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Os neurónios que modelaram a civilização

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    Gostaria de vos falar hoje
    sobre o cérebro humano,
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    que é objecto da investigação
    na Universidade da Califórnia.
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    Pensemos neste problema por um segundo.
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    Isto é um pedaço de carne,
    que pesa cerca de 1,5 quilogramas,
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    que conseguimos segurar na palma da mão.
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    Mas ele consegue reflectir sobre
    a vastidão do espaço interestelar.
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    Ele consegue reflectir
    sobre o significado da infinitude,
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    colocar questões sobre o significado
    da sua própria existência,
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    sobre a natureza de Deus.
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    E esta é verdadeiramente
    a coisa mais espantosa do mundo.
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    É o maior mistério com que
    se deparam os seres humanos:
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    Como é que tudo isto acontece?
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    O cérebro, como sabem,
    é composto por neurónios.
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    Estamos aqui a ver neurónios.
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    Há 100 mil milhões de neurónios
    no cérebro humano de um adulto.
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    E cada neurónio faz cerca
    de 1000 a 10 000 ligações
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    com outros neurónios no cérebro.
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    Com base nisto, calcula-se
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    que o número de permutas
    e combinações da actividade do cérebro
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    excede o número de partículas
    elementares no universo.
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    Então, como é que se estuda o cérebro?
  • 0:52 - 0:54
    Um dos métodos é examinar pacientes
    que sofreram lesões
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    em diferentes partes do cérebro,
    e estudar as mudanças no seu comportamento.
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    Foi sobre isto que falei na última TED.
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    Hoje vou falar-vos
    duma diferente abordagem
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    que consiste em pôr eléctrodos
    em diferentes partes do cérebro,
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    e gravar a actividade de células
    individuais no cérebro.
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    Como se estivéssemos a bisbilhotar
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    a actividade das células
    nervosas no cérebro.
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    Uma recente descoberta
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    que foi feita por investigadores
    em Parma, Itália,
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    por Giacomo Rizzolatti e os seus colegas,
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    foi um grupo de neurónios
    chamados neurónios espelho,
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    que se situam na zona frontal
    do cérebro, nos lobos frontais.
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    Acontece que há neurónios
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    que se chamam neurónios de comando motor,
    situados na frente do cérebro,
  • 1:29 - 1:31
    que já são conhecidos há mais de 50 anos.
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    Estes neurónios disparam quando
    uma pessoa desempenha uma acção específica.
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    Por exemplo, se eu fizer isto,
    alcançar e agarrar uma maçã,
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    há um neurónio de comando motor na parte
    da frente do meu cérebro que dispara.
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    Se eu me esticar e puxar um objecto,
    há outro neurónio que dispara,
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    ordenando que eu puxe aquele objecto.
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    São os neurónios de comando motor
    que são conhecidos há bastante tempo.
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    Rizzolatti descobriu que
    uma subespécie desses neurónios,
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    talvez cerca de 20%, também disparam
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    quando estou a olhar para alguém
    que está a executar a mesma acção.
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    Assim, tenho um neurónio que dispara
    quando eu me estico e agarro numa coisa,
  • 2:00 - 2:03
    mas que também dispara quando vejo
    o Joe a esticar-se e a agarrar alguma coisa.
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    Isto é verdadeiramente espantoso
  • 2:05 - 2:07
    porque é como se este neurónio
    estivesse a adoptar
  • 2:07 - 2:09
    a perspectiva da outra pessoa.
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    É quase como se estivesse a executar
    uma simulação de realidade virtual
  • 2:14 - 2:15
    da acção da outra pessoa.
  • 2:15 - 2:18
    Qual é a importância
    destes neurónios espelho?
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    Primeiro, eles devem estar envolvidos
    em coisas como imitação e emulação.
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    Porque imitar um acto complexo
  • 2:24 - 2:27
    requer que o meu cérebro adopte
    o ponto de vista da outra pessoa.
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    Então, isto é importante por causa
    da imitação e da emulação.
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    Porque é que é importante?
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    Vamos dar uma vista de olhos
    ao próximo diapositivo.
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    Então, como é que imitamos?
    Porque é que a imitação é importante?
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    Neurónios espelhos e imitação, emulação.
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    Pensemos na cultura,
    no fenómeno da cultura humana.
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    Se voltarmos atrás no tempo
    cerca de 75 000 a 100 000 anos,
  • 2:47 - 2:49
    considerando a evolução humana,
  • 2:49 - 2:52
    verificamos que aconteceu algo
    muito importante há cerca de 75 000 anos.
  • 2:52 - 2:54
    Ou seja, houve um aparecimento súbito
    e uma rápida difusão
  • 2:54 - 2:57
    de um número de capacidades
    que são únicas aos seres humanos
  • 2:57 - 3:01
    como o uso de instrumentos,
    o uso do fogo, o uso de abrigos
  • 3:01 - 3:02
    e, claro, da linguagem,
  • 3:02 - 3:04
    e a capacidade de ler
    a mente de outra pessoa
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    e interpretar o comportamento
    dessa outra pessoa.
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    Tudo isto aconteceu
    relativamente depressa.
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    Embora o cérebro humano
    tenha atingido a sua actual dimensão
  • 3:12 - 3:13
    há quase trezentos
    ou quatrocentos mil anos,
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    há 100 000 anos tudo isto aconteceu
    muito, muito rapidamente.
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    Eu considero que o que aconteceu
  • 3:18 - 3:21
    foi o súbito aparecimento dum sofisticado
    sistema de neurónios espelho,
  • 3:21 - 3:24
    que permitiu a emulação e a imitação
    das acções de outras pessoas.
  • 3:24 - 3:27
    De tal forma que, quando havia
    uma inesperada e acidental descoberta
  • 3:27 - 3:30
    feita por um membro do grupo,
    como o uso do fogo,
  • 3:30 - 3:33
    ou um tipo particular de instrumento,
    em vez de ser esquecida,
  • 3:33 - 3:35
    ela difundia-se rapidamente
    — horizontalmente por toda a população,
  • 3:35 - 3:38
    ou verticalmente pelas gerações seguintes.
  • 3:38 - 3:41
    Por isso, isto fez a evolução
    subitamente lamarquiana,
  • 3:41 - 3:42
    em vez de darwiniana.
  • 3:42 - 3:45
    A evolução darwiniana é lenta;
    leva centenas de milhares de anos.
  • 3:45 - 3:48
    Um urso polar,
    para desenvolver uma pelagem,
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    leva milhares de gerações,
    talvez 100 000 anos.
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    Um ser humano, uma criança,
    pode apenas observar os seus pais
  • 3:53 - 3:56
    a matar outro urso polar,
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    retirar a sua pele e pô-la no seu corpo,
    o pêlo sobre o corpo,
  • 3:59 - 4:01
    e aprender isto de uma só vez.
  • 4:01 - 4:03
    O que o urso polar
    demorou 100 000 anos a aprender,
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    pode ser aprendido
    em cinco ou dez minutos.
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    E uma vez aprendido, é difundido
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    numa proporção geométrica
    a toda a população.
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    Isto é a base.
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    A imitação de capacidades complexas
  • 4:14 - 4:17
    é o que chamamos cultura
    e é a base da civilização.
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    Mas há outro tipo de neurónio espelho,
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    que está envolvido
    em algo bastante diverso.
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    É que há tal como há
    neurónios espelho para a acção,
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    também há neurónios espelho para o tacto.
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    Noutras palavras,
    se alguém tocar na minha mão,
  • 4:28 - 4:30
    os neurónios no córtex somatossensorial,
  • 4:30 - 4:33
    na região sensória do cérebro, disparam.
  • 4:33 - 4:35
    Mas o mesmo neurónio,
    em certos casos, dispara também
  • 4:35 - 4:38
    quando eu simplesmente observo
    outra pessoa a ser tocada.
  • 4:38 - 4:40
    Está a sentir empatia
    com a pessoa que está a ser tocada.
  • 4:40 - 4:43
    Assim, a maioria deles disparará
    quando me tocarem em sítios diferentes.
  • 4:43 - 4:45
    Diferentes neurónios
    para diferentes sítios.
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    Mas há um sub-grupo que dispara
    até quando eu vir outra pessoa
  • 4:47 - 4:49
    a ser tocada no mesmo lugar.
  • 4:49 - 4:51
    Mais uma vez, temos neurónios
  • 4:51 - 4:53
    que estão envolvidos na empatia.
  • 4:53 - 4:57
    A questão que se coloca é a seguinte: se eu
    só estou a ver outra pessoa a ser tocada,
  • 4:57 - 5:01
    porque é que eu não me confundo
    e sinto essa sensação do toque
  • 5:01 - 5:03
    apenas por observar
    uma pessoa a ser tocada?
  • 5:03 - 5:06
    Isto é, eu sinto empatia com a pessoa
    mas não sinto literalmente o toque.
  • 5:06 - 5:08
    Isso é porque temos receptores
    na nossa pele,
  • 5:08 - 5:11
    receptores de tacto e de dor,
    que informam o cérebro, dizendo:
  • 5:11 - 5:13
    "Não te preocupes, não estás a ser tocado.
  • 5:13 - 5:16
    Então, sente empatia com a outra pessoa,
  • 5:16 - 5:18
    mas não sintas o toque
  • 5:18 - 5:21
    senão ficas confuso e atrapalhado".
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    Portanto, há um sinal de feedback
  • 5:22 - 5:25
    que bloqueia o sinal do neurónio espelho
  • 5:25 - 5:27
    impedindo-nos de sentir
    conscientemente esse toque.
  • 5:27 - 5:30
    Mas se anestesiarem o meu braço,
  • 5:30 - 5:32
    dando-me uma injecção,
  • 5:32 - 5:35
    anestesiarem o plexo braquial,
    de forma a que o braço fique adormecido,
  • 5:35 - 5:36
    barrando as sensações que chegam,
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    se vos vir a serem tocados,
  • 5:38 - 5:40
    sinto o toque na minha mão.
  • 5:40 - 5:42
    Por outras palavras,
    dissolveu-se a barreira
  • 5:42 - 5:44
    entre mim e os outros seres humanos.
  • 5:44 - 5:48
    Por isso, eu chamo-lhes neurónios Gandhi
    ou neurónios de empatia.
  • 5:48 - 5:49
    (Risos)
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    Isto não é num qualquer sentido
    abstracto e metafórico.
  • 5:52 - 5:55
    Tudo o que nos separa
    das outras pessoas, é a nossa pele.
  • 5:55 - 5:59
    Se retirarmos a pele, vamos sentir o toque
    da outra pessoa na nossa mente.
  • 5:59 - 6:02
    Destruímos a barreira entre nós
    e os outros seres humanos.
  • 6:02 - 6:04
    Isto é a base de grande parte
    da filosofia oriental,
  • 6:04 - 6:07
    de que não existe um "eu"
    verdadeiro e independente,
  • 6:07 - 6:10
    indiferente relativamente a outros
    seres humanos, a inspeccionar o mundo,
  • 6:10 - 6:11
    a inspeccionar outras pessoas.
  • 6:11 - 6:14
    Nós estamos ligados não apenas
    via Facebook e Internet,
  • 6:14 - 6:17
    estamos literalmente ligados
    pelos nossos neurónios.
  • 6:17 - 6:20
    Há cadeias inteiras de neurónios
    dentro desta sala, a falar uns com os outros.
  • 6:20 - 6:22
    E não existe uma verdadeira distinção
  • 6:22 - 6:25
    entre a nossa consciência
    e a consciência de outra pessoa.
  • 6:25 - 6:26
    Isto não é uma filosofia disparatada.
  • 6:26 - 6:29
    Ela surge do nosso entendimento
    dos fundamentos da neurociência.
  • 6:29 - 6:32
    Por exemplo, temos um paciente
    com a dor do membro fantasma.
  • 6:32 - 6:34
    Se nos amputaram o braço
    e temos um membro fantasma,
  • 6:34 - 6:37
    e virmos outra pessoa a ser tocada,
    sentimos no nosso membro fantasma.
  • 6:37 - 6:38
    O espantoso é que,
  • 6:38 - 6:41
    se tivermos uma dor no membro fantasma,
    e apertarmos a mão de outra pessoa,
  • 6:41 - 6:43
    massajarmos a mão de outra pessoa,
  • 6:43 - 6:45
    aliviamos a dor na nossa mão fantasma,
  • 6:45 - 6:49
    quase como se o neurónio
    estivesse a obter alívio
  • 6:49 - 6:51
    apenas por observar
    outra pessoa a ser massajada.
  • 6:51 - 6:54
    Este é o meu último dispositivo.
  • 6:54 - 6:56
    Durante imenso tempo as pessoas
    consideraram
  • 6:56 - 6:58
    a ciência e as humanidades
    como sendo distintas.
  • 6:58 - 7:01
    C. P. Snow falava de duas culturas:
  • 7:01 - 7:03
    a ciência, por um lado
    e as humanidades por outro lado.
  • 7:03 - 7:05
    Jamais as duas se deviam cruzar.
  • 7:05 - 7:08
    Eu defendo que o sistema de neurónios
    espelhos é subjacente ao interface
  • 7:08 - 7:10
    o que permite que se reconsiderem
    questões como a consciência,
  • 7:10 - 7:12
    a representação de nós mesmos,
  • 7:12 - 7:14
    o que nos separa dos outros seres humanos,
  • 7:14 - 7:16
    o que nos permite sentir empatia
    com outros seres humanos,
  • 7:16 - 7:20
    e também coisas como a emergência
    da cultura e da civilização,
  • 7:20 - 7:21
    o que é único aos seres humanos.
  • 7:21 - 7:22
    Obrigado.
  • 7:22 - 7:23
    (Aplausos)
Title:
Os neurónios que modelaram a civilização
Speaker:
Vilayanur Ramachandran
Description:

O neurocientista Vilayanur Ramachandran delineia as funções fascinantes dos neurónios espelho. Apenas recentemente descobertos, estes neurónios permitem-nos aprender comportamentos sociais complexos, alguns dos quais constituem os alicerces da civilização humana tal como a conhecemos.

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
07:25
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for The neurons that shaped civilization
Margarida Ferreira edited Portuguese subtitles for The neurons that shaped civilization
Retired user added a translation

Portuguese subtitles

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