< Return to Video

O que é que torna uma coisa "kafkiana"? — Noah Tavlin

  • 0:07 - 0:10
    "Alguém devia ter caluniado Joseph K.,
  • 0:10 - 0:14
    "porque foi preso uma manhã,
    sem que tivesse feito nada de mal."
  • 0:15 - 0:17
    Assim começa "O Processo",
  • 0:17 - 0:21
    um dos romances mais conhecidos
    de Franz Kafka.
  • 0:21 - 0:24
    K, o protagonista,
    é preso sem saber porquê
  • 0:24 - 0:27
    e obrigado a percorrer
    todo um processo incompreensível,
  • 0:27 - 0:30
    em que não consegue perceber
    a causa da sua detenção,
  • 0:30 - 0:33
    nem a natureza
    dos procedimentos judiciais.
  • 0:33 - 0:37
    Este cenário é considerado
    tão característico da obra de Kafka
  • 0:37 - 0:40
    que os eruditos inventaram
    uma nova palavra para ele.
  • 0:40 - 0:45
    "Kafkiano" entrou no vernáculo
    para descrever experiências
  • 0:45 - 0:48
    desnecessariamente complicadas
    e frustrantes,
  • 0:48 - 0:52
    como ser forçado a atravessar
    labirintos burocráticos.
  • 0:52 - 0:55
    Mas estar numa longa fila
    para preencher formulários confusos
  • 0:55 - 0:58
    captará verdadeiramente a riqueza
    da visão de Kafka?
  • 0:58 - 1:03
    Para além do uso casual da palavra,
    o que é que torna uma coisa kafkiana?
  • 1:03 - 1:08
    As histórias de Franz Kafka tratam
    de muitos aspetos mundanos e absurdos
  • 1:08 - 1:10
    da burocracia moderna,
  • 1:10 - 1:14
    retirados em parte da sua experiência
    de trabalhar como empregado de seguros
  • 1:14 - 1:17
    no início do século XX, em Praga.
  • 1:17 - 1:20
    Muitos dos seus protagonistas
    são funcionários administrativos
  • 1:20 - 1:22
    obrigados a lutar com
    uma teia de obstáculos
  • 1:22 - 1:25
    para atingir os seus objetivos,
  • 1:25 - 1:29
    e muitas vezes esse suplício torna-se
    tão desorientador e ilógico
  • 1:29 - 1:32
    que o êxito deixa de ter sentido.
  • 1:33 - 1:36
    Por exemplo, no conto "Poseidon",
  • 1:36 - 1:40
    o deus grego da Antiguidade é um executivo
    tão assoberbado pela papelada
  • 1:40 - 1:44
    que nunca tinha tempo para explorar
    o seu reino submarino.
  • 1:44 - 1:48
    A piada aqui é que nem mesmo um deus
    consegue gerir a quantidade de papelada
  • 1:48 - 1:50
    exigida pelos escritórios modernos.
  • 1:50 - 1:52
    Mas o motivo
    é que é significativo.
  • 1:52 - 1:55
    Ele é incapaz de delegar
    parte do seu trabalho,
  • 1:55 - 1:59
    porque acha que não há ninguém
    capaz de fazer o trabalho dele.
  • 1:59 - 2:03
    O Poseidon de Kafka
    está prisioneiro do seu ego.
  • 2:03 - 2:06
    Este conto simples
    contém todos os elementos
  • 2:06 - 2:09
    que constituem um verdadeiro
    cenário kafkiano.
  • 2:09 - 2:12
    Não é só o absurdo
    da burocracia,
  • 2:12 - 2:16
    é a ironia do raciocínio circular
    do personagem em relação a isso
  • 2:16 - 2:19
    que é emblemática da escrita de Kafka.
  • 2:19 - 2:21
    As suas histórias trágico-cómicas
  • 2:21 - 2:24
    funcionam como uma forma de mitologia
    da era industrial moderna,
  • 2:24 - 2:28
    usando a lógica do sonho
    para explorar as relações
  • 2:28 - 2:32
    entre sistemas de poder arbitrário
    e os indivíduos apanhados por eles.
  • 2:33 - 2:37
    Vejam, por exemplo, o conto mais conhecido
    de Kafka, a "Metamorfose".
  • 2:37 - 2:40
    Quando Gregor Samsa acorda
    uma manhã e descobre
  • 2:40 - 2:43
    que se transformou
    num inseto gigantesco,
  • 2:43 - 2:46
    a sua maior preocupação
    é chegar a horas ao trabalho.
  • 2:46 - 2:49
    Claro que isso acaba por ser impossível.
  • 2:50 - 2:54
    Não foi só o reino do autoritarismo
    do local de trabalho que inspirou Kafka.
  • 2:54 - 2:58
    Algumas das lutas dos seus protagonistas
    provêm do seu interior.
  • 2:58 - 3:00
    O conto "Um Artista da Fome",
  • 3:00 - 3:02
    descreve um artista de circo
  • 3:02 - 3:05
    cuja atuação consiste
    em jejuns prolongados.
  • 3:06 - 3:09
    Está aborrecido porque o chefe do circo
    limita esses jejuns a 40 dias,
  • 3:09 - 3:13
    e acha que isso o impede
    de alcançar a grandiosidade da sua arte.
  • 3:13 - 3:16
    Mas, quando a sua atuação
    perde popularidade,
  • 3:16 - 3:19
    sente-se à vontade
    para jejuar até à morte.
  • 3:19 - 3:22
    A reviravolta dá-se quando ele jaz
    moribundo, no anonimato
  • 3:22 - 3:26
    e reconhece, arrependido,
    que a sua arte fora sempre uma fraude.
  • 3:26 - 3:28
    Jejuava não pela força de vontade,
  • 3:28 - 3:31
    mas porque nunca encontrara
    uma comida de que gostasse.
  • 3:32 - 3:34
    Mesmo em "O Processo",
  • 3:34 - 3:36
    que, aparentemente,
    se concentra diretamente na burocracia,
  • 3:36 - 3:39
    as leis vagas e
    os procedimentos incompreensíveis
  • 3:39 - 3:41
    apontam para uma coisa
    muito mais sinistra:
  • 3:41 - 3:45
    o terrível ímpeto do sistema legal
    mostra-se imparável,
  • 3:45 - 3:48
    mesmo para os funcionários
    supostamente poderosos.
  • 3:49 - 3:51
    É um sistema que não serve a justiça,
  • 3:51 - 3:54
    mas cuja única função
    é perpetuar-se a si mesmo.
  • 3:55 - 3:57
    Aquilo a que a teórica politica,
    Hannah Arendt,
  • 3:57 - 3:59
    que escreveu anos
    depois da morte de Kafka,
  • 3:59 - 4:02
    chamaria uma "tirania sem tirano".
  • 4:02 - 4:05
    Contudo, as histórias deprimentes de Kafka
  • 4:05 - 4:07
    também têm uma grande dose de humor,
  • 4:07 - 4:11
    enraizado na lógica absurda
    das situações descritas.
  • 4:11 - 4:16
    Por um lado, é fácil reconhecer
    o kafkiano no mundo atual.
  • 4:17 - 4:21
    Dependemos de sistemas de administração
    cada vez mais intrincados
  • 4:21 - 4:25
    que têm consequências reais
    em todos os aspetos da nossa vida.
  • 4:26 - 4:29
    Vemos as nossas palavras
    avaliadas por pessoas que não vemos,
  • 4:29 - 4:32
    segundo regras que não conhecemos.
  • 4:33 - 4:37
    Por outro lado, quando refina
    a nossa atenção para o absurdo,
  • 4:37 - 4:41
    Kafka também nos leva a refletir
    mas nossas deficiências.
  • 4:41 - 4:46
    Assim, recorda-nos que o mundo
    em que vivemos é aquele que criamos
  • 4:46 - 4:48
    e temos o poder
    de o mudar para melhor.
Title:
O que é que torna uma coisa "kafkiana"? — Noah Tavlin
Description:

Vejam a lição completa: http://ed.ted.com/lessons/what-makes-something-kafkaesque-noah-tavlin

O termo "kafkiano" entrou no vernáculo, e descreve experiências desnecessariamente complicadas e frustrantes, em especial com a burocracia. Mas ficar numa longa fila, para preencher papelada confusa, capta realmente a riqueza da visão de Kafka? Para lá do uso casual, o que é que torna uma coisa "kafkiana"? Noah Tavlin explica-o.

Lição de Noah Tavlin, animação de TED-Ed.

more » « less
Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TED-Ed
Duration:
05:04

Portuguese subtitles

Revisions