< Return to Video

Como fugi da escravidão | Manoel Cunha | TEDxAmazônia

  • 0:18 - 0:20
    Boa tarde a todos e todas.
  • 0:22 - 0:25
    Está fraco. Deve ser a falta do almoço.
  • 0:29 - 0:34
    Mas, a primeira coisa
    é agradecer o convite
  • 0:34 - 0:35
    feito pelo companheiro Denis.
  • 0:35 - 0:37
    Ele disse que ia ficar de férias,
  • 0:37 - 0:39
    deve estar aí na cadeira.
  • 0:39 - 0:43
    Obrigado, se não eu não teria
    esta oportunidade
  • 0:44 - 0:47
    de falar um pouco da minha história.
  • 0:47 - 0:51
    Mas aí, me veja
    como milhões de extrativistas
  • 0:51 - 0:55
    que estão por debaixo
    das camadas de floresta
  • 0:55 - 0:58
    e não teria esta oportunidade, Denis,
  • 0:58 - 1:01
    de falar aqui para um público
    tão importante
  • 1:01 - 1:04
    e num momento tão importante
  • 1:04 - 1:08
    em que todos estão juntando os esforços
  • 1:08 - 1:11
    no sentido de construir um mundo melhor
  • 1:11 - 1:15
    e mais justo para todos, porque merecemos.
  • 1:17 - 1:21
    Como já fui apresentado, sou Manoel Cunha,
  • 1:21 - 1:26
    filho do município de Carauari,
    no estado do Amazonas,
  • 1:27 - 1:32
    pouco mais de 700, 750 km
    daqui, em linha reta,
  • 1:32 - 1:36
    se pegar o rio é muito mais tempo
    para chegar lá.
  • 1:37 - 1:40
    E nasci em 2 de março de 1968,
  • 1:40 - 1:42
    não sou tão velho assim.
  • 1:42 - 1:48
    Mas, conheci boa parte, ainda,
    de uma história triste,
  • 1:48 - 1:51
    podemos dizer, velha, triste,
  • 1:51 - 1:54
    que incomodou muito a vida das pessoas.
  • 1:55 - 1:58
    E aconteceu muita coisa interessante
    na minha vida
  • 1:58 - 2:02
    que gostaria de tentar falar para vocês.
  • 2:03 - 2:06
    Nós somos 14 irmãos.
  • 2:07 - 2:11
    Criados por um velho
    chamado Joaquim Cunha.
  • 2:11 - 2:15
    Então, não tivemos
    muitas oportunidades na vida,
  • 2:15 - 2:17
    e uma delas foi de não poder estudar.
  • 2:18 - 2:23
    Naquele período, agora entrando
    mais direto no assunto,
  • 2:23 - 2:28
    os patrões não queriam
    que os filhos de seringueiros estudassem.
  • 2:28 - 2:35
    Diziam que para tirar a borracha
    não precisava ter escolaridade.
  • 2:35 - 2:40
    Nem imaginávamos que não queriam
    que nos educássemos
  • 2:40 - 2:44
    para que não virássemos a regra do jogo.
  • 2:44 - 2:46
    Imaginávamos que estavam certos mesmo,
  • 2:46 - 2:51
    que para tirar borracha
    não precisava ter escolaridade nenhuma.
  • 2:51 - 2:54
    Então, quando tinha 11 anos de idade,
  • 2:54 - 2:58
    estava me manifestando a ir
    para a floresta mais o meu pai,
  • 2:58 - 3:00
    para ajudá-lo a colher borracha,
  • 3:00 - 3:05
    o patrão, vizinho do nosso,
    conseguiu uma escola.
  • 3:06 - 3:09
    Não era uma escola, mas era uma permissão
  • 3:09 - 3:16
    para a esposa do patrão ensinar
    aquele povo que morava no campo.
  • 3:17 - 3:20
    Moravámos a uma hora e meia de remo,
  • 3:20 - 3:24
    como bem mostrou o nosso companheiro
    de saúde e alegria,
  • 3:24 - 3:26
    para chegar até lá.
  • 3:26 - 3:29
    Mas, mesmo assim, meu pai
    tomou uma decisão muito importante
  • 3:29 - 3:31
    na vida dele e na vida de todos nós:
  • 3:31 - 3:34
    colocar duas irmãs para estudar
  • 3:34 - 3:39
    com o objetivo de
    que pudessem se alfabetizar
  • 3:39 - 3:42
    e depois nos alfabetizar em casa,
  • 3:42 - 3:43
    já que não podíamos ir para a escola
  • 3:43 - 3:46
    porque tínhamos de ir
    para a estrada de seringa.
  • 3:46 - 3:49
    A professora tinha pena delas.
  • 3:49 - 3:54
    Então, só deixava elas irem
    três dias por semana à aula,
  • 3:54 - 3:56
    dois dias ela dava em forma de tarefa.
  • 3:57 - 4:00
    Eu, com muita boa vontade
    de aprender a ler e escrever,
  • 4:00 - 4:03
    consegui me alfabetizar com elas,
  • 4:03 - 4:06
    quando se juntavam
    para fazer as tarefas delas.
  • 4:06 - 4:13
    Então, aí consegui me alfabetizar,
    apenas sou alfabetizado, dessa forma.
  • 4:13 - 4:16
    E aí, começou toda a minha vida.
  • 4:16 - 4:19
    Mas me enfiei na produção de borracha
  • 4:19 - 4:23
    e naquela vida humilhante que vivíamos
  • 4:23 - 4:25
    Lembro até hoje.
  • 4:26 - 4:29
    Teve um ano em que meu pai
    teve um problema de saúde
  • 4:29 - 4:35
    e só conseguiu chegar nas seringueiras
    no mês de outubro,
  • 4:35 - 4:40
    e a época do verão, para nós,
    é de julho a dezembro.
  • 4:41 - 4:44
    E, nesse ano, meu pai chegou em outubro,
  • 4:44 - 4:47
    só havia os outros dois meses do ano,
  • 4:47 - 4:51
    e o patrão tinha uma regra que,
    no dia 31 de dezembro,
  • 4:51 - 4:53
    tinha que tirar todas as tigelas do mato,
  • 4:53 - 4:58
    tirar tigelas do mato,
    não podia mais coletar borracha.
  • 4:58 - 5:01
    Meu pai foi obrigado a seguir aquela regra
  • 5:01 - 5:06
    e passamos mais necessidade
    do que já passávamos.
  • 5:08 - 5:12
    Se for contar aqui,
    são inúmeras as humilhações.
  • 5:12 - 5:15
    Por exemplo, se você pescasse...
  • 5:15 - 5:17
    esse lago aqui é o Lago do Mandioca,
  • 5:17 - 5:21
    do seringal São Romão, onde morava.
  • 5:21 - 5:26
    O patrão determinava que só podia pescar
    aqui a partir do dia 1º de agosto.
  • 5:26 - 5:28
    Um exemplo.
  • 5:28 - 5:31
    E se nós, por uma necessidade,
    para alimentação,
  • 5:31 - 5:34
    pescássemos naquele lago
    antes daquela data,
  • 5:34 - 5:37
    era motivo para perder a sua colocação.
  • 5:37 - 5:42
    Perder a sua colocação, naquela região,
    era quase perder a vida
  • 5:42 - 5:47
    porque todas as colocações de seringueiro
    estavam ocupadas,
  • 5:47 - 5:50
    então não tinha nenhuma
    colocação sobrando.
  • 5:50 - 5:52
    Então, nos humilhávamos até o último ponto
  • 5:52 - 5:55
    para que não perdêssemos a colocação.
  • 5:55 - 5:59
    Matar um peixe num lugar
    que não era autorizado
  • 5:59 - 6:04
    também era motivo
    de perder a sua colocação.
  • 6:04 - 6:07
    E no sistema de trabalho que tínhamos,
  • 6:07 - 6:09
    não se sabia por quanto
    se vendia a produção
  • 6:09 - 6:12
    nem por quanto se comprava a mercadoria,
  • 6:12 - 6:16
    só ouvíamos uma voz grossa por detrás
    dum balcão no final do ano, dizendo:
  • 6:16 - 6:21
    "Você ficou devendo, precisa produzir
    mais borracha no ano que vem".
  • 6:22 - 6:25
    Começamos a perceber
    que quanto mais produzíamos,
  • 6:25 - 6:27
    mais apresentava o débito,
  • 6:27 - 6:29
    para que pudessémos produzir mais
  • 6:29 - 6:34
    para gerar mais riqueza para ele,
    já que todo o lucro era dele.
  • 6:34 - 6:36
    Aí, eu, como muitos...
  • 6:36 - 6:40
    e, como disse,
    estou falando aqui em nome de muitos...
  • 6:40 - 6:42
    começamos a nos revoltar com isso,
  • 6:42 - 6:43
    a achar que não estava certo,
  • 6:43 - 6:45
    mas não tínhamos como fazer diferente.
  • 6:46 - 6:49
    Aí, já estava grande nesse tempo,
  • 6:49 - 6:52
    já era casado, já era pai de três filhos,
  • 6:52 - 6:57
    e em toda essa vida em que nasci
    e me criei, até os 24 anos,
  • 6:57 - 7:01
    conheci apenas 14 praias de um rio,
  • 7:01 - 7:05
    o equivalente a 40 minutos de voadeira 40.
  • 7:05 - 7:08
    Então, minha vida estava
    toda determinada àquele lugar.
  • 7:08 - 7:10
    Então, nunca tive nenhuma oportunidade
  • 7:10 - 7:13
    de que alguém me falasse
    de outro mecanismo,
  • 7:13 - 7:19
    que fosse possível se implantar
    para se mudar a região,
  • 7:19 - 7:23
    para mudar o jeito de produzir de alguém.
  • 7:24 - 7:28
    E aí, um certo dia, mais ou menos
    pelo mês de maio,
  • 7:28 - 7:31
    ouvimos um aviso no rádio
  • 7:31 - 7:36
    de uma instituição chamada MEB,
    Movimento de Educação de Base,
  • 7:36 - 7:38
    que era ligado à Igreja Católica,
  • 7:38 - 7:43
    que iriam fazer um trabalho
    de mobilização dos seringueiros.
  • 7:43 - 7:45
    Esperamos...
  • 7:45 - 7:48
    e por volta de 8 horas da noite,
    numa certa noite,
  • 7:48 - 7:51
    subiram na casa do meu pai,
  • 7:51 - 7:56
    e falaram dessa outra vida
    que era possível se viver.
  • 7:56 - 8:00
    E lembro até hoje das pessoas dizendo:
  • 8:00 - 8:03
    "Vocês podem se organizar,
    os seringueiros,
  • 8:03 - 8:06
    o que está na ponta de cima,
    o da ponta de baixo, o do meio
  • 8:06 - 8:08
    e formarem uma comunidade,
  • 8:08 - 8:13
    aí vocês criam força
    para reivindicar escola, posto de saúde,
  • 8:13 - 8:15
    e aí os filhos de vocês vão poder estudar.
  • 8:15 - 8:19
    E o mais interessante,
    é que as comunidades lá de baixo,
  • 8:19 - 8:21
    eram as comunidades
    mais próximas do município,
  • 8:21 - 8:24
    já estão se organizando em associação.
  • 8:25 - 8:29
    E o objetivo é que possamos vender
    os nossos próprios produtos
  • 8:29 - 8:32
    através das nossas organizações
  • 8:32 - 8:37
    e eliminar esse sistema criminoso
    que os patrões têm".
  • 8:37 - 8:42
    Aquele dia, acho que foi o dia
    de maior alegria de minha vida,
  • 8:42 - 8:47
    porque consegui ver ali que tinha
    uma outra forma, diferente,
  • 8:47 - 8:51
    da pessoa viver e viver dignamente.
  • 8:51 - 8:53
    Aí começou toda a luta.
  • 8:53 - 9:00
    Aí pulo um bom pedaço da história
    para dizer que em 1997
  • 9:00 - 9:05
    conseguimos criar a primeira reserva
    extrativista do estado do Amazonas,
  • 9:05 - 9:09
    lá nas minhas comunidades,
    lá no Médio Juruá.
  • 9:09 - 9:12
    (Aplausos)
  • 9:17 - 9:20
    E hoje esse mesmo público,
  • 9:20 - 9:24
    que passou por essa tremenda humilhação
  • 9:24 - 9:26
    que tentei dizer aqui,
  • 9:26 - 9:30
    essa associação cresceu, se mobilizou.
  • 9:30 - 9:33
    Os nossos seringueiros individuais,
    do seringal São Romão,
  • 9:33 - 9:36
    transformamo-nos numa comunidade
  • 9:36 - 9:40
    e me tornei líder dela
    e me tornei professor.
  • 9:40 - 9:42
    Interessante, nunca fui aluno,
  • 9:42 - 9:46
    mas fui professor por quatro anos
    para a minha comunidade.
  • 9:46 - 9:48
    Com uma diferença:
  • 9:48 - 9:54
    sempre vi na educação não só o aprender
    a ler e escrever, nem ver números,
  • 9:54 - 10:00
    mas um mecanismo, um meio, uma luz acesa
  • 10:00 - 10:03
    para a transformação de uma sociedade.
  • 10:03 - 10:09
    Tentei colocar isso para aqueles jovens
    e adultos que comecei a formar.
  • 10:09 - 10:12
    Acho que hoje, sem discriminar
    nenhuma região,
  • 10:12 - 10:18
    mas uma das regiões que têm o maior
    acúmulo de lideranças comunitárias,
  • 10:18 - 10:20
    é a comunidade São Raimundo
  • 10:20 - 10:23
    e especialmente a Reserva
    Extrativista do Médio Juruá.
  • 10:23 - 10:26
    E talvez, fui parte dessa história
  • 10:26 - 10:30
    por esse sentido de educar
    de uma forma diferente,
  • 10:30 - 10:34
    preparando para enfrentar
    a problemática do dia a dia.
  • 10:35 - 10:38
    Nessas comunidades,
    voltando agora para os dias atuais,
  • 10:38 - 10:41
    em que vivíamos nessa situação,
  • 10:41 - 10:46
    hoje toda a produção
    é vendida através da associação
  • 10:46 - 10:50
    ou da cooperativa direto aos consumidores.
  • 10:50 - 10:54
    A nossa companheira da Natura,
    quando fez a apresentação dela,
  • 10:54 - 10:57
    um dos pontos que apresentou
    foi o Médio Juruá.
  • 10:57 - 11:03
    Então, as comunidades do Médio Juruá
    fornecem em torno de 15 a 20 toneladas
  • 11:03 - 11:08
    de óleo vegetal direto para a Cognis,
    em Jacareí, São Paulo.
  • 11:08 - 11:11
    Sai da torneira da usina,
    de dentro da reserva extrativista,
  • 11:11 - 11:17
    e vai para Jacareí, São Paulo,
    para que a Cognis faça o beneficiamento
  • 11:17 - 11:19
    e depois repasse à Natura.
  • 11:19 - 11:22
    A borracha que sai
    de dentro daquelas comunidades,
  • 11:22 - 11:25
    ou ia para Sena Madureira, no Acre,
  • 11:25 - 11:27
    que era onde tinha
    uma usina de beneficiamento,
  • 11:27 - 11:31
    ou ia para Manicoré,
    no estado do Amazonas.
  • 11:31 - 11:37
    A farinha que sobra da produção
    familiar é vendida num balcão
  • 11:37 - 11:41
    da própria associação, dentro da cidade.
  • 11:41 - 11:43
    Os produtos, os outros produtos,
  • 11:43 - 11:46
    a vassoura, o remo, o artesanato, então,
  • 11:46 - 11:50
    todos os produtos são vendidos
    direto a quem consome,
  • 11:50 - 11:53
    ou a quem dá o tratamento final,
  • 11:53 - 11:57
    no caso da Natura
    que transforma os óleos em cosméticos.
  • 11:57 - 11:58
    E o que é mais interessante,
  • 11:58 - 12:02
    nesse período de vida
    que tínhamos, por exemplo,
  • 12:02 - 12:05
    vivi muito tempo da minha vida
    com duas blusas
  • 12:05 - 12:08
    e tinha que torcer
    para fazer sol para enxugar,
  • 12:08 - 12:10
    para quando chegar em casa, vestir,
  • 12:10 - 12:12
    porque tinha uma que levávamos
    para o trabalho
  • 12:12 - 12:15
    e outra que a mãe
    ficava para bater na tábua.
  • 12:15 - 12:20
    Hoje, as pessoas vivem dignamente
    dentro dessa reserva.
  • 12:20 - 12:25
    E essa reserva já deu possibilidade
    de criar, diria,
  • 12:25 - 12:28
    mais de uma dezena de outras unidades
    de conservação.
  • 12:28 - 12:32
    As pessoas, quando vão fazer as palestras,
  • 12:32 - 12:35
    mobilizar as comunidades
    para criar as unidades de conservação,
  • 12:35 - 12:38
    usam sempre o Médio Juruá como exemplo
  • 12:38 - 12:41
    de uma região que saiu
    dessa situação de escravidão
  • 12:41 - 12:44
    e hoje tem uma independência total,
  • 12:44 - 12:48
    um movimento muito forte,
    muito organizado.
  • 12:48 - 12:52
    Por último, agora foi implantado
    o comércio ribeirinho solidário
  • 12:52 - 12:54
    que são cantinas, nós chamamos de cantina,
  • 12:54 - 12:59
    mas são como um pequeno supermercado
    espalhado em todas as comunidades.
  • 12:59 - 13:04
    Estou falando de uma área
    de 400km em linha reta,
  • 13:04 - 13:09
    da sede do município até a última
    comunidade que atendemos.
  • 13:09 - 13:13
    Estou falando de mais
    de 54 horas de barco,
  • 13:13 - 13:15
    que é o meio de transporte que temos,
  • 13:15 - 13:16
    fazendo todas essas curvas do rio.
  • 13:16 - 13:21
    Então, um povo que conseguiu,
    dentro dos seus esforços,
  • 13:21 - 13:25
    dentro da perseguição da polícia,
    que essa parte pulei,
  • 13:25 - 13:26
    das perseguições dos patrões,
  • 13:26 - 13:30
    conseguiu encontrar
    uma forma de sobreviver.
  • 13:30 - 13:34
    E o mais interessante,
    sobreviver de forma sustentável.
  • 13:34 - 13:36
    Tudo que é feito naquela reserva
  • 13:36 - 13:41
    é feito olhando para as presentes
    e futuras gerações.
  • 13:41 - 13:42
    E se me permitem,
  • 13:42 - 13:44
    queria contar uma história da andiroba.
  • 13:44 - 13:46
    Quando começamos,
  • 13:46 - 13:48
    eu era presidente da associação na época,
  • 13:48 - 13:52
    começamos a fazer um estudo
    do potencial da andiroba
  • 13:52 - 13:55
    junto com a Universidade
    do Estado do Amazonas,
  • 13:55 - 14:00
    encontrávamos, numa hora ou outra,
    um tablado de andiroba nas casas,
  • 14:00 - 14:03
    e dizíamos: "Corta outra árvore,
    deixa a andiroba,
  • 14:03 - 14:04
    estamos pesquisando".
  • 14:05 - 14:09
    A andiroba só servia
    para medicina caseira,
  • 14:09 - 14:14
    ou para fazer o sabão de soda,
  • 14:14 - 14:18
    que era mais barato do que comprar
    o sabão industrializado.
  • 14:18 - 14:21
    E quando esse projeto se consolidou...
  • 14:21 - 14:24
    inclusive a Natura, porque
    o grande objetivo era gerar energia
  • 14:24 - 14:28
    a partir de óleo vegetal,
    e gerou, e gera até hoje.
  • 14:28 - 14:30
    Qualquer um de vocês pode ir lá ver.
  • 14:30 - 14:33
    Mas a Natura apareceu,
    justamente nesse período, em 2002,
  • 14:33 - 14:36
    interessada em comprar essa matéria-prima.
  • 14:36 - 14:41
    Dissemos: "Não, espere aí.
    A Natura quer comprar a R$ 8/kg de óleo,
  • 14:41 - 14:46
    o litro de óleo diesel custa R$ 0,92,
    alguma coisa assim.
  • 14:46 - 14:49
    Escute, dá para comprar o diesel
    e ainda comprar o rancho de casa".
  • 14:49 - 14:52
    E aí, começamos a queimar nos motores,
  • 14:52 - 14:55
    mas também, boa parte vender.
  • 14:55 - 14:59
    E hoje é um contrato, inclusive,
    bastante justo, bastante organizado,
  • 14:59 - 15:04
    que é feito entre comunidade
    e Natura, cooperativa e Cognis,
  • 15:04 - 15:08
    sempre o Conselho do Seringueiro
    está nessa hora da negociação,
  • 15:08 - 15:11
    é uma coisa bastante respeitosa.
  • 15:11 - 15:16
    Inclusive, estão discutindo
    agora o Fundo do Médio Juruá,
  • 15:16 - 15:18
    com o objetivo de apresentar projetos.
  • 15:18 - 15:19
    Mas, voltando à questão.
  • 15:19 - 15:22
    Então, quando as famílias começaram
    a vender essa matéria-prima
  • 15:22 - 15:27
    a R$ 8, 10, 14, 18,
    hoje é vendida a R$ 24/kg
  • 15:27 - 15:30
    de óleo de andiroba
    ou de manteiga de murumuru,
  • 15:30 - 15:33
    nos dias de hoje, aquela mesma família,
  • 15:33 - 15:35
    que não via na andirobeira a importância,
  • 15:35 - 15:40
    que às vezes cortava para fazer a madeira
    da sua casa, não para vender,
  • 15:40 - 15:44
    hoje, ele quer saber,
    nas picadas de andiroba,
  • 15:44 - 15:47
    qual foi a criança atrevida que passou lá
  • 15:47 - 15:50
    e deu um corte na sacupemba
    da andirobeira dele,
  • 15:50 - 15:53
    porque está com medo
    de atrapalhar a frutificação dela.
  • 15:53 - 15:58
    E conto essa história para dizer
    da nossa responsabilidade
  • 15:58 - 16:01
    em encontrar o verdadeiro
    valor da floresta,
  • 16:01 - 16:05
    encontrar a forma de valorizar
    o trabalho de conservação de floresta
  • 16:05 - 16:07
    que nossas populações fazem.
  • 16:07 - 16:09
    Porque, quando encontramos isso,
  • 16:09 - 16:12
    como o Médio Juruá encontrou
    na andiroba, no murumuru,
  • 16:12 - 16:17
    eles não precisam de lei
    nem de fiscais para fiscalizar.
  • 16:17 - 16:20
    O melhor fiscal é a própria comunidade,
  • 16:20 - 16:23
    é o próprio usuário do meio que ele tem,
  • 16:23 - 16:26
    assim que ele compreende esse processo.
  • 16:26 - 16:28
    Então, isso mostra para mim...
  • 16:28 - 16:32
    e comecei agora a falar
    um pouco da minha vida.
  • 16:32 - 16:34
    Passei pela presidência da associação
  • 16:34 - 16:39
    e cheguei à presidência do Conselho
    Nacional das Populações Extrativistas.
  • 16:39 - 16:44
    Até julho do ano passado era chamado
    de Conselho Nacional Seringueiro.
  • 16:44 - 16:46
    Acho que não foi porque...
  • 16:46 - 16:49
    primeiro porque sou muito feio
    e não tenho leitura nem escrita,
  • 16:49 - 16:52
    mas talvez por defender
    seriamente essa questão
  • 16:52 - 16:58
    da importância da convivência
    em harmonia do homem com a floresta.
  • 16:58 - 17:00
    As mudanças climáticas estão aí,
  • 17:00 - 17:04
    estão atingindo gravemente
    as nossas comunidades,
  • 17:04 - 17:06
    e mesmo assim, muita gente,
  • 17:06 - 17:08
    não esse público que está aqui,
  • 17:08 - 17:09
    não compreende isso.
  • 17:09 - 17:16
    E trouxe uma água para cá, para fechar,
    depois de contar essa história.
  • 17:16 - 17:20
    Convidar, fazer um convite a todos vocês.
  • 17:21 - 17:25
    O Conselho do Seringueiro é uma
    instituição de base, sem fins econômicos,
  • 17:25 - 17:30
    que vive de doações, mas tem
    um trabalho muito bonito na Amazônia.
  • 17:30 - 17:33
    Um deles é mais de quase 20 milhões
    de hectares de floresta,
  • 17:33 - 17:35
    com populações extrativistas,
  • 17:35 - 17:42
    e essa política fomos nós
    que puxamos junto ao governo pelo CNS.
  • 17:42 - 17:45
    Mas, dizer para vocês, para fechar.
  • 17:45 - 17:51
    Só queria que todos que estão aqui
    ajudassem a passar esse recado.
  • 17:51 - 17:55
    As pessoas imaginam
    que a grande devastação da Amazônia
  • 17:55 - 17:58
    é pela ganância da moeda.
  • 17:58 - 18:01
    Mas, as pessoas não compreendem
  • 18:01 - 18:05
    que quando não tiver
    mais água potável para beber,
  • 18:06 - 18:10
    não tiver mais esse ar gostoso
    para respirar...
  • 18:12 - 18:15
    isso que está no meu bolso,
    não vai valer mais nada,
  • 18:15 - 18:20
    não vai salvar nem a minha vida,
    nem a vida do meu filho,
  • 18:20 - 18:22
    nem a vida do planeta.
  • 18:22 - 18:25
    É a tal da moeda que gera tanta ganância.
  • 18:25 - 18:27
    Obrigado a todos.
  • 18:27 - 18:30
    (Aplausos)
Title:
Como fugi da escravidão | Manoel Cunha | TEDxAmazônia
Description:

Manuel Cunha era um adolescente que trabalhava na extração de borracha, um seringueiro, quando decidiu que não queria mais trabalhar em regime de semiescravidão. Ele convenceu seus companheiros a penetrarem na floresta, durante dias, de barco, pelo rio, em busca de autonomia. Hoje, com mais de 50 anos, ele é o presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

more » « less
Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
18:39

Portuguese, Brazilian subtitles

Revisions