charlie Morley | TEDxSanDiego

Charlie Morley é professor de Sonho Lúcido e praticante do budismo tibetano, especializado no uso de ambas práticas de sonho, ocidental e budista tibetana, com a finalidade de trazer conscientização sobre todos os estágios do sonho, sono e vida desperta. Ele é cofundador de uma nova abordagem holística sobre o sono consciente e sonho lúcido chamado "Consciência do Sonho e Sono". Essa nova abordagem inclui práticas que visam nos ajudar a dormir melhor, sonhar mais lucidamente e acordar mais atentos, esclarecidos e felizes!

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

Eu estava em um retiro budista
quando alguém no café da manhã

perguntou ao mentor
se ele tinha dormido bem,

e ele respondeu: "Muito bem,
eu tive pesadelos maravilhosos".

Na época, achei que ele era louco.

Mas anos depois, quando me tornei
um professor de sonho lúcido,

eu descobri o que ele quis dizer.

Porque enfrentar nossos pesadelos
culturais, pessoais e coletivos,

com percepção clara,

pode ser um ótimo caminho
para a autodescoberta, visão e cura.

Sonho lúcido é um sonho em que você sabe
que está sonhando, enquanto sonha.

Cientificamente falando,
é um estado de consciência híbrido.

Embora seja uma fenômeno
que só foi cientificamente comprovado

nos últimos 30 anos,

no budismo tibetano, tem sido um método
reconhecido de treino mental

por mais de mil anos.

Quando se sabe que está sonhando, há
uma gama de benefícios psicoterapêuticos

que você pode pôr em prática.

Um dos mais poderosos
e um dos meus favoritos,

é que, dentro do sonho lúcido,

você pode captar intencionalmente
a fonte dos seus pesadelos.

Aos 16 anos, ensinei a mim mesmo
como ter sonhos lúcidos.

E apesar dos meus sonhos lúcidos
terem apresentado aspectos aterrorizantes,

apenas muito mais tarde,
descobri o verdadeiro potencial

que o sonho lúcido tem
pra transformar pesadelos

em crescimento espiritual e psicológico.

Anos atrás, fui instruído a ensinar
a técnica do sonho lúcido

por um mestre em meditação
chamado Lama Yeshe Rinpoche.

Embora o budismo e o sonho lúcido
tenham sido parte da minha vida,

nunca foram uma opção de carreira.

De fato, naquele tempo, eu estava vivendo

como rapper de hip-hop
trabalhando com crianças carentes.

Como imaginam, sair disso
para o mundo do sonho lúcido

chegou como uma surpresa.

E em resposta a essa surpresa,

descobri que me tornei
muito sério e meio puritano

com a minha própria prática
de sonho lúcido.

Tentei banir todos os aspectos
sombrios ou aterrorizantes

dos meus sonhos lúcidos,

na crença errada de que
um professor de sonho lúcido

deve ter controle total
de seus sonhos lúcidos.

Tá bom, claro...

qualquer tentativa de sanear
ou de controlar seus sonhos

só reprime o material.

Quanto mais eu tentava,

mais esses elementos
aterrorizantes reapareciam.

Acabei por falar sobre isso
com um dos meus professores de budismo.

Um homem brilhante chamado Rob Nairn.

Aliás, o mesmo cara

que acha que uma boa noite de sono
é cheia de pesadelos.

Então nos sentamos
e lhe contei tudo sobre isso.

Ele esperou até eu acabar
e depois me olhou de um jeito

que só um monge

ou seu professor de meditação te dariam.

Aquele olhar que diz:

(Suspiro) "Charlie, eu te amo,
mas você é um idiota".

Eu fiquei tipo: "Qual é?"

Ele fala: "Eu te aconselho a fazer
o contrário do que tem feito.

Esses elementos aterrorizantes
podem ser aspectos da sombra.

Você tem que abraçar a sombra!

Você deve incorporar a sombra!"

"Certo", eu pensei.

"Mas o que é a sombra?
E como incorporá-la?"

A sombra é um conceito
do qual Carl Jung foi precursor,

usado para descrever
partes da mente inconsciente

constituídas de todos os aspectos
indesejados da nossa psique

que rejeitamos, negamos ou repudiamos.

A sombra é o nosso lado obscuro,

mas um lado nosso
sobre o qual Jung comentou

que, apesar de sua função
de reservatório da escuridão humana,

ou talvez por isso mesmo,

a sombra é a fonte
de toda a criatividade humana.

Então a sombra não é ruim.

A sombra é uma fonte potencial
de energia criativa.

Mas por ser a parte de nós
que é incompatível

com quem pensamos que somos,

a maioria de nós passa a vida
negando sua existência.

E assim levamos a vida,

negando e rejeitando
uma grande parte nossa.

Jung acreditava que até que reconheçamos
essa sombra como parte de nós,

nunca seremos inteiros.

Semanas após esse encontro com Rob Nairn,

eu tenho um sonho lúcido,

e a sombra reaparece.

E dessa vez é pra valer!

A sombra se manifestou
como um demônio de três cabeças,

irradiando pura treva.

Ali estou eu, cara a cara com essa coisa.

Agora, antes de avançarmos, vale notar

que um sonho lúcido não é
nem um pouco como o sonho típico.

Um sonho lúcido pode ser tão hiperrealista

que muitas pessoas acreditam terem
entrado em outra dimensão da realidade.

De fato, entraram.

Mas essa dimensão
não existe do lado de fora.

Está aqui dentro.

Lá estou, cara a cara com o demônio,
totalmente lúcido,

então sei que estou na minha própria mente
e não há ameaça real.

Mas, continua assustador.

Instintivamente, eu me preparo pra lutar.

E me dou conta: isso deve ser
um aspecto da minha sombra,

deve ser disso que o Rob falava.

Certo... tenho que incorporar
esta coisa, abraçá-la.

Como faço isso, exatamente?

Vou dar um abraço.

Eu fui até essa coisa
e dei um abraço de urso.

Esse sonho foi tão realístico,

pude senti-la se debatendo no meu abraço,

pude sentir sua respiração no meu pescoço.

Sabem, a sombra é a soma total

de toda a sua capacidade
reprimida por violência ou agressão.

Como imaginam, não é muito fã de abraços.

Mas lá estou eu, abraçando essa coisa
que não quer ser abraçada

e luta para fugir, eu aguento
firme pela minha vida e então...

acontece algo inesperado.

Ela começa a guinchar.

No meu abraço, esse monstro
de três cabeças começou a guinchar.

E continuo segurando
e ele continua guinchando,

e aí...

ele para.

Há um momento de quietude.

Eu desfaço meu abraço.

E percebo que estou abraçando a mim mesmo.

Esse demônio de três cabeças
se transformou em mim.

Minha cópia idêntica.

Lá estou eu, cara a cara comigo,

talvez pela primeira vez na minha vida.

Sorrimos.

E acordei. Inundado por lágrimas.

Não só estou em lágrimas,

mas também com uma sensação
estranha na barriga,

como se um nó tivesse se desatado,

um nó emocional
que esteve lá por tanto tempo

que eu tinha esquecido
completamente que estava lá.

Não sei qual parte da psique
aquele aspecto da sombra representava.

Talvez um trauma de infância negado
ou um complexo emocional rejeitado.

Quem sabe?

O que eu sei é que
enquanto abraçava o demônio,

estava abraçando
uma parte profunda do meu eu.

E acionando o potencial de cura inato

que reside dentro de nós.

No sonho lúcido,

você tem oportunidade de engajar
conceitos psicológicos, de imediato,

em uma aparente forma física.

É uma chance direta e única
de aplicar a intenção de cura

na incorporação mental
e personificação do seu psicológico.

É território de cura profunda.

É o que milhões de pessoas pagam
para os terapeutas fazerem

por milhões de dólares.

Não digo que vocês devem
demitir seus terapeutas,

mas o que eu estou dizendo é que,
se vocês aprenderem a ter sonhos lúcidos,

não sempre, mas algumas vezes,

vocês podem facilitar o trabalho deles.

Se você aprender, e é
uma habilidade que pode ser aprendida,

você pode iniciar
a incorporação da sua sombra

e recuperar, como dizia Jung,
a fonte de toda a criatividade humana.

Então aprenda a ter sonhos lúcidos.

Tente.

Exige prática, mas qualquer um
pode conseguir.

Vá a um workshop,
compre um livro, baixe da internet...

só faça.

Muito embora existam
milhares de técnicas por aí,

o pré-requisito da maioria
é recordar o sonho.

Então, se você quer começar,

você precisa lembrar e registrar
seus sonhos em um diário de sonhos.

É o suficiente para começar, pelo menos.

Dormimos um terço das nossas vidas.

Sonhos lúcidos nos permitem
aproveitar esse tempo

e nos dão ferramentas
que precisamos pra cura;

para nos conhecermos.

E para entrar em uma amizade,

não só com as sombras,
mas com todos aspectos das nossas psiques.

Tudo quando estamos em sono profundo.

Isso é gestão do tempo efetiva.

Não há clube pra se unir;
não há aparelho pra se comprar.

Tudo que precisa são seus sonhos.

Antes de ir, quero deixar
minha grande ideia com vocês.

Creio que o conceito de despertar
da ilusão do sonho e se tornar lúcido,

vai muito além dos nossos sonhos.

Como sociedade global,

há aspectos coletivos, culturais da sombra
que nos recusamos a incorporar:

elementos da nossa humanidade

muito obscuros e aterradores
para encararmos.

Mas até que os encaremos,
até que fiquemos lúcidos coletivamente,

nunca estaremos confortáveis.

Sonho lúcido pode levar a uma vida lúcida.

Agora é a hora de despertarmos, juntos.

Agora é hora de ficarmos lúcidos

nesse sonho da vida
em que estivemos sonâmbulos.

Agora é hora de abraçar a sombra do mundo.

Porque está no nosso entendimento.

Mas temos que estar acordados
para entender.

Dê valor aos seus sonhos.

E, principalmente, seus pesadelos.

Você está dormindo numa mina de ouro
com potencial de sabedoria e conhecimento.

Esteja lúcido no seu sonho.

E esse conhecimento pode ser seu.

Doces sonhos.

Ou melhor dizendo, doces pesadelos.

Obrigado.

(Aplausos)