< Return to Video

Encontrar a história dentro da pintura

  • 0:01 - 0:05
    Vou falar-vos de uma aflição
    de que eu padeço.
  • 0:05 - 0:08
    E tenho o pressentimento
    de que alguns de vocês
  • 0:08 - 0:09
    também padecem do mesmo.
  • 0:10 - 0:12
    Quando visito galerias de arte,
  • 0:12 - 0:14
    salas e salas cheias de pinturas,
  • 0:14 - 0:17
    ao fim de 15 ou 20 minutos,
  • 0:18 - 0:20
    apercebo-me de que não estou
    a pensar nas pinturas.
  • 0:20 - 0:22
    Não estou a criar ligação com elas.
  • 0:22 - 0:24
    Em vez disso, estou a pensar
    naquela chávena de café
  • 0:24 - 0:27
    de que preciso desesperadamente
    para acordar.
  • 0:27 - 0:30
    Estou a sofrer de fadiga de galeria.
  • 0:30 - 0:33
    Quantos de vocês sofrem de...
  • 0:33 - 0:34
    sim. Ha ha, ha ha!
  • 0:35 - 0:37
    Por vezes poderão aguentar
  • 0:37 - 0:39
    mais de 20 minutos, ou até menos,
  • 0:39 - 0:41
    mas acredito que todos sofremos disto.
  • 0:41 - 0:44
    E vocês têm o sentimento de culpa
    a acompanhar?
  • 0:44 - 0:47
    Para mim, olho para as pinturas
    na parede e penso:
  • 0:47 - 0:49
    "Alguém decidiu pô-las aqui,
  • 0:49 - 0:52
    "alguém as considerou boas
    o suficiente para estarem na parede",
  • 0:52 - 0:53
    mas eu nem sempre vejo isso.
  • 0:53 - 0:56
    Na verdade, a maioria das vezes
    não vejo isso.
  • 0:56 - 0:59
    E saio a sentir-me
    verdadeiramente infeliz.
  • 1:00 - 1:03
    Sinto-me culpada e triste comigo mesma,
  • 1:03 - 1:05
    em vez de pensar que há
    algo de errado com o quadro,
  • 1:05 - 1:07
    penso que há algo de errado comigo.
  • 1:07 - 1:10
    Não é uma boa experiência,
    sair assim de uma galeria.
  • 1:10 - 1:11
    (Risos)
  • 1:11 - 1:13
    Acho que não devíamos
    ser tão duros com nós próprios.
  • 1:13 - 1:16
    Se pensamos em ir a um restaurante,
  • 1:16 - 1:18
    quando olhamos para a ementa,
  • 1:18 - 1:21
    estão à espera que a gente peça
    tudo o que está na ementa?
  • 1:22 - 1:23
    Não! Escolhemos.
  • 1:23 - 1:27
    Se formos a um armazém
    para comprar uma camisa,
  • 1:27 - 1:29
    vamos experimentar todas as camisas
  • 1:29 - 1:31
    e vamos querer todas as camisas?
  • 1:31 - 1:34
    Claro que não, podemos ser seletivos.
    É o expectável.
  • 1:35 - 1:38
    Então como é que não é tão expectável
  • 1:38 - 1:40
    sermos seletivos quando vamos
    a uma galeria de arte?
  • 1:40 - 1:44
    Porque é que é suposto estabelecermos
    uma ligação com cada pintura?
  • 1:44 - 1:46
    Eu estou a tentar fazer
    uma abordagem diferente.
  • 1:46 - 1:48
    Há duas coisas que eu faço:
  • 1:48 - 1:52
    Quando entro numa galeria,
    primeiro, dou uma volta rápida
  • 1:53 - 1:56
    vejo tudo, identifico aqueles
  • 1:56 - 1:59
    que me fazem abrandar por algum motivo.
  • 1:59 - 2:02
    Nem sei porque me fazem abrandar,
  • 2:02 - 2:04
    mas algo me puxa como um íman
  • 2:04 - 2:07
    e aí ignoro todas as outras
    e vou ter apenas com essa pintura.
  • 2:07 - 2:10
    A primeira coisa que faço
    é a minha própria curadoria.
  • 2:10 - 2:13
    Escolho uma pintura.
    Pode ser apenas um quadro em 50.
  • 2:14 - 2:17
    A segunda coisa que faço é:
    ponho-me em frente dessa pintura,
  • 2:17 - 2:20
    e conto a mim própria
    uma história sobre a mesma.
  • 2:20 - 2:24
    Porquê uma história?
    Eu acredito que estamos ligados,
  • 2:24 - 2:27
    o nosso ADN diz-nos
    para contarmos histórias.
  • 2:27 - 2:30
    Nós contamos histórias
    a toda a hora sobre tudo
  • 2:30 - 2:35
    e eu acho que o fazemos porque o mundo
    é um lugar algo louco e caótico.
  • 2:35 - 2:39
    Por vezes as histórias, nós tentamos
    dar algum sentido ao mundo,
  • 2:39 - 2:41
    tentamos trazer alguma ordem ao mundo.
  • 2:41 - 2:45
    Porque não aplicar isso
    à forma como vemos pinturas?
  • 2:45 - 2:49
    Então agora tenho uma espécie
    de ementa de restaurante
  • 2:49 - 2:52
    para quando visito galerias de arte.
  • 2:53 - 2:55
    Há três quadros que vos vou mostrar
  • 2:55 - 2:58
    que são pinturas que me fizeram
    parar completamente
  • 2:58 - 3:00
    e querer contar histórias sobre elas.
  • 3:01 - 3:04
    A primeira não requer grande apresentação...
  • 3:05 - 3:08
    "Rapariga com Brinco de Pérola"
    de Johannes Vermeer,
  • 3:08 - 3:10
    pintor holandês do século XVII.
  • 3:10 - 3:12
    Esta é a pintura mais gloriosa.
  • 3:12 - 3:14
    Vi-a pela primeira vez aos 19 anos,
  • 3:14 - 3:17
    e fui imediatamente comprar
    um póster desta pintura.
  • 3:17 - 3:21
    Ainda tenho esse póster, 30 anos depois,
    pendurado na minha casa.
  • 3:21 - 3:24
    Tem-me acompanhado
    para onde quer que vá.
  • 3:24 - 3:26
    Nunca me canso de olhar para ela.
  • 3:26 - 3:30
    O que me fez parar para a observar,
    em primeiro lugar,
  • 3:30 - 3:32
    foram as cores maravilhosas que ele usa
  • 3:32 - 3:34
    e a luz que lhe ilumina o rosto.
  • 3:35 - 3:37
    Mas acho que o que me faz voltar sempre,
  • 3:37 - 3:40
    ano após ano, é outra coisa,
  • 3:40 - 3:44
    é o olhar dela, o olhar em conflito
    no rosto dela.
  • 3:44 - 3:47
    Não consigo dizer se está feliz ou triste,
  • 3:47 - 3:49
    e mudo constantemente de ideias.
  • 3:49 - 3:53
    Isso faz-me voltar continuamente.
  • 3:53 - 3:57
    Certo dia, já tinha este póster
    numa parede há 16 anos,
  • 3:57 - 3:59
    deitei-me na cama e olhei para ela.
  • 4:00 - 4:01
    De repente pensei:
  • 4:01 - 4:06
    "O que será que o pintor lhe fez
    para ela ter este olhar?"
  • 4:06 - 4:09
    Foi a primeira vez que me ocorreu
  • 4:09 - 4:12
    que a expressão no rosto dela
    na realidade refletia
  • 4:12 - 4:14
    o que ela sentia por ele.
  • 4:14 - 4:18
    Dantes, eu pensava sempre nesta pintura
    enquanto retrato de uma rapariga.
  • 4:18 - 4:22
    Agora começava a pensar nela
    enquanto retrato de uma relação.
  • 4:22 - 4:25
    Então pensei:
    "Bem, que relação é essa?"
  • 4:25 - 4:28
    Então parti à descoberta,
    pesquisei e descobri
  • 4:28 - 4:30
    que não temos qualquer ideia
    de quem ela seja.
  • 4:30 - 4:33
    Na realidade, desconhecemos
    a identidade de todos os modelos
  • 4:33 - 4:35
    em todos os quadros de Vermeer
  • 4:35 - 4:38
    e sabemos muito pouco sobre
    o próprio Vermeer.
  • 4:38 - 4:40
    A minha reação foi:
    "Iupi!"
  • 4:40 - 4:44
    "Posso fazer o que quiser,
    posso inventar a história que quiser".
  • 4:45 - 4:47
    A história surgiu-me da seguinte forma:
  • 4:47 - 4:49
    "Primeiro," pensei,
  • 4:49 - 4:51
    "tenho que a pôr dentro da casa."
  • 4:51 - 4:54
    "Como é que Vermeer a conhece?"
  • 4:54 - 4:55
    Bem, tem havido sugestões
  • 4:55 - 4:58
    de que ela é a sua filha de 12 anos.
  • 4:59 - 5:02
    A filha tinha 12 anos na altura
    em que ele pintou este quadro.
  • 5:02 - 5:04
    Eu pensei: "Não, é um olhar muito íntimo
  • 5:04 - 5:07
    "mas não é um olhar que
    uma filha lance ao seu pai."
  • 5:07 - 5:09
    Antes de mais,
    na pintura holandesa da época,
  • 5:09 - 5:12
    a boca aberta de uma mulher
    era sinal de disponibilidade sexual.
  • 5:12 - 5:16
    Teria sido inapropriado Vermeer
    pintar a sua filha desta forma.
  • 5:16 - 5:18
    Então não é a filha,
    mas é uma pessoa próxima,
  • 5:18 - 5:20
    fisicamente próxima dele.
  • 5:20 - 5:22
    Bem, quem mais estaria na casa?
  • 5:22 - 5:25
    Uma criada, uma adorável criada.
  • 5:25 - 5:27
    Então, ela está dentro de casa.
  • 5:27 - 5:30
    Como é que a colocamos no estúdio?
  • 5:30 - 5:32
    Não sabemos muito sobre Vermeer
  • 5:32 - 5:34
    mas do pouco que sabemos,
    temos conhecimento
  • 5:34 - 5:37
    que ele casou com uma mulher católica
    e que viviam com a mãe dela
  • 5:37 - 5:41
    numa casa onde ele tinha
    uma divisão própria... o seu estúdio.
  • 5:41 - 5:44
    Ele também tinha 11 filhos.
  • 5:44 - 5:47
    Seria um lar caótico e barulhento.
  • 5:47 - 5:50
    Se vocês já viram quadros de Vermeer
  • 5:50 - 5:53
    sabem que são incrivelmente
    calmos e sossegados.
  • 5:53 - 5:56
    Como é que um pintor pinta quadros
    tão calmos e sossegados
  • 5:56 - 5:58
    com 11 crianças à volta?
  • 5:58 - 6:00
    Bem, ele compartimenta a sua vida.
  • 6:00 - 6:04
    Ele entra no seu estúdio e diz:
    - "Ninguém entra aqui.
  • 6:04 - 6:08
    "Nem a mulher, nem os filhos.
    Ok, a criada pode entrar e limpar."
  • 6:09 - 6:15
    Ela está no estúdio.
    Ele tem-na no estúdio. Eles estão juntos.
  • 6:15 - 6:17
    E ele decide pintá-la.
  • 6:17 - 6:19
    Ela usa roupas muito modestas.
  • 6:19 - 6:22
    Todas as mulheres,
    ou a maioria das mulheres
  • 6:22 - 6:24
    nos restantes quadros de Vermeer
  • 6:24 - 6:28
    usavam veludo, seda, pele,
    materiais muito luxuosos.
  • 6:29 - 6:30
    Este é muito modesto.
  • 6:30 - 6:33
    A única coisa que não é modesta
    é o seu brinco de pérola.
  • 6:34 - 6:37
    Agora, se ela é a criada,
    jamais teria posses
  • 6:37 - 6:39
    para uns brincos de pérolas.
  • 6:39 - 6:42
    Então aqueles brincos de pérolas
    não são dela. De quem são?
  • 6:43 - 6:47
    Temos conhecimento de que há uma
    lista das roupas de Catharina, a esposa.
  • 6:47 - 6:51
    Entre elas está um casaco amarelo
    com pelo branco,
  • 6:51 - 6:53
    um corpete amarelo e preto,
  • 6:53 - 6:56
    e nós vemos estas roupas
    em várias outras pinturas,
  • 6:56 - 6:59
    diferentes mulheres nas
    pinturas de Vermeer.
  • 7:00 - 7:04
    Claramente, as suas roupas foram
    emprestadas a diferentes mulheres.
  • 7:04 - 7:06
    Não é rebuscado pensarmos
  • 7:06 - 7:10
    que este brinco de pérola, na verdade,
    pertence à mulher dele.
  • 7:10 - 7:13
    Assim temos todos os elementos
    para a nossa história.
  • 7:13 - 7:16
    Ela está no estúdio com ele
    durante muito tempo.
  • 7:16 - 7:18
    Estes quadros demoravam
    muito tempo a serem feitos.
  • 7:18 - 7:21
    Eles teriam passado o tempo juntos,
    todo esse tempo.
  • 7:21 - 7:23
    Ela tem o brinco de pérola
    da mulher dele.
  • 7:23 - 7:26
    Ela é linda. Está claramente
    apaixonada por ele. Está em conflito.
  • 7:26 - 7:28
    E a esposa sabe? Talvez não.
  • 7:29 - 7:31
    E se não sabe, bem...
  • 7:32 - 7:33
    aí está a história.
  • 7:33 - 7:35
    (Risos)
  • 7:36 - 7:38
    A próxima pintura de que vou falar
  • 7:38 - 7:42
    chama-se "Rapaz a construir um
    Castelo de Cartas", de Chardin.
  • 7:42 - 7:44
    É um pintor francês do século XVIII,
  • 7:44 - 7:46
    mais conhecido
    pelas suas naturezas-mortas,
  • 7:46 - 7:48
    mas ocasionalmente
    ele pintava pessoas.
  • 7:49 - 7:52
    Na realidade, ele pintou
    quatro versões deste quadro,
  • 7:52 - 7:56
    diferentes rapazes a construírem
    castelos de cartas, todos concentrados.
  • 7:57 - 8:00
    Gosto mais desta versão
    porque alguns dos rapazes
  • 8:00 - 8:03
    são mais velhos, outros mais novos,
    mas para mim este,
  • 8:03 - 8:05
    à semelhança da papa de aveia
    da Caracolinhos de Ouro,
  • 8:05 - 8:07
    é simplesmente perfeito.
  • 8:07 - 8:10
    Ele já não é bem uma criança
    mas também não é bem um homem.
  • 8:10 - 8:15
    Ele é o equilíbrio perfeito entre
    inocência e experiência
  • 8:15 - 8:19
    e isso fez-me parar
    em frente deste quadro.
  • 8:20 - 8:23
    Olhei para o rosto dele. É um pouco
    como um quadro de Vermeer.
  • 8:23 - 8:25
    A luz entra pela esquerda.
  • 8:25 - 8:27
    O seu rosto é banhado
    por esta luz cintilante.
  • 8:27 - 8:30
    Está mesmo no centro da pintura
    e olhamos para ela.
  • 8:30 - 8:32
    Apercebi-me de que,
    quando olhava para ela,
  • 8:32 - 8:33
    eu estava ali parada, a pensar:
  • 8:33 - 8:36
    "Olha para mim.
    Por favor, olha para mim."
  • 8:36 - 8:38
    Mas ele não olhou para mim,
    continuou a olhar para as cartas.
  • 8:38 - 8:41
    Esse é um dos elementos
    sedutores desta pintura.
  • 8:41 - 8:44
    Ele está tão concentrado
    no que está a fazer
  • 8:44 - 8:45
    que não olha para nós.
  • 8:46 - 8:49
    Isso é, para mim,
    o sinal de uma obra-prima,
  • 8:49 - 8:53
    de uma pintura quando falta definição.
  • 8:53 - 8:55
    Ele nunca vai olhar para mim.
  • 8:55 - 8:57
    Então comecei a pensar
    numa história em que,
  • 8:57 - 9:00
    se eu estivesse nesta posição,
    quem poderia ali estar a olhar para ele?
  • 9:00 - 9:02
    Não o pintor.
    Não quero pensar no pintor.
  • 9:02 - 9:05
    Estou a pensar numa versão
    mais velha dele mesmo.
  • 9:05 - 9:09
    É um homem, um criado,
    um criado mais velho
  • 9:09 - 9:11
    a olhar para este criado mais novo e diz:
  • 9:11 - 9:14
    "Olha para mim. Quero avisar-te
    sobre aquilo por que vais passar.
  • 9:14 - 9:16
    "Por favor, olha para mim."
  • 9:16 - 9:17
    E ele nunca olha.
  • 9:17 - 9:21
    Essa falta de definição,
    em "Rapariga com Brinco de Pérola"
  • 9:21 - 9:23
    — não sabemos se ela está feliz ou triste.
  • 9:23 - 9:25
    Escrevi um romance inteiro sobre ela,
  • 9:25 - 9:27
    e continuo sem saber
    se ela está feliz ou triste.
  • 9:27 - 9:29
    Vez após vez,
    regressamos à pintura,
  • 9:29 - 9:33
    à procura da resposta, da história
    que preencha os espaços em branco.
  • 9:33 - 9:36
    E nós podemos criar uma história,
    que nos satisfaça momentaneamente,
  • 9:36 - 9:41
    mas não verdadeiramente, pelo que
    continuamos a regressar sempre.
  • 9:42 - 9:45
    A última pintura de que vos vou falar
  • 9:45 - 9:48
    chama-se "Anónimo", de um anónimo.
  • 9:48 - 9:49
    (Risos)
  • 9:49 - 9:53
    É um retrato Tudor comprado pela
    National Portrait Gallery.
  • 9:53 - 9:56
    Eles pensavam que era um homem
    chamado Sir Thomas Overbury,
  • 9:56 - 9:58
    mas depois descobriram que não era ele
  • 9:58 - 10:00
    e agora não fazem ideia de quem é.
  • 10:00 - 10:02
    Na National Portrait Gallery,
  • 10:02 - 10:05
    se desconhecem a biografia da pintura,
    esta é-lhes quase inútil.
  • 10:05 - 10:08
    Não a podem pendurar na parede
    porque não sabem a quem pertence.
  • 10:08 - 10:12
    Infelizmente, este órfão passa
    a maior parte do tempo em depósito,
  • 10:12 - 10:15
    juntamente com um bom número
    de outros órfãos,
  • 10:15 - 10:17
    alguns dos quais são belas pinturas.
  • 10:17 - 10:22
    Esta pintura fez-me parar
    completamente por três razões:
  • 10:22 - 10:25
    Uma, é a desconexão entre a boca,
  • 10:25 - 10:28
    que sorri, e os seus olhos,
    que estão melancólicos.
  • 10:28 - 10:31
    Ele não está feliz e porque
    é que não está feliz?
  • 10:31 - 10:34
    A segunda coisa que me atraiu
  • 10:34 - 10:36
    foram as faces vermelho-vivo.
  • 10:36 - 10:40
    Ele está a enrubescer.
    Está a corar por estar a ser retratado.
  • 10:40 - 10:42
    Deve ser um homem que
    se ruboriza frequentemente.
  • 10:42 - 10:45
    Em que é que ele está a pensar
    para estar a enrubescer?
  • 10:45 - 10:49
    A terceira coisa que me fez
    parar completamente
  • 10:49 - 10:51
    foi o seu belíssimo gibão.
  • 10:52 - 10:55
    Seda, cinzento, aqueles bonitos botões.
  • 10:55 - 10:59
    E sabem o que me fez pensar,
    tem um ar confortável e fofo.
  • 10:59 - 11:01
    É como um edredão
    em cima de uma cama.
  • 11:01 - 11:04
    Fiquei a pensar em camas e
    faces enrubescidas
  • 11:04 - 11:07
    e, claro, só me lembrava de sexo
    sempre que olhava para ele.
  • 11:07 - 11:10
    Então pensei: "É nisso
    que ele está a pensar?
  • 11:10 - 11:11
    "Se vou criar uma história,
  • 11:11 - 11:14
    "qual é a última coisa que lá vou pôr?
  • 11:14 - 11:17
    "O que poderia preocupar
    um cavalheiro Tudor?
  • 11:17 - 11:20
    "Bem, Henrique VIII. Ok.
  • 11:20 - 11:23
    "Ele estaria preocupado com a herança,
    com o seu sucessor.
  • 11:23 - 11:27
    "Quem vai herdar o seu nome e fortuna?"
  • 11:27 - 11:30
    Juntam-se esses elementos e
    temos uma história
  • 11:31 - 11:34
    para preencher o espaço
    que nos faz regressar.
  • 11:35 - 11:37
    Aqui têm a história.
  • 11:39 - 11:41
    É curta.
  • 11:42 - 11:44
    "Rosado"
  • 11:45 - 11:48
    "Ainda estou a usar
    o gibão de brocado branco
  • 11:48 - 11:49
    "que a Caroline me deu.
  • 11:49 - 11:53
    "Tem um colarinho alto e simples,
    mangas destacáveis
  • 11:53 - 11:56
    "e botões intricados cosidos
    com fio de seda entrançado,
  • 11:56 - 11:59
    "juntos uns dos outros,
    tornando o vestir confortável.
  • 11:59 - 12:03
    "O gibão lembra-me uma
    colcha na cama grande.
  • 12:03 - 12:06
    "Talvez fosse essa a intenção.
  • 12:06 - 12:09
    "Usei-o pela primeira vez
    num jantar formal
  • 12:09 - 12:11
    "que os pais dela deram em nossa honra.
  • 12:11 - 12:13
    "Mesmo antes de me levantar para falar
  • 12:13 - 12:16
    "sabia que estava extremamente ruborizado.
  • 12:16 - 12:19
    "Sempre me ruborizei com facilidade,
    do esforço físico,
  • 12:19 - 12:22
    "do vinho, de uma grande emoção.
  • 12:22 - 12:27
    "Em rapaz, era gozado pelas minhas irmãs
    e por colegas da escola,
  • 12:27 - 12:29
    "mas não pelo George.
  • 12:29 - 12:31
    "Apenas o George me podia
    chamar Rosado.
  • 12:32 - 12:34
    "Não o permitia a mais ninguém.
  • 12:34 - 12:37
    "Ele conseguia tornar o mundo mais suave.
  • 12:38 - 12:41
    "Quando fiz o anúncio,
    o George não se ruborizou,
  • 12:41 - 12:44
    "em vez disso ficou tão pálido
    como o meu gibão.
  • 12:44 - 12:46
    "Ele não devia ter ficado surpreendido.
  • 12:46 - 12:48
    "Era já previsível por todos
  • 12:48 - 12:51
    "que um dia casaria com a prima dele.
  • 12:52 - 12:54
    "Mas é difícil ouvir
    as palavras em voz alta.
  • 12:54 - 12:57
    "Eu sei, mal as consegui pronunciar.
  • 12:57 - 13:02
    "Mais tarde, encontrei o George no terraço
    a olhar para o jardim da cozinha.
  • 13:02 - 13:06
    "Apesar de ter passado a tarde a beber,
    ele continuava pálido.
  • 13:07 - 13:10
    "Ficámos ali os dois a observar
    as criadas a cortar alfaces.
  • 13:11 - 13:13
    " 'O que achas do meu gibão?' perguntei.
  • 13:14 - 13:15
    "Olhou-me de relance.
  • 13:15 - 13:18
    " 'Esse colarinho parece estar
    a estrangular-te'.
  • 13:19 - 13:21
    " 'Vamos continuar a ver-nos' insisti.
  • 13:21 - 13:24
    " 'Ainda podemos caçar,
    jogar às cartas e frequentar a Corte.
  • 13:24 - 13:26
    " 'Nada precisa de mudar'.
  • 13:27 - 13:28
    "O George não falou.
  • 13:29 - 13:33
    " 'Tenho 23 anos.
    Está na altura de me casar
  • 13:33 - 13:36
    " 'e de gerar um herdeiro.
    É o que se espera de mim'.
  • 13:37 - 13:41
    "George esvaziou outro copo de vinho tinto
    e virou-se para mim.
  • 13:41 - 13:45
    " 'Parabéns pelas tuas
    próximas núpcias, James.
  • 13:45 - 13:48
    " 'Estou certo de que serão felizes juntos'.
  • 13:50 - 13:52
    "Ele nunca mais usou a minha alcunha."
  • 13:53 - 13:54
    Obrigada.
  • 13:55 - 13:58
    (Aplausos)
Title:
Encontrar a história dentro da pintura
Speaker:
Tracy Chevalier
Description:

Quando Tracy Chevalier observa pinturas, ela imagina as histórias por trás das mesmas: Como é que o pintor conheceu o seu modelo? O que pode explicar aquele olhar nos seus olhos? Porque está aquele homem... ruborizado? Ela partilha três histórias inspiradas em retratos, incluindo a que levou ao seu romance de enorme sucesso "Rapariga com Brinco de Pérola".

more » « less
Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
14:21

Portuguese subtitles

Revisions Compare revisions