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O legado mortal das bombas de fragmentação

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    Uma vez tive um pesadelo:
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    estava de pé no meio de um campo
    deserto, repleto de minas terrestres.
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    Na vida real, adoro fazer trilha,
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    mas, toda vez que quero fazer
    uma trilha, fico nervosa.
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    Fico sempre pensando
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    que posso perder um membro.
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    Esse medo subjacente
    começou dez anos atrás,
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    depois que conheci Mohammed,
    um sobrevivente da bomba de fragmentação,
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    no verão de 2006, na guerra
    entre Israel e o Hezbollah, no Líbano.
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    Mohammed, como tantos outros
    sobreviventes em outras partes do mundo,
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    tem de viver com as terríveis
    consequências das munições de fragmentação
  • 0:39 - 0:40
    diariamente.
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    Quando o conflito, que durou
    um mês, começou no Líbano,
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    eu ainda trabalhava na agência
    France-Presse em Paris.
  • 0:48 - 0:53
    Me lembro de ficar colada nas telas
    acompanhando ansiosa as notícias.
  • 0:53 - 0:55
    Queria ter certeza
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    de que as bombas não tinham acertado
    a casa dos meus pais.
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    Quando cheguei a Beirute
    para cobrir essa guerra,
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    fiquei aliviada de me reunir
    com minha família,
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    depois que finalmente conseguiram
    escapar para o sul do Líbano.
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    No dia em que a guerra acabou,
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    lembro-me de ver a imagem
    de uma das estradas bloqueadas,
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    com pessoas desalojadas voltando
    ansiosamente para o sul, para suas casas,
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    independentemente do que iam encontrar.
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    Cerca de 4 milhões
    de submunições de fragmentação
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    foram espalhadas no Líbano
    durante os 34 dias do conflito.
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    Mohammed perdeu ambas as pernas
    na última semana do conflito.
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    O fato de viver a cinco minutos
    de carro da casa dos meus pais
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    facilitou para mim acompanhar
    sua vida ao longo dos anos.
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    Havia dez anos que não nos encontrávamos.
  • 1:44 - 1:50
    Vi um jovem que tinha passado
    por um trauma físico e psicológico.
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    Vi um adolescente que tentava oferecer
    tatuagens a seus amigos por US$ 5.
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    E conheço o homem jovem, desempregado,
    que passa horas surfando na internet,
  • 2:01 - 2:04
    tentando encontrar uma moça
    que possa se tornar sua namorada.
  • 2:05 - 2:09
    Sua sina e as consequências
    de perder suas pernas
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    são agora sua realidade diária.
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    Sobreviventes de traumas causados
    por bombas, como Mohammed,
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    têm de lidar com detalhes
    que nem passam pela nossa cabeça.
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    Quem imagina que tantas tarefas diárias
    que fazemos ou consideramos banais,
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    como ir à praia
    ou mesmo pegar algo do chão,
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    podem ser uma fonte
    de estresse e ansiedade?
  • 2:30 - 2:35
    Bem, eis o que restou de Mohammed,
    devido às suas próteses inflexíveis.
  • 2:36 - 2:40
    Há dez anos, eu não tinha a menor ideia
    do que era uma bomba de fragmentação,
  • 2:40 - 2:42
    nem suas horrendas implicações.
  • 2:43 - 2:45
    Essa arma que mata indiscriminadamente
  • 2:45 - 2:47
    foi usada em muitas partes do mundo
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    e continua a matar regularmente,
  • 2:49 - 2:52
    sem distinguir entre um alvo militar
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    e uma criança.
  • 2:54 - 2:56
    Ingenuamente me perguntei:
  • 2:56 - 2:59
    "Sinceramente, quem fez essas armas?
  • 3:00 - 3:01
    E para quê?"
  • 3:02 - 3:04
    Vocês sabem o que é
    uma bomba de fragmentação?
  • 3:04 - 3:07
    É um recipiente grande
    cheio de bombas pequenas.
  • 3:07 - 3:09
    Quando é jogada,
  • 3:09 - 3:13
    ela se abre em pleno ar
    e libera centenas de bombas pequenas.
  • 3:14 - 3:17
    Elas se espalham
    por áreas imensas e, no impacto,
  • 3:17 - 3:19
    muitas deixam de explodir.
  • 3:19 - 3:23
    As que não explodem
    acabam virando minas terrestres,
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    ficam no solo esperando pelo próximo alvo.
  • 3:27 - 3:32
    Se alguém pisar nelas acidentalmente,
    ou encostar nelas, elas podem explodir.
  • 3:32 - 3:35
    São armas completamente imprevisíveis,
  • 3:35 - 3:37
    o que torna a ameaça ainda maior.
  • 3:37 - 3:40
    Num dia, o fazendeiro pode trabalhar
    na sua terra sem problema.
  • 3:40 - 3:44
    No dia seguinte, ele pode fazer
    uma fogueira para queimar alguns galhos,
  • 3:44 - 3:48
    e as submunições espalhadas
    podem disparar por causa do calor.
  • 3:49 - 3:52
    O problema é que as crianças confundem
    essas bombas com brinquedos,
  • 3:52 - 3:56
    pois elas podem ser parecidas
    com bolas ou latinhas de refrigerante.
  • 3:57 - 3:59
    Como fotógrafa documentarista,
  • 3:59 - 4:03
    decidi voltar ao Líbano
    alguns meses após o conflito
  • 4:03 - 4:05
    para conhecer
    sobreviventes dessas bombas.
  • 4:05 - 4:09
    E conheci alguns, como Hussein e Rasha,
    que perderam a perna com submunições.
  • 4:10 - 4:14
    Suas histórias são parecidas
    com as de muitas outras crianças no mundo
  • 4:14 - 4:17
    e são um testemunho
    das horríveis implicações
  • 4:17 - 4:20
    do uso contínuo de tais armas.
  • 4:21 - 4:25
    Foi quando conheci Mohammed,
    em janeiro de 2007.
  • 4:25 - 4:27
    Ele tinha 11 anos,
  • 4:27 - 4:30
    e eu o conheci quatro meses
    exatamente após seu acidente.
  • 4:31 - 4:34
    Na primeira vez que o vi, ele estava
    fazendo uma fisioterapia dolorosa
  • 4:34 - 4:36
    para se recuperar dos ferimentos recentes.
  • 4:37 - 4:39
    Ainda em choque numa idade tão jovem,
  • 4:39 - 4:42
    Mohammed lutava para se acostumar
    com seu novo corpo.
  • 4:43 - 4:47
    Às vezes ele acordava à noite
    querendo coçar os pés inexistentes.
  • 4:48 - 4:52
    O que me aproximou de sua história
    foi perceber imediatamente
  • 4:52 - 4:55
    que as dificuldades que Mohammed
    ia enfrentar no futuro,
  • 4:56 - 4:59
    e o que ele estava passando
    para se adaptar ao seu ferimento
  • 4:59 - 5:03
    aos 11 anos de idade,
    iriam se multiplicar.
  • 5:04 - 5:05
    Mesmo antes de sua deficiência,
  • 5:05 - 5:08
    a vida do Mohammed não era fácil.
  • 5:08 - 5:11
    Ele nasceu no campo de refugiados
    palestinos Rashidieh,
  • 5:11 - 5:13
    onde ainda mora.
  • 5:13 - 5:17
    O Líbano tem em torno
    de 400 mil refugiados palestinos,
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    e eles sofrem com leis discriminatórias.
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    Eles não têm permissão
    para trabalhar no setor público
  • 5:22 - 5:24
    ou ter determinadas profissões,
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    e o direito à propriedade lhes é negado.
  • 5:27 - 5:29
    Essa é uma das razões
  • 5:29 - 5:31
    por que Mohammed não se arrepende
    de ter largado a escola
  • 5:31 - 5:33
    logo depois de seu ferimento.
  • 5:33 - 5:37
    Ele fala: "Para que diploma universitário
  • 5:37 - 5:39
    se não consigo nem encontrar trabalho?"
  • 5:41 - 5:45
    A bomba de fragmentação cria um círculo
    vicioso de impacto nas comunidades,
  • 5:45 - 5:48
    e não apenas nas vidas das vítimas.
  • 5:48 - 5:52
    Muitos dos feridos
    por essa arma largam a escola,
  • 5:52 - 5:54
    não conseguem arranjar trabalho
    ou até perdem o emprego,
  • 5:54 - 5:57
    perdendo assim também
    a capacidade de sustentar suas famílias.
  • 5:58 - 6:01
    Isso sem mencionar a constante dor física
  • 6:01 - 6:04
    e a experiência de se sentir isolado.
  • 6:06 - 6:09
    Essas armas afetam os mais pobres.
  • 6:09 - 6:12
    As altas despesas médicas são
    um peso para as famílias.
  • 6:12 - 6:15
    Eles acabam tendo de contar
    com agências humanitárias,
  • 6:15 - 6:17
    o que é insuficiente ou impraticável,
  • 6:18 - 6:21
    especialmente quando os ferimentos
    exigem apoio durante a vida toda.
  • 6:22 - 6:24
    Dez anos após ter sido ferido,
  • 6:24 - 6:27
    Mohammed ainda não consegue pagar
    próteses adequadas para as pernas.
  • 6:28 - 6:30
    Ele é muito cuidadoso ao andar,
  • 6:30 - 6:32
    pois algumas quedas ao longo dos anos
  • 6:32 - 6:34
    lhe causaram constrangimento
    entre os amigos.
  • 6:35 - 6:40
    Ele brinca que, já que não tem pernas,
    às vezes tenta andar com as mãos.
  • 6:41 - 6:44
    Um dos piores impactos da arma,
    apesar de invisível,
  • 6:44 - 6:47
    são as cicatrizes psicológicas
    que ela deixa.
  • 6:47 - 6:50
    Num dos primeiros
    relatórios médicos de Mohammed,
  • 6:50 - 6:53
    ele foi diagnosticado com sinais de TEPT.
  • 6:53 - 6:58
    Ele sofria de ansiedade,
    perda do apetite, distúrbio do sono
  • 6:58 - 7:00
    e mostrava sinais de raiva.
  • 7:01 - 7:06
    O fato é que Mohammed nunca recebeu ajuda
    adequada para se recuperar completamente.
  • 7:06 - 7:10
    Sua obsessão atual é deixar
    o Líbano a qualquer custo,
  • 7:11 - 7:13
    mesmo que isso signifique embarcar
    numa jornada perigosa,
  • 7:13 - 7:18
    indo com refugiados
    para a Europa pelo Mediterrâneo.
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    Sabendo quão arriscada tal jornada seria,
  • 7:21 - 7:26
    ele disse: "Se eu tiver de morrer
    no caminho, não faz diferença".
  • 7:26 - 7:29
    Mohammed já se considera morto aqui.
  • 7:30 - 7:33
    Bombas de fragmentação
    são um problema mundial,
  • 7:33 - 7:38
    já que sua munição continua
    a destruir e a ferir comunidades inteiras
  • 7:38 - 7:40
    por várias gerações.
  • 7:41 - 7:44
    Numa entrevista on-line
    com o diretor do Mines Advisory Group,
  • 7:44 - 7:46
    Jamie Franklin, ele disse:
  • 7:47 - 7:51
    "As forças dos EUA jogaram cerca
    de 2 milhões de munição no Laos.
  • 7:52 - 7:54
    Quando não conseguiam encontrar
    os alvos no Vietnã,
  • 7:54 - 7:59
    jogavam em áreas livres no Laos,
    onde os aviões descarregavam as armas
  • 7:59 - 8:01
    antes de voltarem para a base,
  • 8:01 - 8:04
    pois era perigoso pousar
    com esses aviões carregados".
  • 8:05 - 8:07
    Segundo o Comitê Internacional
    da Cruz Vermelha,
  • 8:07 - 8:11
    somente no Laos, um dos países
    mais pobres do mundo,
  • 8:11 - 8:16
    ainda há de 9 a 27 milhões
    de submunições não detonadas.
  • 8:16 - 8:21
    Em torno de 11 mil pessoas foram
    mortas ou feridas desde 1973.
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    Essa arma letal tem sido usada por mais
    de 20 estados durante conflitos armados
  • 8:28 - 8:30
    em mais de 35 países,
  • 8:30 - 8:33
    como Ucrânia, Iraque e Sudão.
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    Até agora, 119 países assinaram
    um tratado internacional
  • 8:39 - 8:40
    banindo as bombas de fragmentação,
  • 8:40 - 8:43
    a Convenção sobre as Munições
    de Fragmentação.
  • 8:44 - 8:48
    Mas alguns dos maiores produtores
    de munições de fragmentação,
  • 8:48 - 8:51
    a saber, os Estados Unidos,
    a Rússia e a China,
  • 8:51 - 8:54
    ficaram fora desse acordo que salva vidas,
  • 8:54 - 8:56
    e continuam a produzi-las,
  • 8:56 - 8:59
    reservando-se o direito
    de produzi-las no futuro,
  • 8:59 - 9:01
    de manter essas armas nefastas
    em seus estoques
  • 9:01 - 9:04
    e até possivelmente de usá-las no futuro.
  • 9:06 - 9:10
    Há relatos de que essas bombas
    foram usadas recentemente
  • 9:10 - 9:13
    nos conflitos em curso
    no Iêmen e na Síria.
  • 9:14 - 9:17
    De acordo com pesquisa
    sobre os investimentos mundiais
  • 9:17 - 9:19
    em produtores de munições de fragmentação,
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    pela Pax, uma ONG com sede na Holanda,
  • 9:21 - 9:25
    instituições financeiras
    investiram bilhões de dólares americanos
  • 9:25 - 9:28
    em empresas que fabricam
    munições de fragmentação.
  • 9:29 - 9:33
    A maioria dessas instituições
    são baseadas em países
  • 9:33 - 9:36
    que não assinaram ainda a Convenção.
  • 9:37 - 9:39
    Voltando a Mohammed,
  • 9:39 - 9:43
    um dos poucos empregos que ele
    foi capaz de encontrar foi colher limões.
  • 9:44 - 9:47
    Quando perguntei a ele se era
    seguro trabalhar no campo, ele disse:
  • 9:47 - 9:48
    "Não tenho certeza".
  • 9:49 - 9:54
    Pesquisas mostram que essas munições
    geralmente contaminam as áreas
  • 9:54 - 9:57
    onde a agricultura
    é a principal fonte de renda.
  • 9:58 - 10:01
    De acordo com pesquisa
    da Handicap International,
  • 10:01 - 10:07
    98% dos mortos e feridos
    por esse tipo de munição são civis.
  • 10:07 - 10:11
    E 84% das baixas são homens.
  • 10:11 - 10:14
    Em países onde essas pessoas
    não têm escolha,
  • 10:14 - 10:16
    exceto trabalhar nesses campos,
  • 10:16 - 10:19
    elas simplesmente o fazem e se arriscam.
  • 10:20 - 10:23
    Mohammed é o único homem entre três irmãs.
  • 10:23 - 10:26
    Culturalmente, espera-se
    que ele sustente sua família,
  • 10:26 - 10:28
    mas ele simplesmente não consegue.
  • 10:28 - 10:30
    Ele tentou diversos empregos,
  • 10:30 - 10:34
    mas não conseguiu ficar em nenhum
    devido a sua deficiência física
  • 10:34 - 10:37
    e ao ambiente nada amigável
    para pessoas com deficiências,
  • 10:37 - 10:39
    para dizer o mínimo.
  • 10:40 - 10:43
    É muito duro quando ele sai
    para procurar emprego,
  • 10:43 - 10:47
    e é mandado de volta com um pequeno
    valor pago a ele por pena.
  • 10:48 - 10:50
    Ele diz: "Não estou aqui
    mendigando seu dinheiro,
  • 10:50 - 10:52
    só quero trabalhar por ele".
  • 10:54 - 10:56
    Hoje Mohammed tem 21 anos.
  • 10:56 - 11:00
    Ele é analfabeto, e se comunica
    por mensagens de voz.
  • 11:01 - 11:02
    Eis uma de suas mensagens.
  • 11:03 - 11:08
    (Áudio) Mohammed: (Falando em árabe).
  • 11:11 - 11:14
    Laura Boushnak: Ele disse:
    "Meu sonho é correr,
  • 11:14 - 11:18
    e tenho certeza de que, quando começar
    a correr, não vou mais parar".
  • 11:18 - 11:19
    Obrigada.
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    (Aplausos) (Vivas)
Title:
O legado mortal das bombas de fragmentação
Speaker:
Laura Boushnak
Description:

A destruição da guerra não termina quando a luta termina. Durante os 34 dias da guerra Israel-Hezbollah, em 2006, estima-se que 4 milhões de bombas de fragmentação tenham sido jogadas no Líbano, matando de forma indiscriminada. O perigo continua, uma vez que muitas bombas pequenas deixaram de explodir e continuam dormentes no solo, esperando para mutilar ou matar qualquer um que as encontre. Nesta palestra, a fotógrafa e Bolsista TED Laura Boushnak compartilha fotos assombrosas de sobreviventes de bombas de fragmentação e pede àqueles que ainda produzem e toleram o uso dessas armas, incluindo os Estados Unidos, que as abandonem.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
11:36

Portuguese, Brazilian subtitles

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