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O poder da raiva feminina

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    Às vezes, fico zangada,
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    e levei muitos anos para poder
    dizer apenas isso.
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    No trabalho,
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    às vezes, meu corpo estremece,
    e fico tão furiosa.
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    No entanto, não importa
    que minha raiva fosse justificada,
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    ao longo da vida, sempre
    me fizeram entender
  • 0:22 - 0:27
    que minha raiva era um exagero,
    uma falsa representação,
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    que me tornaria grosseira e desagradável.
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    Principalmente sendo menina, aprendi,
    assim, que a raiva era uma emoção
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    que ficaria melhor não sendo expressa.
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    Pensem um momento em minha mãe.
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    Quando eu tinha 15 anos,
    cheguei da escola um dia,
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    e ela estava em uma longa
    varanda, fora da cozinha,
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    segurando uma pilha gigante de pratos.
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    Imaginem como fiquei estarrecida quando
    ela começou a arremessá-los como discos
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    (Risos)
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    no ar quente e úmido.
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    Quando cada prato se partiu
    em milhares de pedaços colina abaixo,
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    ela voltou e me disse alegremente:
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    “Como foi seu dia?”
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    (Risos)
  • 1:14 - 1:16
    Agora vocês podem ver
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    como uma criança analisaria
    um incidente como esse
  • 1:19 - 1:25
    e acharia que a raiva é silenciosa,
    isoladora, destrutiva e até assustadora,
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    especialmente quando a pessoa zangada
    é uma menina ou uma mulher.
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    A questão é por quê.
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    A raiva é uma emoção humana,
    nem boa nem má.
  • 1:37 - 1:39
    Na verdade, é um sinal de emoção,
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    que nos adverte sobre indignidade,
    ameaça, insulto e dano.
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    No entanto, em muitas culturas,
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    a raiva é reservada como a propriedade
    moral de meninos e homens.
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    Agora, para ter certeza, há diferenças.
  • 1:54 - 1:56
    Assim, nos Estados Unidos, por exemplo,
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    um homem negro zangado
    é visto como criminoso,
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    mas um homem branco zangado
    tem virtude cívica.
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    Independentemente de onde estamos,
    no entanto, a emoção tem gênero.
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    Ensinamos as crianças a desprezar
    a raiva em meninas e mulheres
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    e crescemos para ser adultos
    que a penalizam.
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    E se não fizéssemos isso?
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    E se não separássemos
    a raiva da feminilidade?
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    Porque isso significa
    que separamos meninas e mulheres
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    da emoção que melhor
    nos protege da injustiça?
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    E se, em vez disso, pensássemos
    em desenvolver competência emocional
  • 2:36 - 2:37
    para meninos e meninas?
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    O fato é que ainda socializamos
    extraordinariamente as crianças
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    de maneira muito binária e oposta.
  • 2:44 - 2:49
    Os meninos são mantidos por normas
    absurdas e rígidas de masculinidade,
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    instruídos a renunciar à emotividade
    feminina da tristeza ou do medo,
  • 2:54 - 2:58
    e a adotar a agressão e a raiva
    como sinais de masculinidade real.
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    Por outro lado, as meninas
    aprendem a ser deferentes,
  • 3:03 - 3:06
    e a raiva é incompatível com a deferência.
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    Da mesma forma que aprendemos
    a cruzar as pernas
  • 3:10 - 3:11
    e a tratar os cabelos,
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    aprendemos a morder a língua
    e a engolir nosso orgulho.
  • 3:16 - 3:20
    O que acontece muitas vezes
    é que, para todos nós,
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    a indignidade torna-se iminente
    em nossas noções de feminilidade.
  • 3:25 - 3:30
    Há uma longa história pessoal
    e política para essa bifurcação.
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    Com raiva, passamos de princesas
    mimadas e adolescentes hormonais
  • 3:36 - 3:40
    a mulheres dispendiosas
    e chatas estridentes e feias.
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    Mas temos sabores, escolham o seu.
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    Você é uma latina quente e picante
    quando está brava?
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    Ou uma menina oriental triste?
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    Uma negra zangada?
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    Ou um branco maluco?
  • 3:54 - 3:55
    A escolha é sua.
  • 3:55 - 4:00
    Mas, na verdade, o efeito é que, quando
    dizemos o que é importante para nós,
  • 4:00 - 4:02
    que é o que a raiva está transmitindo,
  • 4:02 - 4:06
    é mais provável que as pessoas
    se zanguem conosco por essa raiva.
  • 4:07 - 4:12
    Quer estejamos em casa, na escola,
    no trabalho ou numa arena política,
  • 4:12 - 4:17
    a raiva confirma a masculinidade,
    e desconcerta a feminilidade.
  • 4:17 - 4:20
    Assim, os homens
    são recompensados por exibi-la,
  • 4:20 - 4:23
    e as mulheres são penalizadas
    por fazerem o mesmo.
  • 4:24 - 4:27
    Isso nos coloca em uma enorme desvantagem,
  • 4:27 - 4:31
    sobretudo quando temos que defender
    nós mesmas e nossos próprios interesses.
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    Se nos deparamos com um assediador
    na rua, um empregador predatório,
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    um colega de classe machista
    e racista, o cérebro grita:
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    “Estão de brincadeira comigo?”
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    E a boca diz: “Como é que é?”
  • 4:46 - 4:48
    (Risos)
  • 4:49 - 4:50
    Certo?
  • 4:51 - 4:54
    E é conflitante, porque a raiva
    fica toda misturada
  • 4:54 - 4:58
    com a ansiedade, o medo,
    o risco e a retaliação.
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    Se perguntarem às mulheres o que mais
    temem em resposta à raiva delas,
  • 5:01 - 5:03
    elas não dirão violência.
  • 5:03 - 5:04
    Dirão zombaria.
  • 5:05 - 5:07
    Pensem no que isso significa.
  • 5:08 - 5:11
    Se tivermos múltiplas identidades
    marginalizadas,
  • 5:11 - 5:15
    não será apenas zombaria
    se nos defendermos.
  • 5:15 - 5:20
    Se colocarmos uma estaca no chão,
    poderá haver consequências terríveis.
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    Reproduzimos esses padrões,
    não de maneira vasta, corajosa e direta,
  • 5:25 - 5:28
    mas na banalidade cotidiana da vida.
  • 5:29 - 5:32
    Quando minha filha estava
    na pré-escola, todas as manhãs
  • 5:32 - 5:36
    ela fazia um castelo elaborado,
    com fitas e blocos.
  • 5:36 - 5:39
    E, todas as manhãs, o mesmo menino
    o derrubava alegremente.
  • 5:40 - 5:44
    Os pais dele estavam lá, mas nunca
    intervinham antes do fato.
  • 5:44 - 5:48
    Ficavam felizes dizendo chavões depois.
  • 5:48 - 5:50
    “Meninos serão meninos.”
  • 5:50 - 5:54
    “É tão tentador; ele simplesmente
    não conseguiu evitar.”
  • 5:54 - 5:58
    Fiz o que muitas meninas
    e mulheres aprendem a fazer.
  • 5:58 - 6:03
    De modo preventivo, mantive a paz
    e ensinei minha filha a fazer o mesmo.
  • 6:04 - 6:05
    Ela se expressou do jeito dela.
  • 6:06 - 6:09
    Tentou gentilmente impedi-lo com o corpo.
  • 6:09 - 6:13
    Mudou, em vão, seu lugar na sala de aula.
  • 6:14 - 6:16
    Então, eu e os outros adultos
  • 6:16 - 6:20
    planejamos reciprocamente
    um direito masculino particular.
  • 6:20 - 6:24
    Ele podia correr desenfreadamente
    e controlar o ambiente,
  • 6:24 - 6:26
    e ela mantinha seus
    sentimentos para si mesma
  • 6:26 - 6:28
    e trabalhava em torno
    das necessidades dele.
  • 6:29 - 6:33
    Fracassamos por não dar
    compreensão à raiva dela
  • 6:33 - 6:36
    e a resolução merecida.
  • 6:36 - 6:39
    Isso é um microcosmo
    de um problema muito maior,
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    porque, culturalmente, em todo o mundo,
  • 6:44 - 6:48
    preferimos o desempenho da masculinidade
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    e o poder e privilégio que vêm
    com esse desempenho,
  • 6:51 - 6:56
    sobre os direitos, as necessidades
    e as palavras de crianças e mulheres.
  • 6:57 - 7:01
    Portanto, não será absolutamente surpresa,
    talvez para as pessoas nesta sala
  • 7:01 - 7:04
    que as mulheres dizem ficar mais zangadas
  • 7:04 - 7:08
    de maneira mais sustentada
    e intensa do que os homens.
  • 7:10 - 7:13
    Parte disso vem do fato de que somos
    socializadas para ponderar,
  • 7:13 - 7:15
    manter isso para nós mesmas
    e refletir profundamente a respeito.
  • 7:16 - 7:19
    Mas também temos que encontrar
    maneiras socialmente agradáveis
  • 7:19 - 7:23
    de expressar a intensidade
    de nossas emoções
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    e a consciência que ela traz
    de nossa precaridade.
  • 7:28 - 7:29
    Então, fazemos várias coisas.
  • 7:30 - 7:31
    Se os homens soubessem
  • 7:31 - 7:36
    a frequência com que as mulheres
    se enchem de raiva quando choram,
  • 7:36 - 7:37
    eles ficariam impressionados.
  • 7:37 - 7:38
    (Risos)
  • 7:39 - 7:41
    Usamos uma linguagem
    que minimiza tudo.
  • 7:41 - 7:43
    “Estamos frustradas, não,
    sério, está tudo bem.”
  • 7:43 - 7:45
    (Risos)
  • 7:46 - 7:50
    Nós mesmas nos tratamos como objetos
    e perdemos a capacidade de reconhecer
  • 7:50 - 7:55
    até mesmo as mudanças fisiológicas
    que indicam raiva.
  • 7:56 - 7:58
    Mas, principalmente, ficamos doentes.
  • 7:59 - 8:04
    A raiva tem sido envolvida agora
    em toda uma série de doenças
  • 8:04 - 8:07
    rapidamente descartadas
    como “doenças das mulheres”.
  • 8:07 - 8:09
    Taxas mais elevadas de dor crônica,
  • 8:09 - 8:13
    distúrbios autoimunes,
    alimentação desordenada,
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    sofrimento mental, ansiedade,
    autoflagelação, depressão.
  • 8:17 - 8:21
    A raiva afeta nossos sistemas
    imunológico e cardiovascular.
  • 8:21 - 8:26
    Alguns estudos até indicam
    que afeta as taxas de mortalidade,
  • 8:26 - 8:28
    especialmente em mulheres
    negras com câncer.
  • 8:30 - 8:35
    Estou farta das mulheres
    que conheço estarem fartas.
  • 8:37 - 8:40
    Nossa raiva traz grande desconforto,
  • 8:40 - 8:45
    e o conflito vem porque
    é nosso papel trazer conforto.
  • 8:45 - 8:47
    Há raiva aceitável.
  • 8:47 - 8:48
    Podemos ficar zangadas
  • 8:48 - 8:53
    quando nos concentramos em nossos assuntos
    e apoiamos a situação atual
  • 8:53 - 8:55
    como mães ou professoras.
  • 8:56 - 8:57
    Podemos ficar bravas,
  • 8:57 - 9:01
    mas não podemos ficar zangadas
    com os enormes custos da criação.
  • 9:02 - 9:04
    Podemos ficar zangadas com nossas mães.
  • 9:04 - 9:07
    Digamos, como adolescentes,
    regras patriarcais e regulamentos.
  • 9:07 - 9:10
    Não culpamos os sistemas, nós as culpamos.
  • 9:10 - 9:11
    Podemos ficar zangadas
    com outras mulheres,
  • 9:11 - 9:14
    porque quem não gosta
    de uma boa briga de mulheres?
  • 9:14 - 9:18
    E podemos ficar zangadas
    com homens de situação inferior
  • 9:18 - 9:23
    em uma hierarquia expressiva
    que apoia racismo ou xenofobia.
  • 9:24 - 9:27
    Mas temos um enorme poder nisso.
  • 9:27 - 9:31
    Pelo fato de os sentimentos serem
    da competência de nossa autoridade,
  • 9:32 - 9:35
    e as pessoas se sentirem
    desconfortáveis com nossa raiva,
  • 9:35 - 9:39
    devemos deixá-las confortáveis
    com o desconforto que sentem
  • 9:39 - 9:43
    quando as mulheres
    dizem não, sem desculpas.
  • 9:44 - 9:49
    Podemos pegar emoções e pensar em termos
    de competência e não de gênero.
  • 9:49 - 9:54
    As pessoas capazes de processar a raiva
    e criar um propósito a partir dela
  • 9:54 - 9:56
    são mais criativas, mais otimistas,
  • 9:57 - 9:58
    têm mais intimidade,
  • 9:59 - 10:01
    são melhores solucionadoras de problemas,
  • 10:02 - 10:05
    têm maior eficácia política.
  • 10:05 - 10:08
    Sou mulher, que escreve
    sobre mulheres e sentimentos.
  • 10:08 - 10:11
    Muito poucos homens com poder
  • 10:11 - 10:15
    irão levar a sério o que estou dizendo,
    como uma questão de política.
  • 10:16 - 10:22
    Pensamos na política e na raiva em termos
    do desprezo, do desdém e da fúria
  • 10:22 - 10:25
    que alimentam um aumento
    do macho-fascismo no mundo.
  • 10:25 - 10:29
    Mas, se esse é o veneno,
    é também o antídoto.
  • 10:30 - 10:33
    Temos uma raiva de esperança,
    e vemos isso todos os dias
  • 10:33 - 10:37
    na raiva resistente das mulheres
    e das pessoas marginalizadas.
  • 10:38 - 10:42
    Está relacionada com compaixão,
    empatia e amor,
  • 10:42 - 10:46
    e devemos reconhecer
    essa raiva também.
  • 10:48 - 10:53
    A questão é que as sociedades
    que não respeitam a raiva das mulheres
  • 10:53 - 10:55
    não respeitam as mulheres.
  • 10:56 - 11:02
    O perigo real de nossa raiva
    não é ela quebrar laços ou pratos,
  • 11:02 - 11:07
    mas sim mostrar exatamente
    como nos levamos a sério,
  • 11:07 - 11:11
    e esperamos que outras pessoas
    nos levem a sério também.
  • 11:12 - 11:14
    Quando isso acontecer,
  • 11:14 - 11:16
    haverá chances muito boas
  • 11:16 - 11:20
    de que as mulheres
    possam sorrir quando quiserem.
  • 11:23 - 11:24
    Obrigada.
  • 11:24 - 11:26
    (Aplausos) (Vivas)
Title:
O poder da raiva feminina
Speaker:
Soraya Chemaly
Description:

A raiva é uma emoção poderosa - ela nos previne de ameaça, insulto, indignação e injustiça. Mas em todo o mundo, meninas e mulheres são ensinadas que é melhor silenciar a raiva delas, diz a autora Soraya Chemaly. Por que isso acontece e o que podemos perder com esse silêncio? Em uma palestra provocativa e reflexiva, Chemaly explora a mentira perigosa de que a raiva não é feminina, mostrando como a raiva das mulheres é justificada, saudável e um potencial catalisador de mudança.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
11:43

Portuguese, Brazilian subtitles

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