Mudar de sexo. A minha morte: o teu renascimento | Lía García | TEDxAzcapotzalco
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0:07 - 0:11Para mim, é muito paradoxal
este espaço porque, por um lado, -
0:11 - 0:13o facto de estar aqui na academia
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0:13 - 0:17como mulher transsexual,
a falar da minha vida, -
0:17 - 0:19enche-me de emoção.
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0:19 - 0:22Porque, na academia,
nós, enquanto mulheres transsexuais, -
0:22 - 0:26sempre fomos consideradas
como objetos de estudo. -
0:26 - 0:31Eu não, porque sou eu que vou falar
da minha vida e vou partilhá-la. -
0:32 - 0:37Por outro lado, também acho estranho
porque creio que há muita distância -
0:37 - 0:42entre nós, homens e mulheres,
e creio que nos consideraram assim -
0:42 - 0:45porque temos corpos diferentes
vistos à distância -
0:46 - 0:49e, sobretudo, ao olhar,
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0:49 - 0:54porque agora todos os olhares
estão aqui sobre a minha pessoa -
0:54 - 0:57e o meu olhar também
está virado para vocês. -
0:58 - 1:02Mas essa distância que há entre nós,
homens e mulheres, é muito grande -
1:02 - 1:07porque não sabemos o que há
dentro de nós -
1:08 - 1:11e às vezes só nos deixamos levar
por isso, pelo que vemos. -
1:11 - 1:14A partir do que vemos, do que julgamos,
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1:14 - 1:19pomos estereótipos, preconceitos
e, sobretudo, sentimentos. -
1:19 - 1:23Mas não nos apercebemos
de que, quando julgamos outra pessoa, -
1:23 - 1:27quando a estereotipamos, quando
a conceptualizamos com preconceito, -
1:28 - 1:31na realidade estamos a ver-nos
a nós mesmos. -
1:31 - 1:33Não tanto aos outros.
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1:33 - 1:35Então, impõe-se a pergunta:
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1:35 - 1:37"O que há de mim em vocês?"
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1:37 - 1:39"O que há de vocês em mim?"
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1:39 - 1:43Eu sou ativista transsexual.
Chamo-me Lía García. -
1:43 - 1:45Conhecem-me como "a nova sereia"
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1:45 - 1:48porque, quando decidi iniciar
a minha mudança de sexo, -
1:48 - 1:50de masculino para feminino,
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1:50 - 1:53quando decidi aparecer ao mundo
como aquilo que queria ser -
1:54 - 1:57e quando decidi fazer justiça
a mim mesma e dizer ao mundo: -
1:57 - 2:00"Isto é o que eu sou
e isto é o que eu quero ser", -
2:00 - 2:02de certa maneira, morri socialmente,
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2:02 - 2:05Porque a sociedade
empurrou-me para o abismo, -
2:05 - 2:09para a fronteira, e eu decidi renascer.
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2:09 - 2:14Porque esta sociedade também é minha
e eu necessitava de sentir-me visível nela. -
2:14 - 2:18Assim, decidi renascer como uma sereia.
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2:18 - 2:23Vemos aqui uma imagem universal
que muitos de nós conhecemos. -
2:23 - 2:28É o momento em que Ulisses se encontra
com a sereia e, de repente, percebe -
2:28 - 2:32que tem que tapar os ouvidos com cera
para não escutar as sereias -
2:32 - 2:35porque, se as escutar, vai afogar-se,
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2:35 - 2:37vai sucumbir aos seus encantos.
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2:37 - 2:41As sereias, quando alguém nos escuta,
acaba por morrer. -
2:41 - 2:43Não sei se vocês se lembram.
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2:44 - 2:48Isto foi exportado para a Disney,
quando a bruxa do mar -
2:48 - 2:50tira a voz à Pequena Sereia e lhe diz:
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2:50 - 2:53"Se queres ser humana,
vou tirar-te a voz, -
2:53 - 2:57"porque no mundo dos seres humanos
as mulheres não precisam de voz". -
2:57 - 3:00Hoje no meu dia a dia,
enquanto mulher transsexual, -
3:00 - 3:03quando estou na rua,
olho para as pessoas -
3:03 - 3:07gosto de lhes sorrir, também gosto
de olhar para elas fixamente, -
3:08 - 3:12mas acontece uma coisa, porque as pessoas,
quando olham para mim, -
3:12 - 3:17reparam que eu sou uma rapariga
que está a passear pela cidade, -
3:17 - 3:21uma rapariga cujo corpo
não corresponde ao que veem -
3:21 - 3:24e, quando recupero a voz,
-
3:24 - 3:28quando falo, é o momento
em que, por um lado, -
3:28 - 3:31me ponho no momento político
em que me torno visível -
3:31 - 3:33enquanto mulher transsexual,
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3:33 - 3:35porque é quando as pessoas o confirmam.
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3:35 - 3:38Mas, por outro lado, corro riscos
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3:38 - 3:42porque o México é o segundo lugar
do mundo a apresentar crimes -
3:42 - 3:45contra mulheres transsexuais,
contra homens "gays" e efeminados -
3:45 - 3:47A seguir, vem o Brasil.
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3:47 - 3:52Por isso, é um momento paradoxal
quando recupero a voz. -
3:52 - 3:56Quero partilhar com vocês que
vivemos aqui num estado de emergência, -
3:56 - 3:59porque temos tido este ano
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3:59 - 4:02muitos casos de assassínios
de transsexuais... -
4:02 - 4:05O movimento transsexual agora,
em conjunto com o feminista, -
4:06 - 4:08estamos a aliar-nos
para pedir e exigir justiça -
4:08 - 4:11para todas as que que foram
silenciadas, assassinadas -
4:11 - 4:13e privadas da sua liberdade.
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4:13 - 4:17Por isso, congratulo-me por estar aqui,
na academia, a contar a minha história -
4:17 - 4:19neste cenário, junto de vocês.
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4:19 - 4:23Porque, pelo facto de estarem a escutar-me
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4:23 - 4:26vocês passam a fazer parte
da minha transformação, -
4:26 - 4:29já que podiam decidir irem-se embora.
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4:29 - 4:33O facto de decidirem estar aqui,
de decidirem olhar para mim e ouvir-me, -
4:33 - 4:37quer dizer que vocês também
já se estão a transformar, de certo modo. -
4:38 - 4:42Quando decidi mudar de sexo,
também decidi fazer uma comemoração. -
4:42 - 4:45Decidi usar o vestido dos 15 anos
e dizer à sociedade: -
4:45 - 4:49"Vou fazer uma festa porque
não tenho que fechar-me em casa, -
4:49 - 4:52"não tenho que sofrer com isto,
tenho que comemorá-lo -
4:52 - 4:54"e vou convidar as pessoas
para que festejem comigo. -
4:54 - 4:58"Vou fazê-lo em público, vou fazê-lo
nos espaços onde as pessoas passam, -
4:58 - 5:01"onde as pessoas passam todos os dias,
como seja o metro da cidade. -
5:01 - 5:03"Vou fazê-lo com amigos transsexuais".
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5:03 - 5:08Como veem nesta fotografia,
estou rodeada de homens transsexuais -
5:08 - 5:14que celebraram comigo esta grande festa
em que convidámos as pessoas da rua, -
5:14 - 5:18que precisam de saber que nós
não somos o inimigo, nem as inimigas, -
5:18 - 5:22e que nós também estamos aqui
para estender uma mão. -
5:24 - 5:28Foram ocorrendo celebrações semelhantes
em vários locais da cidade. -
5:28 - 5:32Eram ações políticas, porque
eram mais do que uma celebração. -
5:32 - 5:35Qual o impacto de um corpo trans
a festejar a sua transformação? -
5:35 - 5:39Qual o impacto de um corpo trans
a transitar pelos espaços da cidade -
5:39 - 5:41de modo livre, alegre e festivo?
-
5:41 - 5:44Qual o impacto disso
para pensar na justiça? -
5:44 - 5:48Porque, que corpos podem
acreditar de verdade na justiça? -
5:48 - 5:50Que corpos podem estar na academia?
-
5:50 - 5:56Que corpos podem estar condenados
a alguns anos na prisão? E outros não. -
5:56 - 6:00Que corpos são pensantes,
válidos e imagináveis? -
6:00 - 6:03Que corpos estão feitos
para serem eliminados? -
6:03 - 6:07Que corpos renascem
desse desejo e dessa fronteira? -
6:08 - 6:11Convido-vos a partilhar comigo
essa grande comemoração -
6:11 - 6:16a partir destas memórias fotográficas,
destas representações afetivas -
6:16 - 6:21que eu fiz, em que convidava pessoas,
estendia-lhes a mão e dizia: -
6:21 - 6:24"Descobre-te em mim.
Eu posso descobrir-me em ti. -
6:24 - 6:27"Temos muito em comum.
Podemos partilhar muitas coisas. -
6:27 - 6:32"Vamos abandonar esses olhares
de preconceito, de nojo, de medo, de ódio. -
6:32 - 6:35"Vamos olhar-nos como seres humanos,
que é realmente o que somos, -
6:35 - 6:39"para além das nossas preferências,
para além dos nossos gostos -
6:39 - 6:41"para além da nossa ideologia".
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6:43 - 6:47Estas são memórias fotográficas
de todas as transformações que fiz -
6:48 - 6:52com esse vestido dos 15 anos,
da minha festa, da minha transformação -
6:52 - 6:56e de que modo me apropriei
e de que modo depois -
6:56 - 6:58renasci como uma sereia,
-
6:58 - 7:01de que modo depois utilizo
a minha voz, como ação política -
7:01 - 7:06de que modo levantei a minha voz
e decidi partilhar tudo isto -
7:06 - 7:09também no espaço público,
porque a sereia está sempre aqui, -
7:09 - 7:11entre o ar e a água,
-
7:11 - 7:13esses dois elementos
que dominamos como as sereias. -
7:14 - 7:17Somos vozes monstruosas
que podem ser transformadoras -
7:17 - 7:22porque qualquer marinheiro que escuta
uma sereia e aceita a sua morte social, -
7:22 - 7:27porque morre afogado ao optar por escutar
uma sereia, está a transformar-se -
7:27 - 7:30porque a morte é transformação,
-
7:30 - 7:32não é somente uma morte.
-
7:32 - 7:35Quando decidi mudar de sexo,
morri socialmente -
7:35 - 7:37mas, ao mesmo tempo, iniciei,
-
7:37 - 7:41porque a morte é transformação,
a morte é início. -
7:41 - 7:45Se nós, enquanto sereias, vamos cantar
e vamos levantar a voz, -
7:46 - 7:48e as pessoas que decidem
escutar-nos vão morrer, -
7:48 - 7:52então vamos transformar-nos juntos
e juntas, companheiros.
- Title:
- Mudar de sexo. A minha morte: o teu renascimento | Lía García | TEDxAzcapotzalco
- Description:
-
Se alguma vez se sentiram à beira do abismo, provavelmente imaginam o que será renunciar aos privilégios sociais mais elementares para exercer uma liberdade extraordinária em frente às outras pessoas. Lía García partilha connosco como, após a sua mudança de sexo, se valeu do seu corpo e dos símbolos da nossa cultura para nos envolver a todos, fazendo um ativismo social mais que importante, urgente.
Lía é ativista transexual e feminista, originária da cidade do México. Os seus interesses concentram-se em pensar nas mudanças de sexo como pedagogias radicais e festivas. Atualmente, pertence às organizações de Almas Cautivas e Red de Juventudes transsexuais, com quem trabalha o tema das afetividades em espaços complexos da cidade do México. Formou-se na atual Faculdade de Artes e Desenho da UNAM,Esta palestra foi feita num evento TEDx, usando o formato das Conferências TED, mas organizado de forma independente por uma comunidade local. Saiba mais em: http://ted.com/tedx
- Video Language:
- Spanish
- Team:
closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 07:59
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