A minha carta de amor ao "cosplay"

Adam Savage constrói experiências e usa máscaras para acrescentar humor, cor, e clareza às histórias que conta. Rastreando o fascínio que sempre teve pelas máscaras — desde um capacete espacial feito a partir de um balde de gelado quando era criança, até a um fato do Sem-Rosto que usou na Comic-Con — Savage explora o mundo do "cosplay" e o significado que este cria para a sua comunidade. "Ligamo-nos a algo importante dentro de nós," diz ele. "O cosplay é como nos revelamos uns aos outros."

Certa vez, li em algum lado
um facto que me fascinou:

Uma das coisas que contribuiu para
o sucesso do homo sapiens, como espécie,

foi a ausência de pelos no corpo.

A nossa falta de pelos,
a nossa nudez,

combinada com a invenção do vestuário

permite-nos controlar
a nossa temperatura corporal

e assim, sobreviver em qualquer
clima que quisermos.

E já evoluímos ao ponto de não
conseguirmos sobreviver sem roupas.

E são mais do que utensílios.

Agora, são comunicação.

Tudo o que escolhemos
vestir é uma narrativa.

Uma história sobre onde estivemos,

o que fazemos,

quem queremos ser...

Eu era uma criança solitária.

Tinha dificuldades em fazer
amigos com quem brincar,

e acabava por criar
as minhas próprias brincadeiras.

Criei muitos dos meus brinquedos.

Tudo começou com gelado.

Havia uma gelataria onde eu morava,

e eles serviam gelados ao balcão

nesses baldes de cartão de 20 litros.

E alguém me disse,
tinha eu oito anos,

que quando já não
precisavam desses baldes,

os lavavam e guardavam nas traseiras,

e que se lhes pedíssemos,
davam-nos um.

Demorei algumas semanas
até ganhar coragem, mas lá consegui,

E era verdade!
Deram-me um.

E fui para casa com este
magnífico balde de cartão.

Comecei a pensar no que fazer
com este novo material.

Anel metálico,
tampa, e base...

Comecei a virá-lo
na minha cabeça e pensei:

"Espera lá... A minha cabeça
cabe mesmo aqui dentro."

(Risos)

Sim... Fiz um buraco, meti acetato,
e fiz um capacete espacial.

(Risos)

Eu precisava de um sítio onde
usar o meu capacete espacial.

Então encontrei uma caixa de frigorífico
perto da minha casa.

Arrastei-o até lá,

e transformei o armário
do nosso quarto de hóspedes

numa nave espacial.

Comecei com um painel de navegação
feito de cartão.

Fiz um buraco para o ecrã do radar

e acrescentei uma lanterna
para o iluminar.

Coloquei uma tela,
um pouco afastada da parede,

E aqui percebi-me do meu engenho.

Sem permissão,
pintei essa parede de preto

e criei um campo estelar,
que iluminei com luzes de Natal...

(Risos)

...que encontrei no sótão.

E viajei em missões espaciais.

Alguns anos mais tarde,
estreou o filme "Tubarão".

Eu era demasiado novo para o ver,
mas deixei-me levar pelo entusiasmo,

tal como todos os americanos, na altura.

Havia uma loja na minha cidade
que tinha um fato do Tubarão na montra

e a minha mãe deve ter-me
ouvido comentar com alguém

sobre o quão espetacular
eu achava esse fato,

porque uns dias antes do Halloween,

ela fez-me perder a cabeça,

ao oferecer-me
esse mesmo fato do Tubarão.

Reconheço que é um pouco cliché,

pessoas de uma certa idade queixarem-se

que os miúdos de hoje em dia não têm noção
do quão boas são as suas vidas,

mas vou mostrar-vos uma
amostra aleatória de fatos para crianças

que se pode comprar online atualmente...

...e este foi o fato do Tubarão
que a minha mãe me comprou.

(Risos)

Isto era uma frágil
cara de tubarão de papel

e uma espécie de babete
com o cartaz do Tubarão.

(Risos)

E eu adorei!

Uns anos mais tarde,

o meu pai levou-me a ver
um filme chamado "Excalibur".

Na verdade, consegui
que me levasse duas vezes,

o que é de admirar, tendo em conta
que era um filme para adultos.

Mas não foi o sangue e entranhas,
ou as mamas,

que me fizeram querer vê-lo novamente.

Ajudaram...

(Risos)

Foi a armadura.

A armadura no "Excalibur"
era extraordinariamente bela, para mim.

Eram, literalmente, cavaleiros
em armaduras reluzentes e espelhadas.

E além disso, os cavaleiros em "Excalibur"
usavam as suas armaduras em todo o lado!

A toda a hora! Usavam-nas ao jantar!
Usavam-nas na cama!

(Risos)

E eu tipo: "Estão a ler a minha mente?

Eu também quero usar
uma armadura a toda a hora!"

(Risos)

E assim, voltei ao meu material preferido,

a porta de entrada para a criação,

cartão canelado,

e criei a minha própria armadura.

Repleta, com proteção cervical,
e um cavalo branco.

Agora que criei expetativas,
aqui está a foto dessa armadura.

(Risos)

(Aplausos)

Esta foi apenas a primeira armadura
que eu construí inspirada no "Excalibur".

Uns anos mais tarde,

convenci o meu pai a construir-me
uma armadura em condições.

Ao longo de um mês,

fez-me passar do uso de cartão
para chapas de alumínio,

e um dos meus materiais
de fixação preferidos, rebites.

Cuidadosamente, ao longo do mês,

construímos uma armadura articulada
de alumínio, com linhas complexas.

Fizemos furos no capacete
para eu poder respirar,

e terminei mesmo a tempo do Halloween,
e fui equipado para a escola.

Esta é a única coisa de que irei falar
e de que não tenho imagens para mostrar

porque não há fotos desta armadura.

Fui mesmo com ela para a escola,

havia um fotógrafo a deambular
pelos corredores,

mas não me chegou a ver,
por razões que já irão perceber.

Havia coisas que não previra

quanto a usar uma armadura integral
de alumínio na escola.

Na terceira aula, a de Matemática,
estava de pé no fundo da sala,

Estava de pé no fundo da sala porque
a armadura não me permitia sentar.

(Risos)

Esta foi a primeira coisa
que eu que não previ.

Então a professora olha para mim,
um pouco preocupada,

e a meio da aula pergunta:
"Sentes-te bem?"

E eu penso: "Está a brincar?
Se me sinto bem?"

Tenho uma armadura equipada!
Este é o melhor momento da minha vi...

E estava prestes a dizer-lhe
o quão bem eu me sentia,

quando a sala de aula começou
a rodar para a esquerda

e a desaparecer
ao fundo de um longo túnel...

...e depois acordei na enfermaria.

Tinha desmaiado devido ao calor
que fazia na armadura.

Quando acordei,

não estava envergonhado por
ter desmaiado em frente da turma.

Só pensei: "Quem me tirou a armadura?
Onde está a minha armadura?"

OK, passando à frente uma data de anos,
uns colegas e eu fomos contratados

para fazer um programa
chamado "Caçadores de Mitos".

E ao longo de catorze anos,

aprendi no trabalho a construir
metodologias experimentais,

e como contar histórias
sobre isso para a televisão.

Também aprendi, desde cedo,

que as máscaras têm um papel
fundamental nestas histórias.

Eu mascaro-me para acrescentar
humor, comédia, cor,

e clareza narrativa
às histórias que contamos.

Fizemos um episódio chamado
"Mergulho na Lixeira",

e eu aprendi um pouco mais

sobre as implicações profundas
do significado das máscaras para mim.

No episódio da lixeira, a questão
a que tentávamos responder era:

"Saltar para um contentor de lixo
é tão seguro como os filmes dão a crer?

(Risos)

O episódio teria duas partes distintas.

Uma, em que iríamos ser treinados
por um duplo, a saltar de edifícios

para cima de um insuflável.

E na segunda avançávamos
para a experiência.

Iríamos encher um contentor
e saltar lá para dentro.

Eu queria separar visualmente
esses dois elementos, e pensei:

"Bem, na primeira parte vamos treinar,
então devíamos usar fatos de treino...

"Oh! Vamos colocar
'Duplo em Formação' nas costas."

Isto, para o treino.

Mas, para a segunda parte, queria algo
com impacto a nível visual...

"Já sei! Vou mascarar-me
de Neo do 'Matrix'."

(Risos)

Então fui à Haight Street.

Comprei umas botas fabulosas
de cano alto com fivela.

Encontrei uma capa comprida no eBay.

Arranjei uns óculos escuros, com os quais
tinha que usar lentes de contacto.

O dia de filmar a experiência chegou,

e eu saí do carro naquele traje.

A minha equipa olhou para mim...

e começaram a reprimir uns risinhos.

Estavam tipo...

(Risos)

E eu senti duas coisas distintas
neste momento.

Senti total constrangimento pelo facto de
ser mais do que óbvio para a minha equipa

que eu estava a adorar estar naquele fato.

(Risos)

Mas o produtor em mim lembrou-me

que, na cena em câmara lenta,

aquela capa esvoaçante iria
ficar fabulosa nas minhas costas.

(Risos)

Cinco anos de "Caçadores de Mitos" e fomos
convidados para a Comic-Con de São Diego.

Conhecia a Comic-Con há muitos anos
e nunca tinha tido tempo para lá ir.

Isto já era a sério...

Este era o epicentro das máscaras.

As pessoas vêm de todos
os cantos do mundo

para mostrar as suas fantásticas
criações em São Diego.

E eu queria participar.

Decidi criar um fato complexo
que me cobrisse completamente,

e iria passear pela Comic-Con
de San Diego anonimamente.

Que fato é que escolhi?

Hellboy.

Aquele não é o meu fato.
Aquele é mesmo o Hellboy.

(Risos)

Mas passei meses a criar o fato do Hellboy
mais fiel ao filme que consegui

Desde as botas, ao cinto, às calças,

à "mão direita da destruição".

Descobri um tipo que me fez uma prótese
da cabeça e peito do Hellboy, e usei isso.

Até pedi que me criassem
lentes de contato para o meu grau.

Usei-o no salão da Comic-Con

e nem queiram saber o calor
que aquele fato fazia.

(Risos)

Fiquei a transpirar!
Devia ter-me lembrado disto.

Estava a transpirar a potes
e as lentes magoavam-me os olhos

mas nada disso importava
porque eu estava totalmente apaixonado.

(Risos)

Não só pelo processo
de criar este fato e de andar por aí,

mas também pela comunidade
de outras pessoas mascaradas.

Não se referem a máscaras nas convenções.
Chamam-lhe "cosplay".

"Cosplay" é quando as pessoas se mascaram

dos personagens favoritos de filmes,
séries de TV, e desenhos animados.

Mas é muito mais do que isso.

Não são apenas pessoas
que encontram um fato e o vestem.

Misturam tudo.

Alteram os fatos ao seu gosto.

Alteram-nos para serem os personagens
que querem ser nessas produções.

São super hábeis e geniais.

Revelam a sua excentricidade
e é maravilhoso!

(Risos)

Mas mais do que isso,
ensaiam os seus fatos.

Na Comic-Con, e não só,

não se tiram apenas fotos
das pessoas que andam por lá.

Vai-se lá e diz-se:

"Gosto do teu fato,
posso tirar uma foto?"

E depois, dá-se tempo
para se colocarem numa pose.

Esforçaram-se na sua pose

para que os fatos fiquem
fantásticos nas vossas fotos.

E é tão lindo de se ver.

Eu levo isto muito a sério.

Nas convenções seguintes

adotei o andar cambaleante do Heath Ledger
enquanto Joker no "Cavaleiro das Trevas".

Aprendi a ser um assustador
Ringwraith do "Senhor dos Anéis",

e cheguei mesmo
a assustar algumas crianças.

Aprendi aquele "hrr hrr hrr"...

que o Chewbacca faz quando ri.

Vesti-me de Sem-Rosto
de "A Viagem de Chihiro".

Se não conhecem "A Viagem de Chihiro"
e o seu realizador, Hayao Miyazaki,

podem começar por me agradecer.

(Risos)

É uma obra-prima, e um dos meus
filmes preferidos de todos os tempos.

É sobre uma menina chamada Chihiro
que se perde no mundo dos espíritos

num parque temático japonês abandonado.

Ela encontra o caminho de volta
com a ajuda de alguns amigos que faz,

um dragão chamado Haku e
um demónio solitário chamado Sem-Rosto.

O Sem-Rosto sente-se só.
Ele quer fazer amigos,

e acha que a melhor maneira
é atraindo-os sedutoramente

criando ouro na sua mão.

Mas isto não dá muito resultado,

então ele acaba por entrar
numa onda de destruição

até que a Chihiro o salva e resgata.

Então elaborei um fato do Sem-Rosto,

e usei-o no salão da Comic-Con.

E pratiquei cuidadosamente
os gestos do Sem-Rosto.

Decidi que, neste fato,
não iria dizer palavra.

Quando pediam para tirar uma foto minha,

eu acenava que sim

e timidamente colocava-me ao seu lado.

Tiravam a foto e depois eu retirava do
meu manto uma moeda de ouro de chocolate.

Depois da foto,
eu fazia-a aparecer e dava-a.

"Ah, ah, ah..."

Deste modo.

E as pessoas passavam-se!

"Ena pá! Ouro do Sem-Rosto!
Meu deus, isto é tão fixe!"

Eu sentia o entusiasmo e andava por lá,
e era fantástico!

Passados quinze minutos algo acontece.

Alguém agarra a minha mão,

e põe lá a moeda de volta.

Eu pensei que talvez estivessem a dar-me
uma moeda em retribuição, mas não.

Esta era uma das moedas que eu dera.

Não sabia porquê.

Continuei a andar,
tirei mais umas fotos...

E então aconteceu novamente.

Reparem que eu não conseguia
ver nada neste fato.

Conseguia ver pela boca.
Conseguia ver os sapatos das pessoas.

Conseguia ouvir o que diziam
e conseguia ver os seus pés.

Mas à terceira vez que me devolveram
uma moeda, quis saber o que se passava.

Então inclinei a cabeça
para ter uma melhor visão,

e o que vi foi alguém
a afastar-se de mim e a fazer assim.

Foi aqui que percebi...

Dá azar aceitar dinheiro do Sem-Rosto.

No filme "A Viagem de Chihiro",

a má sorte cai sobre aqueles
que aceitam dinheiro do Sem-Rosto.

Isto não é uma relação
entre artista e audiência.

Isto é "cosplay"!

Todos nós naquele salão envolvemo-nos
numa narrativa que significa algo para nós.

Tornando-a algo nosso.

Estamos a ligar-nos a algo importante...

dentro de nós.

E as máscaras é como nos revelamos
uns aos outros.

Obrigado!

(Aplausos)