David Goldblatt em "Johannesburg" - Temporada 9 - "Arte no Século Vinte e Um" | Art21
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0:25 - 0:29(David Goldblatt): A câmera é
um instrumento muito estranho. -
0:31 - 0:34Demanda, primeiramente,
que você veja coerentemente, -
0:35 - 0:41ela te permite entrar em mundos,
lugares, e associações, -
0:41 - 0:44que de outra forma seria muito difícil.
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0:55 - 0:57Ser fotógrafo é realmente maravilhoso.
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1:02 - 1:04Não estou preso a lugar nenhum.
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1:05 - 1:07Posso ir e voltar como quiser.
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1:10 - 1:11É maravilhoso.
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1:14 - 1:18Meus anos de infância em Johannesburg
foram muito felizes. -
1:19 - 1:22Aproveitamos uma enorme liberdade.
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1:23 - 1:27Andávamos de bicicleta pelo
Randfontein Estates, -
1:27 - 1:30que era a mina de ouro
que rodeava a cidade, -
1:30 - 1:34e podíamos explorar bastante as minas.
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1:36 - 1:42É uma paisagem brutal, bem vazia, sombria,
não temos um mar, não temos um grande rio. -
1:42 - 1:47Só tínhamos esses espaços
tediosos e desinteressantes. -
1:48 - 1:53Acho que tinha uma espécie de osmose
acontecendo dentro de mim. -
1:53 - 1:57Eu me tornei organicamente
relacionado ao lugar. -
2:00 - 2:04Por um lado,
eu quero fotografar a paisagem. -
2:05 - 2:08"Paisagem", num sentido bem amplo.
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2:09 - 2:15De outro lado, sou fascinado por nossas
estruturas como declarações de valor. -
2:21 - 2:26Cheguei tarde demais para essa foto,
as árvores já estão cheias. -
2:26 - 2:29Mas vou tentar, vamos dar uma olhada.
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2:31 - 2:37Me parece que o tipo de arquitetura
emergente no norte de Johannesburg, -
2:38 - 2:41é um tipo de materialismo agressivo.
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2:43 - 2:45- Bom dia, senhores!
- Olá! -
2:45 - 2:46Como estão?
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2:47 - 2:55Neste país, quase que por causa da nudez,
das lutas entre o preto e o branco, -
2:56 - 3:00as estruturas que surgiram foram
incrivelmente claras -
3:00 - 3:02demonstrações de sistemas de valor.
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3:04 - 3:08Igrejas Africanas Protestantes brancas
são das quais eu penso em particular. -
3:09 - 3:13Suas igrejas tinham enormes janelas,
e uma estrutura megafônica, -
3:14 - 3:20com a chegada dos anos 1970, as forças
de liberação chegam à África do Sul, -
3:20 - 3:24colidindo mais e mais com os africanos.
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3:25 - 3:28Logo, suas novas igrejas viram defensivas.
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3:30 - 3:34Pouquíssimas delas foram construídas com
detalhes afiados nas paredes externas. -
3:35 - 3:41Estruturas públicas viram
claras manifestações da imagem própria. -
3:45 - 3:48Olha ali, olha, esse prédio enorme,
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3:49 - 3:53mas, ao menos, tem uma certa
quantidade de movimento. -
4:01 - 4:03Esta é uma Hasselblad.
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4:04 - 4:09Uma caixa famosa, muito cara,
maravilhosamente construída. -
4:10 - 4:16Meu irmão Dan voltava sempre de viagem
e me trazia pequenas câmeras de miniatura. -
4:17 - 4:21Ele trouxe de uma de suas viagens,
uma câmera Contax. -
4:21 - 4:25A Contax era equivalente a Leica da Zeiss.
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4:25 - 4:30Era uma ótima câmera, mas esta particular
havia sido severamente danificada. -
4:30 - 4:34Não sei sua história durante a guerra, mas
quando eventualmente chegou a Randfontein, -
4:34 - 4:38já era uma câmera bem doente, mas
tentei fazer fotografias com ela. -
4:40 - 4:43Quando me matriculei em 1948,
eu certamente tinha -
4:43 - 4:46um grande desejo
de ser fotógrafo de revista. -
4:47 - 4:50“Life” e “Look" dos Estados Unidos,
"Picture Post” da Inglaterra, -
4:50 - 4:54eram a janela do mundo para milhares.
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4:55 - 5:04Em 1952, o governo do apartheid
começava a pressionar sua ideologia -
5:04 - 5:10e uma das primeiras etapas era separar
as raças em comodidades públicas. -
5:12 - 5:16Eu fiz uma curta tira de filme de um
homem negro subindo uma escada, -
5:16 - 5:19depois sendo rejeitado,
por um policial negro. -
5:20 - 5:24Ele tinha costume de fazer essa rota
pela estação ferroviária de Johannesburg, -
5:24 - 5:26e de repente ele não era mais permitido.
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5:27 - 5:31Então enviei essas fotos
para o "Picture Post", para o editor. -
5:32 - 5:33Fui educadamente rejeitado.
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5:37 - 5:41Tentei fazer uma história sobre
os homens que trabalhavam -
5:41 - 5:44acima dos depósitos das minas
da nossa cidade. -
5:45 - 5:50Esses homens trabalhavam o ano todo,
todos os dias e noites, -
5:50 - 5:55não importava a condição, lidando com
os restos da operação de fresagem. -
5:57 - 6:00Estávamos sujeitando esses homens
à uma existência terrível. -
6:01 - 6:04Fazia frio de congelar durante o inverno
acima dos depósitos. -
6:07 - 6:09Ali tem um velho depósito.
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6:10 - 6:13Foi coberto de grama para
manter a poeira baixa. -
6:16 - 6:20Mineradores negros não podiam
subir além do nível -
6:21 - 6:25do que chamavam de "garotos chefes",
ou líderes de equipe. -
6:26 - 6:29É claro que eram homens, não garotos.
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6:31 - 6:36Para subir além desse nível, precisavam
de um certificado de detonação, -
6:36 - 6:40e isso era um método usado
pelas uniões brancas de troca, -
6:41 - 6:47para garantir que apenas brancos estariam
nos escalões superiores da hierarquia. -
6:53 - 6:55Ao olhar para essa sociedade,
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6:55 - 7:01você tinha que entender a natureza
da ideologia e vida do africânder branco. -
7:05 - 7:10Os africânderes descenderam
dos Huguenotes holandeses e franceses, -
7:10 - 7:15e dos primeiros colonos alemães
e escoceses que o país teve. -
7:16 - 7:21Mesmo pequeno, esse grupo determinou
muito do que ocorreu aqui. -
7:22 - 7:31Para eles, a conquista das tribos que
encontraram foi guiada por Deus, inefável. -
7:31 - 7:38Isso virou algo que tive de lidar, uma vez
que eu via tudo isso de uma forma inédita. -
7:40 - 7:46Nos anos 1930, o movimento de direita
africâner conhecido como "Ossewabrandwag", -
7:46 - 7:47era anti-judeu.
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7:48 - 7:51Assim como muitos dos meus amigos judeus,
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7:52 - 7:54eu tinha medo dos africâneres
desde a infância. -
7:55 - 7:57e ainda sim, senti a necessidade
de explorar isso. -
7:59 - 8:02Esse povo realmente me absorveu.
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8:02 - 8:07Me assustaram em seu profundo medo
das pessoas negras, -
8:07 - 8:10e ao mesmo tempo,
sua tranquilidade com elas. -
8:13 - 8:18Eu estava fotografando um casal de idosos,
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8:19 - 8:23e uma garotinha negra entrou na sala,
chupando seu dedo, -
8:24 - 8:27e apenas ficou ali em pé,
me vendo trabalhar. -
8:27 - 8:31E não disseram uma palavra à ela, não
fizeram objeção, nem a mandaram embora. -
8:31 - 8:34Simplesmente aceitaram que ela veio
e estava ali. -
8:38 - 8:42Uma resposta comum dos editores
em potencial era "onde está o Apartheid?" -
8:43 - 8:49Para mim, está enraizado, bem fundo,
na granulação dessas fotos. -
8:51 - 8:57Pessoas de outros lugares não entendiam
essas extremas contradições na nossa vida. -
8:58 - 9:01E eu não estava interessado
em tentar explicar essas coisas à elas. -
9:05 - 9:08Estamos indo para o centro de Boksburg.
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9:09 - 9:13Fotografei aqui no inverno de 1979,
e novamente em 1980. -
9:15 - 9:18Ao invés de viajar o país e fotografar
os brancos em geral, -
9:18 - 9:23queria concentrar em uma comunidade
e considerá-la um microcosmo -
9:23 - 9:26da vida de classe média branca
na Africa do Sul, e foi o que fiz. -
9:28 - 9:32Essa cidade inteira era reservada
aos brancos. -
9:32 - 9:37Negros só viriam aqui se tivessem um
certo documento, um passe. -
9:40 - 9:44Comecei a observar o povo esperando
pelo semáforo para atravessar. -
9:44 - 9:48E percebi o quanto eles nos expõem.
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9:55 - 9:59Na esquina da Comissioner com a Eloff,
temos que subir mais um quarteirão. -
10:00 - 10:06Essa foto foi tirada de onde estou agora,
daquela loja ali. -
10:08 - 10:12E provavelmente eu estava aqui,
quando tirei esta foto. -
10:15 - 10:20Estava animado com essa luz de inverno,
bem afiada, com pouco ângulo. -
10:21 - 10:28Esses prédios baixos eram a quintessência
do mundo que conheci e cresci. -
10:29 - 10:30Não há nada distinto sobre eles.
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10:34 - 10:37Eu acho que não há uma foto
sequer nessa coleção, -
10:37 - 10:40em que os sujeitos olham
para a câmera ou para mim. -
10:42 - 10:44Eu queria desaparecer da equação.
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10:46 - 10:52Em Soweto e Hillbrow, as fotos
eram encontros entre eu e os sujeitos, -
10:55 - 10:59Ao invés de tentar fotografar a vida
como um processo contínuo, -
10:59 - 11:03escolhi fotografar as pessoas como eram,
de maneira formal. -
11:05 - 11:10E sempre insisti que o sujeito olhasse
para mim, e não para a câmera. -
11:14 - 11:16Fotografando esses retratos,
passei a reparar -
11:16 - 11:19nos corpos das pessoas
de uma forma bem enfática. -
11:20 - 11:26Braços e membros, peitorais, quadris,
pescoços, detalhes. -
11:31 - 11:35Aqui tem uma gaveta só de fotos 4x5.
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11:37 - 11:41Com minha morte, meus negativos,
impressões de contato, -
11:41 - 11:42e impressões de trabalho,
-
11:43 - 11:45iriam para a Universidade
da Cidade do Cabo, onde, -
11:45 - 11:51haviam estabelecido uma instalação
de arquivos com esse propósito. -
11:52 - 12:00Mas após os estudantes queimarem pinturas
e algumas das fotos da galeria de arte, -
12:00 - 12:04a Universidade criou um comitê de
acadêmicos e de estudantes -
12:04 - 12:06para examinar cada peça de arte,
-
12:07 - 12:12com intuito de decidir de cobrir ou
retirar qualquer peça artística -
12:13 - 12:17que considerassem potencialmente ofensivas
aos estudantes negros. -
12:20 - 12:24Bem, não posso aceitar
esse tipo de avaliação -
12:25 - 12:28e interferência na liberdade de expressão.
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12:30 - 12:34Se há peças da coleção que, de repente,
causam desconforto nas pessoas, -
12:34 - 12:37então vamos as exibir. Criar debates.
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12:40 - 12:44Eu vejo meu trabalho como uma coisa
que não permito que se comprometa, -
12:44 - 12:48e o comprometo todos os dias,
apenas por respirar neste país. -
12:50 - 12:54Mas hoje, sob uma democracia,
me recuso a ser cúmplice. -
12:57 - 12:59Eu cancelei meu contrato.
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13:01 - 13:04E minhas coisas não irão para
a Universidade da Cidade do Cabo. -
13:12 - 13:15Acho que nunca estive
entediado com a fotografia. -
13:17 - 13:20Às vezes estive extremamente frustrado,
- Aah, [bipe]. -
13:21 - 13:23enojado,
- Olha isso, olha isso. -
13:23 - 13:26mas é um processo que absorve a vida.
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13:27 - 13:29E me absorve completamente.
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13:31 - 13:36Já mudei de ideia sobre fotos depois de
25 ou 30 anos de ter as tirado. -
13:37 - 13:41O meu problema é que já não tenho
25 nem 30 anos pra me decidir mais. -
13:42 - 13:44Tenho que me decidir muito antes.
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13:54 - 13:56Eu estava fotografando as minas de ouro,
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13:57 - 13:59e eu vi um reflexo de mim mesmo.
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14:00 - 14:04E então eu tirei.
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