O dia em que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia
-
0:24 - 0:26Obrigada.
-
0:32 - 0:39A minha paixão pela Amazónia começou
por causa deste bichinho aqui. -
0:40 - 0:42O golfinho cor-de-rosa,
o golfinho vermelho. -
0:42 - 0:46Diz a lenda que os golfinhos
seduzem as mulheres. -
0:46 - 0:49Acho que essa lenda também tem
um pouquinho de verdade. -
0:50 - 0:54Mudei-me em abril de 2009,
-
0:54 - 0:58da grande cidade
para o coração da Amazónia. -
1:00 - 1:04Naquele pontinho branco,
ali na bifurcação. -
1:04 - 1:08Esta foi a casa onde morei
durante nove meses. -
1:08 - 1:11Era uma casa flutuante,
como este auditório, -
1:11 - 1:13numa escala menor, lógico.
-
1:14 - 1:16Eu estava a viver o meu sonho.
-
1:16 - 1:19Esta era a vista
que eu tinha do meu quarto. -
1:19 - 1:22Todas as manhãs,
eu acordava com esta vista. -
1:23 - 1:25O único trânsito que havia
-
1:25 - 1:29era esperar que um bando de mergulhões
passasse em frente do barco. -
1:30 - 1:33Quando estava na Amazónia,
aprendi a conduzir um barco. -
1:33 - 1:35- eu não sabia conduzir
um carro em São Paulo - -
1:36 - 1:39Aprendi a amanhar peixe,
-
1:39 - 1:43aprendi a remar, a segurar
no remo como devia ser. -
1:44 - 1:47Aprendi a dormir numa rede,
sem ficar com dores nas costas. -
1:48 - 1:50Aprendi a tirar fotos.
-
1:51 - 1:53Aprendi a subir às árvores.
-
1:53 - 1:55Estava a viver o sonho da minha vida.
-
1:55 - 1:58Estava a viver tudo o que queria.
-
1:59 - 2:02Mas a vida traz dificuldades.
-
2:03 - 2:06Foi num dia em que eu estava
a amanhar peixe, -
2:07 - 2:09a preparar o almoço.
-
2:09 - 2:12Estava a amanhar peixe
no exterior da minha casa, -
2:12 - 2:15quando um jacaré me atacou.
-
2:15 - 2:19Eu estava na parte de fora da casa.
O jacaré veio por trás. -
2:19 - 2:22Estava sentada no chão
-
2:22 - 2:26e o jacaré veio por trás,
saltou mais de um metro, -
2:26 - 2:30abocanhou a minha perna
e levou-me para debaixo de água, -
2:32 - 2:34mais ou menos uns três metros
-
2:34 - 2:37- não tenho muita noção, mas acho
que foram mais ou menos uns 3 metros. -
2:38 - 2:40Ele começou a andar comigo à roda.
-
2:40 - 2:42Não sei se vocês já viram
um jacaré a atacar uma presa. -
2:42 - 2:45Eles agarram na presa
e começam a girar, a girar, a girar, -
2:46 - 2:48até rebentarem o pedaço
da presa que querem. -
2:48 - 2:51Foi isso o que ele fez comigo.
Lembro-me de estar a girar, -
2:51 - 2:54parecia-me estar
dentro de um liquidificador. -
2:54 - 2:57Foi aí que me ocorreu:
-
2:58 - 3:00"Qual será a parte
mais sensível do jacaré?" -
3:01 - 3:04Lembro-me de colocar
a minha mão assim, atrás, -
3:04 - 3:07e sentir dois buracos na cabeça do jacaré.
-
3:07 - 3:11Acho que, possivelmente,
eram os olhos ou o nariz, não sei. -
3:11 - 3:13Mas lembro-me de colocar os meus dedos
assim, com força. -
3:13 - 3:16Apertei com tanta força
que até parti uma unha. -
3:16 - 3:18(Risos)
-
3:18 - 3:20Foi aí que o jacaré me soltou.
-
3:21 - 3:26Consegui subir para a superfície de novo
e consegui respirar. -
3:27 - 3:31Tentei voltar a subir para casa,
-
3:31 - 3:34pelo mesmo lugar em que ele me puxara,
-
3:34 - 3:38mas estava sem uma perna
-
3:38 - 3:40- percebi que já estava sem uma perna -
-
3:40 - 3:43e não tinha força no braço para me erguer.
-
3:43 - 3:45Fui nadando até à parte da frente da casa,
-
3:45 - 3:49que tinha uma rampa
onde a gente estaciona os barcos -
3:49 - 3:51e subi por aí.
-
3:51 - 3:55Fiquei nessa rampa algum tempo,
a gritar por ajuda, -
3:55 - 3:58porque tinha visto um pescador
a passar por lá de manhã -
3:58 - 4:00e achei que ele ainda estaria por perto.
-
4:00 - 4:03Ao fim de algum tempo, pensei:
-
4:04 - 4:07"Meu Deus!" A água estava
toda vermelha de sangue -
4:07 - 4:10e a hipótese de atrair mais jacarés
era muito grande. -
4:10 - 4:13Eu queria sair de perto da água
o mais rápido possível. -
4:15 - 4:19Foi aí que me lembrei que temos
um rádio lá em casa -
4:19 - 4:22que está ligado a todas as reservas
onde eu estava a morar. -
4:23 - 4:25Acho que essa foi a parte mais difícil,
-
4:26 - 4:28subir a rampa só com uma perna.
-
4:29 - 4:32Pulei, rebolei, arrastei-me.
-
4:32 - 4:34Se, de repente, ficamos sem uma perna,
-
4:34 - 4:36perdemos totalmente o equilíbrio.
-
4:36 - 4:40Mas, eu consegui entrar em casa,
liguei o rádio, pedi ajuda. -
4:41 - 4:43Cerca de 10 minutos depois,
-
4:44 - 4:48chegaram uns guias turísticos
duma pousada ali perto. -
4:49 - 4:51Fizeram um torniquete
na minha perna, tudo isso... -
4:51 - 4:53Mas já tinham passado 10 minutos.
-
4:54 - 4:57Não sei se sabem, mas temos
uma artéria muito grossa aqui, -
4:57 - 4:58que se chama artéria femoral.
-
4:58 - 5:02Dizem que, se levarmos
um tiro nessa artéria, -
5:02 - 5:06morremos em questão de minutos.
Quatro a cinco minutos, e estamos mortos. -
5:07 - 5:10Milagrosamente,
eu estava viva e estava consciente. -
5:13 - 5:18Os médicos dizem que pode ser
que, quando o jacaré estava a atacar-me, -
5:18 - 5:22tivesse torcido a minha perna e acabasse
por torcer também a artéria femoral. -
5:22 - 5:26Outros médicos dizem que, quando
uma artéria grande como aquela rebenta, -
5:26 - 5:30a artéria contrai
e faz um torniquete natural. -
5:30 - 5:35De qualquer forma,
colocaram-me numa "voadeira", -
5:35 - 5:37que é um barquinho pequeno.
-
5:39 - 5:40Levaram-me para o hospital
-
5:40 - 5:45e, a meio do caminho, mudaram-me
para um barco maior e mais rápido. -
5:45 - 5:47Foi aí que comecei a sentir muitas dores,
-
5:47 - 5:50porque, até então,
não tinha sentido nada. -
5:50 - 5:52Graças a Deus que existe a adrenalina.
-
5:52 - 5:56Fiquei no hospital em Tefé,
que é uma cidade a 600 km de Manaus. -
5:57 - 5:58Fiquei lá durante 10 dias,
-
5:58 - 6:02onde tive que fazer
uma cirurgia de emergência. -
6:03 - 6:07Depois de estabilizada, fui transferida
para São Paulo, de avião. -
6:08 - 6:10Fiquei mais cinco dias no hospital.
-
6:11 - 6:18Depois de seis meses de reabilitação
e de fisioterapia intensa, todos os dias, -
6:18 - 6:20ainda sentia muitas dores
-
6:20 - 6:25e tive que me submeter
a outra cirurgia, de correção, -
6:25 - 6:28para tirar as dores que estava a sentir.
-
6:30 - 6:32Para mim, essa foi a parte mais difícil.
-
6:32 - 6:35Mais difícil do que lutar com o jacaré,
-
6:35 - 6:40mais difícil do que suportar a dor,
era ter que começar de novo. -
6:44 - 6:47Eu vivia na imensidão do Amazonas,
-
6:47 - 6:50independente, a viver o meu sonho
-
6:50 - 6:53e, de repente, de uma hora para a outra,
-
6:53 - 6:56estava presa num quarto em São Paulo,
-
6:56 - 7:00num hospital, dependente
de toda a gente para fazer tudo. -
7:02 - 7:06Essa foi uma parte muito difícil para mim.
-
7:06 - 7:08Mas é por isso que eu estou aqui!
-
7:08 - 7:11Estou aqui para vos falar,
não só do ataque, -
7:11 - 7:13que é uma história incrível,
-
7:13 - 7:16mas estou aqui para falar
da superação que estou a viver -
7:16 - 7:18e que ainda estou a superar.
-
7:19 - 7:23Confesso que mudar assim de vida,
de repente, de uma hora para a outra, -
7:23 - 7:25não é uma coisa fácil.
-
7:28 - 7:30Não conseguia fazer as coisas
como fazia antigamente, -
7:30 - 7:33como, por exemplo,
subir uma escada sem ajuda. -
7:33 - 7:35É uma coisa difícil.
-
7:35 - 7:39Não vou mentir dizendo que,
às vezes, não fico triste ou chateada. -
7:39 - 7:42Mas não estou aqui para vocês
sentirem dó ou pena de mim. -
7:42 - 7:46Acho que, muitas vezes,
as pessoas não sabem bem como reagir -
7:46 - 7:49com um deficiente físico
ou um deficiente mental, -
7:49 - 7:53mas não queria que vocês
sentissem dó ou pena de mim. -
7:53 - 7:58Uma vez, eu estava na academia,
e uma mulher veio ter comigo. -
7:58 - 7:59Eu estava a andar de muletas.
-
7:59 - 8:01A mulher veio ter comigo e disse:
-
8:02 - 8:05"Ai, coitadinha, o que aconteceu?
Torceu o pé?" -
8:05 - 8:07Levantei-me assim e disse:
-
8:07 - 8:11"Não, é que eu sou amputada
e ainda estou a aprender a andar". -
8:11 - 8:17E ela: "Ai! Que pena! Tão novinha!
Coitadinha! Acabou-se o seu futuro, não?" -
8:17 - 8:18(Risos)
-
8:18 - 8:21E eu disse: "Olhe, minha senhora,
desculpe-me, -
8:21 - 8:25"mas eu estou ótima, estou animadíssima
quanto ao meu futuro. -
8:26 - 8:28"E a senhora? Como é que a senhora está?"
-
8:29 - 8:30(Risos)
-
8:30 - 8:32Mas, já as crianças...
-
8:32 - 8:35(Aplausos)
-
8:37 - 8:39Agora vou contar outra coisa.
-
8:39 - 8:43Já as crianças — eu adoro crianças
porque elas são super espontâneas — -
8:43 - 8:44Eu estava no Rio de Janeiro,
-
8:44 - 8:47estava de "shorts",
numa feira de artesanato. -
8:48 - 8:50Apareceu um miúdo e disse:
-
8:50 - 8:53"Ena! Que fixe! Tens perna de robô!"
-
8:53 - 8:56E foi a correr contar
aos amiguinhos dele, -
8:56 - 8:58para lhes mostrar.
-
8:58 - 8:59Acho que é assim:
-
8:59 - 9:02não é uma perna que nos define,
-
9:02 - 9:05não são os problemas
que enfrentamos hoje -
9:05 - 9:07que fazem o que somos hoje.
-
9:07 - 9:10É como lidamos com esses problemas.
-
9:11 - 9:15Hoje, literalmente,
cada passo para mim é uma conquista. -
9:16 - 9:20Primeiro, levantar-me da cama para
ir à casa de banho era um desafio. -
9:20 - 9:24Depois, andar de muletas
era outro desafio. -
9:24 - 9:27Agora, andar com a prótese
está a ser um desafio para mim. -
9:27 - 9:32Mas ultrapassar estes obstáculos
é o que me motiva a continuar. -
9:34 - 9:38Depois do ataque,
aprendi a conduzir um carro, -
9:39 - 9:42aprendi a nadar só com uma perna.
-
9:43 - 9:46Há uma coisa muito gira
que vos quero mostrar. -
9:46 - 9:50É que tenho uma mesa portátil,
para onde quer que vá. -
9:50 - 9:52(Risos)
-
9:52 - 9:55(Aplausos)
-
9:59 - 10:02Um dos meus maiores desejos,
-
10:02 - 10:05desde que estive no hospital, em Tefé,
-
10:05 - 10:09era voltar para a Amazónia,
que é a minha grande paixão. -
10:10 - 10:12Lembro-me de dizer aos meus pais:
-
10:13 - 10:15"Olhem, ainda quero voltar".
-
10:15 - 10:17Toda a gente achava que eu estava louca.
-
10:17 - 10:20Mas posso contar-vos,
em primeira mão agora, -
10:20 - 10:22que depois de amanhã, depois do TED,
-
10:22 - 10:24estarei de volta à reserva,
-
10:24 - 10:27estarei de volta
ao meu projeto com os golfinhos -
10:27 - 10:29e estarei de volta ao meu sonho.
-
10:29 - 10:30(Aplausos)
-
10:30 - 10:35Só para terminar,
- como li num blogue uma vez - -
10:36 - 10:38"Viver não é esperar
que as tempestades passem, -
10:38 - 10:40"mas aprender a dançar à chuva".
-
10:41 - 10:42Obrigada.
-
10:42 - 10:45(Aplausos)
- Title:
- O dia em que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia
- Description:
-
A bióloga Deise Nishimura estava a estudar golfinhos na reserva amazónica de Mamirauá, onde há 90 jacarés por cada ser humano. Na noite do ano novo de 2010, enquanto amanhava um peixe na sua casa flutuante, um enorme jacaré surpreendeu-a e arrastou-a para a água. Deise lutou pela sua vida e ganhou. Perdeu uma perna, mas conseguiu voltar a subir, chegar ao rádio e pedir ajuda. Está ansiosa por voltar à Amazónia e continuar a sua pesquisa.
Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx
- Video Language:
- Portuguese, Brazilian
- Team:
closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 10:54
![]() |
Margarida Ferreira approved Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia | |
![]() |
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia | |
![]() |
Mafalda Ferreira accepted Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia | |
![]() |
Mafalda Ferreira edited Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia | |
![]() |
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia | |
![]() |
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia | |
![]() |
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia | |
![]() |
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for O dia que lutei com um jacaré | Deise Nishimura | TEDxAmazonia |