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Shakespeare, Marlowe e os seus judeus | John Kleiner | TEDxWilliamsCollege

  • 0:10 - 0:13
    Marlowe e Shakespeare entraram num bar...
  • 0:13 - 0:14
    (Risos)
  • 0:14 - 0:17
    É assim que começa a anedota
  • 0:17 - 0:20
    que Tom Stoppard engendrou em 1997
  • 0:20 - 0:22
    sobre os dramaturgos.
  • 0:22 - 0:24
    Stoppard, nessa época,
  • 0:24 - 0:27
    estava a escrever o guião
    para "A Paixão de Shakespeare",
  • 0:27 - 0:29
    um filme que, em elevado grau,
  • 0:29 - 0:33
    trata do tipo de questões normalmente
    reservadas aos críticos literários.
  • 0:34 - 0:37
    Porque é que Shakespeare
    veio a ser um dramaturgo trágico?
  • 0:37 - 0:39
    Onde é que ele encontrou a sua voz?
  • 0:39 - 0:42
    De onde surgiu a ideia
    de "Romeu e Julieta"?
  • 0:43 - 0:46
    No final, "A Paixão de Shakespeare"
    responde a estas perguntas,
  • 0:46 - 0:48
    de acordo com as linhas
    convencionais de Hollywood.
  • 0:49 - 0:51
    É o amor que é a resposta.
  • 0:52 - 0:55
    É o amor que explica
    o génio de Shakespeare.
  • 0:56 - 0:58
    Mas, antes de o filme lá chegar,
  • 0:58 - 1:00
    Marlowe e Shakespeare entram num bar.
  • 1:01 - 1:03
    (Vídeo): Shakespeare:
    Um pouco para provar.
  • 1:03 - 1:05
    Insisto — e um copo para Mr. Marlowe.
  • 1:06 - 1:08
    Ouvi dizer que tens uma peça nova
    para o Curtin.
  • 1:09 - 1:11
    Marlowe: Nova não...
    o meu "Doutor Fausto".
  • 1:11 - 1:13
    S: Gostei muito do teu primeiro trabalho.
  • 1:13 - 1:16
    "Era este o rosto que lançou mil navios,
  • 1:16 - 1:19
    "e incendiou as torres de Illium?"
  • 1:19 - 1:21
    M: Tenho quase pronta
    uma nova e melhor:
  • 1:21 - 1:24
    "O Massacre de Paris".
  • 1:25 - 1:26
    S: Um bom título.
  • 1:27 - 1:28
    M: Hm... e o teu?
  • 1:29 - 1:31
    S: "Romeu e Ethel: Filha do Pirata".
  • 1:33 - 1:35
    Pois, eu sei, eu sei...
  • 1:35 - 1:37
    M: Qual é a história?
  • 1:38 - 1:40
    S: Bom, há um pirata...
  • 1:43 - 1:45
    Na verdade, ainda não escrevi uma palavra.
  • 1:46 - 1:48
    M: Romeu...
  • 1:48 - 1:51
    Romeu é italiano.
  • 1:52 - 1:54
    sempre entre dois amores
  • 1:54 - 1:56
    S: Sim, isso é bom... até que encontra...
  • 1:57 - 1:59
    M: Ethel...
    S: Achas?
  • 1:59 - 2:01
    M: A filha do seu inimigo.
    S: A filha do seu inimigo.
  • 2:01 - 2:05
    M: O seu melhor amigo é morto
    num duelo com o irmão de Ethel
  • 2:05 - 2:07
    uma coisa assim. Chama-se Mercutio.
  • 2:07 - 2:09
    S: Mercutio... um bom nome.
  • 2:09 - 2:11
    Homem: Will, estão à tua espera
  • 2:11 - 2:12
    S: Já vou.
  • 2:13 - 2:15
    Boa sorte para ti.
  • 2:19 - 2:21
    John Kleiner: No outono,
    dei finalmente um curso
  • 2:21 - 2:23
    que andava na minha cabeça,
  • 2:23 - 2:25
    uma recriação da anedota de Stoppard.
  • 2:26 - 2:29
    Marlowe e Shakespeare entravam
    no meu gabinete todas as semanas.
  • 2:29 - 2:33
    Todas as semanas, púnhamos
    os dois dramaturgos em contacto.
  • 2:33 - 2:36
    Durante o período
    lemos quatro peças de Shakespeare,
  • 2:36 - 2:40
    quatro de Marlowe e os seus
    poemas de amor demasiado longos:
  • 2:40 - 2:43
    "Vénus e Adónis", "Hero e Leandro".
  • 2:43 - 2:46
    O objetivo do curso
    não era provar nada em especial
  • 2:46 - 2:49
    sobre Marlowe e Shakespeare,
  • 2:49 - 2:51
    mas fazer uma experiência.
  • 2:51 - 2:54
    O que acontece quando
    estes dois dramaturgos,
  • 2:54 - 2:56
    que viveram lado a lado,
  • 2:56 - 3:01
    e que podem ter-se encontrado ou não,
  • 3:01 - 3:03
    são lidos lado a lado?
  • 3:03 - 3:07
    O que acontece quando Marlowe
    e Shakespeare entram num bar?
  • 3:07 - 3:11
    Hoje vou tentar recriar a anedota
    de Stoppard de forma um pouco diferente.
  • 3:11 - 3:15
    Vou pôr duas passagens a conversar,
  • 3:15 - 3:18
    uma representa Marlowe
    a outra representa Shakespeare,
  • 3:18 - 3:21
    e ver o que eles têm a dizer um ao outro.
  • 3:24 - 3:26
    A passagem à vossa esquerda é de Marlowe.
  • 3:26 - 3:30
    É da sua peça de 1589, "O Judeu de Malta".
  • 3:31 - 3:33
    E descreve o herói epónimo da peça,
  • 3:33 - 3:36
    um mercador judeu chamado Barabas.
  • 3:37 - 3:41
    Quando a peça começa,
    Barabas é excecionalmente rico,
  • 3:41 - 3:44
    de longe o homem mais rico de Malta.
  • 3:44 - 3:47
    A riqueza acumulada de Barabas
    é tão grande
  • 3:47 - 3:49
    que, no discurso de abertura da peça,
  • 3:49 - 3:52
    ele diz que a contagem dela é um tédio.
  • 3:53 - 3:57
    Então, numas escassas cem linhas
    da peça, Barabas perde tudo.
  • 3:58 - 4:01
    Os barcos, os bens, a riqueza,
  • 4:02 - 4:04
    tudo lhe é extorquido.
  • 4:04 - 4:08
    É expulso da sua casa
    que passa a ser um convento.
  • 4:08 - 4:10
    Isto acontece porque os cristãos de Malta
  • 4:11 - 4:13
    precisam de dinheiro para pagar aos turcos
  • 4:13 - 4:16
    e porque Barabas, enquanto judeu,
    é um alvo fácil.
  • 4:17 - 4:21
    É esta a explicação
    para a espoliação de Barabas.
  • 4:23 - 4:28
    Marlowe não se esforça por disfarçar
    ou melhorar os motivos dos cristãos.
  • 4:29 - 4:31
    Na passagem à vossa esquerda,
  • 4:31 - 4:34
    Barabas dá voz à sua perda.
  • 4:34 - 4:37
    Mesmo quando os outros judeus
    lhe aconselham paciência,
  • 4:37 - 4:39
    Barabas insiste em ser ouvido,
  • 4:40 - 4:42
    insiste em se exprimir.
  • 4:42 - 4:46
    Quer que a audiência saiba
    o que ele está a sentir,
  • 4:47 - 4:50
    que partilhe a sua desgraça,
    na sua imaginação.
  • 4:50 - 4:54
    Compara-se a um capitão
    no campo de uma batalha
  • 4:54 - 4:57
    cujas armas lhe foram tiradas
  • 4:57 - 5:00
    e cujos soldados jazem mortos a seus pés.
  • 5:01 - 5:04
    Não deviam deixar respirar um tal homem?
  • 5:06 - 5:09
    O que Barabas pede
    pode parecer-nos banal,
  • 5:09 - 5:12
    mas não o era em 1589.
  • 5:12 - 5:16
    A ação que ocorre ficticiamente em Malta
  • 5:16 - 5:19
    reproduz a real espoliação
    dos judeus ingleses.
  • 5:20 - 5:24
    Tal como Barabas é espoliado
    da sua riqueza e expulso da sua casa,
  • 5:24 - 5:26
    o mesmo aconteceu aos judeus de Inglaterra
  • 5:26 - 5:30
    espoliados e exilados por Eduardo I,
  • 5:30 - 5:34
    banidos do seu país,
    como tantos estrangeiros e estranhos.
  • 5:35 - 5:40
    Na multidão a que Barabas se dirige
    no Rose Theatre em 1589,
  • 5:40 - 5:43
    não havia um único judeu a ouvi-lo,
  • 5:43 - 5:45
    nem um único judeu a chorar,
  • 5:45 - 5:47
    como choram os judeus
    na peça de Marlowe,
  • 5:49 - 5:53
    quando Marlowe permite que aqueles judeus
    exprimam a sua simpatia por Barabas,
  • 5:53 - 5:56
    como se fosse um impulso humano básico.
  • 5:57 - 6:00
    "É uma tristeza ver um homem
    em tamanha aflição".
  • 6:01 - 6:05
    Marlowe está a fazer uma coisa
    surpreendente para a sua época,
  • 6:05 - 6:08
    uma coisa que roça a ilegalidade.
  • 6:09 - 6:13
    A segunda passagem à vossa direita
    é de "O Mercador de Veneza".
  • 6:13 - 6:17
    Muitos de vós reconhecê-la-ão
    como o conhecido discurso de Shylock.
  • 6:18 - 6:21
    A linguagem de Shylock, claro,
    é diferente da de Barabas.
  • 6:21 - 6:24
    No entanto, é difícil não notar
    a influência da peça de Marlowe
  • 6:24 - 6:27
    que precede a de Shakespeare
    em sete ou oito anos.
  • 6:29 - 6:33
    De novo, aparece um judeu
    a descrever o seu infortúnio.
  • 6:34 - 6:38
    De novo, um judeu fala em voz alta
    do seu sofrimento, para uma audiência
  • 6:38 - 6:41
    a quem pede para o acompanhar,
    em imaginação.
  • 6:43 - 6:48
    E de novo, este convite para a empatia
    revela uma contradição.
  • 6:50 - 6:53
    Antonio, o herói nominal
    de "O Mercador de Veneza",
  • 6:53 - 6:56
    juntamente com os seus amigos cristãos,
    tinha escarnecido de Shylock.
  • 6:56 - 7:00
    Tinham-se rido da deserção
    da sua filha Jessica,
  • 7:00 - 7:03
    tinham-lhe cuspido em cima, na rua
  • 7:03 - 7:05
    e tinham feito tudo isso sem escrúpulos.
  • 7:07 - 7:10
    A degradação de Shylock não os comove,
  • 7:10 - 7:12
    porque eles compreendem-na,
  • 7:12 - 7:14
    porque, tal como a compreendem,
  • 7:14 - 7:16
    ele é diferente deles,
  • 7:16 - 7:18
    não passa de um judeu.
  • 7:18 - 7:19
    um estranho,
  • 7:20 - 7:21
    um estrangeiro.
  • 7:22 - 7:23
    "Cão judeu!"
  • 7:23 - 7:26
    é um dos epítetos preferidos para Shylock.
  • 7:28 - 7:32
    Porém, quando o sofrimento de Shylock
    se torna visível no palco,
  • 7:32 - 7:36
    se torna vivo na sua linguagem,
    essa justificação desvanece-se.
  • 7:36 - 7:41
    Sofrer não é ser judeu ou cristão,
  • 7:41 - 7:43
    é ser um ser humano.
  • 7:44 - 7:46
    Na sua vulnerabilidade,
  • 7:46 - 7:49
    Shylock não é diferente
    dos seus perseguidores:
  • 7:50 - 7:53
    "Se nos espetarem, nós não sangramos?"
  • 7:54 - 7:58
    "Se nos envenenarem, nós não morremos?"
  • 7:58 - 8:02
    Que tanto Marlowe como Shakespeare
    permitam que os seus judeus falem assim
  • 8:02 - 8:05
    sugerem, segundo penso,
    uma compreensão comum,
  • 8:05 - 8:06
    da parte deles,
  • 8:06 - 8:10
    sobre o empreendimento peculiar
    em que se empenham.
  • 8:10 - 8:13
    Ambos os dramaturgos
    reconhecem no teatro
  • 8:13 - 8:16
    uma capacidade única
    de tornar acessível uma moção,
  • 8:17 - 8:20
    um meio de dissolver
    ou de ultrapassar as diferenças.
  • 8:21 - 8:23
    Quando um personagem
    descreve o seu sofrimento,
  • 8:24 - 8:25
    quando o representa,
  • 8:26 - 8:30
    uma audiência sente-o
    e torna-se igual a ele,
  • 8:31 - 8:33
    mesmo que por breves momentos.
  • 8:34 - 8:36
    Ponham um judeu no palco
  • 8:37 - 8:39
    e, enquanto ele falar
    de modo comovente,
  • 8:39 - 8:42
    reconhecemo-nos a nós mesmos nele.
  • 8:43 - 8:47
    É isso que Marlowe e Shakespeare
    estão a dizer um ao outro.
  • 8:47 - 8:49
    É isso que Shakespeare
    vai buscar a Marlowe
  • 8:50 - 8:55
    ou, pelo menos, esta parte da conversa
    sobre judeus no teatro,
  • 8:55 - 8:58
    faz parte desta conversa
    sobre judeus no teatro,
  • 8:58 - 9:01
    a parte mais fácil e mais saborosa.
  • 9:03 - 9:05
    Como já referi,
  • 9:05 - 9:09
    os judeus na peça de Marlowe
    saem com lágrimas nos olhos.
  • 9:09 - 9:11
    Barabas despede-se deles
  • 9:11 - 9:15
    e, depois, sozinho,
    apodera-se do palco.
  • 9:15 - 9:17
    Uma vez sozinho,
  • 9:17 - 9:21
    Barabas avança mais um pouco
    aproxima-se da boca de cena,
  • 9:21 - 9:23
    pelo menos, é como eu o imagino.
  • 9:23 - 9:25
    Aproxima-se da boca de cena
  • 9:25 - 9:28
    perto da multidão dos espetadores,
  • 9:28 - 9:30
    reunidos a seus pés,
  • 9:30 - 9:33
    e, ali, provoca-os:
  • 9:34 - 9:38
    "Vejam a simplicidade
    destes escravos básicos,
  • 9:38 - 9:42
    "que, para os vilões,
    não têm inteligência.
  • 9:42 - 9:45
    "Julgam que eu sou
    um pedaço de barro insensato,
  • 9:46 - 9:50
    "a que podem tirar a sujidade
    com qualquer água!"
  • 9:52 - 9:53
    É um discurso violento,
  • 9:53 - 9:56
    violento no seu desdém.
  • 9:56 - 10:00
    O desdém de Barabas pelos judeus
    que sentiram a dor dele,
  • 10:01 - 10:02
    que choraram por ele.
  • 10:03 - 10:07
    O desdém de Marlowe
    pelos membros da sua audiência
  • 10:07 - 10:11
    que, tal como os judeus, foram
    tocados pelas palavras de Barabas
  • 10:11 - 10:13
    e se comoveram com o seu sofrimento.
  • 10:14 - 10:17
    De súbito, aquele sofrimento
    é desmascarado como uma farsa
  • 10:17 - 10:19
    e um espetáculo sem conteúdo.
  • 10:19 - 10:22
    Barabas não perdeu tudo.
  • 10:22 - 10:24
    Como acaba por revelar,
  • 10:24 - 10:27
    ainda tem uma fortuna escondida.
  • 10:27 - 10:30
    Não está falido nem miserável,
  • 10:30 - 10:33
    apenas fingiu a sua desgraça
    como um ator no palco.
  • 10:34 - 10:37
    O que ele pretende não é empatia,
  • 10:37 - 10:39
    mas o poder,
  • 10:39 - 10:42
    o poder de manipular uma audiência
  • 10:42 - 10:46
    e, através disso, degradá-la e diminui-la.
  • 10:47 - 10:49
    Os judeus que se condoeram de Barabas
  • 10:49 - 10:54
    tornam-se, para Barabas,
    "uns quantos escravos básicos,
  • 10:54 - 10:57
    "uns quantos vilões estúpidos"
  • 10:58 - 11:00
    porque não o compreenderam
  • 11:00 - 11:03
    nem a natureza do sofrimento humano.
  • 11:06 - 11:09
    Sofrermos em comum não é nada
    de que nos orgulhemos,
  • 11:09 - 11:11
    pelo contrário, diz Barabas.
  • 11:12 - 11:15
    Sofrer é um sinal do nosso pó comum
  • 11:15 - 11:19
    ou, para usar a sua frase mais odiosa,
    "a nossa sujidade comum".
  • 11:20 - 11:22
    Sofrer é estar sujo.
  • 11:23 - 11:28
    Ter empatia pelo sofrimento
    é ser um vilão e um escravo.
  • 11:31 - 11:33
    A deslealdade e o desdém
    de Barabas são repugnantes.
  • 11:34 - 11:37
    Na verdade, grande parte
    de "O Judeu de Malta" é repugnante.
  • 11:37 - 11:39
    Grande parte da arte
    de Marlowe é repugnante.
  • 11:40 - 11:42
    Numa outra altura da peça,
  • 11:42 - 11:46
    Barabas vai eliminar
    todo um convento de freiras,
  • 11:46 - 11:50
    incluindo a sua própria filha,
    com um presente de caldo envenenado.
  • 11:52 - 11:54
    Vai estrangular um frade na cama
  • 11:54 - 11:57
    e depois, divertido, vai colocar
    o cadáver sentado no meio da rua
  • 11:57 - 11:59
    como se ainda estivesse vivo.
  • 12:00 - 12:04
    O objetivo é que nós façamos
    parar tanta obscenidade.
  • 12:05 - 12:08
    Vamos ao teatro, na esperança
    de sermos lisonjeados,
  • 12:08 - 12:10
    na esperança de nos confirmarem
  • 12:10 - 12:14
    com o relato mais feliz, mais animador
    de quem somos.
  • 12:15 - 12:17
    Afinal de contas, comprámos um bilhete.
  • 12:18 - 12:21
    E, em vez disso,
    somos atraiçoados e atacados.
  • 12:22 - 12:26
    E quanto a Shakespeare,
    quanto ao seu judeu, a Shylock?
  • 12:26 - 12:30
    Como é que ele dá sequência
    ao seu eloquente apelo à compreensão,
  • 12:30 - 12:32
    aos sentimentos dos seus iguais?
  • 12:33 - 12:36
    "Se nos espetarem, nós não sangramos?
  • 12:36 - 12:38
    "Se nos fizerem cócegas,
    nós não nos rimos?
  • 12:39 - 12:42
    "Se nos envenenarem, nós não morremos?
  • 12:43 - 12:46
    "E se nos ofenderem,
    não devemos vingar-nos?
  • 12:47 - 12:50
    "Se em tudo o mais somos como vocês,
    também temos que ser parecidos nisso.
  • 12:50 - 12:53
    "Se um judeu ofender um cristão,
    qual é a a humildade deste?
  • 12:54 - 12:55
    "Vingança.
  • 12:55 - 12:57
    "Se um cristão ofender um judeu,
  • 12:57 - 13:01
    "por que razão o seu sofrimento
    deve seguir o exemplo cristão?
  • 13:01 - 13:03
    "Porquê a vingança?"
  • 13:04 - 13:07
    Se Barabas abre o seu coração
    num prelúdio à violência,
  • 13:07 - 13:10
    o mesmo se pode dizer de Shylock.
  • 13:10 - 13:13
    Podemos citar versos comoventes,
    fora de contexto
  • 13:13 - 13:16
    para ensinar lições sobre
    a importância da empatia
  • 13:16 - 13:19
    e o valor da arte como meio
    de combater o preconceito,
  • 13:19 - 13:21
    mas essa não é a sua função
  • 13:21 - 13:25
    ou, pelo menos, a sua única função
    na peça de Shakespeare.
  • 13:26 - 13:27
    Em "O Mercador de Veneza",
  • 13:28 - 13:32
    Shylock profere o seu discurso comovente
    e parece comovido enquanto o faz.
  • 13:32 - 13:35
    À medida que vai falando,
    parece sincero nas suas palavras
  • 13:35 - 13:38
    de uma forma que poucos de nós
    somos na vida real,
  • 13:40 - 13:43
    Contudo, o que é que ele acaba
    por nos transmitir?
  • 13:44 - 13:46
    Não é a empatia, não é a simpatia,
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    mas a vingança.
  • 13:49 - 13:51
    É uma reviravolta surpreendente,
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    uma reviravolta perturbadora,
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    talvez mesmo uma reviravolta frustrante.
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    Quando ela aparece,
    não estamos à espera,
  • 13:59 - 14:02
    tal como não esperamos
    que Barabas fale da sua desgraça
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    e depois, de repente, zombe de nós.
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    No entanto, a reviravolta
    no discurso de Shylock é lógica.
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    A empatia e a vingança,
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    à primeira vista, podem ser opostas.
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    Até parece que a empatia
    impossibilita a vingança
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    mas, na realidade,
    por detrás de tudo isso,
  • 14:22 - 14:25
    são dois lados da mesma moeda,
  • 14:26 - 14:29
    duas expressões do mesmo padrão subjacente.
  • 14:30 - 14:34
    Através da empatia,
    eu passo a ser como o outro,
  • 14:35 - 14:37
    sentindo o que ele sente,
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    sabendo o que ele sabe,
  • 14:40 - 14:42
    sofrendo o que ele sofre.
  • 14:43 - 14:47
    Através da vingança,
    o outro passa a ser como eu.
  • 14:47 - 14:50
    Eu forço-o a saber o que eu sei,
  • 14:50 - 14:52
    eu forço-o a sentir o que eu sinto,
  • 14:53 - 14:56
    eu forço-o a sofrer o que eu sofro.
  • 14:58 - 15:00
    Shylock não quer empatia.
  • 15:00 - 15:02
    Quer vingança.
  • 15:03 - 15:06
    Quer o poder para impor a identificação.
  • 15:06 - 15:07
    Quer a capacidade
  • 15:08 - 15:11
    de forçar os outros
    a ver o mundo à sua maneira.
  • 15:12 - 15:14
    E, mais ainda do que isso,
  • 15:14 - 15:19
    afirma que esse seu desejo
    é o mesmo que o nosso.
  • 15:20 - 15:22
    Segundo Shylock,
  • 15:22 - 15:25
    o que nos liga, enquanto seres humanos,
    não é o sofrimento
  • 15:25 - 15:29
    nem a capacidade de ter empatia
    pelo sofrimento dos outros
  • 15:30 - 15:36
    mas o impulso humano comum
    para reagir ao sofrimento com a vingança.
  • 15:37 - 15:41
    Ele quer, e nós queremos,
    o poder de fazer
  • 15:41 - 15:44
    com que os outros sintam
    o que nós sentimos.
  • 15:44 - 15:48
    Penso que é este o ponto
    de contacto com Shakespeare
  • 15:48 - 15:50
    e com qualquer outro verdadeiro escritor,
  • 15:51 - 15:55
    qualquer artista que não queira apenas
    agradar à sua audiência,
  • 15:55 - 15:57
    mas atingi-la, comovê-la,
  • 15:57 - 16:00
    quer essa audiência queira
    ser comovida, quer não.
  • 16:01 - 16:03
    Quando falo de verdadeiros artistas,
    devo esclarecer,
  • 16:03 - 16:06
    não estou a falar de artistas
    respeitáveis, muito cultos,
  • 16:06 - 16:08
    mas do oposto.
  • 16:08 - 16:10
    A ambição de que estou a falar
  • 16:10 - 16:14
    é a ambição de encontrar
    qualquer instrumento, afiado ou não,
  • 16:14 - 16:17
    que nos permita provocar
    uma emoção em alguém,
  • 16:18 - 16:20
    forçá-lo a compreender,
  • 16:20 - 16:22
    por qualquer meio disponível.
  • 16:23 - 16:27
    Penso que é disso que Marlowe
    e Shakespeare estão a falar,
  • 16:28 - 16:32
    da procura do poder que,
    tantas vezes, é mascarado de empatia.
  • 16:32 - 16:35
    Ou seja, penso que é isso
    que Marlowe ensina a Shakespeare.
  • 16:36 - 16:39
    Pelo menos, é esta a substância
    da lição, neste bar especial.
  • 16:40 - 16:42
    É nesta pequena sala de bar especial
  • 16:42 - 16:44
    que eles ouvem o que cada um diz
  • 16:44 - 16:47
    sobre o teatro e sobre nós.
  • 16:47 - 16:48
    Obrigado.
  • 16:48 - 16:51
    (Aplausos)
Title:
Shakespeare, Marlowe e os seus judeus | John Kleiner | TEDxWilliamsCollege
Description:

John Kleiner é professor de Inglês no Williams College. É um erudito de literatura clássica e medieval cuja obra tem sido apoiada pela Fundação Andrew Mellon, a Fundação Rockefeller e a National Endowment for the Humanities. Autor de Mismapping the Underworld: Error in Dante's "Comedy", está a trabalhar num novo livro, The Art of Losing: Versions of Failure from Virgil to Shakespeare. O seus artigos e ensaios incluem "On Failing One's Teachers," "Criminal Invention," e "Diffusion of hydrogen in a' -VHx." Ensinou cursos sobre Shakespeare, escrita expositiva, Chaucer, Dante, alegoria, filmes de Hollywood, jornalismo e violência. Tem um bacharelato em Religião e Física, do Amherst College, um mestrado em Física da Universidade Cornell e um mestrado em literatura comparada da Universidade Stanford.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
17:01

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