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O estranho mundo das pessoas perfeitas | Ruth Manus | TEDxSãoPaulo

  • 0:05 - 0:07
    Eu vim aqui dizer
  • 0:07 - 0:09
    que eu não aguento mais.
  • 0:09 - 0:11
    Eu não aguento mais, gente.
  • 0:11 - 0:18
    Eu não aguento mais ver tanta gente
    que supostamente deu tão certo na vida.
  • 0:18 - 0:24
    Eu não aguento mais ver tantos vitoriosos,
    vencedores, maravilhosos...
  • 0:25 - 0:26
    Eu não aguento mais.
  • 0:26 - 0:31
    Eu não aguento mais ver gente
    que diz que medita às cinco da manhã,
  • 0:31 - 0:34
    gente que está com o cabelo
    sempre lavado, arrumado, impecável,
  • 0:34 - 0:36
    nunca tem cabelo sujo;
  • 0:36 - 0:42
    gente que diz que leu um romance russo
    de 800 páginas em um final de semana;
  • 0:43 - 0:46
    gente que posta uma foto
    de um lombo de salmão,
  • 0:46 - 0:52
    com uma crosta de castanha-do-pará
    e um purê de mandioquinha do cerrado,
  • 0:52 - 0:54
    acompanhado com aspargos no forno,
  • 0:54 - 0:56
    num almoço de terça-feira!
  • 0:56 - 0:59
    Terça-feira, dia útil, no almoço...
  • 1:00 - 1:03
    Eu não aguento mais
    gente que supostamente deu certo,
  • 1:03 - 1:07
    porque, sinceramente,
    eu, especialmente nessa quarentena,
  • 1:07 - 1:12
    estou focada apenas em sobreviver, né?
  • 1:12 - 1:16
    Atualmente, a minha maior meta de sucesso
  • 1:16 - 1:20
    é ter um dia que termine
    com as privadas limpas,
  • 1:20 - 1:22
    a criança alimentada
  • 1:22 - 1:25
    e um casamento que não pareça
    a Terceira Guerra Mundial.
  • 1:25 - 1:28
    Um dia que termina assim, pra mim,
    é uma dia de glória.
  • 1:29 - 1:35
    Mas parece, às vezes, que nós somos
    os únicos que estão com esses problemas,
  • 1:35 - 1:39
    que estão cheios de falhas,
    vulnerabilidades, dificuldades...
  • 1:39 - 1:41
    os únicos!
  • 1:41 - 1:43
    Mas tem alguma coisa de errado nisso, né?
  • 1:44 - 1:47
    A verdade é que a coisa
    sempre foi assim, né?
  • 1:47 - 1:51
    As pessoas usam as redes sociais
    pra postar os seus grandes sucessos,
  • 1:51 - 1:53
    as suas grandes conquistas,
  • 1:53 - 1:54
    e não os seus fracassos.
  • 1:55 - 2:01
    Mas, na quarentena, em que está todo mundo
    com uma vida razoavelmente caótica,
  • 2:01 - 2:05
    parece que cada vez mais
    pipoca gente por aí
  • 2:05 - 2:08
    pra mostrar que a vida delas
    continua perfeita,
  • 2:08 - 2:11
    que o sucesso delas continua intacto...
  • 2:11 - 2:17
    E aí, eu abro o meu Instagram,
    e eu só vejo gente brilhando, né?
  • 2:17 - 2:19
    Brilhando no exercício físico,
  • 2:19 - 2:20
    na harmonia familiar,
  • 2:20 - 2:23
    na ordem da casa, no equilíbrio mental,
  • 2:23 - 2:25
    na alimentação...
  • 2:25 - 2:27
    E aí, eu começo a me perguntar:
  • 2:28 - 2:30
    "Será que eu sou a única?
  • 2:30 - 2:34
    Será que eu sou a única que está
    com uma vida que está uma zona?
  • 2:34 - 2:36
    Será que eu sou a única
    que está com roupa no varal,
  • 2:36 - 2:39
    seca há três dias?
  • 2:39 - 2:43
    Mas eu não tiro porque, se eu tirar,
    eu tenho que dobrar
  • 2:43 - 2:46
    e, se eu dobrar, eu tenho que guardar,
    e eu não quero fazer isso.
  • 2:46 - 2:51
    Será que eu sou a única
    que janta pizza congelada, pizza ruim?
  • 2:51 - 2:55
    Será que eu sou a única que chora
    no banheiro de vez em quando,
  • 2:55 - 2:57
    ou de vez em sempre?"
  • 2:58 - 3:01
    Quando a gente começa
    a fazer essas comparações,
  • 3:01 - 3:04
    a gente começa a se sentir meio devedor,
  • 3:04 - 3:05
    meio derrotado,
  • 3:05 - 3:11
    e o pior de tudo: a gente começa a achar
    que a normalidade é a plenitude,
  • 3:11 - 3:15
    e que a nossa vida, que é normal,
    é que é estranha.
  • 3:16 - 3:19
    E aí, a questão
    que se coloca é a seguinte:
  • 3:20 - 3:22
    a quem a gente ajuda
  • 3:22 - 3:26
    quando a gente se posiciona
    como bonito, sarado,
  • 3:26 - 3:30
    com casamento perfeito,
    criancinhas maravilhosas, casa bonita?
  • 3:30 - 3:33
    Com quem a gente está contribuindo
    quando a gente faz isso?
  • 3:33 - 3:35
    Com quem a gente se conecta
  • 3:35 - 3:39
    quando a gente se coloca
    nesse lugar de perfeição,
  • 3:39 - 3:41
    de falsa perfeição?
  • 3:42 - 3:46
    Algumas pessoas já usam o termo
    "influenciadores tóxicos"
  • 3:46 - 3:52
    pra falar sobre essas celebridades
    que, mesmo que involuntariamente,
  • 3:52 - 3:56
    fazem com que a gente se sinta péssimo,
  • 3:56 - 4:00
    fazem com que a gente se sinta um nada.
  • 4:00 - 4:05
    É uma quantidade assombrosa de gente
    que a gente vê, magra e bronzeada,
  • 4:05 - 4:09
    de biquíni, na piscina de casa,
    com um drinque, na quarentena...
  • 4:11 - 4:13
    Eu não estou bronzeada,
  • 4:13 - 4:15
    eu não estou magra,
  • 4:15 - 4:18
    e eu não tenho uma piscina em casa.
  • 4:19 - 4:23
    E aí, a gente começa a se frustrar
    de uma forma esquisita.
  • 4:23 - 4:25
    Então, é importante a gente identificar,
  • 4:25 - 4:29
    sobretudo nessa fase
    em que a gente está fragilizado,
  • 4:29 - 4:32
    quem é que faz bem à gente,
    e quem é que faz mal.
  • 4:33 - 4:36
    Mas tem um outro problema.
  • 4:36 - 4:41
    De tanto que a gente já viu
    se repetir esse padrão tóxico
  • 4:41 - 4:45
    de comportamento, de vida,
    de casa, de corpo,
  • 4:45 - 4:47
    às vezes, a gente acaba
    se comportando assim
  • 4:47 - 4:51
    nas nossas próprias redes,
    nas nossas próprias relações.
  • 4:51 - 4:54
    A gente só exterioriza, só posta,
  • 4:54 - 4:58
    aquela foto do bolo que ficou
    muito bonito, que deu muito certo.
  • 4:58 - 5:00
    Quando ele sola, a gente não mostra.
  • 5:00 - 5:06
    A gente só mostra aquele ângulo da foto
    em que a barriga não faz dobra, sabe?
  • 5:06 - 5:09
    Na verdade, não sei porque nunca
    achei esse ângulo na minha barriga,
  • 5:09 - 5:10
    mas tem muita gente que achou.
  • 5:11 - 5:14
    Tem gente que só posta aquela foto
    com o namorado num dia ótimo,
  • 5:14 - 5:17
    quando, na verdade,
    todos os outros dias foram de briga,
  • 5:17 - 5:19
    foram um pé de guerra.
  • 5:20 - 5:24
    Às vezes, nós mesmos somos
    os que não postam humanidade,
  • 5:24 - 5:27
    os que não mostram normalidade,
  • 5:27 - 5:31
    e a gente está carente
    de gente normal, de gente real.
  • 5:32 - 5:36
    Então, vamos pensar em umas coisas,
    cinco coisinhas... cinco coisinhas.
  • 5:37 - 5:38
    Primeira coisa:
  • 5:38 - 5:44
    ninguém tem a obrigação de ser
    megaprodutivo nessa quarentena.
  • 5:44 - 5:47
    Está todo mundo angustiado,
    cansado, com medo.
  • 5:47 - 5:51
    A gente tem que cumprir as nossas
    obrigações de trabalho e de casa e tal,
  • 5:52 - 5:55
    mas façam o que vocês têm que fazer,
  • 5:55 - 5:57
    e só façam mais se for prazeroso.
  • 5:57 - 6:00
    Não é pra gente procurar
    mais local de angústia.
  • 6:01 - 6:03
    Segunda coisa:
  • 6:03 - 6:07
    ninguém é obrigado a aprender
    a cozinhar 500 receitas novas;
  • 6:07 - 6:10
    ninguém é obrigado
    a dançar zumba na sala de casa
  • 6:10 - 6:12
    pra tentar se manter saudável;
  • 6:12 - 6:17
    ninguém é obrigado a aprender
    a ficar de ponta-cabeça no ioga.
  • 6:18 - 6:21
    A gente tem que buscar agora
    aquilo que traz conforto,
  • 6:21 - 6:23
    que traz paz de espírito.
  • 6:23 - 6:27
    E eu vou confessar pra vocês:
    sabe o que é que me traz paz de espírito?
  • 6:27 - 6:29
    Fazer quebra-cabeça,
  • 6:29 - 6:31
    especialmente um que eu tenho, do Shrek,
  • 6:31 - 6:36
    que, no momento em que eu acabo de montar
    a cara da princesa Fiona,
  • 6:36 - 6:39
    é o momento em que
    a paz de espírito chega em mim,
  • 6:39 - 6:40
    eu acho que o mundo vai dar certo,
  • 6:40 - 6:43
    que o coronavírus vai embora,
    vai dar tudo certo.
  • 6:43 - 6:46
    Tem gente que alcança isso
    de ponta-cabeça no ioga.
  • 6:46 - 6:49
    Eu alcanço com o quebra-cabeça do Shrek.
  • 6:49 - 6:52
    Tem gente que vai alcançar
    fritando hambúrguer.
  • 6:52 - 6:53
    Não interessa.
  • 6:53 - 6:55
    Busca aquilo que faz sentido pra você.
  • 6:55 - 6:57
    Talvez um dia, eu aprenda a fazer ioga,
  • 6:57 - 7:01
    mas eu não vou me colocar mais um desafio
    além daqueles que eu já tenho agora.
  • 7:02 - 7:04
    Terceira coisa:
  • 7:04 - 7:08
    ninguém tem que estar lindo,
    sarado e bonitão nessa fase.
  • 7:08 - 7:12
    Embora a gente veja isso
    de forma ostensiva nas redes sociais,
  • 7:12 - 7:14
    tudo bem ficar de pijama,
  • 7:14 - 7:17
    tudo bem ficar sem maquiagem.
  • 7:17 - 7:21
    Procure o seu bem-estar,
    e não coisas que geram mais ansiedade.
  • 7:22 - 7:23
    Quarta coisa:
  • 7:24 - 7:25
    não ache estranho
  • 7:25 - 7:29
    o fato de o seu relacionamento
    estar passando por uma fase difícil.
  • 7:30 - 7:31
    Eu vou contar um segredo:
  • 7:32 - 7:33
    todos estão.
  • 7:34 - 7:36
    Quando a gente fez voto de casamento,
  • 7:36 - 7:40
    ninguém fez voto pra ficar
    em cárcere privado com a pessoa.
  • 7:40 - 7:42
    A gente fez voto imaginando
  • 7:42 - 7:45
    que, de manhã você falava:
    "Querido, beijo! Bom dia pra você!",
  • 7:45 - 7:49
    e aí, você encontrava umas oito,
    dez horas depois e tomava uma cervejinha.
  • 7:49 - 7:50
    Era legal.
  • 7:50 - 7:53
    Agora, cárcere privado?
    Ninguém estava contando com isso.
  • 7:53 - 7:56
    É natural, gente,
    que a gente esteja de saco cheio,
  • 7:56 - 7:58
    que a gente tenha conflitos,
  • 7:58 - 8:01
    que a gente esteja cheio de dúvidas,
  • 8:01 - 8:04
    mas essa não é a hora
    de a gente fazer grandes projeções
  • 8:04 - 8:05
    ou tomar grandes decisões.
  • 8:05 - 8:07
    Respira fundo.
  • 8:07 - 8:11
    Só é hora de tomar grandes decisões
    em caso de violência doméstica.
  • 8:11 - 8:14
    Nessa hora, a decisão
    tem que ser imediata.
  • 8:14 - 8:15
    Não se esqueçam disso.
  • 8:15 - 8:17
    Quinta coisa:
  • 8:17 - 8:19
    a gente não tem que achar
  • 8:19 - 8:22
    que a vida só faz sentido
    se ela estiver toda perfeita!
  • 8:22 - 8:23
    A vida nunca é perfeita!
  • 8:23 - 8:28
    Essa farsa do sucesso 360 graus,
  • 8:28 - 8:31
    de que fica tudo bem em todas
    as esferas da vida ao mesmo tempo,
  • 8:31 - 8:33
    isso não existe.
  • 8:33 - 8:37
    A vida é feita de imperfeições,
    e essa é a graça da vida.
  • 8:37 - 8:39
    Tudo bem se a sua vida
    não estiver perfeita.
  • 8:39 - 8:41
    É assim que a gente tem que viver,
  • 8:41 - 8:45
    e a gente não tem que carregar
    o fardo de buscar essa perfeição.
  • 8:46 - 8:50
    A Brené Brown explica
    que se mostrar vulnerável
  • 8:50 - 8:53
    não tem nada a ver com expor
    a sua vida privada, a sua vida íntima,
  • 8:53 - 8:55
    ou os seus problemas.
  • 8:55 - 9:00
    Se mostrar vulnerável tem a ver
    com se mostrar corajoso o suficiente
  • 9:00 - 9:02
    pra não precisar fingir que é perfeito.
  • 9:03 - 9:06
    Quando eu aceito a minha vulnerabilidade,
  • 9:06 - 9:09
    é quando eu mais me conecto
    com as pessoas.
  • 9:09 - 9:11
    Nas minhas redes sociais,
  • 9:11 - 9:15
    os posts que mais têm acolhimento
    dos meus seguidores são aqueles...
  • 9:15 - 9:18
    por exemplo, um que eu fiz
    recentemente, no qual eu digo:
  • 9:18 - 9:21
    "Faz 15 dias que eu estou usando
    uma meia de cada par!"
  • 9:21 - 9:24
    Eu não sei mais onde estão
    os pares das minhas meias.
  • 9:24 - 9:27
    Eu uso branca com cinza,
    eu uso preta com branca...
  • 9:27 - 9:29
    Desisti!
  • 9:29 - 9:32
    Os posts que fazem sucesso
    não são selfies,
  • 9:32 - 9:34
    toda maravilhosa,
    com a minha melhor maquiagem,
  • 9:34 - 9:36
    até porque eu não sei fazer isso.
  • 9:37 - 9:40
    Humanidade gera conexão,
  • 9:40 - 9:43
    vulnerabilidade gera identidade,
  • 9:43 - 9:47
    e mostrar as nossas falhas
    faz com que as pessoas aceitem
  • 9:47 - 9:51
    que as falhas delas
    são absolutamente normais.
  • 9:51 - 9:56
    Vamos mostrar, então, o nosso cabelo sujo,
    a nossa pia cheia de louça,
  • 9:56 - 9:59
    ou a nossa calça de moletom,
    as nossas meias sem par.
  • 10:00 - 10:04
    Vamos fazer com que a nossa presença
    na vida das outras pessoas
  • 10:04 - 10:08
    seja um conforto,
    e não uma pedra no sapato,
  • 10:08 - 10:11
    porque o nosso sapato está cheio de pedra,
  • 10:11 - 10:15
    e tudo que a gente mais está precisando
    é de um pouquinho de conforto.
  • 10:15 - 10:17
    Obrigada.
  • 10:17 - 10:19
    (Aplausos) (Vivas)
  • 10:20 - 10:23
    Plateia: Maravilhosa! Poderosa!
  • 10:23 - 10:25
    (Aplausos) (Vivas)
  • 10:26 - 10:29
    Plateia: Linda! Arrasou! Muito bom!
Title:
O estranho mundo das pessoas perfeitas | Ruth Manus | TEDxSãoPaulo
Description:

Ruth fala sobre as mensagens que recebemos nas mídias sociais e a importância de escolher o que assistimos e postamos, uma vez que a cobrança por transmitir uma imagem de perfeição pode impactar negativamente nossa autoestima e nossa felicidade.

Doutoranda em direito internacional na Universidade de Lisboa. Advogada. Escritora e colunista. Professora universitária. Publicou os livros "Pega lá uma chave de fenda" (2015), "Um dia ainda vamos rir de tudo isso" (2018), "Coisas que ninguém conta a um estudante de direito" (2019), "Modéstia à parte: coisas que o mundo inteiro deveria aprender com Portugal" (2018), "Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas" (2019), "40 desabafos da quarentena" (2020).

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
10:37

Portuguese, Brazilian subtitles

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