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Mudar de sexo. A minha morte: o teu renascimento | Lía García | TEDxAzcapotzalco

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    Para mim, é muito paradoxal
    este espaço porque, por um lado,
  • 0:11 - 0:13
    o facto de estar aqui na academia
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    como mulher transsexual,
    a falar da minha vida,
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    enche-me de emoção.
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    Porque, na academia,
    nós, enquanto mulheres transsexuais,
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    sempre fomos consideradas
    como objetos de estudo.
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    Eu não, porque sou eu que vou falar
    da minha vida e vou partilhá-la.
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    Por outro lado, também acho estranho
    porque creio que há muita distância
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    entre nós, homens e mulheres,
    e creio que nos consideraram assim
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    porque temos corpos diferentes
    vistos à distância
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    e, sobretudo, ao olhar,
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    porque agora todos os olhares
    estão aqui sobre a minha pessoa
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    e o meu olhar também
    está virado para vocês.
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    Mas essa distância que há entre nós,
    homens e mulheres, é muito grande
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    porque não sabemos o que há
    dentro de nós
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    e às vezes só nos deixamos levar
    por isso, pelo que vemos.
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    A partir do que vemos, do que julgamos,
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    pomos estereótipos, preconceitos
    e, sobretudo, sentimentos.
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    Mas não nos apercebemos
    de que, quando julgamos outra pessoa,
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    quando a estereotipamos, quando
    a conceptualizamos com preconceito,
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    na realidade estamos a ver-nos
    a nós mesmos.
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    Não tanto aos outros.
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    Então, impõe-se a pergunta:
  • 1:35 - 1:37
    "O que há de mim em vocês?"
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    "O que há de vocês em mim?"
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    Eu sou ativista transsexual.
    Chamo-me Lía García.
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    Conhecem-me como "a nova sereia"
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    porque, quando decidi iniciar
    a minha mudança de sexo,
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    de masculino para feminino,
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    quando decidi aparecer ao mundo
    como aquilo que queria ser
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    e quando decidi fazer justiça
    a mim mesma e dizer ao mundo:
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    "Isto é o que eu sou
    e isto é o que eu quero ser",
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    de certa maneira, morri socialmente,
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    Porque a sociedade
    empurrou-me para o abismo,
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    para a fronteira, e eu decidi renascer.
  • 2:09 - 2:14
    Porque esta sociedade também é minha
    e eu necessitava de sentir-me visível nela.
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    Assim, decidi renascer como uma sereia.
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    Vemos aqui uma imagem universal
    que muitos de nós conhecemos.
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    É o momento em que Ulisses se encontra
    com a sereia e, de repente, percebe
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    que tem que tapar os ouvidos com cera
    para não escutar as sereias
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    porque, se as escutar, vai afogar-se,
  • 2:35 - 2:37
    vai sucumbir aos seus encantos.
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    As sereias, quando alguém nos escuta,
    acaba por morrer.
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    Não sei se vocês se lembram.
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    Isto foi exportado para a Disney,
    quando a bruxa do mar
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    tira a voz à Pequena Sereia e lhe diz:
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    "Se queres ser humana,
    vou tirar-te a voz,
  • 2:53 - 2:57
    "porque no mundo dos seres humanos
    as mulheres não precisam de voz".
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    Hoje no meu dia a dia,
    enquanto mulher transsexual,
  • 3:00 - 3:03
    quando estou na rua,
    olho para as pessoas
  • 3:03 - 3:07
    gosto de lhes sorrir, também gosto
    de olhar para elas fixamente,
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    mas acontece uma coisa, porque as pessoas,
    quando olham para mim,
  • 3:12 - 3:17
    reparam que eu sou uma rapariga
    que está a passear pela cidade,
  • 3:17 - 3:21
    uma rapariga cujo corpo
    não corresponde ao que veem
  • 3:21 - 3:24
    e, quando recupero a voz,
  • 3:24 - 3:28
    quando falo, é o momento
    em que, por um lado,
  • 3:28 - 3:31
    me ponho no momento político
    em que me torno visível
  • 3:31 - 3:33
    enquanto mulher transsexual,
  • 3:33 - 3:35
    porque é quando as pessoas o confirmam.
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    Mas, por outro lado, corro riscos
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    porque o México é o segundo lugar
    do mundo a apresentar crimes
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    contra mulheres transsexuais,
    contra homens "gays" e efeminados
  • 3:45 - 3:47
    A seguir, vem o Brasil.
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    Por isso, é um momento paradoxal
    quando recupero a voz.
  • 3:52 - 3:56
    Quero partilhar com vocês que
    vivemos aqui num estado de emergência,
  • 3:56 - 3:59
    porque temos tido este ano
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    muitos casos de assassínios
    de transsexuais...
  • 4:02 - 4:05
    O movimento transsexual agora,
    em conjunto com o feminista,
  • 4:06 - 4:08
    estamos a aliar-nos
    para pedir e exigir justiça
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    para todas as que que foram
    silenciadas, assassinadas
  • 4:11 - 4:13
    e privadas da sua liberdade.
  • 4:13 - 4:17
    Por isso, congratulo-me por estar aqui,
    na academia, a contar a minha história
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    neste cenário, junto de vocês.
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    Porque, pelo facto de estarem a escutar-me
  • 4:23 - 4:26
    vocês passam a fazer parte
    da minha transformação,
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    já que podiam decidir irem-se embora.
  • 4:29 - 4:33
    O facto de decidirem estar aqui,
    de decidirem olhar para mim e ouvir-me,
  • 4:33 - 4:37
    quer dizer que vocês também
    já se estão a transformar, de certo modo.
  • 4:38 - 4:42
    Quando decidi mudar de sexo,
    também decidi fazer uma comemoração.
  • 4:42 - 4:45
    Decidi usar o vestido dos 15 anos
    e dizer à sociedade:
  • 4:45 - 4:49
    "Vou fazer uma festa porque
    não tenho que fechar-me em casa,
  • 4:49 - 4:52
    "não tenho que sofrer com isto,
    tenho que comemorá-lo
  • 4:52 - 4:54
    "e vou convidar as pessoas
    para que festejem comigo.
  • 4:54 - 4:58
    "Vou fazê-lo em público, vou fazê-lo
    nos espaços onde as pessoas passam,
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    "onde as pessoas passam todos os dias,
    como seja o metro da cidade.
  • 5:01 - 5:03
    "Vou fazê-lo com amigos transsexuais".
  • 5:03 - 5:08
    Como veem nesta fotografia,
    estou rodeada de homens transsexuais
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    que celebraram comigo esta grande festa
    em que convidámos as pessoas da rua,
  • 5:14 - 5:18
    que precisam de saber que nós
    não somos o inimigo, nem as inimigas,
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    e que nós também estamos aqui
    para estender uma mão.
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    Foram ocorrendo celebrações semelhantes
    em vários locais da cidade.
  • 5:28 - 5:32
    Eram ações políticas, porque
    eram mais do que uma celebração.
  • 5:32 - 5:35
    Qual o impacto de um corpo trans
    a festejar a sua transformação?
  • 5:35 - 5:39
    Qual o impacto de um corpo trans
    a transitar pelos espaços da cidade
  • 5:39 - 5:41
    de modo livre, alegre e festivo?
  • 5:41 - 5:44
    Qual o impacto disso
    para pensar na justiça?
  • 5:44 - 5:48
    Porque, que corpos podem
    acreditar de verdade na justiça?
  • 5:48 - 5:50
    Que corpos podem estar na academia?
  • 5:50 - 5:56
    Que corpos podem estar condenados
    a alguns anos na prisão? E outros não.
  • 5:56 - 6:00
    Que corpos são pensantes,
    válidos e imagináveis?
  • 6:00 - 6:03
    Que corpos estão feitos
    para serem eliminados?
  • 6:03 - 6:07
    Que corpos renascem
    desse desejo e dessa fronteira?
  • 6:08 - 6:11
    Convido-vos a partilhar comigo
    essa grande comemoração
  • 6:11 - 6:16
    a partir destas memórias fotográficas,
    destas representações afetivas
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    que eu fiz, em que convidava pessoas,
    estendia-lhes a mão e dizia:
  • 6:21 - 6:24
    "Descobre-te em mim.
    Eu posso descobrir-me em ti.
  • 6:24 - 6:27
    "Temos muito em comum.
    Podemos partilhar muitas coisas.
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    "Vamos abandonar esses olhares
    de preconceito, de nojo, de medo, de ódio.
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    "Vamos olhar-nos como seres humanos,
    que é realmente o que somos,
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    "para além das nossas preferências,
    para além dos nossos gostos
  • 6:39 - 6:41
    "para além da nossa ideologia".
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    Estas são memórias fotográficas
    de todas as transformações que fiz
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    com esse vestido dos 15 anos,
    da minha festa, da minha transformação
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    e de que modo me apropriei
    e de que modo depois
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    renasci como uma sereia,
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    de que modo depois utilizo
    a minha voz, como ação política
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    de que modo levantei a minha voz
    e decidi partilhar tudo isto
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    também no espaço público,
    porque a sereia está sempre aqui,
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    entre o ar e a água,
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    esses dois elementos
    que dominamos como as sereias.
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    Somos vozes monstruosas
    que podem ser transformadoras
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    porque qualquer marinheiro que escuta
    uma sereia e aceita a sua morte social,
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    porque morre afogado ao optar por escutar
    uma sereia, está a transformar-se
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    porque a morte é transformação,
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    não é somente uma morte.
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    Quando decidi mudar de sexo,
    morri socialmente
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    mas, ao mesmo tempo, iniciei,
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    porque a morte é transformação,
    a morte é início.
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    Se nós, enquanto sereias, vamos cantar
    e vamos levantar a voz,
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    e as pessoas que decidem
    escutar-nos vão morrer,
  • 7:48 - 7:52
    então vamos transformar-nos juntos
    e juntas, companheiros.
Title:
Mudar de sexo. A minha morte: o teu renascimento | Lía García | TEDxAzcapotzalco
Description:

Se alguma vez se sentiram à beira do abismo, provavelmente imaginam o que será renunciar aos privilégios sociais mais elementares para exercer uma liberdade extraordinária em frente às outras pessoas. Lía García partilha connosco como, após a sua mudança de sexo, se valeu do seu corpo e dos símbolos da nossa cultura para nos envolver a todos, fazendo um ativismo social mais que importante, urgente.
Lía é ativista transexual e feminista, originária da cidade do México. Os seus interesses concentram-se em pensar nas mudanças de sexo como pedagogias radicais e festivas. Atualmente, pertence às organizações de Almas Cautivas e Red de Juventudes transsexuais, com quem trabalha o tema das afetividades em espaços complexos da cidade do México. Formou-se na atual Faculdade de Artes e Desenho da UNAM,

Esta palestra foi feita num evento TEDx, usando o formato das Conferências TED, mas organizado de forma independente por uma comunidade local. Saiba mais em: http://ted.com/tedx

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Video Language:
Spanish
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
07:59

Portuguese subtitles

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