-
Ric Allport: Ok pessoal, tenho que admitir
que hoje estou no papel de fanboy,
-
porque eu sigo a Emily e acho que ela
é absolutamente incrível.
-
A Emily é ativista pela libertação animal,
educadora, oradora internacional
-
e fundadora da organização sem fins lucrativos
Bite Size Vegan, onde cria vídeos educacionais,
-
textos, relatórios e recursos gratuitos
sobre temas que afetam o nosso meio ambiente,
-
a saúde pública e individual e os direitos
de todos os seres sencientes.
-
Hoje a Emily falará sobre o imenso poder
da linguagem e como encontrar um equilíbrio
-
entre se manter firme em suas convicções e
intransigente na mensagem, mas conseguir
-
que as pessoas baixem a guarda o suficiente
para ouvir, escutar e fazer a conexão.
-
Um grande aplauso para a Emily.
-
[Aplausos]
-
Obrigada.
-
Muito obrigada.
-
É engraçado - essa introdução dá a entender
que eu sei o que estou fazendo.
-
Não me interpretem mal - eu já percorri
um longo caminho no meu ativismo,
-
mas nunca me senti
como uma especialista.
-
Pode parecer estranho, já que estou aqui
para falar sobre como aumentar a eficácia
-
do seu ativismo, mas, de muitas maneiras,
a minha eterna incerteza é na verdade
-
um dos meus maiores pontos fortes.
-
E por mais contra-intuitivo que possa
parecer, eu hoje espero deixar vocês
-
um pouco mais incertos de si mesmos
também.
-
A incerteza gera consideração e
premeditação - pensar antes de agir
-
e ter atenção
ao que dizemos.
-
Como ativistas, nossas escolhas de linguagem
podem ser a nossa ferramenta mais valiosa,
-
ou a nossa armadilha mais perigosa.
-
Quando não temos cuidado com a abordagem,
arriscamos não apenas não conseguir transmitir
-
a nossa mensagem, mas, ainda mais preocupante,
transmitir algo totalmente diferente.
-
Se você é novo no ativismo, aumentar seu
nível de incerteza pode parecer
-
a última coisa que você quer fazer.
Você já se sente cheio de incertezas.
-
Se você é como eu, você quer
desesperadamente saber a coisa certa
-
para dizer para chegar a não veganos.
E você quer que essa coisa seja clara, simples
-
e de aplicação universal, como um modelo
perfeito para o ativismo eficaz.
-
Vou esclarecer desde já que não tenho
isso para oferecer. Passei décadas tentando
-
descobrir como falar sobre veganismo,
sem jeito, tateando, sem nunca encontrar
-
o "santo graal"
para o ativismo eficaz.
-
O que eu descobri, através de muitas
tentativas e principalmente erros,
-
foi o valor de não ter uma abordagem fixa,
de permanecer perpetuamente incerto.
-
Nesse sentido, aqueles de vocês que são
novos no ativismo têm uma vantagem
-
sobre ativistas experientes:
seus comportamentos ainda não são fixos,
-
talvez ainda não estejam confortáveis
com o que dizer.
-
Se você é um ativista experiente, talvez
o problema já não seja saber o que dizer,
-
mas sim como encontrar a energia
para continuar dizendo.
-
Talvez você tenha chegado a um ponto
de exasperação, de exaustão, por ter dado
-
tudo o que tem para alcançar as pessoas,
mas sentir que está batendo em uma parede.
-
Independentemente de onde você está
no seu ativismo, espero ajudá-lo a
-
comunicar sua mensagem
de forma mais eficaz.
-
Antes de considerarmos nossa abordagem,
precisamos entender o melhor possível
-
a natureza do assunto
com que estamos lidando.
-
Não há nada como a resistência
aparentemente inata da nossa espécie
-
a tudo que tenha a ver com veganismo.
Desafia toda a lógica e senso comum,
-
está presente em todos os países,
classes, raças, culturas e mesmo séculos.
-
Se acharmos que é só uma questão
de mostrar os fatos às pessoas,
-
vamos acabar por não sair do lugar.
E quando atribuímos a resistência
-
ou negacionismo das pessoas
a falta de inteligência ou simples teimosia,
-
corremos facilmente o risco de
descartá-las completamente.
-
Mas basta ver quantas pessoas bem formadas
e inteligentes chegam à idade adulta
-
acreditando que as vacas produzem leite
espontaneamente, desafiando toda
-
a fisiologia dos mamíferos, para entender
que não é uma questão de inteligência.
-
Compreender isso nos permite mudar nossa
perspectiva. O que talvez víssemos como razões
-
pelas quais nossa mensagem foi rejeitada
são agora guias para uma abordagem melhor.
-
E em vez de nos concentrarmos
tão intensamente no QUE dizer, podemos
-
focar a atenção em COMO estamos dizendo,
porque é o COMO que pode fazer a diferença.
-
Para ilustrar os pontos que abordarei,
preciso começar por algumas informações
-
sobre meu próprio processo
e jornada.
-
Como eu já disse, passei a maioria
da minha vida procurando desesperadamente
-
as palavras certas
para falar sobre veganismo.
-
Nos últimos anos, à medida que a Bite Size Vegan
cresceu e comecei a receber evidências tangíveis
-
do impacto do meu trabalho, com
depoimentos incríveis de mudança do mundo inteiro,
-
minha confiança permaneceu instável,
ou se tornou ainda mais instável.
-
Não importa quantos vídeos eu crie, quantos
discursos eu faça ou com quantas pessoas eu fale,
-
cada um deles é como
começar tudo de novo, do zero,
-
sempre com o renovado pânico
de não ter ideia do que dizer.
-
Na maior parte da minha vida, eu via essa falta
de confiança como uma falha pessoal inerente,
-
e via meu nível de consideração reconhecidamente
neurótico antes de falar ou agir como
-
um perfeccionismo exagerado.
-
Mesmo com um ano de idade, apesar de a minha mãe
me incentivar permanentemente a "usar palavras",
-
eu insistia em apontar e grunhir
para as coisas que eu queria.
-
E não é que eu não soubesse as palavras;
eu tinha medo de dizer fosse o que fosse,
-
até ser capaz de construir uma frase completa
e fazê-lo corretamente.
-
Só agora, décadas depois, é que eu
vim a compreender que a minha hesitação
-
e cuidadosa premeditação antes de falar
e a necessidade induzida pelo pânico
-
de estudar os parâmetros e protocolos
das interações humanas
-
não eram o perfeccionismo neurótico
e a falta de confiança que eu presumia
-
e que passei grande parte da minha vida
tentando superar, mas sim
-
mecanismos de sobrevivência necessários, comuns
em crianças autistas, especialmente meninas.
-
Tornamo-nos, essencialmente,
antropólogos infantis.
-
Muitos autistas - inclusive eu, descrevem que se
sentem como se tivessem nascido no planeta errado.
-
Nada faz você compreender a gravidade e
o imenso poder da linguagem como ser incapaz
-
de navegar efetivamente
pelo método dominante de comunicação.
-
Basta perguntar a qualquer viajante que já tenha
tido que navegar uma língua estrangeira
-
e ao mesmo tempo considerar nuances culturais
em termos de linguagem corporal, gestos, tom...
-
É muito para lidar de uma vez só
e precisa de amplo processamento intelectual
-
de inúmeros fatores de que os nativos
nem sequer têm consciência.
-
Pense na última vez que você precisou
conjugar um verbo na sua cabeça antes de falar.
-
Da mesma forma, os autistas
precisam processar intelectualmente
-
as inúmeras pistas não verbais de comunicação
co-ocorrentes que a maioria da nossa espécie
-
processa em milissegundos,
a um nível subconsciente.
-
Essencialmente, o meu processo para comunicar
eficazmente com não veganos
-
no meu ativismo educacional
envolve a mesma análise cuidadosa,
-
escolha dolorosamente árdua de linguagem precisa
e discernimento da abordagem mais adequada
-
para um público específico
e um conjunto de circunstâncias
-
que eu tive que navegar
desde as minhas primeiras palavras.
-
De muitas maneiras, os novos veganos são expostos
a alguns aspetos da experiência autista.
-
Pelo menos como eu a conheço.
-
Quando abrem os olhos, são subitamente expostos
a uma sobrecarga sensorial, ficam extremamente
-
e intensamente cientes da extrema exploração
e crueldade ao seu redor.
-
Não conseguem mais olhar para um copo
de leite sem ouvir os gritos angustiados
-
de uma mãe cujo bebê
foi arrancado do seu lado.
-
E eles se apercebem que não são capazes
de se explicar às pessoas ao seu redor.
-
É quase como se, no segundo em que passamos
para o "lado vegano", a mentalidade não vegana
-
que tivemos nossas vidas inteiras
de repente se torna incompreensível.
-
Já perdi a conta de quantas vezes recebi e-mails
e mensagens, até de comedores de carne convictos,
-
que fizeram a conexão,
mas o cônjuge não fez.
-
Então eles vieram falar comigo, essencialmente
uma estranha, pedindo conselhos.
-
Como conversar com essa pessoa
que eles conhecem há anos?
-
Como lidar com uma situação em que algúem
que amamos se recusa a ver a verdade?
-
E continua a comer o que é agora tão claramente
o corpo assassinado de um ser inocente?
-
Como eles lidam com o desgosto de amar
alguém que eles não entendem mais?
-
De alguma forma, perderam a capacidade
de navegar o léxico não vegano.
-
Ficaram sem saber
o que dizer.
-
Este paralelo à minha luta constante para
comunicar me colocou em uma posição privilegiada
-
para ajudar os veganos a aprender a “usar
as palavras" novamente, porque agora
-
têm que pensar em linguagem e abordar
a comunicação como um autista.
-
Antes de falar de exemplos concretos
e estudos de caso, vou descrever brevemente
-
o básico deste assunto
em relação ao ativismo vegano.
-
Sempre que pesquiso e escrevo, eu considero
o meu público, a minha mensagem e o meu objetivo.
-
Ou seja, tento ter em mente quem estou tentando
alcançar, que mensagem estou tentando passar
-
e o que é que pretendo atingir.
-
É claro que é impossível para qualquer um de nós
saber todos os aspectos do nosso público
-
ou da situação, mas esse tipo de considerações
pode nos ajudar a criar uma mensagem que seja
-
tão eficaz quanto possível
para o nosso público-alvo.
-
Quero enfatizar que não se trata
de ceder ou ludibriar.
-
Comprometer a verdade para fazer
o veganismo parecer mais palatável
-
é uma das armadilhas mais perigosas
que vamos explorar.
-
Quando navegamos a linguagem do ativismo,
educação e defesa dos direitos dos animais,
-
há muitos potenciais perigos, distrações,
desvios e armadilhas contraproducentes.
-
Talvez em nossos esforços
para tornar o veganismo acessível,
-
comprometemos nossas convicções
e suavizamos nossa ética.
-
Talvez para "acordar as pessoas"
nos tornemos agressivos e polarizadores.
-
Nos perguntamos como é que eles não entendem,
quando para nós é tão dolorosamente claro.
-
De alguma forma,
apesar de todos os nossos esforços,
-
nossa mensagem fica "perdida na tradução"
e o fosso na comunicação aumenta.
-
Já ouvi inúmeros debates
entre ativistas veganos
-
sobre se devemos ter uma abordagem
mais suave ou mais firme.
-
Essa falsa dicotomia é na verdade um desvio
onde facilmente podemos nos perder.
-
O verdadeiro desafio é encontrar o equilíbrio
entre permanecer firme em nossas convicções
-
e intransigente na nossa mensagem, mas ajudar
as pessoas a baixarem a guarda o suficiente
-
para ouvirem, escutarem
e fazerem a conexão.
-
À medida que aprofundamos exemplos concretos,
o tema comum da pesquisa intensiva vai surgir.
-
É claro que investigação aprofundada pode ser
entediante e definitivamente demorada.
-
Pode acreditar, muitas vezes gostaria de poder
descartar minha própria incerteza,
-
minha incapacidade de aceitar as coisas de cara
ou de partir do princípio que já sei.
-
Mas há uma vantagem clara no tempo gasto
investigando por você mesmo.
-
O processo de aprendizagem ao fazer sua
própria pesquisa é significativamente diferente
-
de regurgitar ou reorientar coisas que outras
pessoas disseram. Você terá não só os fatos,
-
mas também o caminho investigativo, a trilha
de informações que você seguiu para obtê-los.
-
Em vez de simplesmente listar estatísticas, ou dizer
a alguém que aquilo em que sempre acreditou
-
são mentiras, você consegue partir com as pessoas
de um ponto de familiaridade, de ideias comuns,
-
seguir progressivamente a trilha de informações
tal como você a descobriu,
-
apresentando os fatos pelo caminho,
para que elas possam digeri-los passo a passo.
-
Essa é uma abordagem incrivelmente útil para
qualquer tipo de educação.
-
Consegue evitar o confronto e o compromisso
ao mesmo tempo.
-
Você está compartilhando o que aprendeu e como
aprendeu, ao invés de ditar o que é verdade.
-
Ao não provocar um comportamento defensivo,
você permite que as pessoas baixem a guarda
-
e absorvam e processem
as informações que estão recebendo.
-
Sem diluir ou florear com eufemismos,
sem oferecer mudanças parciais
-
como opções mais palatáveis
do que se tornar vegano.
-
Verdade real, com recepção real.
-
Vamos ver alguns exemplos de linguagem
problemática e abordagens ineficazes.
-
Pessoalmente, acho que as armadilhas mais
perigosamente atraentes são aquelas que
-
parecem ser táticas
de comunicação eficazes.
-
Uma abordagem comum no movimento vegano
é focar na normalização social do veganismo.
-
Tornar o estilo de vida vegano acessível,
econômico, fácil - até convencional.
-
Essa é uma tática muito lógica, especialmente
se considerarmos que um dos maiores obstáculos
-
para se tornar vegano é o ostracismo social
e a rejeição da família e amigos.
-
A acessibilidade do veganismo é algo
que eu defendo fervorosamente,
-
é um dos aspectos fundamentais
da Bite Size Vegan.
-
No entanto, ao tentar fazer a ponte
e ir ao encontro das pessoas onde elas estão,
-
existe o risco de reduzir o imperativo ético
do veganismo a uma escolha de estilo de vida
-
socialmente aceitável, até mesmo oferecendo
níveis de mudança que equivalem
-
a aceitar e promover
um certo nível de crueldade.
-
É por isso que é tão importante estarmos atentos
às nossas escolhas de linguagem como ativistas,
-
para não acabarmos defendendo exatamente
aquilo contra o qual estamos lutando.
-
Nada representa melhor esse cenário
do que o movimento humanitário.
-
A linguagem e conceitos humanitários ganharam
força facilmente, por apelarem a todos os lados.
-
Ao vegano com medo de parecer radical
ou extremista, eles proporcionam uma sugestão
-
menos intimidante para oferecer:
segunda-feira sem carne, ovos caipiras locais.
-
Para ativistas lutando pela libertação animal,
eles dão a possibilidade de melhores condições,
-
progresso em direção ao objetivo final.
-
E certamente para o não vegano,
que agora tem um jeito
-
de continuar fazendo o que quer fazer,
mas se sentir bem com isso.
-
A motivação para se tornar vegano desaparece;
para quê arriscar isolamento social
-
e enfrentar o desconforto da mudança,
quando você pode continuar comendo animais,
-
não apenas sem preocupações incômodas,
mas até com a garantia de que você está
-
melhorando a forma como eles são tratados,
ajudando o ambiente e melhorando a sua saúde?
-
O verdadeiro problema são as fazendas industriais,
graças a Deus você agora come de modo responsável.
-
Você pode pensar que isso é uma interpretação
pessimista do que poderia ser um passo
-
rumo a mudanças reais, proporcionando
pelo menos uma pequena melhoria nas condições.
-
Eu entendo o fascínio
dessa linha de pensamento.
-
Nós ativistas não somos imunes
ao apelo sedutor da retórica humanitária.
-
Mas é crucial que não aceitemos nada de cara;
nossa responsabilidade é para com os escravizados,
-
não para com o conforto de seus captores
ou para conosco mesmos.
-
Tal como incentivamos outras pessoas a enfrentarem
a verdade e questionarem o que sabem,
-
devemos fazer o mesmo.
-
Embora possamos sentir que nossos olhos já estão
abertos, devemos procurar ativamente a incerteza.
-
Foi minha própria incerteza que me levou
a me aprofundar sobre legislação humanitária,
-
ao pesquisar para um discurso
que apresentei em Dublin, na Irlanda.
-
A Irlanda é um estudo de caso poderoso.
É praticamente o conceito humanitário
-
encarnado em forma de país.
Vacas pastam no exterior em campos pitorescos,
-
reforçando a velha ladainha de que
"aqui não é assim."
-
E realmente não parece ser.
-
Mesmo depois de pesquisar bastante, encontrei
apenas um vídeo secreto de abuso.
-
A Irlanda faz parte da União Europeia, que,
no Tratado de Lisboa, assinado em 2007,
-
historicamente declarou os animais não humanos
legalmente sencientes, merecendo estar livres
-
de fome, sede, desconforto, dor, lesão, doença,
medo, angústia e sofrimento mental.
-
Tendo reconhecido sua capacidade de sentir
as mesmas emoções e sensações que nós,
-
a UE de seguida preparou legislação que
especifica as formas exatas como podemos
-
legalmente violar, aprisionar, cortar,
queimar, mutilar e assassiná-los.
-
O resultado foi um regulamento do Conselho,
intitulado "sobre a proteção dos animais
-
no momento de os matar", que foi e é visto,
mesmo por ativistas pelos animais,
-
como um grande passo em frente,
uma vitória para os animais.
-
Para aqueles de nós que vivem em países sem
tais regulamentos, é natural pensar que
-
o abuso sistemático de animais de criação
resulta, pelo menos em parte,
-
de uma completa falta de supervisão.
-
Por exemplo, nos Estados Unidos, não existe
qualquer lei federal que reja o tratamento
-
de animais de criação.
-
Já vi ativistas e organizações listarem as
mutilações e atrocidades rotineiramente cometidas
-
dentro da indústria alimentar nos EUA,
enfatizando a necessidade de regulamentações,
-
muitas vezes apontando
a UE como um excelente exemplo.
-
Mas se você realmente ler a legislação
revolucionária da UE e documentos complementares,
-
você verá essa mesma lista
de mutilações e atrocidades
-
não condenadas, mas codificadas.
-
Então, ao invés de pintinhos serem moídos vivos
porque não existem regulamentos
-
que o impeçam, eles são moídos vivos
porque os regulamentos declaram
-
que esse é o método preferencial
para eliminação de pintos machos.
-
Existem até especificações detalhadas
sobre velocidade e afiamento da lâmina
-
para evitar atrapalhar o processo.
-
Depois de procurar por alguns meses,
encontrei os documentos que explicam
-
o processo de decisão. E agora vou citar
os documentos da legislação.
-
Eles concluíram que gasear os cerca de
335 milhões de pintos machos com um dia de idade
-
mortos por ano na EU custaria 1665 mil euros.
O custo de usar facas rodando ou girando,
-
que trituram os pintos numa fração de segundo
pode ser considerado não substancial.
-
Ou seja, a decisão não teve nada a ver
com o que era mais humanitário;
-
foi simplesmente uma questão
do que era mais barato.
-
Isso é ecoado ao longo de todo o documento.
-
Cada um dos métodos de assassinato
traduzido em uma transação financeira.
-
Sem surpresa, o painel de avaliação de impacto
reunido pela UE para esta "vitória legislativa"
-
pelos direitos dos animais incluía representantes
da indústria da carne, laticínios e ovos.
-
E a Butina, a fabricante global
das câmaras de gás
-
determinadas como o método preferencial
para a matança de porcos.
-
É o absurdo dos assassinos decidirem
como devem poder matar.
-
É para isso que apontamos como prova
de progresso, como um exemplo pelo qual lutar.
-
Temos que ter consciência
do que estamos defendendo.
-
Na verdade, foram as ações de ativistas
australianos que me incentivaram
-
a procurar tão fervorosamente
por esses documentos.
-
A legislação da UE recomendou a eliminação
progressiva das câmaras de dióxido de carbono
-
para porcos, mas disse que “a avaliação
de impacto revelou que essas recomendações
-
não eram economicamente viáveis
no momento".
-
Eu ainda não tinha conseguido
encontrar essa avaliação,
-
quando mais tarde tive o prazer de entrevistar
ativistas da Animal Liberation Victoria
-
e da Animal Liberation New South Wales
sobre suas filmagens secretas nas câmaras de gás
-
e ações subsequentes em que encerraram operações
em um matadouro, se acorrentando às câmaras.
-
As filmagens que eles obtiveram
me abalaram profundamente,
-
e continuo a utilizá-las na parte em vídeo
de todos os discursos que dou.
-
Fiquei determinada a encontrar
os documentos explicando por que a UE
-
ainda recomendou as câmaras.
E finalmente encontrei a avaliação,
-
que revelou que a Butina,
o fabricante das câmaras, estava no painel.
-
Como você deve saber, desde 2005, a Austrália
tem vindo a passar de "códigos de prática",
-
essencialmente sugestões não vinculativas
interpretadas por cada estado, pelo que entendo,
-
para "padrões e diretrizes
consistentes a nível nacional".
-
Pelo que vi, parece estar sendo
um processo prolongado, extenso e tedioso.
-
Nos últimos 13 anos, eles cobriram
a parte sobre gado e ovelhas.
-
Quando se trata de encontrar documentação sólida,
vocês na Austrália estão em vantagem,
-
pois existem amplos recursos que ativistas
e organizações já disponibilizaram.
-
As informações estão disponíveis, e mais
facilmente do que em muitos países.
-
Use-as como ponto de partida
para a sua própria pesquisa.
-
Convido você a mergulhar nas letras pequenas
dos regulamentos do seu estado,
-
da proposta de Padrões e Diretrizes Australianos
de Bem-Estar Animal
-
e de quaisquer relatórios e documentos
das próprias indústrias.
-
Esses documentos são ferramentas de ativismo
incrivelmente eficazes, porque descrevem o "ideal"
-
e têm o maior interesse em retratar
as práticas sob a melhor luz possível.
-
Foi essa abordagem que usei maioritariamente
no meu discurso na Irlanda: apresentar
-
informações disponibilizadas pelas suas próprias
indústrias agrícolas, o seu governo e a UE.
-
Isso não apenas ajudou a neutralizar a potencial
carga defensiva que podia se gerar por
-
uma YouTuber americana qualquer vir lhes dizer
como é o país deles, mas também permitiu mostrar
-
que mesmo o ideal, que obviamente nunca é
atingido, era absolutamente horrível.
-
Durante a parte introdutória da palestra,
informei o público que
-
"Os fatos que apresentarei hoje não são de
minha própria criação; eu os retirei sobretudo
-
de documentos do governo e da indústria irlandeses,
da União Europeia e muitos, muitos, outros".
-
E afirmei que nem precisavam acreditar em mim,
pois eu iria facultar um link com a transcrição
-
da palestra, com referências para todos os fatos,
uma bibliografia e recursos adicionais.
-
Eu incluo um link para uma página de recursos em
toda palestra que dou - e hoje não será exceção.
-
Isso não apenas oferece uma oportunidade para
mais aprendizagem, mas também remove
-
a significativa potencial barreira de exigir
que as pessoas confiem mim pessoalmente
-
em questões sobre as quais
elas já estão resguardadas à partida.
-
Agora que vimos brevemente como fazer
o trabalho introdutório para ajudar o público
-
a baixar a sua guarda, vou mostrar um exemplo
de como apresentar o forte contraste entre
-
o entusiasmo em torno da legislação humanitária
e seu efeito real sobre os próprios indivíduos.
-
Agora vou citar o meu discurso na Irlanda
novamente.
-
"A grande maioria das 7 bilhões de galinhas
poedeiras no mundo passa sua curta vida
-
em gaiolas apertadas, incapazes
até mesmo de estender suas asas.
-
Você pode ter ouvido o grande alarido sobre
a diretiva inovadora da União Europeia em 1999
-
banindo gaiolas em bateria estéreis
até 2012.
-
Pela cobertura da mídia, você pensaria que as
galinhas poedeiras da UE agora vivem no luxo.
-
Mas, como vemos com regulamentos humanitários,
o diabo está verdadeiramente nos detalhes.
-
Na realidade, a diretiva apenas substituiu
gaiolas em bateria vazias
-
por gaiolas em bateria "enriquecidas",
ou seja, mobiliadas.
-
Relatos elogiavam como as galinhas passariam
a dispor de 750cm2 cada uma,
-
negligenciando que a legislação esclarece
que apenas 600 são utilizáveis.
-
Ou seja, no final, o avanço mais revolucionário
para os direitos das galinhas poedeiras
-
resultou num aumento de 50cm2
de espaço para cada uma.
-
Entender a verdadeira impotência desta legislação
torna sua implementação patética
-
ainda mais desconcertante.
-
Em 2012, nove países disseram à Comissão Europeia
que os seus agricultores não iriam cumprir o prazo
-
para a conversão e outros quatro países disseram
que era improvável estarem preparados.
-
Esses 13 países tiveram mais de 12 anos
para conceder às galinhas poedeiras que escravizam
-
uns meros 50cm2.
-
E o tempo todo a mídia celebra a
vitória pelo bem-estar animal,
-
o público come cada vez mais ovos,
tranquilizado pelos padrões superiores
-
e os indivíduos que esta palhaçada deveria
ajudar continuam explorados da mesma forma."
-
Nessa passagem, eu cobri muitas
informações em apenas algumas frases.
-
Não é incomum que horas, dias
ou até meses de pesquisa
-
acabem por valer apenas
uma ou duas frases no script final.
-
Vou parar um pouco para explicar algumas das
opções que tomei nesta parte da palestra,
-
tendo em conta as três considerações básicas
de público, mensagem e objetivo.
-
Como mencionei no início, nesta altura eu já tinha
apresentado uma introdução significativa,
-
progredindo devagar e deliberadamente no sentido de
abordar indústrias específicas, tendo em conta
-
o meu público e considerações culturais sobre a
Irlanda, além da minha posição de outsider,
-
eu sabia que era importante "desarmar" a situação
de forma mais lenta e mais consciente.
-
Eu usei esse mesmo padrão dentro de cada novo
tópico; assim, quando abordei o tópico dos ovos,
-
abri com os dados menos emocionais sobre
estatísticas de produção na Irlanda,
-
passando depois para as práticas de reprodução
manipulativas e debilitantes para maximizar
-
a produção de ovos e finalmente chegando à questão
das condições de vida, nomeadamente as gaiolas.
-
Embora as gaiolas em bateria continuem a ser o
padrão nos EUA, eu sabia pela minha pesquisa
-
que elas haviam sido banidas na UE.
E encontrei cobertura da mídia
-
que é provável que o meu público
tenha visto nas notícias.
-
A mensagem que eu queria transmitir
era que os ovos nunca são éticos.
-
O meu objetivo, ou seja, o que eu queria atingir,
era anular preventivamente quaisquer dúvidas
-
que restassem, ou a capacidade de descartar totalmente
os fatos que apresentei porque "aqui não é assim".
-
Então, essa é a estrutura básica. No entanto,
ela não inclui um dos fatores mais importantes
-
que afetam a forma como a nossa
mensagem é transmitida e recebida: o tom.
-
Você deve ter notado que o meu tom nessa
passagem foi bastante firme, até enojado.
-
Mas é importante notar que o meu nojo
não foi direcionado ao meu público-alvo.
-
Muito pelo contrário.
-
Ao apresentar evidências de que
eles foram enganados e manipulados,
-
eu disse nas minhas declarações de abertura
que eles mereciam saber a verdade,
-
e que eu estava ali para
apresentar evidências para sua consideração.
-
Então, ao invés de se sentirem julgados ou
atacados e ficarem chateados comigo,
-
eu lhes dei espaço para ficarem chateados
com as mentiras que têm lhes contado.
-
É da natureza humana levantar a guarda quando
estamos na defensiva; nos fechamos e desligamos.
-
Parece lógico que como ativistas evitemos
perturbar o nosso público, a fim de manter a sua
-
receptividade aberta; no entanto, este é um
exemplo ilustrativo do tal equilíbrio.
-
Não se trata de garantir
que não incomodamos ninguém;
-
se eles estão entendendo a verdade,
eles devem sim ficar incomodados!
-
É garantir que o contra-ataque perante as verdades
que revelamos seja dirigido aos alvos certos,
-
levando a uma indignação construtiva
e plenamente justificada.
-
Eu acredito há muito tempo que uma das principais
razões para as pessoas não se tornarem veganas
-
é a dor imensa e a culpa de admitir
o nosso papel em atrocidades horríveis.
-
Confrontar o verdadeiro impacto de nossas escolhas
é incrivelmente assustador, então em vez disso
-
nós desligamos, atacamos ou atiramos um monte
de objeções padrão, ou algumas bem bizarras,
-
que você certamente ouviu inúmeras vezes: leões,
ilhas desertas, proteína e assim por diante.
-
Então, a maneira como eu apresentei as informações
para o meu público irlandês pretendia também
-
fornecer uma espécie de amortecedor para
essa culpa, ao apontar um alvo para a indignação
-
além deles mesmos, evitando que eles desligassem
e canalizando a sua indignação para ação.
-
Preciso mencionar que isso não absolve da culpa
nem tenta desculpar a participação na exploração.
-
Mais uma vez, se trata de encontrar o equilíbrio
entre não comprometer a ética
-
mas permitir que as pessoas
baixem a guarda.
-
Nunca digo que não há problema
em comer animais.
-
Nunca encorajo uma redução de carne,
laticínios ou ovos.
-
Espero que este exemplo tenha ajudado a
ilustrar a falsa dicotomia de que o nosso ativismo
-
precisa ser não ameaçador ao ponto de
encorajar níveis aceitáveis de crueldade
-
ou tão agressivo ao ponto de polarizar e alienar
as pessoas que estamos tentando alcançar.
-
Eu me concentrei até agora nos perigos das
cedências e das tentativas bem-intencionadas
-
de ser acessível, mas isso não significa
que a resposta seja o outro extremo.
-
Uma maneira desconcertante como meu cérebro
funciona me permite de alguma forma ver o cinza
-
onde a maioria das pessoas
percebe apenas preto e branco.
-
Esta é outra das formas como o autismo apresenta
um presente no meio dos seus profundos desafios.
-
Enquanto não autistas tendem a ser o que costuma
ser chamado de "pensadores globais", os autistas
-
costumam ter dificuldade em ver o "quadro geral";
o termo em psicologia é "fraca coerência central".
-
Isso leva a muitos desafios, porque os nossos
cérebros são inundados com informações
-
que não somos capazes de filtrar e priorizar,
levando a uma sobrecarga sensorial,
-
esse hiper-foco em níveis extremos de detalhe
também nos permite
-
ver e fazer conexões
que outras pessoas talvez não façam.
-
Finalmente, pelo menos para mim, porque eu vejo
detalhes e minúcia em vez de resumos
-
ou generalizações, nunca achei que uma pessoa
pudesse ser definida como isto ou aquilo.
-
E vejo que raramente existe uma dicotomia pura,
um único "ou A ou B" seja no que for.
-
Como nos exemplos anteriores de como
uma abordagem mais suave pode acabar transmitindo
-
o oposto da mensagem que pretendemos,
vou dar um exemplo de quando
-
uma abordagem mais agressiva, mais desafiadora,
também pode atrapalhar o nosso objetivo.
-
Quando decidi finalmente fazer um vídeo
sobre abate halal e kosher,
-
que foi bem intimidante, para ser honesta,
descobri que o tema era abordado principalmente
-
através de filmagens secretas horríveis
feitas em matadouros halal e kosher.
-
No final, escolhi não incluir filmagens
com conteúdo violento no meu vídeo,
-
mas não pelos motivos
que você pode estar pensando.
-
Não foi um esforço para não perturbar meu público,
nem um julgamento contra o uso
-
de filmagens violentas.
Na verdade, defendo fervorosamente
-
a importância do uso
de imagens secretas no ativismo.
-
O principal motivo para não usar nenhuma filmagem
resultou do mesmo tipo de investigação
-
que fiz sobre legislação humanitária:
mais uma vez, começar do zero,
-
não aceitando nada
sem questionar.
-
Essencialmente, permanecer
completa e totalmente incerta.
-
Admito que no início a minha impressão sobre
o abate halal e kosher era baseado apenas
-
nos momentos em que me cruzei
superficialmente com as filmagens secretas.
-
Como todo mundo, muitas vezes tenho noções
pré-concebidas e julgamentos pré-existentes.
-
O truque é reconhecê-los como são, para que não
afetem a minha capacidade de permanecer aberta.
-
Praticar a incerteza deliberada.
-
Partindo do princípio de que eu na verdade
não sabia nada sobre abate halal e kosher,
-
mergulhei nos ensinamentos e filosofias
por trás das práticas, procurando fontes escritas
-
por e para indivíduos judeus e muçulmanos.
Textos religiosos, documentos do clero,
-
comentários leigos.
Como muitas regulamentações humanitárias contêm
-
excepções específicas para abate ritual,
com diversos graus de supervisão, existem inúmeros
-
estudos científicos, relatórios e investigações
sobre a "humanidade" dessas práticas.
-
Revisei os estudos que pude encontrar,
bem como várias legislações governamentais.
-
Através da minha pesquisa, descobri que os abusos
horríveis captados nas filmagens eram na verdade
-
violações graves, não exemplos,
dos princípios halal e kosher.
-
Então, usar a filmagem para ilustrar a
brutalidade do abate halal e kosher
-
não apenas seria impreciso, mas acabaria também
por prejudicar o meu objetivo.
-
Olhando para isso novamente através das três
considerações, público, mensagem e objetivo:
-
meu principal público-alvo eram indivíduos
que seguem práticas halal e kosher;
-
minha mensagem era que matar nunca é
humanitário, gentil ou sagrado;
-
e meu objetivo era levar a uma reconsideração
dessas práticas, idealmente resultando na decisão
-
de se tornarem veganos, depois de olharem de
forma séria para o abate ritual
-
e avaliarem se é uma prática
genuinamente humanitária e misericordiosa.
-
Dada a natureza sensível das considerações
religiosas e culturais, eu sabia
-
que era ainda mais importante ser diligente
na pesquisa e respeitosa na abordagem,
-
especialmente tendo em conta
que eu não sou judia nem muçulmana.
-
Se eu quisesse alcançar pessoas que participam
no abate ritual e lhes mostrasse imagens brutais
-
que na verdade violam os seus princípios,
o que eu teria conseguido,
-
além de demonstrar a minha falta de vontade de
pelo menos compreender essas práticas?
-
Com a falta de discussão real entre ativistas
e praticantes, considero ainda mais importante
-
chamar a atenção para o fato de que, como acontece
muitas vezes, os lados aparentemente opostos
-
deste debate, têm na verdade mais semelhanças
do que diferenças.
-
Agora vou citar o vídeo que fiz:
-
"De fato, os valores defendidos pelos defensores
dos animais que se opõem ao abate ritual são,
-
segundo líderes judeus e islâmicos,
a própria base das práticas halal e kosher.
-
Mas este ponto de partida comum
raramente é explorado, pois quase todos os debates
-
sobre abate ritual surgem de filmagens
que expõem o terrível tratamento
-
dos animais em matadouros halal e kosher.
-
Na verdade, a maioria dos indivíduos
judeus e muçulmanos ficam igualmente
-
ou até mais indignados
com as violações expostas nesses vídeos.
-
Mas o resultado final de verem essas filmagens
é quase sempre um clamor
-
por melhor regulamentação e fiscalização
mais apertada dos padrões halal e kosher,
-
sem responder à questão de se estes métodos,
quando feitos de forma correta, são humanitários.
-
E deixando por abordar o cerne do debate
em torno do abate humanitário:
-
será que é sequer possível acabar com a vida
de outro ser de uma maneira que seja gentil?"
-
Se eu tivesse usado esses vídeos, teria não só
passado ao lado das verdadeiras questões,
-
mas também, ao retratar de forma tão imprecisa
um aspecto importante da sua fé,
-
eliminaria qualquer possibilidade de discussão
e principalmente de reconsideração.
-
Eu incluí um trecho de filmagens perto do final
do vídeo, explicando que a melhor forma
-
de determinar se o abate ritual é humanitário
é através da simples observação.
-
Mostrei um exemplo de abate ritual
que cumpre a tradição,
-
ainda assim parando antes de o pescoço da ovelha
ser cortado ou de qualquer imagem de sangue.
-
O que eu queria enfatizar e mostrar era
o comportamento da ovelha antes do abate.
-
Mesmo num ambiente de um para um,
com o abatedor gentilmente recitando orações,
-
oferecendo água, dizendo que é importante
que o animal esteja descansado e confortável,
-
era evidente que a ovelha não estava participando
de forma voluntária.
-
Depois das imagens, passei o foco de todos os
detalhes e debates de que tinha falado até agora
-
para onde ele deve estar:
no indivíduo.
-
E disse: "Acabar com a vida de qualquer
ser senciente de forma prematura
-
e contra a sua vontade nunca poderá ser
um ato humanitário ou misericordioso.
-
A ideia de que esse ato é necessário,
justificando-o assim como um mal menor,
-
é uma das principais racionalizações usadas por
comedores de carne, sejam leigos ou religiosos."
-
Com o meu público-alvo em mente, mencionei
versos de textos religiosos judeus e muçulmanos
-
que apoiam os princípios veganos. Eu já os havia
abordado na minha série "A História do Veganismo",
-
enfatizando que nenhuma religião, Judaísmo e Islão
incluídos, obriga ao consumo de animais.
-
Finalmente, depois de navegar pelas fundações
destas tradições e detalhar os debates,
-
a legislação, opiniões e estudos,
refoquei completamente o assunto,
-
porque no final das contas isto não é
um assunto religioso, é um assunto humano.
-
Esta é outra abordagem intencional
que eu utilizo no meu ativismo,
-
sobretudo quando lido com
temas polarizantes e inflamatórios.
-
Primeiro, faço questão de dedicar tempo
para ser o mais respeitosa e precisa possível,
-
ajudando o meu público-alvo a baixar a sua guarda,
saindo da habitual posição defensiva.
-
Depois de focar em detalhes, às vezes
bastante granulares, dou um passo atrás
-
para o que é universalmente aplicável:
a condição humana.
-
Agora vou citar do vídeo novamente:
-
"O mito do abate humanitário vai para além
de qualquer religião.
-
A humanidade como um todo está constantemente
tentando desculpar e explicar a escravidão,
-
tortura e assassinato
de seres sencientes.
-
É um pouco absurda a quantidade
de tempo, energia, detalhe, dinheiro público
-
e burocracia são utilizados para encontrar
a maneira certa de matar.
-
Apontamos o dedo a abusos indesculpáveis em outros
países, culturas, religiões e empresas específicas,
-
embarcando numa justa indignação,
e evitando convenientemente qualquer avaliação
-
da nossa própria cumplicidade na morte
dos animais que estão no nosso prato."
-
Antes de terminar, vou falar sobre a linguagem
e abordagem ao apresentar filmagens secretas.
-
Como já disse, filmagens secretas são
fundamentais na luta pela libertação animal.
-
A nossa exploração sistemática dos animais
não humanos prospera nas trevas;
-
filmagens secretas expõem essa realidade horrível,
dando voz às vítimas.
-
Saber a verdade é uma coisa;
vê-la é completamente diferente.
-
Mas tal como o impacto do que dizemos depende
de como o dizemos, o impacto do que mostramos
-
depende de como o enquadramos
e apresentamos.
-
Não temos tempo para nos aprofundarmos nisto,
mas gostaria de chamar a atenção para um assunto
-
que vi muitas vezes na divulgação
de filmagens secretas.
-
Vamos pensar, por exemplo, em todas as vezes que
filmagens secretas mostraram trabalhadores,
-
seja de que país for,
jogando pintinhos numa trituradora.
-
Todas essas vezes, a mídia relata de forma
dramática a crueldade inacreditável.
-
E todas essas vezes o público fica estupefacto,
indignado e enojado.
-
Se perguntam como uma pessoa ou uma indústria
pode ser tão bárbara.
-
E continuam a comer ovos, sem se aperceberem
que acabaram de responder à sua própria pergunta.
-
No final das contas, a mensagem
que essas filmagens transmitem ao público
-
depende da forma como são apresentadas.
-
Quando uma prática codificada e padronizada,
como a trituração de cerca de 3.2 biliões
-
de pintinhos por ano no mundo inteiro, é reduzida
a um soundbyte sensacionalista,
-
isso enfraquece o poder e a necessidade
de expor a verdade.
-
Muitas vezes, o mais grave é aquilo que não é dito
quando essas filmagens são exibidas.
-
Quando não explicamos e enfatizamos que os
horrores mostrados no vídeo são não apenas legais
-
mas aprovados pelo governo
e ditados pela legislação humanitária,
-
deixamos o público com a impressão
de que se trata de um incidente isolado.
-
O resultado de alguns trabalhadores
maliciosos e sociopatas.
-
Longe de considerar o veganismo,
o público fica apenas pensando que
-
felizmente os culpados foram denunciados
e certamente serão punidos.
-
Ainda bem que os ovos que NÓS comemos
não contribuem para esse tipo de atos bárbaros.
-
Um último exemplo é o de uma investigação
secreta numa fábrica de reprodução de porcos
-
em Iowa, o estado
onde eu moro atualmente.
-
Eu falo mais deste assunto no meu texto e vídeo
sobre bestialidade.
-
Imagens e notas detalhadas da investigação
catalogaram abusos frequentes
-
de porcas mães e grávidas, incluindo espancamento,
chutes e estupro violento.
-
Trabalhadores também foram filmados cortando
as caudas e arrancado os testículos de leitões,
-
sem qualquer anestesia, o que resultou
algumas vezes em hérnias escrotais,
-
que levaram os intestinos dos leitões
a sair pela incisão.
-
Num dos atos mais citados pela mídia,
trabalhadores são mostrados jogando leitões
-
doentes ou deformados no chão, os deixando morrer
lentamente, com o crânio quebrado, tremendo,
-
com falta de ar, enquanto outros se acumulavam
em cima deles em contentores enormes.
-
Na maior parte desta palestra, enfatizei o poder
e impacto das NOSSAS escolhas de linguagem
-
na transmissão da nossa mensagem. Mas as escolhas
de outros também são ferramentas de aprendizagem.
-
Um artigo da NBC News sobre as filmagens de Iowa
incluía comentários de Temple Grandin,
-
apresentada como "uma proeminente
especialista em bem-estar animal".
-
Se referindo aos abusos que listei,
Grandin afirmou que "embora essas
-
sejam práticas padrão na indústria, o tratamento
das porcas no vídeo está muito longe disso",
-
e o chamou de "um abuso atroz dos animais".
-
No meu vídeo, eu paro para sublinhar
o absurdo das suas palavras.
-
Vou citar do meu vídeo:
-
"Só para ficar claro, caso não seja óbvio,
espancar e estuprar porcas mães
-
é o 'abuso atroz dos animais'.
-
As 'práticas padrão da indústria' a que Grandin
se refere são a mutilação sem anestesia
-
de porcos recém-nascidos e jogar brutalmente
bebês defeituosos contra o chão de concreto.
-
Essas práticas não apenas são legais,
como são aprovadas pelos governos
-
dos Estados Unidos, Canadá, Austrália,
União Europeia e não só."
-
Para demonstrar a falta de lógica em tudo isso,
acrescentei:
-
"Então, é isso que as práticas padrão têm de bom:
não sei quanto a você, mas se eu visse o vídeo
-
e me perguntassem o que era abuso
e o que era normal, eu diria tudo errado!"
-
Espero que esta palestra tenha ajudado
a ilustrar o incrível poder da linguagem,
-
tenha dado a vocês algumas ideias
de como caminhar na zona cinza,
-
os encorajado a terem pelo menos
um pouco mais de incerteza no seu ativismo,
-
para que possam abordar cada interação,
cada indivíduo, cada situação como algo novo.
-
Essencialmente, que vocês consigam pensar
um pouco mais "autisticamente".
-
Muito obrigada pelo convite,
estou muito agradecida.
-
[Aplausos]