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Consegue imaginar um mundo onde você é a minoria? | Julie Dachez | TEDxCollegeofEuropeNatolin

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    Adoro este microfone.
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    Me sinto a Beyoncé.
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    É muito legal.
  • 0:13 - 0:17
    Me convidaram pra vir aqui
    falar sobre autismo.
  • 0:17 - 0:21
    É um assunto que conheço bem,
    por duas razões.
  • 0:21 - 0:25
    Primeiro, eu o estudei durante
    meu doutorado em Psicologia Social.
  • 0:25 - 0:29
    Segundo, eu também faço parte
    do espectro autista,
  • 0:29 - 0:31
    pois tenho síndrome de Asperger.
  • 0:31 - 0:33
    Então, tenho um duplo "lugar de fala".
  • 0:34 - 0:37
    Mas, enquanto eu preparava esta palestra,
  • 0:37 - 0:41
    achei que seria ainda mais interessante
  • 0:41 - 0:44
    falar sobre pessoas não autistas.
  • 0:44 - 0:46
    Pois é, sobre vocês.
  • 0:46 - 0:49
    Sabe, observo vocês a minha vida inteira
  • 0:49 - 0:53
    e, verdade seja dita,
    acho vocês fascinantes.
  • 0:53 - 0:55
    Então, sim,
  • 0:55 - 0:58
    vocês com certeza merecem
    seu próprio PowerPoint.
  • 0:59 - 1:00
    Tcha-rã!
  • 1:01 - 1:03
    "Pessoas Neurotípicas."
  • 1:03 - 1:07
    É assim que chamamos as pessoas
    que não estão no espectro autista.
  • 1:07 - 1:10
    Então, vocês também têm um rótulo
    pra chamar de seu.
  • 1:13 - 1:14
    E quais são os sintomas?
  • 1:14 - 1:19
    Bem, as pessoas neurotípicas
    adoram conversar fiado.
  • 1:19 - 1:21
    É a "paixão nacional" de vocês!
  • 1:22 - 1:23
    Vocês conversam,
  • 1:23 - 1:25
    mas não dizem nada.
  • 1:26 - 1:28
    Que hábito estranho!
  • 1:28 - 1:32
    No início, eu não fazia ideia
    de por que vocês faziam isso,
  • 1:32 - 1:33
    mas agora eu entendo.
  • 1:33 - 1:35
    A conversa fiada tem um propósito,
  • 1:35 - 1:38
    já que possibilita que vocês interajam
  • 1:38 - 1:39
    em espaços compartilhados,
  • 1:39 - 1:43
    como com seu vizinho no prédio onde moram,
  • 1:43 - 1:45
    ou com seu colega no ambiente de trabalho.
  • 1:46 - 1:49
    Ao longo dos anos,
    aprendi a conversar fiado.
  • 1:49 - 1:52
    Mas às vezes é complicado.
  • 1:52 - 1:56
    Tipo, outro dia, encontrei
    meu vizinho no elevador.
  • 1:56 - 2:01
    Eu estava me sentindo confiante, sabe,
    porque estava usando minha roupa da sorte.
  • 2:01 - 2:05
    E, claro, esta é a minha roupa da sorte,
    caso estejam se perguntando.
  • 2:05 - 2:07
    Estava me sentindo
    como se fosse dona do mundo,
  • 2:07 - 2:10
    e decidi puxar conversa.
  • 2:10 - 2:12
    Vi que ele carregava sacolas
    cheias de mantimentos.
  • 2:12 - 2:15
    Então, tive a ideia genial
  • 2:15 - 2:18
    de fazer a ele uma pergunta
    bastante profunda:
  • 2:18 - 2:20
    "Ah, você fez compras?"
  • 2:21 - 2:22
    Pois é, bem,
  • 2:22 - 2:24
    como eu disse,
    tenho um doutorado, então...
  • 2:25 - 2:27
    E o vizinho respondeu:
  • 2:27 - 2:31
    "Pois é, fui ao mercado,
    mas não vou voltar mais lá.
  • 2:32 - 2:34
    Tem árabes demais".
  • 2:34 - 2:35
    "Tá bom."
  • 2:36 - 2:38
    Eu juro que é uma história real.
  • 2:38 - 2:43
    Então, passamos de conversa fiada
    a ofensa racial num piscar de olhos.
  • 2:44 - 2:48
    Vocês também têm uma forma
    bem peculiar de se comunicar.
  • 2:48 - 2:50
    Vocês usam sarcasmo, duplo sentido,
  • 2:50 - 2:53
    e geralmente pisam em ovos
    em relação à verdade.
  • 2:53 - 2:59
    Vocês têm a incapacidade quase patológica
    de se comunicar de forma direta.
  • 3:00 - 3:03
    O que vocês dizem pode ter
    múltiplos significados,
  • 3:03 - 3:06
    e vocês sempre têm
    que ler nas entrelinhas.
  • 3:06 - 3:08
    Não sei como vocês conseguem!
  • 3:08 - 3:09
    É exaustivo!
  • 3:10 - 3:12
    E vocês são tão doidos
  • 3:12 - 3:17
    que às vezes até fazem perguntas
    para as quais não querem saber a resposta.
  • 3:18 - 3:19
    Por exemplo,
  • 3:20 - 3:21
    se uma das minhas amigas disser:
  • 3:21 - 3:24
    "Olha, comprei uma base nova outro dia
  • 3:24 - 3:27
    e estou usando agora; o que achou?",
  • 3:27 - 3:31
    por experiência, sei que pode ser
    uma pergunta retórica.
  • 3:32 - 3:35
    Ela provavelmente está apenas
    tentando puxar conversa
  • 3:35 - 3:38
    ou querendo que eu diga que está bonita.
  • 3:38 - 3:42
    Se eu der a ela uma resposta direta,
    como qualquer autista faria,
  • 3:42 - 3:43
    e disser:
  • 3:43 - 3:45
    "Bem, seu rosto está alaranjado
  • 3:45 - 3:49
    e está parecendo um pouco
    com o do Donald Trump",
  • 3:50 - 3:51
    não vai ser legal.
  • 3:52 - 3:55
    Todos esses códigos e convenções sociais
  • 3:55 - 3:59
    podem ser bem complicados
    de entender para uma pessoa autista.
  • 3:59 - 4:01
    Dizemos o que pensamos
    e pensamos o que dizemos,
  • 4:01 - 4:04
    a ponto de sermos demasiadamente francos.
  • 4:04 - 4:07
    Acredito que colocar seu ego de lado
  • 4:07 - 4:09
    e não levar tudo para o lado pessoal
  • 4:09 - 4:11
    é uma forma de comunicação
    muito mais eficaz,
  • 4:11 - 4:14
    porque te poupa muito tempo e energia.
  • 4:14 - 4:15
    Vocês deviam tentar.
  • 4:17 - 4:21
    Mas também temos coisas em comum,
    como interesses específicos.
  • 4:22 - 4:25
    As pessoas autistas tendem
    a desenvolver um intenso interesse
  • 4:25 - 4:27
    por uma ou mais atividades.
  • 4:27 - 4:29
    Pode ser pelas linhas do metrô,
  • 4:29 - 4:30
    ou por pássaros exóticos,
  • 4:30 - 4:33
    ou por figuras históricas,
    como Angela Davis.
  • 4:33 - 4:37
    Podemos acumular bastante conhecimento
  • 4:37 - 4:40
    a ponto de nos tornarmos especialistas
    em nossos interesses específicos.
  • 4:41 - 4:45
    Isso é considerado um sintoma
    porque pode virar uma obsessão.
  • 4:45 - 4:47
    Mas a verdade é
    que os interesses específicos
  • 4:47 - 4:50
    são um recurso importante
    para as pessoas do espectro.
  • 4:50 - 4:53
    Precisamos deles tanto quanto
    precisamos de ar para respirar.
  • 4:54 - 4:56
    Mas vocês também têm
    um interesse específico:
  • 4:56 - 4:58
    o de socializar.
  • 4:58 - 5:02
    Vocês gastam muito tempo socializando,
  • 5:02 - 5:04
    com seus amigos, no intervalo do café,
  • 5:04 - 5:06
    ou até com o motorista do ônibus.
  • 5:07 - 5:11
    Pra vocês, isso parece normal
    porque a maioria das pessoas faz o mesmo,
  • 5:11 - 5:14
    mas, se vocês vivessem num mundo
    dominado por pessoas autistas,
  • 5:15 - 5:17
    vocês é que seriam esquisitos.
  • 5:17 - 5:20
    Por último, mas não menos importante,
    seu habitat natural.
  • 5:20 - 5:22
    Posso ler pra vocês?
  • 5:23 - 5:27
    "Pessoas neurotípicas podem ser vistas
    no início da noite em ambientes dinâmicos
  • 5:27 - 5:28
    com seu grupo de amigos."
  • 5:30 - 5:35
    Claro, como vocês devem ter notado,
    esse eslaide é meio clichê,
  • 5:35 - 5:39
    porque nem todos os neurotípicos
    bebem champanhe.
  • 5:41 - 5:43
    E detesto dar más notícias,
  • 5:43 - 5:46
    mas não existe cura
    para os neurotípicos, por enquanto.
  • 5:46 - 5:48
    É muito triste.
  • 5:49 - 5:50
    Falando sério agora,
  • 5:51 - 5:53
    o que vocês acharam disso tudo?
  • 5:54 - 5:56
    Não se sentem um pouco estigmatizados?
  • 5:57 - 5:59
    Será que não pensaram:
  • 6:00 - 6:02
    "É um pouco humilhante e simplista"?
  • 6:03 - 6:04
    Pois é,
  • 6:05 - 6:06
    eu sei como é.
  • 6:08 - 6:13
    Conseguem imaginar viver num mundo
    onde você é a minoria,
  • 6:14 - 6:18
    onde o seu jeito de ser
    é considerado patológico,
  • 6:19 - 6:21
    onde as pessoas te dizem coisas como:
  • 6:22 - 6:24
    "Mas você não parece autista"?
  • 6:26 - 6:29
    Ou: "Sei tudo sobre pessoas neurotípicas
  • 6:29 - 6:32
    porque vi uma temporada
    inteira de 'Friends'".
  • 6:34 - 6:37
    Um mundo onde as pessoas
    tentam te padronizar,
  • 6:37 - 6:42
    um mundo onde você se sentiria
    constantemente imperfeito.
  • 6:43 - 6:46
    Agora, vocês conseguem
    entender o tipo de coisa
  • 6:46 - 6:48
    com a qual tive de lidar
    a minha vida inteira.
  • 6:49 - 6:51
    Bem-vindos ao meu mundo.
  • 6:52 - 6:56
    Fico chateada quando as pessoas falam
    sobre as causas, os "sintomas"
  • 6:56 - 6:58
    e os "tratamentos" do autismo.
  • 6:58 - 7:01
    Acredito que estamos indo
    na direção errada.
  • 7:01 - 7:03
    Devíamos passar mais tempo
  • 7:03 - 7:08
    tentando dar às pessoas do espectro
    o espaço que elas merecem na sociedade,
  • 7:08 - 7:11
    tentando empoderá-las
    e torná-las independentes.
  • 7:12 - 7:14
    Pessoas autistas não precisam de cura,
  • 7:14 - 7:17
    mas precisam de abordagens
    educacionais apropriadas,
  • 7:17 - 7:19
    para que cresçam e se desenvolvam.
  • 7:19 - 7:23
    Elas também precisam
    que seus direitos sejam respeitados.
  • 7:23 - 7:28
    Na França, apenas 20 a 30%
    das crianças autistas frequentam a escola,
  • 7:28 - 7:31
    e pouquíssimos adultos autistas
    têm um emprego.
  • 7:32 - 7:36
    Não posso dizer exatamente quantos,
    porque não temos esses dados.
  • 7:36 - 7:39
    Não há um estudo sequer sobre o assunto.
  • 7:40 - 7:41
    Também não sabemos
  • 7:41 - 7:45
    quantos de nós estão atualmente
    enclausurados em hospitais psiquiátricos.
  • 7:46 - 7:47
    Mas, sabe,
  • 7:47 - 7:49
    um já seria demais.
  • 7:50 - 7:55
    Estamos condenados a uma vida inteira
    de solidão, pobreza e exclusão.
  • 7:56 - 7:59
    E é ainda mais difícil
    para as mulheres do espectro.
  • 8:00 - 8:02
    Quando você está na interseção
    entre o autismo e o gênero,
  • 8:03 - 8:04
    você vivencia dificuldades específicas
  • 8:05 - 8:07
    porque é vítima não só
    do preconceito contra autistas,
  • 8:07 - 8:09
    mas também do machismo,
  • 8:09 - 8:12
    e essas duas formas
    de opressão se interlaçam.
  • 8:13 - 8:14
    Vou dar um exemplo.
  • 8:15 - 8:18
    Estamos começando a perceber
  • 8:18 - 8:22
    que os critérios para o diagnóstico
    do autismo são influenciados pelo gênero,
  • 8:22 - 8:27
    pois foram estabelecidos levando em conta
    o comportamento de homens autistas.
  • 8:28 - 8:32
    Isso e o fato de o autismo se manifestar
    de forma bem mais sutil nas mulheres
  • 8:32 - 8:37
    são as razões pelas quais tantas mulheres
    do espectro continuam sem diagnóstico
  • 8:37 - 8:38
    ou recebem um diagnóstico incorreto.
  • 8:39 - 8:43
    Kimberlé Crenshaw foi a primeira a falar
    sobre o conceito de interseccionalidade,
  • 8:43 - 8:45
    sobre os problemas
    que mulheres negras enfrentam.
  • 8:45 - 8:48
    Ela deu uma palestra TED
    incrível sobre o assunto.
  • 8:48 - 8:49
    Vocês deviam assistir.
  • 8:49 - 8:51
    Mas, tipo, não agora, é claro.
  • 8:51 - 8:53
    Este é o meu grande momento.
  • 8:56 - 8:59
    Me lembro de quando conheci
    uma pesquisadora alguns meses atrás.
  • 9:00 - 9:03
    Ela estava bem empolgada
    sobre descobertas recentes
  • 9:03 - 9:07
    a respeito do impacto da ocitocina
    como tratamento para o autismo.
  • 9:07 - 9:10
    Parece que esse tratamento
    permite que as pessoas do espectro
  • 9:10 - 9:13
    socializem melhor ou mais.
  • 9:13 - 9:16
    Eu disse a ela que isso levantava
    diversas questões
  • 9:16 - 9:21
    porque, se eu tivesse recebido esse
    tratamento e sido forçada a socializar,
  • 9:21 - 9:23
    não teria tido tempo para realizar
  • 9:23 - 9:27
    todas as coisas que realizei
    nos últimos seis anos.
  • 9:27 - 9:29
    Eu tenho um blogue,
  • 9:29 - 9:30
    um canal no YouTube,
  • 9:30 - 9:34
    fiz meu doutorado e publiquei dois livros.
  • 9:34 - 9:37
    Então, não passo tempo
    socializando com meus amigos,
  • 9:37 - 9:39
    mas e daí?
  • 9:39 - 9:40
    Eu realizo coisas.
  • 9:41 - 9:42
    Não faz sentido pra mim
  • 9:42 - 9:45
    as pessoas quererem
    que eu seja menos autista.
  • 9:45 - 9:50
    É exatamente por ser autista
    que sou extremamente focada,
  • 9:50 - 9:51
    resiliente,
  • 9:51 - 9:53
    hipersensível
  • 9:53 - 9:56
    e, portanto, muito criativa, franca,
  • 9:56 - 9:59
    e sou especialista em várias coisas.
  • 10:00 - 10:03
    E, claro, sei que minha
    experiência não é igual
  • 10:03 - 10:06
    à de outras pessoas autistas
    muito mais dependentes que eu,
  • 10:06 - 10:07
    mas, mesmo assim,
  • 10:07 - 10:11
    acho que esse tipo de pesquisa
    traz questões éticas.
  • 10:13 - 10:18
    Gostaria de viver num mundo
    onde eu possa ser eu mesma,
  • 10:19 - 10:21
    onde eu seja ouvida,
  • 10:23 - 10:26
    onde eu receba o apoio de que preciso,
  • 10:27 - 10:31
    um mundo onde eu não precise ser
    o "exemplo de pessoa autista"
  • 10:31 - 10:33
    para ser amada e aceita,
  • 10:33 - 10:38
    um mundo onde eu não tenha que lutar
    contra estereótipos e discriminação
  • 10:38 - 10:40
    todo santo dia.
  • 10:40 - 10:42
    É esse o mundo que precisamos criar.
  • 10:43 - 10:44
    Enquanto isso,
  • 10:44 - 10:47
    gostaria de dizer aos meus amigos autistas
  • 10:47 - 10:50
    e a todas as pessoas por aí afora
    que são diferentes:
  • 10:50 - 10:52
    você não é um erro,
  • 10:53 - 10:56
    você não é uma doença
    que precisa ser curada
  • 10:57 - 10:59
    e você é perfeito.
  • 11:01 - 11:02
    Obrigada.
  • 11:02 - 11:04
    (Aplausos)
Title:
Consegue imaginar um mundo onde você é a minoria? | Julie Dachez | TEDxCollegeofEuropeNatolin
Description:

Julie, autora de "La différence invisible" ("A Diferença Invisível") e de "Dans ta Bulle" ("Em sua Bolha"), nos mostra como é uma pessoa neurotípica. Questionando o próprio conceito do que é ser normal em nosso sociedade, ela também fala sobre a importância de entendermos a nós mesmos para que possamos aceitá-lo.

Ela foi diagnosticada como autista (síndrome de Asperger) aos 27 anos de idade. Desde então, sua vida mudou e ela ficou em paz com seu interior. Como palestrante e escritora em múltiplas mídias, ela se expressa através de blogues e do YouTube.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
11:08

Portuguese, Brazilian subtitles

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