O inferno existe mas o paraíso não | Carlos Berzosa | no TEDxZaragoza
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0:13 - 0:15Boa tarde!
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0:15 - 0:18Ah, afinal vocês continuam aí.
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0:18 - 0:21Digo isto porque
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0:21 - 0:23o orador anterior disse
que íamos desaparecer -
0:23 - 0:25porque éramos todos da classe média,
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0:25 - 0:27- desaparecíamos enquanto classe -
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0:27 - 0:30portanto eu pensei
que não ficava aqui ninguém. -
0:30 - 0:31(Risos)
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0:31 - 0:32Sei muito sobre infernos e paraísos
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0:32 - 0:35porque estudei num colégio de padres.
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0:35 - 0:37Mas eu vou falar de outro inferno
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0:37 - 0:39de que muita gente tenta sair.
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0:41 - 0:44As informações das Nações Unidas, da FAO,
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0:44 - 0:48chegam-nos todos os anos, ano após ano,
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0:48 - 0:51desde que eu tomei
consciência destes problemas. -
0:51 - 0:53São números realmente aterradores.
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0:53 - 0:58São 800 milhões de famintos,
1100, 1200, consoante a conjuntura, -
0:58 - 1:02de pobreza, uma pobreza
em termos absolutos. -
1:02 - 1:09Todos estes dados dão-nos uma ideia
do mundo em que vivemos. -
1:10 - 1:12Como se isto fosse pouco,
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1:12 - 1:14os meios de comunicação
também nos transmitem -
1:14 - 1:16muitas imagens realmente terríveis.
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1:16 - 1:22Deparamo-nos com guerras, com ditaduras,
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1:22 - 1:27perseguições por motivos religiosos,
por motivos políticos, -
1:27 - 1:29em que há violência sexual,
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1:29 - 1:32violações de mulheres, mortes de mulheres.
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1:32 - 1:35Numa grande parte do mundo,
o que há é um verdadeiro inferno -
1:35 - 1:37por condições económicas e sociais
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1:37 - 1:40em que muita gente
não tem acesso a água potável, -
1:40 - 1:42ao ensino, à saúde.
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1:42 - 1:45Também não tem acesso
a condições duma vida digna. -
1:45 - 1:47Há muitas crianças malnutridas.
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1:47 - 1:49Enfim, toda essa série de imagens
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1:49 - 1:51que nos chegam e são realmente terríveis.
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1:52 - 1:54Tentam sair do inferno,
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1:54 - 1:55e muitos deles conseguem.
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1:56 - 1:58Procuram o que, para eles,
pode ser um paraíso -
1:58 - 2:01que são os países desenvolvidos,
os países ricos. -
2:02 - 2:05Os países ricos entre os quais,
neste momento, estamos: a Espanha. -
2:05 - 2:07Nem sempre fomos ricos.
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2:07 - 2:10Recordo uma vez em que
um professor de auditoria -
2:10 - 2:13que dava macroeconomia,
disse aos estudantes: -
2:13 - 2:16"Bom, em Espanha nem sempre fomos ricos".
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2:16 - 2:18E eles: "Isso já sabemos!"
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2:18 - 2:20E eu: "Já vos explicaram
isso na faculdade?" -
2:20 - 2:23E eles: "Não. Sabemos isso
pela série "Conta-me como foi!" -
2:23 - 2:24(Risos)
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2:24 - 2:26E eu: "Ah, é uma forma
de entender a vida". -
2:26 - 2:29Bom, eles vêm até nós
como se fosse o paraíso. -
2:29 - 2:32Mas para eles é um paraíso terrível
porque muitos não chegam. -
2:32 - 2:34Morrem em naufrágios,
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2:34 - 2:37morrem ao atravessar fronteiras
como entre os EUA e o México. -
2:37 - 2:40Por vezes são detidos e metidos em campos
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2:40 - 2:42ou em determinados centros.
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2:42 - 2:45Temos o mundo cheio
de campos de refugiados. -
2:45 - 2:47Neste momento, presido à CEAR,
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2:47 - 2:49Comissão Espanhola
de Ajuda aos Refugiados. -
2:49 - 2:50É realmente um pesadelo
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2:50 - 2:54os dados da quantidade
de campos de refugiados -
2:54 - 2:56que não vão para os países ricos
porque não chegam lá, -
2:56 - 2:58vão para países
também menos desenvolvidos. -
2:58 - 3:00Parte dos refugiados encontram-se
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3:00 - 3:03— os que fogem da Síria, da Jordânia,
de todos esses países — -
3:03 - 3:06encontram-se noutros países vizinhos.
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3:06 - 3:09Aqui chegam-nos uns quantos
mas, quando cá chegam, -
3:09 - 3:11são internados, também
em condições horríveis, -
3:11 - 3:14que as ONG questionam e protestam,
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3:14 - 3:17e dizem que não são condições de vida,
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3:17 - 3:21que mais parecem campos de concentração
do que campos de internamento. -
3:21 - 3:23Mas alguns conseguem vir e trabalhar.
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3:23 - 3:27Só que não têm papéis, não têm documentos.
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3:27 - 3:28Por isso trabalham, sem direitos,
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3:28 - 3:31em condições muito mais duras,
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3:31 - 3:34do que os trabalhadores dos nossos países.
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3:34 - 3:39Isto é o que existe,
um mundo realmente terrível. -
3:40 - 3:43Claro que, perante este panorama,
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3:43 - 3:45nós podemos pensar que vivemos no paraíso,
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3:45 - 3:47mas não é para essa gente.
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3:47 - 3:49Os imigrantes, mesmo quando
conseguem os documentos, -
3:49 - 3:52ocupam os piores postos de trabalho,
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3:52 - 3:54aqueles que nós já
não queremos desempenhar. -
3:54 - 3:56Têm salários piores.
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3:56 - 3:58Vivem na periferia das cidades
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3:58 - 4:02e podemos observar que, no mundo rico,
no mundo em desenvolvimento, -
4:02 - 4:03também há subdesenvolvimento.
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4:03 - 4:06Assim como no mundo
subdesenvolvido também há ricos, -
4:06 - 4:09neste caso também temos
subdesenvolvimento no desenvolvimento. -
4:09 - 4:12Constituído precisamente
por esta gente que aparece, -
4:12 - 4:15os novos párias da terra,
os excluídos, a nova forma de pobreza -
4:15 - 4:17e também por gente do país,
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4:17 - 4:20que constitui este núcleo
de exclusão social. -
4:20 - 4:23Por vezes não temos consciência disso.
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4:23 - 4:27Quando vamos a Paris, vamos ver
o centro de Paris, que é muito bonito, -
4:27 - 4:29mas não conhecemos a periferia de Paris.
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4:29 - 4:34De repente, há uns anos, houve
uma explosão na periferia de Paris -
4:34 - 4:37e os analistas começaram a explicar
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4:37 - 4:39porque se passou o que se passou
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4:39 - 4:40num país desenvolvido como a França,
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4:40 - 4:44com um estado de bem-estar social,
com uma educação laica já antiga -
4:44 - 4:46e de repente, uma grande explosão social.
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4:46 - 4:49Foram os filhos dos imigrantes,
— foi a segunda geração — -
4:49 - 4:51que não se tinham integrado
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4:51 - 4:54ou que a sociedade francesa
não foi capaz de integrar. -
4:54 - 4:57Vivem em condições de marginalização,
não só económicas, -
4:57 - 5:00mas também de oportunidades,
de trabalho, de realização. -
5:00 - 5:03Teve que haver essa explosão
para tomarmos consciência -
5:03 - 5:06de que existem problemas
nos países desenvolvidos. -
5:06 - 5:09Os analistas, os sociólogos,
fazem o mesmo que os economistas, -
5:09 - 5:12depois de tudo passado,
começam a explicá-lo. -
5:11 - 5:13Mas antes disso, ninguém o tinha previsto.
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5:14 - 5:16Há pouco tempo, em Estocolmo,
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5:16 - 5:20o paraíso do estado de bem-estar,
da sociedade modelo, -
5:20 - 5:23outro conflito fortíssimo
na periferia de Estocolmo. -
5:23 - 5:26Acontece que a periferia de Estocolmo
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5:26 - 5:29não beneficia nada do estado de bem-estar.
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5:29 - 5:33De modo que vivemos numa sociedade dual,
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5:33 - 5:38em que a opulência, a riqueza,
convive com a miséria, com a pobreza -
5:38 - 5:40que se concentra basicamente
nos países subdesenvolvidos, -
5:40 - 5:43basicamente na África subsaariana
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5:43 - 5:46mas que também temos
no interior dos nossos países. -
5:46 - 5:50Vivemos num mundo em que há
umas certas liberdades democráticas -
5:50 - 5:54noutros em que a ditadura
continua a imperar -
5:54 - 5:55e a maltratar as pessoas.
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5:56 - 6:00Guerras, refugiados, é essa a realidade
que temos em frente dos olhos. -
6:01 - 6:04Mas que se passa? Vivemos num paraíso?
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6:04 - 6:07Não sofremos as privações que eles sofrem.
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6:07 - 6:11Não sofremos essas
tragédias todas de que falei. -
6:11 - 6:15Estamos longe de ser um paraíso para eles
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6:15 - 6:17e somos um paraíso cada vez
mais pequeno para nós. -
6:17 - 6:20Para além da tensão em que vivemos,
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6:20 - 6:22- o consumo, a hipoteca -
-
6:22 - 6:24vivemos sempre tensos, preocupados,
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6:24 - 6:26numa sociedade competitiva,
-
6:26 - 6:29numa sociedade em que
não há garantia duma vida digna, -
6:29 - 6:31se não conseguirmos trabalho,
-
6:31 - 6:35se não pudermos trabalhar nalguma coisa.
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6:35 - 6:38Isto vai ser muito duro para os jovens.
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6:38 - 6:41Há muito desemprego em Espanha
e isto vai ser muito duro. -
6:41 - 6:45Um país que não dá oportunidades
aos jovens não tem futuro. -
6:45 - 6:46Quando vejo os jovens dizer:
-
6:46 - 6:49"Vou-me embora de Espanha,
porque neste país não há oportunidades" -
6:49 - 6:51é uma coisa assustadora.
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6:51 - 6:54Andámos a dizer que somos
um país desenvolvido, que íamos bem -
6:54 - 6:57e não somos capazes
de dar oportunidades aos jovens? -
6:57 - 7:01Mas, ultimamente, estamos
a sofrer uma crise económica. -
7:01 - 7:03Uma crise que se desencadeou em 2007,
-
7:03 - 7:04uma crise fundamentalmente financeira,
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7:04 - 7:07que se estendeu à economia real.
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7:07 - 7:09E começaram a fazer uns cortes.
-
7:09 - 7:11Lutamos contra estes cortes
que nos querem fazer. -
7:11 - 7:16Mexemo-nos, em Madrid, marés verdes,
maré branca, maré da cidadania. -
7:16 - 7:18Houve grandes manifestações,
-
7:18 - 7:20mas parece que o poder não se incomoda.
-
7:20 - 7:22Não se incomoda.
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7:22 - 7:25Querem retirar-nos
os direitos que conquistámos. -
7:25 - 7:28Há bocado ouvi alguém
a falar com sotaque argentino. -
7:29 - 7:31Um argentino, meu amigo, disse-me:
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7:31 - 7:34"Vocês queixam-se por tudo e por nada!
-
7:34 - 7:37"Os argentinos estão sempre em crise!
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7:37 - 7:38"Isso assusta-nos,
-
7:38 - 7:40"mas vocês assustam-se
quando há uma crise! -
7:40 - 7:42"Nós vivemos assim há muito anos!"
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7:42 - 7:43E é verdade.
-
7:43 - 7:45Perante o drama do mundo, podemos dizer:
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7:45 - 7:48"Olhem, apesar de tudo estamos muito bem".
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7:48 - 7:50No entanto, não é assim.
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7:50 - 7:52Quando nos fazem cortes,
quando nos reduzem o salário, -
7:52 - 7:56mesmo sendo da classe média,
estando bem considerados, -
7:56 - 8:00não estamos a favorecer os de baixo,
não estamos a gerar empregos, -
8:00 - 8:03não estamos a favorecer
os pobres da África subsaariana -
8:03 - 8:06ou da América Latina ou da Ásia.
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8:06 - 8:10Não! Estamos a favorecer os banqueiros.
Estamos a enriquecer os mais ricos. -
8:10 - 8:14Como dizia o gráfico anterior,
são o "um por cento". -
8:14 - 8:18O "um por cento" está cada vez
mais rico, são os ultra ricos. -
8:18 - 8:22E nós somos os 99%, como diziam
os ocupantes de Wall Street. -
8:22 - 8:24É esta a situação real.
-
8:25 - 8:31Ao mesmo tempo, vemos paraísos fiscais,
a Suíça, o sigilo bancário, a corrupção, -
8:31 - 8:35enquanto as necessidades sociais
estão cada vez mais a descoberto. -
8:35 - 8:39Resulta que uns quantos
estão a enriquecer à nossa custa. -
8:40 - 8:43Isso da produtividade
que se retribui, não existe. -
8:43 - 8:46Um economista norte-americano,
como Stiglitz, disse: -
8:46 - 8:48"Porque se paga tão bem
-
8:48 - 8:50"aos empregados bancários,
aos altos executivos? -
8:50 - 8:53"Por nos terem levado
para a beira do abismo? -
8:53 - 8:55"E continuamos a dar-lhes bónus?"
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8:55 - 8:57E aos cientistas que contribuem
-
8:57 - 8:59para melhorar a nossa qualidade de vida,
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8:59 - 9:02ou para que vivamos mais anos?
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9:02 - 9:05Que ganham muito menos
do que esses executivos da banca? -
9:05 - 9:07Porque é que o mundo está assim?
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9:07 - 9:10Porque os salários não correspondem
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9:10 - 9:14ao que diz a teoria económica neoclássica,
mas correspondem ao poder. -
9:14 - 9:18O poder é que determina os salários dos
que estão a mandar em nós, neste momento, -
9:18 - 9:20que são os senhores das finanças.
-
9:20 - 9:22Vivemos num mundo globalizado,
-
9:22 - 9:24mas globalizado
essencialmente pela finança. -
9:24 - 9:27Somos governados pelos senhores
da finança que nos impõem -
9:27 - 9:29as políticas económicas
que temos que seguir. -
9:29 - 9:31E são cada vez mais.
-
9:31 - 9:34Monti, que foi presidente da Itália,
trabalhou na Goldman Sachs, -
9:34 - 9:36Draghi, trabalhou na Goldman Sachs.
-
9:36 - 9:38Goldman Sachs é o estaleiro
de onde estão a sair -
9:38 - 9:41todos os executivos
que estão agora a dirigir -
9:41 - 9:44a política dos bancos centrais,
neste caso, -
9:44 - 9:45ou dos governos.
-
9:45 - 9:48O ministro da Economia espanhol
trabalhou na Lehman Brothers -
9:48 - 9:51que foi à falência e nós nomeamo-lo
ministro da Economia. -
9:51 - 9:53É estupendo, não acham? É fenomenal!
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9:53 - 9:55Isso acontece com tanta gente!
-
9:55 - 9:58E assim, estamos nesta situação,
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9:58 - 10:00governados pelos senhores da finança!
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10:00 - 10:02O poder financeiro é enorme!
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10:02 - 10:04Os ultra ricos estão cada vez mais ricos.
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10:04 - 10:07Sobrepuseram a finança
— e isso é uma das causas da crise — -
10:07 - 10:09à economia produtiva, à economia real.
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10:09 - 10:12É um escândalo que,
com o que a ciência avançou, -
10:12 - 10:15com o que a investigação
e a tecnologia avançaram, -
10:15 - 10:18com o aumento que houve
de receitas e de riqueza neste mundo, -
10:18 - 10:22que haja tanta gente
a ter que lutar para sobreviver! -
10:22 - 10:25Porque não têm nem para comer,
isso é um escândalo. -
10:25 - 10:27Mas o resto também é escandaloso.
-
10:27 - 10:30Por vezes, também me interrogo:
"Como é que não reagimos?" -
10:30 - 10:32Reagimos sim, fazemos
manifestações, movimentos, -
10:32 - 10:34mas creio que é pouco.
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10:34 - 10:36Perdemos as forças no bar dos espanhóis.
-
10:36 - 10:37(Risos)
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10:37 - 10:41Muitas queixas e pouca reivindicação.
Como é que aguentamos isto? -
10:41 - 10:44Que nos cortem bens tão básicos
como a saúde e o ensino, -
10:44 - 10:47e todos os cortes não chegam
-
10:47 - 10:50para o que temos dado
para salvar o Bankia. -
10:52 - 10:56Rodrigo Rato também foi nomeado
conselheiro assessor de Botín. -
10:57 - 10:59Depois do desastre do Bankia.
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10:59 - 11:02Passa-se neste país uma coisa incrível!
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11:02 - 11:05É preciso revoltarmo-nos.
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11:05 - 11:09Há mal-estar no mundo. Há manifestações.
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11:09 - 11:13Houve manifestações no norte de África
que acabaram em ditadura. -
11:13 - 11:16Há protestos nos países desenvolvidos,
-
11:16 - 11:21o 15-M, os "okupas" de Wal Street,
em Londres, em muitos sítios. -
11:21 - 11:24Houve explosões na periferia
de Estocolmo, Paris e outros locais. -
11:24 - 11:26Houve manifestações na Turquia, no Brasil,
-
11:26 - 11:29que são países que vão bem
economicamente, que estão a crescer! -
11:29 - 11:32Tem havido grandes manifestações
de protesto. Há muito mal-estar. -
11:32 - 11:35Este crescimento económico
não nos satisfaz -
11:35 - 11:37Um sistema que se rege
pelo lucro e pelo benefício, -
11:37 - 11:39não pode satisfazer
-
11:39 - 11:41as necessidades sociais
e humanas que temos. -
11:41 - 11:44Temos que construir outro mundo.
-
11:44 - 11:46Claro, muitos dirão:
-
11:46 - 11:50"Que pessimista, vem para aqui
com uma mensagem pessimista". -
11:50 - 11:54Creio que, quando observamos a realidade
é difícil ser otimista, não é? -
11:56 - 11:58Uma vez, perguntaram a Simone de Beauvoir:
-
11:58 - 12:00"A senhora é feliz ou não?"
-
12:00 - 12:03"Veja lá, quando contemplo
o mundo, tal como está -
12:03 - 12:04"não posso ser feliz.
-
12:04 - 12:06"Sou feliz, na minha vida pessoal.
-
12:06 - 12:10"Sou feliz com Jean Paul,
com as minhas relações". -
12:11 - 12:14Eu posso ser feliz. Na minha vida privada.
-
12:14 - 12:17Mas, quando vejo o mundo,
quando vejo o que se passa no nosso país, -
12:17 - 12:20quando vejo que a democracia
está a degradar-se, -
12:20 - 12:22que os valores, a ética, não existem,
-
12:22 - 12:25que o que existe é ganhar dinheiro,
custe o que custar, -
12:25 - 12:28logicamente, sofro, sofro muito.
-
12:28 - 12:32Sofro mais ainda, porque sou
duma geração que viveu em ditadura, -
12:32 - 12:34porque cheguei e descubro
que estão a cortar-nos os direitos -
12:34 - 12:37e a democracia que
custaram tanto a conseguir. -
12:39 - 12:45Mas Gramsci, um filósofo italiano,
marxista, -
12:45 - 12:48- parece que aqui
têm vergonha de citar Marx, -
12:48 - 12:51só se pode citar Groucho Marx -
-
12:51 - 12:53(Risos)
-
12:53 - 12:56que esteve muito tempo nas prisões
de Mussolini, um grande pensador, -
12:56 - 13:02— saiu um livro dele, são artigos
que ele escreveu em 1918 e 1919, -
13:02 - 13:05uma recompilação de artigos.
-
13:05 - 13:07Tem um título extraordinário:
"Ódio aos indiferentes". -
13:07 - 13:12Pois é, não se pode ser indiferente.
Somos pessoas, não somos coisas. -
13:12 - 13:15Querem-nos utilizar como mercadorias,
mas somos pessoas. -
13:15 - 13:18Temos que revoltar-nos,
ser críticos e ser rebeldes. -
13:18 - 13:22Então, Gramsci dizia uma frase
que cito muitas vezes: -
13:22 - 13:26"Contra o pessimismo da inteligência,
oponhamos o otimismo da vontade". -
13:27 - 13:30O otimismo da vontade são vocês.
-
13:30 - 13:32Somos as pessoas que protestamos.
-
13:32 - 13:35Eu sou um economista
que pregou no deserto. -
13:36 - 13:39Sim, tenho alguns seguidores, audiência.
-
13:39 - 13:43Tenho estudantes que têm que engolir
o que lhes digo, quer gostem quer não. -
13:43 - 13:44(Risos)
-
13:44 - 13:48Mas não temos nenhuma influência,
não temos influência. -
13:48 - 13:51Outro dia, Luis Garcia Montero
disse num artigo: -
13:51 - 13:53"Está a passar-se todos os dias
-
13:53 - 13:57"o que os economistas alternativos
e os críticos diziam que se ia passar. -
13:57 - 13:59"Está a acontecer o que
eles disseram que se ia passar -
13:59 - 14:02"se seguíssemos
estas políticas económicas". -
14:02 - 14:05Não temos influência
nos órgãos de decisão. -
14:05 - 14:08Mas continuamos, porque creio
que também é importante a luta das ideias. -
14:09 - 14:11Já Keynes dizia: "As ideias,
-
14:11 - 14:14"sejam verdadeiras, ou falsas,
são muito importantes". -
14:14 - 14:16Há que lutar no campo das ideias,
-
14:16 - 14:19há que lutar contra o neoliberalismo,
com essas falácias. -
14:19 - 14:22Há que denunciar tudo isto,
os males que há. -
14:22 - 14:24Há que sair para a rua
-
14:24 - 14:27para reivindicar os direitos
e que queremos ter uma vida digna. -
14:27 - 14:30Também temos
que reivindicar esses direitos -
14:30 - 14:31para os que não os têm
-
14:31 - 14:34que são os do mundo mais pobre,
mais subdesenvolvido, -
14:34 - 14:37os que vivem neste inferno em que estão.
-
14:38 - 14:43Para acabar, também queria citar
o meu mestre, José Luis Sampedro -
14:43 - 14:46que morreu há pouco,
com 96 anos, totalmente lúcido. -
14:47 - 14:49Há quem me diga:
-
14:49 - 14:51"Porque te dedicaste a isto?
A estes temas?" -
14:51 - 14:54Porque Sampedro disse
que há dois tipos de economistas: -
14:54 - 14:56Os que se dedicam a enriquecer os ricos
-
14:56 - 15:00e os que pretendem
que os pobres fiquem menos pobres. -
15:00 - 15:02Eu, quando comecei a estudar Economia,
-
15:02 - 15:04fui a uma aula dele.
-
15:04 - 15:07Ele dava aulas ao segundo ano
e eu estava no primeiro. -
15:07 - 15:11Gostei tanto dessa aula
que alterou as minhas ideias, -
15:11 - 15:13mudou a minha forma de encarar a economia.
-
15:13 - 15:15Depois fui aluno dele,
converti-me em seu discípulo. -
15:15 - 15:19A partir daí, dei-me conta
que o que se devia investigar -
15:19 - 15:22era saber porque é que há tanta pobreza,
-
15:22 - 15:25há tanto subdesenvolvimento,
há tanta miséria, há tanta fome no mundo. -
15:25 - 15:28Não basta descrevê-lo,
mas também explicar os porquês. -
15:28 - 15:30Há propostas para se saber porquê.
-
15:31 - 15:34Isso existe. Não são males
naturais que acontecem. -
15:35 - 15:37E recordo, sempre apresento como exemplo,
-
15:37 - 15:42quando a minha filha
tinha três anos, em 1983. -
15:44 - 15:47Já foi há muito tempo. Íamos de carro.
-
15:47 - 15:49Um pobre a pedir esmola na esquina
-
15:49 - 15:51— havia muitos em Madrid,
agora voltaram — -
15:51 - 15:54e ela perguntou-me:
"Papá, o que é que ele quer?" -
15:54 - 15:56E eu disse:
"Dinheiro, filha, quer dinheiro". -
15:56 - 15:59"Porque é que ele quer dinheiro?"
"Porque não tem". -
15:59 - 16:03"Porque é que ele não tem dinheiro?"
"Porque é pobre". -
16:03 - 16:05"Papá, porque é que há tantos pobres?"
-
16:05 - 16:07É a essa pergunta que é preciso responder.
-
16:07 - 16:09Recordo que, no ano de 1983,
-
16:09 - 16:12como era o aniversário
da morte de Marx, pensei: -
16:12 - 16:14"Afinal, Marx continua
a ter razão em muitas coisas". -
16:14 - 16:16Não lho disse a ela,
para não a traumatizar. -
16:16 - 16:18(Risos)
-
16:18 - 16:21O apresentador já tem muitos traumas,
não vou traumatizar as minhas filhas! -
16:21 - 16:23Tenho-as levado pouco às manifestações.
-
16:23 - 16:25Agora são maiores, fazem o que querem.
-
16:25 - 16:28Só as levava às da NATO:
"Bases, não. Fora". Às outras, não. -
16:28 - 16:33Um dia, quando começava a ler,
a aprender a ler, ia no carro e disse-me: -
16:33 - 16:36"Papá, porque é que,
sempre que leio uma coisa, -
16:36 - 16:39- íamos todos a ler os cartazes, na rua -
-
16:39 - 16:44"porque é que sempre que quero
ler uma coisa aparece a palavra 'banco'?" -
16:45 - 16:47"Filha, porque há muitos".
-
16:47 - 16:49Assim, há muitos bancos e muitos pobres.
-
16:49 - 16:51Creio que há uma relação entre eles.
-
16:51 - 16:54Para citar Sampedro, direi o seguinte:
-
16:54 - 16:56Falou-se muito de esperança
aqui, esta tarde. -
16:56 - 17:01Sampedro, quando me apoiou
na campanha para reitor, em 2003, -
17:01 - 17:04tinha havido eleições em Madrid,
coincidiram as duas. -
17:04 - 17:06Esperanza Aguirre não tinha saído.
-
17:06 - 17:08Depois, veio a traição 'Tamayazo', e saiu!
-
17:08 - 17:10Então, Sampedro disse,
falando de Esperanza, -
17:10 - 17:13por isso creio
que este discurso é importante: -
17:13 - 17:18"Enquanto há vida há esperança,
mas se há Esperanza, não há vida!" -
17:18 - 17:20(Risos)
-
17:21 - 17:24E assim é. Não há vida.
-
17:24 - 17:30Não temos esperança,
se quem manda é o neoliberalismo, -
17:30 - 17:33se quem manda
é o fundamentalismo de mercado, -
17:33 - 17:35se só podemos adorar o Bezerro de Ouro,
-
17:35 - 17:37se o único guia é o lucro,
-
17:37 - 17:39se a única coisa que predomina neste mundo
-
17:39 - 17:41é que se pode ganhar dinheiro
a qualquer custo, -
17:41 - 17:43seja como for,
-
17:43 - 17:44mesmo que haja corrupção
-
17:44 - 17:47e seja feita da forma mais conveniente.
-
17:47 - 17:49Se houver esperança, se formos cidadãos,
-
17:49 - 17:52lutamos, defendemos a nossa dignidade
-
17:52 - 17:54e levantamos a nossa bandeira
-
17:54 - 17:58contra os que nos estão
a explorar e nos estão a oprimir. -
17:58 - 18:01Há muitos exemplos na história
que mostram -
18:01 - 18:03que as lutas servem para alguma coisa.
-
18:03 - 18:05Há muita gente que me diz:
"Não serve para nada. -
18:05 - 18:07"Temo-nos manifestado
e não serve de nada". -
18:07 - 18:10Não se esqueçam de que os direitos
de hoje, se é que existem direitos, -
18:10 - 18:12são produto da luta de ontem.
-
18:12 - 18:14Portanto, ânimo, não percamos a esperança
-
18:14 - 18:16e o otimismo, apesar do pessimismo.
-
18:16 - 18:18Obrigado.
-
18:18 - 18:21(Aplausos)
- Title:
- O inferno existe mas o paraíso não | Carlos Berzosa | no TEDxZaragoza
- Description:
-
Carlos Berzosa recorda-nos que os direitos de hoje são o resultado da luta de ontem e que o cidadão tem que continuar a defender a sua dignidade, apesar do pessimismo que o rodeia.
Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx
- Video Language:
- Spanish
- Team:
closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 18:42
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Margarida Ferreira approved Portuguese subtitles for Existe el infierno pero no el paraíso | Carlos Berzosa | TEDxZaragoza | |
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