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Os aprendizes da História | Diana Wang | TEDxRíodelaPlataED

  • 0:14 - 0:20
    Ania ficou sozinha na Polónia,
    durante a guerra,
  • 0:21 - 0:23
    aos 12 anos.
  • 0:24 - 0:28
    Pediu esmola,
    serviu em casas de família.
  • 0:30 - 0:32
    Aprendeu a rezar.
  • 0:32 - 0:36
    Mas vivia aterrada,
    porque pronunciava mal o "r"
  • 0:36 - 0:40
    e metera-se-lhe na cabeça que,
    por causa disso,
  • 0:41 - 0:45
    descobririam que ela era judia
    e a iam matar.
  • 0:48 - 0:53
    Com os seus olhinhos azuis
    quase transparentes
  • 0:53 - 0:56
    e a sua voz fininha e delicada,
  • 0:58 - 1:04
    contou-me que, quando era pequena,
    passara todos os anos da guerra
  • 1:04 - 1:08
    sem usar nenhuma palavra com "r".
  • 1:10 - 1:12
    Parecia-me impossível.
  • 1:12 - 1:17
    A minha mãe dizia-me:
    "É possível. Isso e muito mais.
  • 1:18 - 1:21
    "Oxalá que a vida nunca te desafie",
  • 1:23 - 1:26
    Hanka tinha sete anos.
  • 1:28 - 1:34
    Escondida com a sua mãe
    num armário, continham a respiração
  • 1:35 - 1:37
    enquanto escutavam os gritos em alemão.
  • 1:40 - 1:42
    "Porque é que temos
    de nos esconder, mamã?"
  • 1:43 - 1:46
    "Porque, se nos descobrirem,
    matam-nos".
  • 1:50 - 1:54
    "E porque é que me querem matar,
    se me portei bem?"
  • 1:59 - 2:03
    Histórias como estas
    acompanharam a minha infância,
  • 2:04 - 2:09
    com perguntas prementes
    que não me de deixavam dormir.
  • 2:12 - 2:14
    Sou filha da guerra.
  • 2:15 - 2:19
    Nasci na Polónia, quando, no Japão,
  • 2:19 - 2:23
    caíam as bombas em Hiroxima e Nagasaki.
  • 2:25 - 2:27
    Os meus pais tinham-se salvado
  • 2:27 - 2:31
    escondidos num diminuto armário,
    durante anos.
  • 2:33 - 2:38
    Chegámos à Argentina em 1947.
  • 2:41 - 2:45
    Os meus contos de fadas
    foram histórias como estas.
  • 2:47 - 2:50
    Algumas maravilhosas, heroicas,
  • 2:51 - 2:56
    outras negras, terríveis,
    que ouvia contar aos sobreviventes,
  • 2:58 - 3:03
    sentados em volta duma mesa,
    bebendo chá com bolinhos e tortas.
  • 3:05 - 3:07
    Eu não vivi a guerra,
  • 3:08 - 3:14
    mas sempre tive a sensação
    de que o mais importante da minha vida
  • 3:14 - 3:18
    tinha-se passado antes de eu nascer.
  • 3:20 - 3:22
    A própria guerra.
  • 3:23 - 3:26
    A milagrosa sobrevivência dos meus pais.
  • 3:29 - 3:33
    A perda de Zenus, o seu primeiro filho,
  • 3:34 - 3:37
    o meu irmão mais velho,
    que nunca conheci.
  • 3:40 - 3:43
    Tiveram de entregá-lo a uma família cristã
  • 3:43 - 3:46
    para assegurar a salvação dele.
  • 3:46 - 3:49
    A deles parecia-lhes impossível.
  • 3:50 - 3:53
    Quando terminou a guerra,
    foram-no buscar.
  • 3:55 - 3:57
    "Morreu", disseram-lhes.
  • 3:59 - 4:01
    Pediram o corpo dele.
  • 4:03 - 4:07
    Não se lembravam onde o tinham enterrado.
  • 4:09 - 4:15
    Era óbvio: Zenus estava vivo
    e tinha sido raptado.
  • 4:17 - 4:21
    Procuraram-no, mas nunca
    o conseguiram encontrar.
  • 4:22 - 4:28
    A sua ausência era uma presença
    tangível lá em casa.
  • 4:29 - 4:32
    É a única foto que se conservou.
  • 4:36 - 4:41
    É estranho viver com a sensação
    de que tenho, talvez por aí,
  • 4:43 - 4:49
    alguém da minha família, parecido
    comigo, e que não sabe quem é.
  • 4:55 - 4:59
    Ter de entregar um filho
    para que se salve...
  • 5:01 - 5:06
    Que podia ter feito
    um bebé de dois anos?
  • 5:07 - 5:12
    De que é que acusavam
    o meu irmãozinho, a Ania, a Hanka?
  • 5:15 - 5:19
    "Porque é que me querem matar,
    se me portei bem?"
  • 5:22 - 5:25
    Perguntas que me fizeram
    pensar no Mal.
  • 5:28 - 5:31
    Não no mal interpessoal,
    o quotidiano
  • 5:31 - 5:35
    o que fazemos no meio
    de uma zanga, de uma emoção.
  • 5:36 - 5:39
    Não, o Mal com maiúscula.
  • 5:39 - 5:44
    O impessoal, sistemático, político.
  • 5:45 - 5:48
    O que se faz a alguém
    em nome de um sistema,
  • 5:48 - 5:52
    a outros que fazem parte de um grupo
    e que há que destruir.
  • 5:54 - 5:57
    O que se faz, obedecendo a ordens
  • 5:57 - 6:04
    que produz guerras, matanças,
    genocídios, mas que não gera culpa.
  • 6:07 - 6:12
    Como responder à pergunta
    para o Mal, com maiúscula?
  • 6:16 - 6:20
    Creio que a resposta está na educação.
  • 6:21 - 6:28
    Numa educação que inclua,
    de modo central, a dimensão ética.
  • 6:30 - 6:33
    Nem as religiões,
    nem as abordagens voluntaristas
  • 6:33 - 6:37
    puderam fazer nada
    com o Mal com maiúscula.
  • 6:37 - 6:40
    E a vida perde-se com ele.
  • 6:40 - 6:43
    Devia fazer parte
    de todos os programas educativos.
  • 6:45 - 6:52
    Mas, se assim fosse, como introduzir
    um tema como o Mal, na escola?
  • 6:54 - 7:01
    E como sublinhar a sua importância
    para não ser apenas mais uma matéria?
  • 7:01 - 7:06
    "Às 9, línguas. Às 10, ginástica.
    Às 11, genocídio..."
  • 7:11 - 7:17
    O protagonista na aula é fundamental.
  • 7:19 - 7:25
    O que está a apresentar a história,
    com a sua voz e presença, cativa-nos,
  • 7:26 - 7:29
    abre-nos os ouvidos e permite-nos conhecer
  • 7:29 - 7:33
    o que é humano
    em todos os factos históricos.
  • 7:36 - 7:39
    Mas como será
    quando já não houver nenhum?
  • 7:40 - 7:45
    Que se passará com histórias
    como as de Ania ou de Hanka,
  • 7:45 - 7:49
    perdidas nalgum livro
    de história, inatingíveis?
  • 7:50 - 7:54
    Como manter o poder motivador
  • 7:54 - 7:57
    do testemunho vivo na sala de aula?
  • 8:02 - 8:08
    Em Fahrenheit 451,
    Bradbury descreve um mundo
  • 8:09 - 8:12
    em que os livros estão proibidos.
  • 8:13 - 8:19
    Os rebeldes decidem aprender de cor,
    cada um deles, um livro,
  • 8:20 - 8:22
    para que continue a existir.
  • 8:24 - 8:25
    É essa a solução.
  • 8:26 - 8:30
    Como esses rebeldes, rebelamo-nos
    contra a maré do esquecimento
  • 8:30 - 8:36
    e asseguramos que cada uma
    das histórias continue a ser ouvida.
  • 8:38 - 8:42
    Assim nasceu o Projeto Aprendiz.
  • 8:43 - 8:47
    Uma ideia muito simples:
    juntar duas pessoas.
  • 8:47 - 8:52
    Uma que tem alguma coisa para contar
    e outra que quer ouvir
  • 8:52 - 8:55
    e que se compromete
    a continuar a contá-la.
  • 8:56 - 9:00
    Como o mestre sapateiro
    que transmite a sua arte ao aprendiz,
  • 9:01 - 9:05
    assim o protagonista
    entrega a sua experiência
  • 9:05 - 9:08
    e a sua história a uma testemunha
  • 9:08 - 9:12
    que as recebe e incorpora
    à sua própria vida.
  • 9:15 - 9:18
    Contagiei com o meu entusiasmo
    as pessoas de Generaciones de la Shoá,
  • 9:18 - 9:23
    uma organização que se ocupa
    do Holocausto, e começámos a trabalhar.
  • 9:25 - 9:27
    A princípio, não tínhamos ideia
    de como fazê-lo,
  • 9:28 - 9:29
    mas o projeto era apaixonante.
  • 9:29 - 9:35
    Insistimos, e à força
    de tentativas e erros, aprendemos.
  • 9:35 - 9:37
    Estamos a fazê-lo.
  • 9:40 - 9:43
    Trata-se duma conversa
    entre duas pessoas.
  • 9:45 - 9:47
    De olhos nos olhos.
  • 9:48 - 9:50
    A pele na pele.
  • 9:52 - 9:56
    A um testemunho escrito ou filmado
    não podemos fazer perguntas,
  • 9:57 - 9:59
    a quem temos diante de nós, podemos.
  • 10:00 - 10:04
    Conta histórias como as que contei.
  • 10:04 - 10:09
    Humanas, universais,
    que qualquer um pode entender.
  • 10:09 - 10:12
    Não interessa de onde
    nem em que circunstâncias.
  • 10:12 - 10:16
    Permite que nos ponhamos
    na pele do outro.
  • 10:17 - 10:22
    É uma coisa vibrante, como no teatro,
    quando as pessoas estão aqui,
  • 10:22 - 10:25
    e o que se passa toca-nos a todos.
  • 10:26 - 10:31
    Isto não pode ser registado
    por nenhuma câmara, é energia pura.
  • 10:35 - 10:38
    O projeto difunde-se de boca em boca.
  • 10:39 - 10:44
    Os candidatos são adultos jovens,
    entre os 20 e os 35 anos.
  • 10:46 - 10:52
    Primeiro fazem uma formação
    e depois chega o momento tão esperado:
  • 10:52 - 10:55
    a reunião do par.
  • 10:56 - 11:00
    Nesse dia, cada aprendiz
    conhece quem será o seu mestre.
  • 11:01 - 11:06
    Formam-se os pares e cada par
    segue logo o seu caminho:
  • 11:06 - 11:11
    encontram-se onde querem, quando querem,
    durante o tempo que precisam.
  • 11:11 - 11:17
    A única condição é que o aprendiz
    deve levar um diário,
  • 11:18 - 11:21
    um diário de bordo
    para a viagem que empreende.
  • 11:21 - 11:23
    A sua memória para o futuro.
  • 11:25 - 11:28
    Os pares encontram-se muitas vezes
  • 11:28 - 11:33
    e o culminar dá-se
    na reunião de encerramento:
  • 11:34 - 11:40
    um ritual de passagem, perante familiares
    e amigos, de mestres e aprendizes.
  • 11:42 - 11:45
    Durante os encontros,
    cada par construiu
  • 11:45 - 11:50
    uma relação muito intensa,
    que se concretiza nesse dia,
  • 11:51 - 11:57
    na presença de todos,
    com a assinatura de um compromisso ético.
  • 11:58 - 12:02
    Cada história continuará a ser contada.
  • 12:06 - 12:10
    Até hoje, já terminaram o projeto
    90 pares.
  • 12:10 - 12:13
    São 90 os aprendizes
    que incorporaram
  • 12:13 - 12:16
    a história do seu mestre
    à sua própria história.
  • 12:19 - 12:22
    Nos cinco anos que passaram
    desde que começámos,
  • 12:23 - 12:25
    aprendemos muitas coisas.
  • 12:26 - 12:31
    Aprendemos que é mais fácil falar
    com desconhecidos do que com os parentes.
  • 12:32 - 12:34
    Quando Dora morreu,
  • 12:35 - 12:40
    os netos rodearam Sol
    no velório e pediram-lhe:
  • 12:41 - 12:46
    "Conta-nos o que te disse a avó,
    porque a nós não nos contou nada".
  • 12:49 - 12:53
    Aprendemos que,
    para além de manter vivo o relato oral,
  • 12:55 - 12:58
    tecem-se novas relações de parentesco:
  • 12:58 - 13:02
    netos e avós postiços,
    convites para festas, comemorações,
  • 13:02 - 13:07
    familiares de uns que se conhecem
    com familiares de outros.
  • 13:08 - 13:12
    Gabriel diz feliz:
    "Tenho uma nova neta".
  • 13:15 - 13:20
    Ariana convidou Eugénia
    para testemunha do seu casamento.
  • 13:22 - 13:28
    Brian fez a coreografia de um bailado
    com a história de Lea.
  • 13:32 - 13:38
    Aprendemos que estas conversas
    entre mestre e aprendiz
  • 13:39 - 13:42
    são uma ponte
    entre o passado e o futuro.
  • 13:44 - 13:48
    Aprendemos que os velhos
    são depositários
  • 13:48 - 13:51
    de um arquivo imprescindível.
  • 13:52 - 13:56
    Somos como somos
    porque antes passámos o que passámos.
  • 13:56 - 14:01
    Seremos como seremos
    se aprendermos com os remadores,
  • 14:01 - 14:05
    a ganhar forças para avançar,
    olhando para trás.
  • 14:07 - 14:13
    Imaginam o poder que pode haver
    contar na aula
  • 14:14 - 14:20
    com o testemunho vivo
    de culturas em vias de extinção?
  • 14:21 - 14:25
    Da guerra das Malvinas,
    da ditadura militar,
  • 14:26 - 14:28
    do tratamento de pessoas.
  • 14:29 - 14:34
    Os aprendizes são essas vozes da História.
  • 14:37 - 14:41
    Pame perguntou a Judith
  • 14:42 - 14:47
    se alguma vez, durante a guerra,
    tinha tido vergonha.
  • 14:50 - 14:54
    Surpreendida pela pergunta curiosa,
    Judith disse-lhe:
  • 14:55 - 15:00
    "Sabes que sim?
    Eu já me tinha esquecido.
  • 15:02 - 15:05
    "Foi no dia em que entrámos em Auschwitz.
  • 15:05 - 15:09
    "Centenas de mulheres
    amontoadas naquele sítio terrível,
  • 15:09 - 15:12
    "e mandaram-nos despir.
  • 15:13 - 15:17
    "Eu tinha 14 anos, nunca me tinha
    despido diante de ninguém,
  • 15:17 - 15:21
    "morria de vergonha,
    mas o medo era muito grande.
  • 15:21 - 15:26
    "Imitei todas e comecei a tirar
    a roupa, uma por uma, que tinha vestida.
  • 15:26 - 15:29
    "Até que fiquei em roupa interior.
    Não podia mais.
  • 15:30 - 15:34
    "Mas à minha frente,
    estava um soldado alemão,
  • 15:34 - 15:37
    "um rapaz que não tinha 20 anos,
  • 15:37 - 15:41
    "ruivo, de olhos azuis,
    lindo como um sol.
  • 15:41 - 15:46
    "Quando me viu em roupa interior,
    levantou a arma e, ferozmente,
  • 15:46 - 15:48
    "disse-me: 'Tudo, tudo'.
  • 15:49 - 15:55
    "Tremendo, tirei a camiseta
    e, quando despi as calças
  • 15:56 - 16:00
    "vi, horrorizada, que tinham sangue
  • 16:01 - 16:04
    "e que ele também vira.
  • 16:06 - 16:08
    "Só queria morrer.
  • 16:08 - 16:11
    "Foi a pior coisa que passei em Auschwitz.
  • 16:11 - 16:15
    "Já sei que não vais acreditar,
    mas foi pior que os piolhos,
  • 16:15 - 16:18
    "pior que a fome, pior que a sede.
  • 16:18 - 16:23
    "A minha intimidade estava ali
    à vista de todos.
  • 16:24 - 16:30
    "Eu tinha 14 anos e tinha deixado
    de ser dona de mim".
  • 16:37 - 16:42
    Estas palavras falam da desumanização
  • 16:43 - 16:47
    com mais eloquência
    do que qualquer tratado.
  • 16:51 - 16:56
    Judith morreu quando eu estava
    a preparar esta palestra,
  • 16:58 - 17:02
    mas o seu relato continua vivo em mim.
  • 17:02 - 17:06
    Conto-o sempre que posso,
    nunca o esquecerei.
  • 17:08 - 17:13
    Agora que o contei,
    vocês também não o vão esquecer.
  • 17:16 - 17:20
    Esta é a essência do Projeto Aprendiz.
  • 17:22 - 17:29
    O que escuta uma testemunha
    passa a ser testemunha.
  • 17:30 - 17:33
    (Aplausos)
Title:
Os aprendizes da História | Diana Wang | TEDxRíodelaPlataED
Description:

Uma proposta para manter viva a experiência dos protagonistas da História. Nascida na Polónia em 1945, Diana é filha de sobreviventes judeus do Holocausto que imigraram para a Argentina como cristãos, para serem admitidos. Psicoterapeuta, escritora e conferencista, atualmente preside a Generaciones de la Shoá na Argentina, onde realiza múltiplos projetos educativos, orientados para manter viva a memória do Holocausto.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
Spanish
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
17:54

Portuguese subtitles

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