Ric Allport: Ok pessoal, tenho que admitir
que hoje estou no papel de fanboy,
porque eu sigo a Emily e acho que ela
é absolutamente incrível.
A Emily é ativista pela libertação animal,
educadora, oradora internacional
e fundadora da organização sem fins lucrativos
Bite Size Vegan, onde cria vídeos educacionais,
textos, relatórios e recursos gratuitos
sobre temas que afetam o nosso meio ambiente,
a saúde pública e individual e os direitos
de todos os seres sencientes.
Hoje a Emily falará sobre o imenso poder
da linguagem e como encontrar um equilíbrio
entre se manter firme em suas convicções e
intransigente na mensagem, mas conseguir
que as pessoas baixem a guarda o suficiente
para ouvir, escutar e fazer a conexão.
Um grande aplauso para a Emily.
[Aplausos]
Obrigada.
Muito obrigada.
É engraçado - essa introdução dá a entender
que eu sei o que estou fazendo.
Não me interpretem mal - eu já percorri
um longo caminho no meu ativismo,
mas nunca me senti
como uma especialista.
Pode parecer estranho, já que estou aqui
para falar sobre como aumentar a eficácia
do seu ativismo, mas, de muitas maneiras,
a minha eterna incerteza é na verdade
um dos meus maiores pontos fortes.
E por mais contra-intuitivo que possa
parecer, eu hoje espero deixar vocês
um pouco mais incertos de si mesmos
também.
A incerteza gera consideração e
premeditação - pensar antes de agir
e ter atenção
ao que dizemos.
Como ativistas, nossas escolhas de linguagem
podem ser a nossa ferramenta mais valiosa,
ou a nossa armadilha mais perigosa.
Quando não temos cuidado com a abordagem,
arriscamos não apenas não conseguir transmitir
a nossa mensagem, mas, ainda mais preocupante,
transmitir algo totalmente diferente.
Se você é novo no ativismo, aumentar seu
nível de incerteza pode parecer
a última coisa que você quer fazer.
Você já se sente cheio de incertezas.
Se você é como eu, você quer
desesperadamente saber a coisa certa
para dizer para chegar a não veganos.
E você quer que essa coisa seja clara, simples
e de aplicação universal, como um modelo
perfeito para o ativismo eficaz.
Vou esclarecer desde já que não tenho
isso para oferecer. Passei décadas tentando
descobrir como falar sobre veganismo,
sem jeito, tateando, sem nunca encontrar
o "santo graal"
para o ativismo eficaz.
O que eu descobri, através de muitas
tentativas e principalmente erros,
foi o valor de não ter uma abordagem fixa,
de permanecer perpetuamente incerto.
Nesse sentido, aqueles de vocês que são
novos no ativismo têm uma vantagem
sobre ativistas experientes:
seus comportamentos ainda não são fixos,
talvez ainda não estejam confortáveis
com o que dizer.
Se você é um ativista experiente, talvez
o problema já não seja saber o que dizer,
mas sim como encontrar a energia
para continuar dizendo.
Talvez você tenha chegado a um ponto
de exasperação, de exaustão, por ter dado
tudo o que tem para alcançar as pessoas,
mas sentir que está batendo em uma parede.
Independentemente de onde você está
no seu ativismo, espero ajudá-lo a
comunicar sua mensagem
de forma mais eficaz.
Antes de considerarmos nossa abordagem,
precisamos entender o melhor possível
a natureza do assunto
com que estamos lidando.
Não há nada como a resistência
aparentemente inata da nossa espécie
a tudo que tenha a ver com veganismo.
Desafia toda a lógica e senso comum,
está presente em todos os países,
classes, raças, culturas e mesmo séculos.
Se acharmos que é só uma questão
de mostrar os fatos às pessoas,
vamos acabar por não sair do lugar.
E quando atribuímos a resistência
ou negacionismo das pessoas
a falta de inteligência ou simples teimosia,
corremos facilmente o risco de
descartá-las completamente.
Mas basta ver quantas pessoas bem formadas
e inteligentes chegam à idade adulta
acreditando que as vacas produzem leite
espontaneamente, desafiando toda
a fisiologia dos mamíferos, para entender
que não é uma questão de inteligência.
Compreender isso nos permite mudar nossa
perspectiva. O que talvez víssemos como razões
pelas quais nossa mensagem foi rejeitada
são agora guias para uma abordagem melhor.
E em vez de nos concentrarmos
tão intensamente no QUE dizer, podemos
focar a atenção em COMO estamos dizendo,
porque é o COMO que pode fazer a diferença.
Para ilustrar os pontos que abordarei,
preciso começar por algumas informações
sobre meu próprio processo
e jornada.
Como eu já disse, passei a maioria
da minha vida procurando desesperadamente
as palavras certas
para falar sobre veganismo.
Nos últimos anos, à medida que a Bite Size Vegan
cresceu e comecei a receber evidências tangíveis
do impacto do meu trabalho, com
depoimentos incríveis de mudança do mundo inteiro,
minha confiança permaneceu instável,
ou se tornou ainda mais instável.
Não importa quantos vídeos eu crie, quantos
discursos eu faça ou com quantas pessoas eu fale,
cada um deles é como
começar tudo de novo, do zero,
sempre com o renovado pânico
de não ter ideia do que dizer.
Na maior parte da minha vida, eu via essa falta
de confiança como uma falha pessoal inerente,
e via meu nível de consideração reconhecidamente
neurótico antes de falar ou agir como
um perfeccionismo exagerado.
Mesmo com um ano de idade, apesar de a minha mãe
me incentivar permanentemente a "usar palavras",
eu insistia em apontar e grunhir
para as coisas que eu queria.
E não é que eu não soubesse as palavras;
eu tinha medo de dizer fosse o que fosse,
até ser capaz de construir uma frase completa
e fazê-lo corretamente.
Só agora, décadas depois, é que eu
vim a compreender que a minha hesitação
e cuidadosa premeditação antes de falar
e a necessidade induzida pelo pânico
de estudar os parâmetros e protocolos
das interações humanas
não eram o perfeccionismo neurótico
e a falta de confiança que eu presumia
e que passei grande parte da minha vida
tentando superar, mas sim
mecanismos de sobrevivência necessários, comuns
em crianças autistas, especialmente meninas.
Tornamo-nos, essencialmente,
antropólogos infantis.
Muitos autistas - inclusive eu, descrevem que se
sentem como se tivessem nascido no planeta errado.
Nada faz você compreender a gravidade e
o imenso poder da linguagem como ser incapaz
de navegar efetivamente
pelo método dominante de comunicação.
Basta perguntar a qualquer viajante que já tenha
tido que navegar uma língua estrangeira
e ao mesmo tempo considerar nuances culturais
em termos de linguagem corporal, gestos, tom...
É muito para lidar de uma vez só
e precisa de amplo processamento intelectual
de inúmeros fatores de que os nativos
nem sequer têm consciência.
Pense na última vez que você precisou
conjugar um verbo na sua cabeça antes de falar.
Da mesma forma, os autistas
precisam processar intelectualmente
as inúmeras pistas não verbais de comunicação
co-ocorrentes que a maioria da nossa espécie
processa em milissegundos,
a um nível subconsciente.
Essencialmente, o meu processo para comunicar
eficazmente com não veganos
no meu ativismo educacional
envolve a mesma análise cuidadosa,
escolha dolorosamente árdua de linguagem precisa
e discernimento da abordagem mais adequada
para um público específico
e um conjunto de circunstâncias
que eu tive que navegar
desde as minhas primeiras palavras.
De muitas maneiras, os novos veganos são expostos
a alguns aspetos da experiência autista.
Pelo menos como eu a conheço.
Quando abrem os olhos, são subitamente expostos
a uma sobrecarga sensorial, ficam extremamente
e intensamente cientes da extrema exploração
e crueldade ao seu redor.
Não conseguem mais olhar para um copo
de leite sem ouvir os gritos angustiados
de uma mãe cujo bebê
foi arrancado do seu lado.
E eles se apercebem que não são capazes
de se explicar às pessoas ao seu redor.
É quase como se, no segundo em que passamos
para o "lado vegano", a mentalidade não vegana
que tivemos nossas vidas inteiras
de repente se torna incompreensível.
Já perdi a conta de quantas vezes recebi e-mails
e mensagens, até de comedores de carne convictos,
que fizeram a conexão,
mas o cônjuge não fez.
Então eles vieram falar comigo, essencialmente
uma estranha, pedindo conselhos.
Como conversar com essa pessoa
que eles conhecem há anos?
Como lidar com uma situação em que algúem
que amamos se recusa a ver a verdade?
E continua a comer o que é agora tão claramente
o corpo assassinado de um ser inocente?
Como eles lidam com o desgosto de amar
alguém que eles não entendem mais?
De alguma forma, perderam a capacidade
de navegar o léxico não vegano.
Ficaram sem saber
o que dizer.
Este paralelo à minha luta constante para
comunicar me colocou em uma posição privilegiada
para ajudar os veganos a aprender a “usar
as palavras" novamente, porque agora
têm que pensar em linguagem e abordar
a comunicação como um autista.
Antes de falar de exemplos concretos
e estudos de caso, vou descrever brevemente
o básico deste assunto
em relação ao ativismo vegano.
Sempre que pesquiso e escrevo, eu considero
o meu público, a minha mensagem e o meu objetivo.
Ou seja, tento ter em mente quem estou tentando
alcançar, que mensagem estou tentando passar
e o que é que pretendo atingir.
É claro que é impossível para qualquer um de nós
saber todos os aspectos do nosso público
ou da situação, mas esse tipo de considerações
pode nos ajudar a criar uma mensagem que seja
tão eficaz quanto possível
para o nosso público-alvo.
Quero enfatizar que não se trata
de ceder ou ludibriar.
Comprometer a verdade para fazer
o veganismo parecer mais palatável
é uma das armadilhas mais perigosas
que vamos explorar.
Quando navegamos a linguagem do ativismo,
educação e defesa dos direitos dos animais,
há muitos potenciais perigos, distrações,
desvios e armadilhas contraproducentes.
Talvez em nossos esforços
para tornar o veganismo acessível,
comprometemos nossas convicções
e suavizamos nossa ética.
Talvez para "acordar as pessoas"
nos tornemos agressivos e polarizadores.
Nos perguntamos como é que eles não entendem,
quando para nós é tão dolorosamente claro.
De alguma forma,
apesar de todos os nossos esforços,
nossa mensagem fica "perdida na tradução"
e o fosso na comunicação aumenta.
Já ouvi inúmeros debates
entre ativistas veganos
sobre se devemos ter uma abordagem
mais suave ou mais firme.
Essa falsa dicotomia é na verdade um desvio
onde facilmente podemos nos perder.
O verdadeiro desafio é encontrar o equilíbrio
entre permanecer firme em nossas convicções
e intransigente na nossa mensagem, mas ajudar
as pessoas a baixarem a guarda o suficiente
para ouvirem, escutarem
e fazerem a conexão.
À medida que aprofundamos exemplos concretos,
o tema comum da pesquisa intensiva vai surgir.
É claro que investigação aprofundada pode ser
entediante e definitivamente demorada.
Pode acreditar, muitas vezes gostaria de poder
descartar minha própria incerteza,
minha incapacidade de aceitar as coisas de cara
ou de partir do princípio que já sei.
Mas há uma vantagem clara no tempo gasto
investigando por você mesmo.
O processo de aprendizagem ao fazer sua
própria pesquisa é significativamente diferente
de regurgitar ou reorientar coisas que outras
pessoas disseram. Você terá não só os fatos,
mas também o caminho investigativo, a trilha
de informações que você seguiu para obtê-los.
Em vez de simplesmente listar estatísticas, ou dizer
a alguém que aquilo em que sempre acreditou
são mentiras, você consegue partir com as pessoas
de um ponto de familiaridade, de ideias comuns,
seguir progressivamente a trilha de informações
tal como você a descobriu,
apresentando os fatos pelo caminho,
para que elas possam digeri-los passo a passo.
Essa é uma abordagem incrivelmente útil para
qualquer tipo de educação.
Consegue evitar o confronto e o compromisso
ao mesmo tempo.
Você está compartilhando o que aprendeu e como
aprendeu, ao invés de ditar o que é verdade.
Ao não provocar um comportamento defensivo,
você permite que as pessoas baixem a guarda
e absorvam e processem
as informações que estão recebendo.
Sem diluir ou florear com eufemismos,
sem oferecer mudanças parciais
como opções mais palatáveis
do que se tornar vegano.
Verdade real, com recepção real.
Vamos ver alguns exemplos de linguagem
problemática e abordagens ineficazes.
Pessoalmente, acho que as armadilhas mais
perigosamente atraentes são aquelas que
parecem ser táticas
de comunicação eficazes.
Uma abordagem comum no movimento vegano
é focar na normalização social do veganismo.
Tornar o estilo de vida vegano acessível,
econômico, fácil - até convencional.
Essa é uma tática muito lógica, especialmente
se considerarmos que um dos maiores obstáculos
para se tornar vegano é o ostracismo social
e a rejeição da família e amigos.
A acessibilidade do veganismo é algo
que eu defendo fervorosamente,
é um dos aspectos fundamentais
da Bite Size Vegan.
No entanto, ao tentar fazer a ponte
e ir ao encontro das pessoas onde elas estão,
existe o risco de reduzir o imperativo ético
do veganismo a uma escolha de estilo de vida
socialmente aceitável, até mesmo oferecendo
níveis de mudança que equivalem
a aceitar e promover
um certo nível de crueldade.
É por isso que é tão importante estarmos atentos
às nossas escolhas de linguagem como ativistas,
para não acabarmos defendendo exatamente
aquilo contra o qual estamos lutando.
Nada representa melhor esse cenário
do que o movimento humanitário.
A linguagem e conceitos humanitários ganharam
força facilmente, por apelarem a todos os lados.
Ao vegano com medo de parecer radical
ou extremista, eles proporcionam uma sugestão
menos intimidante para oferecer:
segunda-feira sem carne, ovos caipiras locais.
Para ativistas lutando pela libertação animal,
eles dão a possibilidade de melhores condições,
progresso em direção ao objetivo final.
E certamente para o não vegano,
que agora tem um jeito
de continuar fazendo o que quer fazer,
mas se sentir bem com isso.
A motivação para se tornar vegano desaparece;
para quê arriscar isolamento social
e enfrentar o desconforto da mudança,
quando você pode continuar comendo animais,
não apenas sem preocupações incômodas,
mas até com a garantia de que você está
melhorando a forma como eles são tratados,
ajudando o ambiente e melhorando a sua saúde?
O verdadeiro problema são as fazendas industriais,
graças a Deus você agora come de modo responsável.
Você pode pensar que isso é uma interpretação
pessimista do que poderia ser um passo
rumo a mudanças reais, proporcionando
pelo menos uma pequena melhoria nas condições.
Eu entendo o fascínio
dessa linha de pensamento.
Nós ativistas não somos imunes
ao apelo sedutor da retórica humanitária.
Mas é crucial que não aceitemos nada de cara;
nossa responsabilidade é para com os escravizados,
não para com o conforto de seus captores
ou para conosco mesmos.
Tal como incentivamos outras pessoas a enfrentarem
a verdade e questionarem o que sabem,
devemos fazer o mesmo.
Embora possamos sentir que nossos olhos já estão
abertos, devemos procurar ativamente a incerteza.
Foi minha própria incerteza que me levou
a me aprofundar sobre legislação humanitária,
ao pesquisar para um discurso
que apresentei em Dublin, na Irlanda.
A Irlanda é um estudo de caso poderoso.
É praticamente o conceito humanitário
encarnado em forma de país.
Vacas pastam no exterior em campos pitorescos,
reforçando a velha ladainha de que
"aqui não é assim."
E realmente não parece ser.
Mesmo depois de pesquisar bastante, encontrei
apenas um vídeo secreto de abuso.
A Irlanda faz parte da União Europeia, que,
no Tratado de Lisboa, assinado em 2007,
historicamente declarou os animais não humanos
legalmente sencientes, merecendo estar livres
de fome, sede, desconforto, dor, lesão, doença,
medo, angústia e sofrimento mental.
Tendo reconhecido sua capacidade de sentir
as mesmas emoções e sensações que nós,
a UE de seguida preparou legislação que
especifica as formas exatas como podemos
legalmente violar, aprisionar, cortar,
queimar, mutilar e assassiná-los.
O resultado foi um regulamento do Conselho,
intitulado "sobre a proteção dos animais
no momento de os matar", que foi e é visto,
mesmo por ativistas pelos animais,
como um grande passo em frente,
uma vitória para os animais.
Para aqueles de nós que vivem em países sem
tais regulamentos, é natural pensar que
o abuso sistemático de animais de criação
resulta, pelo menos em parte,
de uma completa falta de supervisão.
Por exemplo, nos Estados Unidos, não existe
qualquer lei federal que reja o tratamento
de animais de criação.
Já vi ativistas e organizações listarem as
mutilações e atrocidades rotineiramente cometidas
dentro da indústria alimentar nos EUA,
enfatizando a necessidade de regulamentações,
muitas vezes apontando
a UE como um excelente exemplo.
Mas se você realmente ler a legislação
revolucionária da UE e documentos complementares,
você verá essa mesma lista
de mutilações e atrocidades
não condenadas, mas codificadas.
Então, ao invés de pintinhos serem moídos vivos
porque não existem regulamentos
que o impeçam, eles são moídos vivos
porque os regulamentos declaram
que esse é o método preferencial
para eliminação de pintos machos.
Existem até especificações detalhadas
sobre velocidade e afiamento da lâmina
para evitar atrapalhar o processo.
Depois de procurar por alguns meses,
encontrei os documentos que explicam
o processo de decisão. E agora vou citar
os documentos da legislação.
Eles concluíram que gasear os cerca de
335 milhões de pintos machos com um dia de idade
mortos por ano na EU custaria 1665 mil euros.
O custo de usar facas rodando ou girando,
que trituram os pintos numa fração de segundo
pode ser considerado não substancial.
Ou seja, a decisão não teve nada a ver
com o que era mais humanitário;
foi simplesmente uma questão
do que era mais barato.
Isso é ecoado ao longo de todo o documento.
Cada um dos métodos de assassinato
traduzido em uma transação financeira.
Sem surpresa, o painel de avaliação de impacto
reunido pela UE para esta "vitória legislativa"
pelos direitos dos animais incluía representantes
da indústria da carne, laticínios e ovos.
E a Butina, a fabricante global
das câmaras de gás
determinadas como o método preferencial
para a matança de porcos.
É o absurdo dos assassinos decidirem
como devem poder matar.
É para isso que apontamos como prova
de progresso, como um exemplo pelo qual lutar.
Temos que ter consciência
do que estamos defendendo.
Na verdade, foram as ações de ativistas
australianos que me incentivaram
a procurar tão fervorosamente
por esses documentos.
A legislação da UE recomendou a eliminação
progressiva das câmaras de dióxido de carbono
para porcos, mas disse que “a avaliação
de impacto revelou que essas recomendações
não eram economicamente viáveis
no momento".
Eu ainda não tinha conseguido
encontrar essa avaliação,
quando mais tarde tive o prazer de entrevistar
ativistas da Animal Liberation Victoria
e da Animal Liberation New South Wales
sobre suas filmagens secretas nas câmaras de gás
e ações subsequentes em que encerraram operações
em um matadouro, se acorrentando às câmaras.
As filmagens que eles obtiveram
me abalaram profundamente,
e continuo a utilizá-las na parte em vídeo
de todos os discursos que dou.
Fiquei determinada a encontrar
os documentos explicando por que a UE
ainda recomendou as câmaras.
E finalmente encontrei a avaliação,
que revelou que a Butina,
o fabricante das câmaras, estava no painel.
Como você deve saber, desde 2005, a Austrália
tem vindo a passar de "códigos de prática",
essencialmente sugestões não vinculativas
interpretadas por cada estado, pelo que entendo,
para "padrões e diretrizes
consistentes a nível nacional".
Pelo que vi, parece estar sendo
um processo prolongado, extenso e tedioso.
Nos últimos 13 anos, eles cobriram
a parte sobre gado e ovelhas.
Quando se trata de encontrar documentação sólida,
vocês na Austrália estão em vantagem,
pois existem amplos recursos que ativistas
e organizações já disponibilizaram.
As informações estão disponíveis, e mais
facilmente do que em muitos países.
Use-as como ponto de partida
para a sua própria pesquisa.
Convido você a mergulhar nas letras pequenas
dos regulamentos do seu estado,
da proposta de Padrões e Diretrizes Australianos
de Bem-Estar Animal
e de quaisquer relatórios e documentos
das próprias indústrias.
Esses documentos são ferramentas de ativismo
incrivelmente eficazes, porque descrevem o "ideal"
e têm o maior interesse em retratar
as práticas sob a melhor luz possível.
Foi essa abordagem que usei maioritariamente
no meu discurso na Irlanda: apresentar
informações disponibilizadas pelas suas próprias
indústrias agrícolas, o seu governo e a UE.
Isso não apenas ajudou a neutralizar a potencial
carga defensiva que podia se gerar por
uma YouTuber americana qualquer vir lhes dizer
como é o país deles, mas também permitiu mostrar
que mesmo o ideal, que obviamente nunca é
atingido, era absolutamente horrível.
Durante a parte introdutória da palestra,
informei o público que
"Os fatos que apresentarei hoje não são de
minha própria criação; eu os retirei sobretudo
de documentos do governo e da indústria irlandeses,
da União Europeia e muitos, muitos, outros".
E afirmei que nem precisavam acreditar em mim,
pois eu iria facultar um link com a transcrição
da palestra, com referências para todos os fatos,
uma bibliografia e recursos adicionais.
Eu incluo um link para uma página de recursos em
toda palestra que dou - e hoje não será exceção.
Isso não apenas oferece uma oportunidade para
mais aprendizagem, mas também remove
a significativa potencial barreira de exigir
que as pessoas confiem mim pessoalmente
em questões sobre as quais
elas já estão resguardadas à partida.
Agora que vimos brevemente como fazer
o trabalho introdutório para ajudar o público
a baixar a sua guarda, vou mostrar um exemplo
de como apresentar o forte contraste entre
o entusiasmo em torno da legislação humanitária
e seu efeito real sobre os próprios indivíduos.
Agora vou citar o meu discurso na Irlanda
novamente.
"A grande maioria das 7 bilhões de galinhas
poedeiras no mundo passa sua curta vida
em gaiolas apertadas, incapazes
até mesmo de estender suas asas.
Você pode ter ouvido o grande alarido sobre
a diretiva inovadora da União Europeia em 1999
banindo gaiolas em bateria estéreis
até 2012.
Pela cobertura da mídia, você pensaria que as
galinhas poedeiras da UE agora vivem no luxo.
Mas, como vemos com regulamentos humanitários,
o diabo está verdadeiramente nos detalhes.
Na realidade, a diretiva apenas substituiu
gaiolas em bateria vazias
por gaiolas em bateria "enriquecidas",
ou seja, mobiliadas.
Relatos elogiavam como as galinhas passariam
a dispor de 750cm2 cada uma,
negligenciando que a legislação esclarece
que apenas 600 são utilizáveis.
Ou seja, no final, o avanço mais revolucionário
para os direitos das galinhas poedeiras
resultou num aumento de 50cm2
de espaço para cada uma.
Entender a verdadeira impotência desta legislação
torna sua implementação patética
ainda mais desconcertante.
Em 2012, nove países disseram à Comissão Europeia
que os seus agricultores não iriam cumprir o prazo
para a conversão e outros quatro países disseram
que era improvável estarem preparados.
Esses 13 países tiveram mais de 12 anos
para conceder às galinhas poedeiras que escravizam
uns meros 50cm2.
E o tempo todo a mídia celebra a
vitória pelo bem-estar animal,
o público come cada vez mais ovos,
tranquilizado pelos padrões superiores
e os indivíduos que esta palhaçada deveria
ajudar continuam explorados da mesma forma."
Nessa passagem, eu cobri muitas
informações em apenas algumas frases.
Não é incomum que horas, dias
ou até meses de pesquisa
acabem por valer apenas
uma ou duas frases no script final.
Vou parar um pouco para explicar algumas das
opções que tomei nesta parte da palestra,
tendo em conta as três considerações básicas
de público, mensagem e objetivo.
Como mencionei no início, nesta altura eu já tinha
apresentado uma introdução significativa,
progredindo devagar e deliberadamente no sentido de
abordar indústrias específicas, tendo em conta
o meu público e considerações culturais sobre a
Irlanda, além da minha posição de outsider,
eu sabia que era importante "desarmar" a situação
de forma mais lenta e mais consciente.
Eu usei esse mesmo padrão dentro de cada novo
tópico; assim, quando abordei o tópico dos ovos,
abri com os dados menos emocionais sobre
estatísticas de produção na Irlanda,
passando depois para as práticas de reprodução
manipulativas e debilitantes para maximizar
a produção de ovos e finalmente chegando à questão
das condições de vida, nomeadamente as gaiolas.
Embora as gaiolas em bateria continuem a ser o
padrão nos EUA, eu sabia pela minha pesquisa
que elas haviam sido banidas na UE.
E encontrei cobertura da mídia
que é provável que o meu público
tenha visto nas notícias.
A mensagem que eu queria transmitir
era que os ovos nunca são éticos.
O meu objetivo, ou seja, o que eu queria atingir,
era anular preventivamente quaisquer dúvidas
que restassem, ou a capacidade de descartar totalmente
os fatos que apresentei porque "aqui não é assim".
Então, essa é a estrutura básica. No entanto,
ela não inclui um dos fatores mais importantes
que afetam a forma como a nossa
mensagem é transmitida e recebida: o tom.
Você deve ter notado que o meu tom nessa
passagem foi bastante firme, até enojado.
Mas é importante notar que o meu nojo
não foi direcionado ao meu público-alvo.
Muito pelo contrário.
Ao apresentar evidências de que
eles foram enganados e manipulados,
eu disse nas minhas declarações de abertura
que eles mereciam saber a verdade,
e que eu estava ali para
apresentar evidências para sua consideração.
Então, ao invés de se sentirem julgados ou
atacados e ficarem chateados comigo,
eu lhes dei espaço para ficarem chateados
com as mentiras que têm lhes contado.
É da natureza humana levantar a guarda quando
estamos na defensiva; nos fechamos e desligamos.
Parece lógico que como ativistas evitemos
perturbar o nosso público, a fim de manter a sua
receptividade aberta; no entanto, este é um
exemplo ilustrativo do tal equilíbrio.
Não se trata de garantir
que não incomodamos ninguém;
se eles estão entendendo a verdade,
eles devem sim ficar incomodados!
É garantir que o contra-ataque perante as verdades
que revelamos seja dirigido aos alvos certos,
levando a uma indignação construtiva
e plenamente justificada.
Eu acredito há muito tempo que uma das principais
razões para as pessoas não se tornarem veganas
é a dor imensa e a culpa de admitir
o nosso papel em atrocidades horríveis.
Confrontar o verdadeiro impacto de nossas escolhas
é incrivelmente assustador, então em vez disso
nós desligamos, atacamos ou atiramos um monte
de objeções padrão, ou algumas bem bizarras,
que você certamente ouviu inúmeras vezes: leões,
ilhas desertas, proteína e assim por diante.
Então, a maneira como eu apresentei as informações
para o meu público irlandês pretendia também
fornecer uma espécie de amortecedor para
essa culpa, ao apontar um alvo para a indignação
além deles mesmos, evitando que eles desligassem
e canalizando a sua indignação para ação.
Preciso mencionar que isso não absolve da culpa
nem tenta desculpar a participação na exploração.
Mais uma vez, se trata de encontrar o equilíbrio
entre não comprometer a ética
mas permitir que as pessoas
baixem a guarda.
Nunca digo que não há problema
em comer animais.
Nunca encorajo uma redução de carne,
laticínios ou ovos.
Espero que este exemplo tenha ajudado a
ilustrar a falsa dicotomia de que o nosso ativismo
precisa ser não ameaçador ao ponto de
encorajar níveis aceitáveis de crueldade
ou tão agressivo ao ponto de polarizar e alienar
as pessoas que estamos tentando alcançar.
Eu me concentrei até agora nos perigos das
cedências e das tentativas bem-intencionadas
de ser acessível, mas isso não significa
que a resposta seja o outro extremo.
Uma maneira desconcertante como meu cérebro
funciona me permite de alguma forma ver o cinza
onde a maioria das pessoas
percebe apenas preto e branco.
Esta é outra das formas como o autismo apresenta
um presente no meio dos seus profundos desafios.
Enquanto não autistas tendem a ser o que costuma
ser chamado de "pensadores globais", os autistas
costumam ter dificuldade em ver o "quadro geral";
o termo em psicologia é "fraca coerência central".
Isso leva a muitos desafios, porque os nossos
cérebros são inundados com informações
que não somos capazes de filtrar e priorizar,
levando a uma sobrecarga sensorial,
esse hiper-foco em níveis extremos de detalhe
também nos permite
ver e fazer conexões
que outras pessoas talvez não façam.
Finalmente, pelo menos para mim, porque eu vejo
detalhes e minúcia em vez de resumos
ou generalizações, nunca achei que uma pessoa
pudesse ser definida como isto ou aquilo.
E vejo que raramente existe uma dicotomia pura,
um único "ou A ou B" seja no que for.
Como nos exemplos anteriores de como
uma abordagem mais suave pode acabar transmitindo
o oposto da mensagem que pretendemos,
vou dar um exemplo de quando
uma abordagem mais agressiva, mais desafiadora,
também pode atrapalhar o nosso objetivo.
Quando decidi finalmente fazer um vídeo
sobre abate halal e kosher,
que foi bem intimidante, para ser honesta,
descobri que o tema era abordado principalmente
através de filmagens secretas horríveis
feitas em matadouros halal e kosher.
No final, escolhi não incluir filmagens
com conteúdo violento no meu vídeo,
mas não pelos motivos
que você pode estar pensando.
Não foi um esforço para não perturbar meu público,
nem um julgamento contra o uso
de filmagens violentas.
Na verdade, defendo fervorosamente
a importância do uso
de imagens secretas no ativismo.
O principal motivo para não usar nenhuma filmagem
resultou do mesmo tipo de investigação
que fiz sobre legislação humanitária:
mais uma vez, começar do zero,
não aceitando nada
sem questionar.
Essencialmente, permanecer
completa e totalmente incerta.
Admito que no início a minha impressão sobre
o abate halal e kosher era baseado apenas
nos momentos em que me cruzei
superficialmente com as filmagens secretas.
Como todo mundo, muitas vezes tenho noções
pré-concebidas e julgamentos pré-existentes.
O truque é reconhecê-los como são, para que não
afetem a minha capacidade de permanecer aberta.
Praticar a incerteza deliberada.
Partindo do princípio de que eu na verdade
não sabia nada sobre abate halal e kosher,
mergulhei nos ensinamentos e filosofias
por trás das práticas, procurando fontes escritas
por e para indivíduos judeus e muçulmanos.
Textos religiosos, documentos do clero,
comentários leigos.
Como muitas regulamentações humanitárias contêm
excepções específicas para abate ritual,
com diversos graus de supervisão, existem inúmeros
estudos científicos, relatórios e investigações
sobre a "humanidade" dessas práticas.
Revisei os estudos que pude encontrar,
bem como várias legislações governamentais.
Através da minha pesquisa, descobri que os abusos
horríveis captados nas filmagens eram na verdade
violações graves, não exemplos,
dos princípios halal e kosher.
Então, usar a filmagem para ilustrar a
brutalidade do abate halal e kosher
não apenas seria impreciso, mas acabaria também
por prejudicar o meu objetivo.
Olhando para isso novamente através das três
considerações, público, mensagem e objetivo:
meu principal público-alvo eram indivíduos
que seguem práticas halal e kosher;
minha mensagem era que matar nunca é
humanitário, gentil ou sagrado;
e meu objetivo era levar a uma reconsideração
dessas práticas, idealmente resultando na decisão
de se tornarem veganos, depois de olharem de
forma séria para o abate ritual
e avaliarem se é uma prática
genuinamente humanitária e misericordiosa.
Dada a natureza sensível das considerações
religiosas e culturais, eu sabia
que era ainda mais importante ser diligente
na pesquisa e respeitosa na abordagem,
especialmente tendo em conta
que eu não sou judia nem muçulmana.
Se eu quisesse alcançar pessoas que participam
no abate ritual e lhes mostrasse imagens brutais
que na verdade violam os seus princípios,
o que eu teria conseguido,
além de demonstrar a minha falta de vontade de
pelo menos compreender essas práticas?
Com a falta de discussão real entre ativistas
e praticantes, considero ainda mais importante
chamar a atenção para o fato de que, como acontece
muitas vezes, os lados aparentemente opostos
deste debate, têm na verdade mais semelhanças
do que diferenças.
Agora vou citar o vídeo que fiz:
"De fato, os valores defendidos pelos defensores
dos animais que se opõem ao abate ritual são,
segundo líderes judeus e islâmicos,
a própria base das práticas halal e kosher.
Mas este ponto de partida comum
raramente é explorado, pois quase todos os debates
sobre abate ritual surgem de filmagens
que expõem o terrível tratamento
dos animais em matadouros halal e kosher.
Na verdade, a maioria dos indivíduos
judeus e muçulmanos ficam igualmente
ou até mais indignados
com as violações expostas nesses vídeos.
Mas o resultado final de verem essas filmagens
é quase sempre um clamor
por melhor regulamentação e fiscalização
mais apertada dos padrões halal e kosher,
sem responder à questão de se estes métodos,
quando feitos de forma correta, são humanitários.
E deixando por abordar o cerne do debate
em torno do abate humanitário:
será que é sequer possível acabar com a vida
de outro ser de uma maneira que seja gentil?"
Se eu tivesse usado esses vídeos, teria não só
passado ao lado das verdadeiras questões,
mas também, ao retratar de forma tão imprecisa
um aspecto importante da sua fé,
eliminaria qualquer possibilidade de discussão
e principalmente de reconsideração.
Eu incluí um trecho de filmagens perto do final
do vídeo, explicando que a melhor forma
de determinar se o abate ritual é humanitário
é através da simples observação.
Mostrei um exemplo de abate ritual
que cumpre a tradição,
ainda assim parando antes de o pescoço da ovelha
ser cortado ou de qualquer imagem de sangue.
O que eu queria enfatizar e mostrar era
o comportamento da ovelha antes do abate.
Mesmo num ambiente de um para um,
com o abatedor gentilmente recitando orações,
oferecendo água, dizendo que é importante
que o animal esteja descansado e confortável,
era evidente que a ovelha não estava participando
de forma voluntária.
Depois das imagens, passei o foco de todos os
detalhes e debates de que tinha falado até agora
para onde ele deve estar:
no indivíduo.
E disse: "Acabar com a vida de qualquer
ser senciente de forma prematura
e contra a sua vontade nunca poderá ser
um ato humanitário ou misericordioso.
A ideia de que esse ato é necessário,
justificando-o assim como um mal menor,
é uma das principais racionalizações usadas por
comedores de carne, sejam leigos ou religiosos."
Com o meu público-alvo em mente, mencionei
versos de textos religiosos judeus e muçulmanos
que apoiam os princípios veganos. Eu já os havia
abordado na minha série "A História do Veganismo",
enfatizando que nenhuma religião, Judaísmo e Islão
incluídos, obriga ao consumo de animais.
Finalmente, depois de navegar pelas fundações
destas tradições e detalhar os debates,
a legislação, opiniões e estudos,
refoquei completamente o assunto,
porque no final das contas isto não é
um assunto religioso, é um assunto humano.
Esta é outra abordagem intencional
que eu utilizo no meu ativismo,
sobretudo quando lido com
temas polarizantes e inflamatórios.
Primeiro, faço questão de dedicar tempo
para ser o mais respeitosa e precisa possível,
ajudando o meu público-alvo a baixar a sua guarda,
saindo da habitual posição defensiva.
Depois de focar em detalhes, às vezes
bastante granulares, dou um passo atrás
para o que é universalmente aplicável:
a condição humana.
Agora vou citar do vídeo novamente:
"O mito do abate humanitário vai para além
de qualquer religião.
A humanidade como um todo está constantemente
tentando desculpar e explicar a escravidão,
tortura e assassinato
de seres sencientes.
É um pouco absurda a quantidade
de tempo, energia, detalhe, dinheiro público
e burocracia são utilizados para encontrar
a maneira certa de matar.
Apontamos o dedo a abusos indesculpáveis em outros
países, culturas, religiões e empresas específicas,
embarcando numa justa indignação,
e evitando convenientemente qualquer avaliação
da nossa própria cumplicidade na morte
dos animais que estão no nosso prato."
Antes de terminar, vou falar sobre a linguagem
e abordagem ao apresentar filmagens secretas.
Como já disse, filmagens secretas são
fundamentais na luta pela libertação animal.
A nossa exploração sistemática dos animais
não humanos prospera nas trevas;
filmagens secretas expõem essa realidade horrível,
dando voz às vítimas.
Saber a verdade é uma coisa;
vê-la é completamente diferente.
Mas tal como o impacto do que dizemos depende
de como o dizemos, o impacto do que mostramos
depende de como o enquadramos
e apresentamos.
Não temos tempo para nos aprofundarmos nisto,
mas gostaria de chamar a atenção para um assunto
que vi muitas vezes na divulgação
de filmagens secretas.
Vamos pensar, por exemplo, em todas as vezes que
filmagens secretas mostraram trabalhadores,
seja de que país for,
jogando pintinhos numa trituradora.
Todas essas vezes, a mídia relata de forma
dramática a crueldade inacreditável.
E todas essas vezes o público fica estupefacto,
indignado e enojado.
Se perguntam como uma pessoa ou uma indústria
pode ser tão bárbara.
E continuam a comer ovos, sem se aperceberem
que acabaram de responder à sua própria pergunta.
No final das contas, a mensagem
que essas filmagens transmitem ao público
depende da forma como são apresentadas.
Quando uma prática codificada e padronizada,
como a trituração de cerca de 3.2 biliões
de pintinhos por ano no mundo inteiro, é reduzida
a um soundbyte sensacionalista,
isso enfraquece o poder e a necessidade
de expor a verdade.
Muitas vezes, o mais grave é aquilo que não é dito
quando essas filmagens são exibidas.
Quando não explicamos e enfatizamos que os
horrores mostrados no vídeo são não apenas legais
mas aprovados pelo governo
e ditados pela legislação humanitária,
deixamos o público com a impressão
de que se trata de um incidente isolado.
O resultado de alguns trabalhadores
maliciosos e sociopatas.
Longe de considerar o veganismo,
o público fica apenas pensando que
felizmente os culpados foram denunciados
e certamente serão punidos.
Ainda bem que os ovos que NÓS comemos
não contribuem para esse tipo de atos bárbaros.
Um último exemplo é o de uma investigação
secreta numa fábrica de reprodução de porcos
em Iowa, o estado
onde eu moro atualmente.
Eu falo mais deste assunto no meu texto e vídeo
sobre bestialidade.
Imagens e notas detalhadas da investigação
catalogaram abusos frequentes
de porcas mães e grávidas, incluindo espancamento,
chutes e estupro violento.
Trabalhadores também foram filmados cortando
as caudas e arrancado os testículos de leitões,
sem qualquer anestesia, o que resultou
algumas vezes em hérnias escrotais,
que levaram os intestinos dos leitões
a sair pela incisão.
Num dos atos mais citados pela mídia,
trabalhadores são mostrados jogando leitões
doentes ou deformados no chão, os deixando morrer
lentamente, com o crânio quebrado, tremendo,
com falta de ar, enquanto outros se acumulavam
em cima deles em contentores enormes.
Na maior parte desta palestra, enfatizei o poder
e impacto das NOSSAS escolhas de linguagem
na transmissão da nossa mensagem. Mas as escolhas
de outros também são ferramentas de aprendizagem.
Um artigo da NBC News sobre as filmagens de Iowa
incluía comentários de Temple Grandin,
apresentada como "uma proeminente
especialista em bem-estar animal".
Se referindo aos abusos que listei,
Grandin afirmou que "embora essas
sejam práticas padrão na indústria, o tratamento
das porcas no vídeo está muito longe disso",
e o chamou de "um abuso atroz dos animais".
No meu vídeo, eu paro para sublinhar
o absurdo das suas palavras.
Vou citar do meu vídeo:
"Só para ficar claro, caso não seja óbvio,
espancar e estuprar porcas mães
é o 'abuso atroz dos animais'.
As 'práticas padrão da indústria' a que Grandin
se refere são a mutilação sem anestesia
de porcos recém-nascidos e jogar brutalmente
bebês defeituosos contra o chão de concreto.
Essas práticas não apenas são legais,
como são aprovadas pelos governos
dos Estados Unidos, Canadá, Austrália,
União Europeia e não só."
Para demonstrar a falta de lógica em tudo isso,
acrescentei:
"Então, é isso que as práticas padrão têm de bom:
não sei quanto a você, mas se eu visse o vídeo
e me perguntassem o que era abuso
e o que era normal, eu diria tudo errado!"
Espero que esta palestra tenha ajudado
a ilustrar o incrível poder da linguagem,
tenha dado a vocês algumas ideias
de como caminhar na zona cinza,
os encorajado a terem pelo menos
um pouco mais de incerteza no seu ativismo,
para que possam abordar cada interação,
cada indivíduo, cada situação como algo novo.
Essencialmente, que vocês consigam pensar
um pouco mais "autisticamente".
Muito obrigada pelo convite,
estou muito agradecida.
[Aplausos]