Invisibilidade Pública: Fernando Braga no TEDxBeloHorizonte
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0:01 - 0:06A encantadora e hospitaleira capital de Minas Gerais.
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0:13 - 0:19(Aplausos)
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0:20 - 0:21Queria pedir a ajuda de vocês.
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0:21 - 0:24Que estão aqui quietinhos, sentados
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0:24 - 0:25há mais de uma hora, reunidos.
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0:25 - 0:30Queria que todos ficassem de pé por gentileza.
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0:30 - 0:33Aproveitar até para mudar de posição.
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0:33 - 0:35E queria uma salva de palmas para as pessoas
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0:35 - 0:37que cuidaram do nosso café da manhã,
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0:37 - 0:38do nosso almoço.
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0:38 - 0:40Que estão preparando novamente as nossas refeições.
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0:40 - 0:42E também para aqueles funcionários que enquanto
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0:42 - 0:44estamos aqui, discutindo novas ideias
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0:44 - 0:47continuam limpando os banheiros que nós sujamos.
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0:47 - 1:00(Aplausos)
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1:00 - 1:04Obrigado! Obrigado!
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1:04 - 1:06Eu sei que eu estou ridículo.
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1:06 - 1:08Eu sei disso.
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1:08 - 1:11E para que nós pudéssemos conversar a respeito
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1:11 - 1:13de como a nossa história nos conduziu
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1:13 - 1:16a termos sujeitos escravizados,
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1:16 - 1:19que fazem uso deste tipo de roupa 8 horas por dia,
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1:19 - 1:216 dias por semana ao longo de muitos anos
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1:21 - 1:23seria necessário mais do que 18 minutos.
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1:23 - 1:25No entanto eu queria dizer algumas coisas
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1:25 - 1:28importantes a respeito disso para vocês.
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1:28 - 1:31Antes de mais nada eu não estou sozinho aqui no palco.
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1:31 - 1:34Do meu lado esquerdo Ernesto Che Guevara,
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1:34 - 1:36John Lennon, Mahatma Gandhi,
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1:36 - 1:39Sigmund Freud e Karl Marx.
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1:39 - 1:42Do meu lado direito Seu Moisés, Seu Nilce,
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1:42 - 1:45Seu João, Seu Tonhão e outros tantos.
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1:45 - 1:47Que me ensinaram a compreender esses caras
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1:47 - 1:49que me são muito caros.
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1:49 - 1:51Eu era estudante de Psicologia.
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1:51 - 1:53Segundo ano da USP.
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1:53 - 1:55Houve uma proposta de trabalho em um disciplina
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1:55 - 1:56chamada Psicologia Social.
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1:56 - 1:58O professor disse:
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1:58 - 1:59"É o seguinte:
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1:59 - 2:01Além das tarefas acadêmicas
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2:01 - 2:03vocês vão se submeter por um dia
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2:03 - 2:05a uma tarefa braçal que não exija qualificação
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2:05 - 2:07técnica nem escolar."
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2:07 - 2:09Alguns foram trabalhar como empacotadores
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2:09 - 2:11de supermercado.
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2:11 - 2:13Outros foram trabalhar como bilheteiros de cinema.
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2:13 - 2:16Eu e alguns colegas fomos trabalhar como garis,
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2:16 - 2:18dentro da própria cidade universitária.
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2:18 - 2:20Muito bem!
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2:20 - 2:21Primeira dificuldade:
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2:21 - 2:24Na USP, como toda cidade universitária, todo prédio,
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2:24 - 2:26todo instituto, tem uma placa.
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2:26 - 2:28Ninguém tem dificuldade para encontrar estes lugares.
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2:28 - 2:30Instituto de Psicologia, por aqui.
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2:30 - 2:32Faculdade de Economia, por ali.
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2:32 - 2:35Hospital Universitário, siga em frente.
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2:35 - 2:37Cheguei na USP, o local no qual eu estudava
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2:37 - 2:39há dois anos, e abordava os pedestres.
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2:39 - 2:41E dizia: "Por favor alguém pode me dizer
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2:41 - 2:43onde é o vestiário dos garis?
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2:43 - 2:44Silêncio...
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2:44 - 2:46Quando não era silêncio era um susto.
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2:46 - 2:48Gari?
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2:48 - 2:49Gari!
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2:49 - 2:50Dentro da USP?
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2:50 - 2:52Ué, sim, porque? As ruas se limpam naturalmente?
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2:52 - 2:56Estamos na Disneylândia, as folhas caem das árvores
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2:56 - 2:59e vão diretamente para os latões de lixo?
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2:59 - 3:03Depois disso, fui até o local de trabalho já designado.
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3:03 - 3:06Todos estavam esperando que o estrangeiro
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3:06 - 3:06chegasse. Não é?
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3:06 - 3:09O estudante de Psicologia que estaria entre os garis.
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3:09 - 3:11Percebi que os trabalhadores são carregados
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3:11 - 3:12em caçambas de caminhonete.
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3:12 - 3:15Juntamente com vassouras, com pás, com enxadas,
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3:15 - 3:17com latões de lixo, com sacos de lixo
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3:17 - 3:19e muitas vezes o próprio lixo.
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3:19 - 3:23Percebi que as ferramentas são todas elas vagabundas.
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3:23 - 3:25Tais como estas aqui.
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3:25 - 3:26Essa aqui ainda está um pouco melhorzinha
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3:26 - 3:29porque o cabo é um pouco mais longo, não é?
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3:29 - 3:30No entanto, imagina um sujeito que passa
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3:30 - 3:338 horas por dia neste movimento.
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3:33 - 3:37Me desculpa diretor, de sair do tapete vermelho.
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3:37 - 3:40Imagina o que fica de dor nos antebraços.
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3:40 - 3:42Imagina como fica a coluna deste cara
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3:42 - 3:44depois de alguns poucos meses de trabalho.
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3:44 - 3:47Muito bem, chegando ao local de serviço,
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3:47 - 3:49todo mundo trabalhando com pá e enxada porque
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3:49 - 3:52no dia anterior tinha chovido muito em São Paulo.
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3:52 - 3:55Sujeira pesada, acumulada nos cantos das vias.
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3:55 - 3:56Não tem como trabalhar com vassoura.
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3:56 - 4:00Todo mundo com cabos, não é, de pás e enxada
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4:00 - 4:02nas mãos, trabalhando nesta posição.
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4:02 - 4:05O encarregado chega e diz: "Você não, você não."
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4:05 - 4:07"Você varre ali do outro lado."
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4:07 - 4:08Fui até o outro lado.
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4:08 - 4:11Quando olhei, parecia que eles já tinham limpado o lugar
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4:11 - 4:13e colocaram 2 ou 3 folhinhas
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4:13 - 4:15para o playboy achar que estava varrendo.
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4:15 - 4:17E eu obedeci o chefe.
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4:17 - 4:18Aliás, é bom que se diga:
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4:18 - 4:21Nós dizemos por aí que uns nascem para mandar,
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4:21 - 4:22outros nascem para obedecer.
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4:22 - 4:24Eu queria por favor aqui, que levantassem a mão
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4:24 - 4:30as pessoas que sentem que nasceram para obedecer.
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4:30 - 4:321, tá...
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4:32 - 4:34Legal, e os que nascem para mandar,
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4:34 - 4:36tem muitos aqui, não?
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4:36 - 4:38Interessante.
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4:38 - 4:39Muito bem!
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4:39 - 4:43O que aconteceu a partir daí foi muitíssimo curioso.
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4:43 - 4:45Porque havia uma distância. Não é?
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4:45 - 4:47Obviamente não só uma distância geográfica
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4:47 - 4:49mas uma distância também psicológica
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4:49 - 4:50porque são mundos tão diferentes.
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4:50 - 4:52Como iam se encontrar aqui?
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4:52 - 4:54Um estudante de Psicologia, dentro da
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4:54 - 4:56Universidade de São Paulo, olha o paradoxo.
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4:56 - 4:59Trabalhando com sujeitos semi-analfabetos.
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4:59 - 5:01Isso é muito curioso também, chama a atenção.
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5:01 - 5:03Até que o trabalho foi interrompido.
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5:03 - 5:06E não havia absolutamente nenhum contato entre nós.
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5:06 - 5:08O que se passou a partir de então foi o seguinte:
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5:08 - 5:11Apoiaram sobre uma plataforma de concreto
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5:11 - 5:13uma garrafa térmica e eu não observei
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5:13 - 5:14nem a presença de caneca.
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5:14 - 5:17Nem a presença de copo e nenhum tipo de vasilhame
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5:17 - 5:19que pudesse fazer com que a bebida fosse servida.
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5:19 - 5:21O Moisés como todo bom nordestino
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5:21 - 5:26carregava uma peixeira, ou enfim, um facão.
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5:26 - 5:29Foi até um latão de lixo, de lá de dentro ele espetou
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5:29 - 5:31com este facão 3 latinhas.
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5:31 - 5:33Serrou pela metade e com o fundo destas latinhas
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5:33 - 5:35o pessoal começou a se servir do café.
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5:35 - 5:36Vejam bem.
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5:36 - 5:39Latinhas resgatadas de uma lixeira pública.
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5:39 - 5:42Onde a coisa mais limpa que existe são baratas.
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5:42 - 5:46Desta forma eles estavam tomando o café.
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5:46 - 5:49Eu fiquei ali, parado, sem saber exatamente o que fazer.
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5:49 - 5:52Ansioso esperando que afinal de contas
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5:52 - 5:54eu continuasse esquecido entre eles.
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5:54 - 5:55Porque eu tinha dois problemas:
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5:55 - 5:57Se o café me fosse servido,
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5:57 - 6:00primeiro que eu não tomava café.
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6:00 - 6:01Segundo de tudo, eu teria que tomar café
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6:01 - 6:04naquelas condições.
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6:04 - 6:05O Moisés lembrou de mim.
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6:05 - 6:06E eu achava que ele não fosse lembrar.
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6:06 - 6:09Serviu o café e me entregou a caneca.
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6:09 - 6:12Minto, latinha de refrigerante resgatada da lixeira.
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6:12 - 6:15Derramou lá o café e entregou para mim.
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6:15 - 6:17Estava tão encardida, estava tão suja a latinha,
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6:17 - 6:19que se eu abrisse a mão ela não caia.
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6:19 - 6:22Bom, ficaram todos me observando.
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6:22 - 6:24Para ver afinal de contas, se o playboy,
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6:24 - 6:25se o jovem estudante rico,
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6:25 - 6:28iria ou não tomar café naquelas circunstâncias.
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6:28 - 6:31Alguma coisa me fez dizer que eu deveria tomar o café.
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6:31 - 6:33Porque senão, eu vou pedir licença poética,
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6:33 - 6:35acho que ninguém falou nenhum palavrão.
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6:35 - 6:38Mas a situação era basicamente o seguinte: Fudeu!
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6:38 - 6:40Fudeu! Ou você toma a porra do café, entendeu?
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6:40 - 6:43Ou não vai ter pesquisa aqui, meu amigo.
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6:43 - 6:44Ou a gente vai ficar fechado.
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6:44 - 6:47Ou você está com a gente, ou você não está.
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6:47 - 6:49Desculpa "Ou cê tá com nós ou cê não tá".
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6:49 - 6:50Entendeu?
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6:50 - 6:52Muito bem, daí eu tomei o café.
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6:52 - 6:54Na hora que eu tomei o café toda
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6:54 - 6:55aquela ansiedade evaporou.
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6:55 - 6:57Os antropólogos costumam chamar isso
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6:57 - 6:59de rito de passagem ou prova de ingresso.
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6:59 - 7:01Obviamente que eu não estava aceito
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7:01 - 7:03definitivamente no grupo, mas obviamente
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7:03 - 7:04que isso de alguma forma nos irmanou.
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7:04 - 7:07E a partir daquele instante eles começaram a me trazer
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7:07 - 7:09coisas que eles resgatavam das lixeiras
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7:09 - 7:12e me mostrar o que era a realidade deles, contar piada,
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7:12 - 7:15casos engraçados, falar a respeito dos apelidos
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7:15 - 7:18ou do desempenho sexual de cada um deles.
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7:18 - 7:22O trabalho foi interrompido e daí voltamos a varrer.
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7:22 - 7:23Mentira que nós voltamos a varrer
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7:23 - 7:26porque eu mal conseguia ficar com a vassoura em punho
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7:26 - 7:27e eles vinham assim:
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7:27 - 7:29"Você viu aqui, o jeito que a gente é tratado?"
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7:29 - 7:31"Você viu as vassouras que porcaria?"
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7:31 - 7:32"Fala lá que as vassouras aqui é assim"
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7:32 - 7:34"E o café, você viu que imundice o jeito
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7:34 - 7:35que a gente é tratado aqui?"
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7:35 - 7:37"O jeito que a gente toma café"?
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7:37 - 7:38"Fala lá que a gente é tratado desse jeito!"
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7:38 - 7:42E eu pensava, falar para quem?
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7:42 - 7:43Falar para quem?
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7:43 - 7:4619 anos de idade, não tenho costa quente, não sou
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7:46 - 7:48amigo do Aécio Neves, não sou amigo do presidente,
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7:48 - 7:50do governador. Eu não sou...
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7:50 - 7:51Eu vou falar para quem?
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7:51 - 7:53Não sou da família Sarney.
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7:53 - 7:55O que a gente faz nessa porra deste país
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7:55 - 7:57se a gente não é costa larga?
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7:57 - 7:58Fala para mim?
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7:58 - 8:00Como é que eu poderia imaginar que 20 anos depois
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8:00 - 8:03eu poderia estar falando para um público.
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8:03 - 8:06Não só aqui, mas também via internet,
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8:06 - 8:09eu espero que isso alcance outros lugares.
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8:09 - 8:10Porque me parece que este não é
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8:10 - 8:12um problema só brasileiro.
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8:12 - 8:14O problema de sujeitos dominados
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8:14 - 8:16acontece no mundo todo.
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8:16 - 8:19Aliás, porque existe nações que dominam outras nações
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8:19 - 8:20e isso não é novidade para ninguém.
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8:20 - 8:22O que estava por vir foi ainda mais surpreendente.
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8:22 - 8:23Porque eu tive que passar dentro
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8:23 - 8:25da faculdade de psicologia.
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8:25 - 8:28Com um uniforme vermelho, não era esse laranjão.
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8:28 - 8:31E eu pensava assim, bom, jogo futebol, ping-pong.
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8:31 - 8:33Conheço muita gente, tenho colegas de sala.
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8:33 - 8:35Vai ser interessante, o pessoal vai olhar para mim
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8:35 - 8:36e vai dizer assim:
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8:36 - 8:38"E ai, meu? O que você está fazendo com esta roupa?"
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8:38 - 8:40Eu entrei pelo andar térreo, passei pela biblioteca,
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8:40 - 8:42pelo Centro Acadêmico, pela lanchonete,
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8:42 - 8:45e ninguém me viu.
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8:45 - 8:47Daí, quando os meus colegas garis ficaram sabendo disso
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8:47 - 8:49e da minha expectativa, disseram assim:
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8:49 - 8:51"(Risos) Você é ridículo, você achou que fossem
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8:51 - 8:53te ver com este uniforme?"
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8:53 - 8:56"Você acha que a gente anda com este uniforme por ai?"
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8:56 - 8:59"Quem vai sentar do nosso lado no ônibus?"
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8:59 - 9:01"Quem é que vai conversar com a gente?"
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9:01 - 9:03"A gente serve, quando muito,
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9:03 - 9:05para dar alguma informação."
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9:05 - 9:07Então, eu estou aqui em nome destes caras.
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9:07 - 9:10Porque eu passei 10 anos lá.
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9:10 - 9:12Varrendo rua 2 vezes por semana.
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9:12 - 9:14Limpando latão de lixo, recolhendo animal morto.
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9:14 - 9:18E eu digo, depois de meia hora de trabalho no primeiro dia:
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9:18 - 9:21O trabalho de limpeza pública é imbecil.
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9:21 - 9:22E quando eu digo é que imbecil
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9:22 - 9:24é em respeito a estes sujeitos.
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9:24 - 9:26Como o Wagner que estava limpando o banheiro,
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9:26 - 9:28eu estava conversando com ele agora a pouco.
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9:28 - 9:30Extremamente inteligentes, um grande potencial criativo.
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9:30 - 9:32E que nós escravizamos.
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9:32 - 9:34Nós não chamamos isso de escravidão.
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9:34 - 9:37Chamamos isso de trabalho assalariado.
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9:37 - 9:38Mentira!
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9:38 - 9:39Mentira!
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9:39 - 9:43O trabalho assalariado é um mal e é um mal mundial.
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9:43 - 9:45Nenhuma relação humana é verdadeira a partir
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9:45 - 9:47do instante em que um manda no outro.
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9:47 - 9:50Agradeço a fala da Eloan e a fala da Pâmela,
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9:50 - 9:52Inclusive por conta disso.
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9:52 - 9:54A partir do instante em que estamos instalados
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9:54 - 9:56em situação assimétrica
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9:56 - 9:57não existe mais verdade.
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9:57 - 10:00E se estamos distantes da verdade
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10:00 - 10:04estamos também distantes da nossa humanidade.
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10:04 - 10:06Isso é um problema muitíssimo antigo.
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10:06 - 10:08Isso tem haver com o fato de que vivemos
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10:08 - 10:11em sociedades segregadas em classes sociais.
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10:11 - 10:13Coisa que o capitalismo não inventou.
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10:13 - 10:16Isso não é invenção do modo de produção capitalista.
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10:16 - 10:19Mas o capitalismo aprendeu de maneira perversa
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10:18 - 10:21a propagar essa desgraça.
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10:21 - 10:23E nós aprendemos de fato,
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10:23 - 10:24que devemos ter uma profissão.
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10:24 - 10:26Aprendemos de fato que devemos
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10:26 - 10:28ser chefes ou subalternos.
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10:28 - 10:31E que estes lugares simbólicos são imutáveis.
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10:31 - 10:32Isso é uma grande merda!
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10:32 - 10:34Isso é uma grande bobagem!
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10:34 - 10:35E a despeito de eu ter estudado muito
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10:35 - 10:37na maior universidade do país,
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10:37 - 10:39eu fui aprender isso com o Moisés,
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10:39 - 10:40com o Nilce.
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10:40 - 10:41Fui aprender com gente que dividiu
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10:41 - 10:42pão na hora do bandejão.
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10:42 - 10:43Que me dava laranja.
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10:43 - 10:46Não era com colega de sala de aula.
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10:46 - 10:47Ocupados em estudar,
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10:47 - 10:49em montar um consultório.
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10:49 - 10:51ou então em ter algum artiguinho publicado
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10:51 - 10:54em revista científica indexada.
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10:54 - 10:56Porque é isso que acadêmico faz.
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10:56 - 10:59Acadêmico hoje em dia não está interessado em ensino.
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10:59 - 11:00Não está interessado em troca.
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11:00 - 11:02Está interessado em publicar artigo, livro,
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11:02 - 11:05aparecer na mídia e tudo mais.
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11:05 - 11:06Isso é uma grande porcaria.
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11:06 - 11:09Então, o que eu queria dizer para vocês é o seguinte:
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11:09 - 11:14Fronteiras geopolíticas, isto é praticamente alguma coisa
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11:14 - 11:16que eu penso junto com o Ernesto (Che) Guevara,
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11:16 - 11:19são ilusórias.
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11:19 - 11:20Falo especialmente para os nossos
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11:20 - 11:22irmãos latinoamericanos.
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11:22 - 11:25Falo especialmente para os nossos irmãos africanos.
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11:25 - 11:27E o que nos irmana a estes sujeitos
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11:27 - 11:29é a dominação.
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11:29 - 11:31Somos um povo dominado.
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11:31 - 11:32Se eu pedir aqui que me digam uma cidade
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11:32 - 11:34dos Estados Unidos vocês vão me dizer 18.
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11:34 - 11:37Washington, Nova Iorque, Miami, Orlando e por ai vai.
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11:37 - 11:40Me digam por favor qual é a capital do Sudão.
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11:40 - 11:44País responsável por mandar para cá
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11:44 - 11:47grande parte da população negra que construiu
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11:47 - 11:48o Brasil.
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11:48 - 11:49Não sabemos, não sabemos nem o nome
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11:49 - 11:51da capital do Sudão.
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11:51 - 11:53Isso chama-se dominação.
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11:53 - 11:57A única forma de vencer a dominação é resistindo.
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11:57 - 11:58Não com bala, não com armas.
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11:58 - 12:01Porque aí a bomba dos estadounidenses,
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12:01 - 12:02a bomba da Europa Ocidental,
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12:02 - 12:04é muito maior que a nossa.
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12:04 - 12:07Aí a gente precisa pedir empréstimo a ideias
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12:07 - 12:09de John Lennon e Mahatma Gandhi.
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12:09 - 12:11Isto é, resistência.
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12:11 - 12:15A Volkswagem, a Fiat, todas estas indústrias farmacêuticas
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12:15 - 12:17não estão aqui para o nosso bem.
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12:17 - 12:18Não estão!
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12:18 - 12:20Ou vocês acham que eles estão aqui para
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12:20 - 12:21que a gente ande em carro confortável?
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12:21 - 12:23É óbvio que não !
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12:23 - 12:25Eles estão aqui porque recolhem divisas
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12:25 - 12:27e isso sustenta os seus iates.
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12:27 - 12:31Isso sustenta os seus sistemas de saúde que nós
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12:31 - 12:34ficamos babando como se fossem coisas maravilhosas.
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12:34 - 12:36Mas a riqueza deles é resultado da nossa pobreza.
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12:36 - 12:38Isso é óbvio!
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12:38 - 12:41A única forma de nós resistirmos a essa bagunça,
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12:41 - 12:44a essa porcaria toda, é resistência.
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12:44 - 12:45Isso só vai acontecer se a gente
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12:45 - 12:48retomar as nossas escolas.
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12:48 - 12:50E retomar a nossa educação.
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12:50 - 12:53Tudo que a gente faz é reproduzir modelos
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12:53 - 12:55que são ensinados de cima para baixo.
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12:55 - 12:58Eu aprendi por exemplo no ginásio coisas sobre
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12:58 - 13:02a independência dos EUA, a Guerra da Secessão
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13:02 - 13:03ou algo que o valha.
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13:03 - 13:04Que merda é essa?
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13:04 - 13:07Para que isso me serve aqui embaixo no Brasil?
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13:07 - 13:09Eu preciso aprender a história do nosso povo.
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13:09 - 13:10A história da África.
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13:10 - 13:13Preciso ouvir os derrotados,
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13:13 - 13:14não os vencedores.
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13:14 - 13:16Preciso ouvir o que os índios tem a dizer
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13:16 - 13:19a respeito do que os bandeirantes.
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13:19 - 13:23Eu vou dizer em inglês, que aí a Laísse não precisa sujar
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13:23 - 13:25a sua boca: "Motherfuckers".
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13:25 - 13:27Não é?
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13:27 - 13:28Que dizimaram um monte de índio e no estado
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13:28 - 13:30de São Paulo são homenageados.
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13:30 - 13:31É Rodovia Borba Gato.
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13:31 - 13:33É Palácio dos Bandeirantes.
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13:33 - 13:35Os primeiros grandes desmatadores do Brasil.
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13:35 - 13:37Mataram um monte de gente e a Igreja Católica
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13:37 - 13:40lavando as mãos como na época do Holocausto.
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13:40 - 13:43Ora, se negligência não fosse uma forma de violência,
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13:43 - 13:47omissão de socorro não era crime.
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13:47 - 13:47Não é verdade?
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13:47 - 13:50E o que nós vamos fazer diante disso?
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13:50 - 13:53Nós precisamos, obviamente, retomar o controle
-
13:53 - 13:54do nosso solo.
-
13:54 - 13:57Precisamos estatizar e expulsar
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13:57 - 13:59estas empresas transnacionais.
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13:59 - 14:02Porque ou funciona do nosso jeito ou fora daqui.
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14:02 - 14:04Porque estão aqui a explorar o nosso povo.
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14:04 - 14:07Porque estão aqui a explorar a nossa alma.
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14:07 - 14:10E a gente tem sangue nas veias.
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14:10 - 14:12A gente tem corpo, a gente tem alma.
-
14:12 - 14:15Somos seres humanos, temos sentimentos e pensamentos.
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14:15 - 14:18E somos capazes de mudar esta realidade.
-
14:18 - 14:21Só conseguiremos mudar resistindo.
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14:21 - 14:24E a resistência virá através de mente aberta.
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14:24 - 14:26Através de estudos profundos para entender que quando
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14:26 - 14:28o William Bonner fala na televisão:
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14:28 - 14:30"A China Comunista."
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14:30 - 14:31Comunismo, uma merda!
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14:31 - 14:33A China não é comunista.
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14:33 - 14:34Cuba não é comunista.
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14:34 - 14:36A União Soviética não era comunista.
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14:36 - 14:38Quem leu 3 linhas de Marx sabe
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14:38 - 14:41que o comunismo não previa um sujeito sentado
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14:41 - 14:43com a bunda no poder há 50 anos.
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14:43 - 14:45O que existe lá é capitalismo de estado.
-
14:45 - 14:48Porque o Sr. William Bonner na televisão não diz:
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14:48 - 14:49"Os Estados Unidos capitalista."
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14:49 - 14:52Quando é para falar merda de país é sempre assim:
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14:52 - 14:54"A Coréia do Norte comunista..."
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14:54 - 14:55Nós precisamos do comunismo.
-
14:55 - 14:58Mas precisamos estudar o comunismo.
-
14:58 - 15:00O comunismo não quer dizer que nós vamos ter que ter
-
15:00 - 15:01três pessoas dormindo no nosso quarto,
-
15:01 - 15:04debaixo da nossa cama ou coisa que o valha.
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15:04 - 15:05Quer dizer que todos nós somos responsáveis
-
15:05 - 15:07por produzir riqueza.
-
15:07 - 15:08Todos nós!
-
15:08 - 15:10Só que esta riqueza é apropriada por alguns.
-
15:10 - 15:12Esse é o problema.
-
15:12 - 15:13E isso é injusto.
-
15:13 - 15:17Enquanto nós não modificarmos o modo de produção,
-
15:17 - 15:20continuaremos produzindo sujeitos invisíveis.
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15:20 - 15:23Sujeito humilhados, que enquanto estamos aqui
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15:23 - 15:24pensando que vamos mudar o mundo.
-
15:24 - 15:27Estão lá, assando pão de queijo para a gente,
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15:27 - 15:29lavando os copos que nós sujamos.
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15:29 - 15:31Isso é indigno.
-
15:31 - 15:32Isso é muito indigno!
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15:32 - 15:33Isso é mais do que indigno.
-
15:33 - 15:37De que adianta nós discutirmos aqui ideias e a revolução?
-
15:37 - 15:39Se continuamos mantendo pessoas
-
15:39 - 15:41humilhadas e invisíveis?
-
15:41 - 15:42Por isso que eu digo:
-
15:42 - 15:45Se a revolução não partir da América Latina.
-
15:45 - 15:48Se não partir da África como resistência,
-
15:48 - 15:50como pensou o Gandhi.
-
15:50 - 15:51A gente não vai conseguir nada.
-
15:51 - 15:54Nós somos donos do nosso solo.
-
15:54 - 15:56Nós somos donos do nosso território.
-
15:56 - 16:00E nós somos donos da nossa força de trabalho.
-
16:00 - 16:03Eu penso isso, inclusive, com relação a qualquer esfera.
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16:03 - 16:06Qualquer esfera de trabalho.
-
16:06 - 16:09Isso não serve só para coisas intelectuais.
-
16:09 - 16:12Isso serve também para a nossa mão de obra
-
16:12 - 16:14explorada por estas fabriquetas que vem
-
16:14 - 16:15ganhar dinheiro aqui.
-
16:15 - 16:20Ou vocês acham que o dinheiro todo que os países ricos
-
16:20 - 16:23ostentam vem da onde?
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16:23 - 16:26Antes nos roubavam pedras preciosas.
-
16:26 - 16:30As nossas preciosidades agora são as nossas mentes.
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16:30 - 16:33São os nossos corpos.
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16:33 - 16:35Eu tenho quase 2 minutos ainda.
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16:37 - 16:39Eu estou muito feliz por isso.
-
16:39 - 16:41Eu não sou cantor mas eu vou dizer uma coisa.
-
16:41 - 16:44Como eu sou subversivo eu vou sair daqui de novo.
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16:44 - 16:46A gente precisa aprender a mudar de lugar.
-
16:46 - 16:47A gente precisa aprender a ser subversivo
-
16:47 - 16:49para pensar coisa diferente.
-
16:49 - 16:50Porque senão, repito, enquanto a gente acha que está
-
16:50 - 16:53fazendo a revolução, o Wagner está limpando o banheiro
-
16:53 - 16:54que a gente suja.
-
16:54 - 16:56E isso é indigno.
-
16:56 - 16:59"Uma negra e uma criança nos braços.
-
16:59 - 17:01Solitária na floresta de concreto e aço.
-
17:01 - 17:04Veja, olha outra vez um rosto na multidão.
-
17:04 - 17:06A multidão é um monstro sem rosto e coração.
-
17:06 - 17:09Hey, São Paulo, terra de arranha-céu.
-
17:09 - 17:12A garoa rasga cara é a torre de babel.
-
17:12 - 17:14Família brasileira, dois contra o mundo.
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17:14 - 17:17Mãe solteira de um promissor vagabundo.
-
17:17 - 17:19Luz, câmera e ação gravando a cena vai.
-
17:19 - 17:20Um bastardo?
-
17:20 - 17:22Mais um filho pardo sem pai.
-
17:22 - 17:24Hey, senhor de engenho eu sei.
-
17:24 - 17:25Vem. Quem é você sozinho?
-
17:25 - 17:26Cê num guenta.
-
17:26 - 17:27Sozinho cê num guenta.
-
17:27 - 17:29Cê disse que era bom e a favela ouviu
-
17:29 - 17:30Lá tem Whisky e Red Bull.
-
17:30 - 17:32Tênis Nike e fuzil.
-
17:32 - 17:34Admito, seus carro é bonito, é,
-
17:34 - 17:37E eu não sei fazer, internet, video cassete e os carro louco.
-
17:37 - 17:38Atrasado eu tô um pouco, sim.
-
17:38 - 17:42Eu acho, só que o seu jogo é sujo e eu não me encaixo.
-
17:42 - 17:44Eu sou problema de um montão, de carnaval a carnaval.
-
17:44 - 17:45Vim da selva, sou leão.
-
17:45 - 17:47Sou demais pro meu quintal.
-
17:47 - 17:48Pro seu quintal, perdão.
-
17:48 - 17:50Problema com escola eu tenho mil.
-
17:50 - 17:53Mil fita, inacreditável mas seu filho me imita.
-
17:53 - 17:56No meio de vocês ele é o mais esperto.
-
17:56 - 17:58Ginga e fala a gíria, gíria não, dialeto.
-
17:58 - 18:01Esse não é mais seu, oh, subiu.
-
18:01 - 18:03Entrei pelo seu rádio, tomei, ninguém viu.
-
18:03 - 18:04Mas é isso ou aquilo.
-
18:04 - 18:06O que? Cê não dizia?
-
18:06 - 18:08Seu filho quer ser negro. Rá! Que ironia!
-
18:08 - 18:11Cola o poster do 2Pac aí que dá o que cê diz.
-
18:11 - 18:13Sente o negro drama vai, tenta ser feliz.
-
18:13 - 18:16Hey bacana, quem te fez tão bom assim?!
-
18:16 - 18:18O que você deu? O que cê faz? O que cê fez por mim?
-
18:18 - 18:21Eu recebi seu tique, é esgoto a céu aberto
-
18:21 - 18:22e parede madeirite.
-
18:22 - 18:24De vergonha eu não morri.
-
18:24 - 18:25Tô firmão, eis me aqui. Você não!
-
18:25 - 18:27Você não passa quando o mar vermelho abrir.
-
18:27 - 18:30Eu sou um mano, homem duro, do gueto.
-
18:30 - 18:34Brown, oba. Aquele louco que não pode errar.
-
18:34 - 18:37Aquele que você odeia amar neste instante.
-
18:37 - 18:40Pele parda, ouço funk.
-
18:40 - 18:41De onde vem os diamantes?
-
18:41 - 18:43Da lama.
-
18:43 - 18:44Obrigado!
-
18:44 - 18:46(Aplausos)
- Title:
- Invisibilidade Pública: Fernando Braga no TEDxBeloHorizonte
- Description:
-
Uma vez por semana, Fernando Braga coloca um uniforme e varre as ruas. Sua rotina começou há 10 anos, como uma atribuição para uma aula de psicologia, na Universidade de São Paulo, que sugeriu que os alunos trabalhassem por um dia em uma profissão de classe mais baixa. Este foi o ponto de partida para sua tese sobre a "invisibilidade pública" que tornou-se um livro: "Homens invisíveis: Testemunhos de humilhação social".
- Video Language:
- Portuguese, Brazilian
- Team:
closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 18:50
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