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O inferno existe mas o paraíso não | Carlos Berzosa | no TEDxZaragoza

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    Boa tarde!
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    Ah, afinal vocês continuam aí.
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    Digo isto porque
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    o orador anterior disse
    que íamos desaparecer
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    porque éramos todos da classe média,
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    - desaparecíamos enquanto classe -
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    portanto eu pensei
    que não ficava aqui ninguém.
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    (Risos)
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    Sei muito sobre infernos e paraísos
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    porque estudei num colégio de padres.
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    Mas eu vou falar de outro inferno
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    de que muita gente tenta sair.
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    As informações das Nações Unidas, da FAO,
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    chegam-nos todos os anos, ano após ano,
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    desde que eu tomei
    consciência destes problemas.
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    São números realmente aterradores.
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    São 800 milhões de famintos,
    1100, 1200, consoante a conjuntura,
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    de pobreza, uma pobreza
    em termos absolutos.
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    Todos estes dados dão-nos uma ideia
    do mundo em que vivemos.
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    Como se isto fosse pouco,
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    os meios de comunicação
    também nos transmitem
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    muitas imagens realmente terríveis.
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    Deparamo-nos com guerras, com ditaduras,
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    perseguições por motivos religiosos,
    por motivos políticos,
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    em que há violência sexual,
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    violações de mulheres, mortes de mulheres.
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    Numa grande parte do mundo,
    o que há é um verdadeiro inferno
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    por condições económicas e sociais
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    em que muita gente
    não tem acesso a água potável,
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    ao ensino, à saúde.
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    Também não tem acesso
    a condições duma vida digna.
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    Há muitas crianças malnutridas.
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    Enfim, toda essa série de imagens
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    que nos chegam e são realmente terríveis.
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    Tentam sair do inferno,
  • 1:54 - 1:55
    e muitos deles conseguem.
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    Procuram o que, para eles,
    pode ser um paraíso
  • 1:58 - 2:01
    que são os países desenvolvidos,
    os países ricos.
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    Os países ricos entre os quais,
    neste momento, estamos: a Espanha.
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    Nem sempre fomos ricos.
  • 2:07 - 2:10
    Recordo uma vez em que
    um professor de auditoria
  • 2:10 - 2:13
    que dava macroeconomia,
    disse aos estudantes:
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    "Bom, em Espanha nem sempre fomos ricos".
  • 2:16 - 2:18
    E eles: "Isso já sabemos!"
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    E eu: "Já vos explicaram
    isso na faculdade?"
  • 2:20 - 2:23
    E eles: "Não. Sabemos isso
    pela série "Conta-me como foi!"
  • 2:23 - 2:24
    (Risos)
  • 2:24 - 2:26
    E eu: "Ah, é uma forma
    de entender a vida".
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    Bom, eles vêm até nós
    como se fosse o paraíso.
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    Mas para eles é um paraíso terrível
    porque muitos não chegam.
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    Morrem em naufrágios,
  • 2:34 - 2:37
    morrem ao atravessar fronteiras
    como entre os EUA e o México.
  • 2:37 - 2:40
    Por vezes são detidos e metidos em campos
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    ou em determinados centros.
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    Temos o mundo cheio
    de campos de refugiados.
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    Neste momento, presido à CEAR,
  • 2:47 - 2:49
    Comissão Espanhola
    de Ajuda aos Refugiados.
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    É realmente um pesadelo
  • 2:50 - 2:54
    os dados da quantidade
    de campos de refugiados
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    que não vão para os países ricos
    porque não chegam lá,
  • 2:56 - 2:58
    vão para países
    também menos desenvolvidos.
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    Parte dos refugiados encontram-se
  • 3:00 - 3:03
    — os que fogem da Síria, da Jordânia,
    de todos esses países —
  • 3:03 - 3:06
    encontram-se noutros países vizinhos.
  • 3:06 - 3:09
    Aqui chegam-nos uns quantos
    mas, quando cá chegam,
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    são internados, também
    em condições horríveis,
  • 3:11 - 3:14
    que as ONG questionam e protestam,
  • 3:14 - 3:17
    e dizem que não são condições de vida,
  • 3:17 - 3:21
    que mais parecem campos de concentração
    do que campos de internamento.
  • 3:21 - 3:23
    Mas alguns conseguem vir e trabalhar.
  • 3:23 - 3:27
    Só que não têm papéis, não têm documentos.
  • 3:27 - 3:28
    Por isso trabalham, sem direitos,
  • 3:28 - 3:31
    em condições muito mais duras,
  • 3:31 - 3:34
    do que os trabalhadores dos nossos países.
  • 3:34 - 3:39
    Isto é o que existe,
    um mundo realmente terrível.
  • 3:40 - 3:43
    Claro que, perante este panorama,
  • 3:43 - 3:45
    nós podemos pensar que vivemos no paraíso,
  • 3:45 - 3:47
    mas não é para essa gente.
  • 3:47 - 3:49
    Os imigrantes, mesmo quando
    conseguem os documentos,
  • 3:49 - 3:52
    ocupam os piores postos de trabalho,
  • 3:52 - 3:54
    aqueles que nós já
    não queremos desempenhar.
  • 3:54 - 3:56
    Têm salários piores.
  • 3:56 - 3:58
    Vivem na periferia das cidades
  • 3:58 - 4:02
    e podemos observar que, no mundo rico,
    no mundo em desenvolvimento,
  • 4:02 - 4:03
    também há subdesenvolvimento.
  • 4:03 - 4:06
    Assim como no mundo
    subdesenvolvido também há ricos,
  • 4:06 - 4:09
    neste caso também temos
    subdesenvolvimento no desenvolvimento.
  • 4:09 - 4:12
    Constituído precisamente
    por esta gente que aparece,
  • 4:12 - 4:15
    os novos párias da terra,
    os excluídos, a nova forma de pobreza
  • 4:15 - 4:17
    e também por gente do país,
  • 4:17 - 4:20
    que constitui este núcleo
    de exclusão social.
  • 4:20 - 4:23
    Por vezes não temos consciência disso.
  • 4:23 - 4:27
    Quando vamos a Paris, vamos ver
    o centro de Paris, que é muito bonito,
  • 4:27 - 4:29
    mas não conhecemos a periferia de Paris.
  • 4:29 - 4:34
    De repente, há uns anos, houve
    uma explosão na periferia de Paris
  • 4:34 - 4:37
    e os analistas começaram a explicar
  • 4:37 - 4:39
    porque se passou o que se passou
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    num país desenvolvido como a França,
  • 4:40 - 4:44
    com um estado de bem-estar social,
    com uma educação laica já antiga
  • 4:44 - 4:46
    e de repente, uma grande explosão social.
  • 4:46 - 4:49
    Foram os filhos dos imigrantes,
    — foi a segunda geração —
  • 4:49 - 4:51
    que não se tinham integrado
  • 4:51 - 4:54
    ou que a sociedade francesa
    não foi capaz de integrar.
  • 4:54 - 4:57
    Vivem em condições de marginalização,
    não só económicas,
  • 4:57 - 5:00
    mas também de oportunidades,
    de trabalho, de realização.
  • 5:00 - 5:03
    Teve que haver essa explosão
    para tomarmos consciência
  • 5:03 - 5:06
    de que existem problemas
    nos países desenvolvidos.
  • 5:06 - 5:09
    Os analistas, os sociólogos,
    fazem o mesmo que os economistas,
  • 5:09 - 5:12
    depois de tudo passado,
    começam a explicá-lo.
  • 5:11 - 5:13
    Mas antes disso, ninguém o tinha previsto.
  • 5:14 - 5:16
    Há pouco tempo, em Estocolmo,
  • 5:16 - 5:20
    o paraíso do estado de bem-estar,
    da sociedade modelo,
  • 5:20 - 5:23
    outro conflito fortíssimo
    na periferia de Estocolmo.
  • 5:23 - 5:26
    Acontece que a periferia de Estocolmo
  • 5:26 - 5:29
    não beneficia nada do estado de bem-estar.
  • 5:29 - 5:33
    De modo que vivemos numa sociedade dual,
  • 5:33 - 5:38
    em que a opulência, a riqueza,
    convive com a miséria, com a pobreza
  • 5:38 - 5:40
    que se concentra basicamente
    nos países subdesenvolvidos,
  • 5:40 - 5:43
    basicamente na África subsaariana
  • 5:43 - 5:46
    mas que também temos
    no interior dos nossos países.
  • 5:46 - 5:50
    Vivemos num mundo em que há
    umas certas liberdades democráticas
  • 5:50 - 5:54
    noutros em que a ditadura
    continua a imperar
  • 5:54 - 5:55
    e a maltratar as pessoas.
  • 5:56 - 6:00
    Guerras, refugiados, é essa a realidade
    que temos em frente dos olhos.
  • 6:01 - 6:04
    Mas que se passa? Vivemos num paraíso?
  • 6:04 - 6:07
    Não sofremos as privações que eles sofrem.
  • 6:07 - 6:11
    Não sofremos essas
    tragédias todas de que falei.
  • 6:11 - 6:15
    Estamos longe de ser um paraíso para eles
  • 6:15 - 6:17
    e somos um paraíso cada vez
    mais pequeno para nós.
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    Para além da tensão em que vivemos,
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    - o consumo, a hipoteca -
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    vivemos sempre tensos, preocupados,
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    numa sociedade competitiva,
  • 6:26 - 6:29
    numa sociedade em que
    não há garantia duma vida digna,
  • 6:29 - 6:31
    se não conseguirmos trabalho,
  • 6:31 - 6:35
    se não pudermos trabalhar nalguma coisa.
  • 6:35 - 6:38
    Isto vai ser muito duro para os jovens.
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    Há muito desemprego em Espanha
    e isto vai ser muito duro.
  • 6:41 - 6:45
    Um país que não dá oportunidades
    aos jovens não tem futuro.
  • 6:45 - 6:46
    Quando vejo os jovens dizer:
  • 6:46 - 6:49
    "Vou-me embora de Espanha,
    porque neste país não há oportunidades"
  • 6:49 - 6:51
    é uma coisa assustadora.
  • 6:51 - 6:54
    Andámos a dizer que somos
    um país desenvolvido, que íamos bem
  • 6:54 - 6:57
    e não somos capazes
    de dar oportunidades aos jovens?
  • 6:57 - 7:01
    Mas, ultimamente, estamos
    a sofrer uma crise económica.
  • 7:01 - 7:03
    Uma crise que se desencadeou em 2007,
  • 7:03 - 7:04
    uma crise fundamentalmente financeira,
  • 7:04 - 7:07
    que se estendeu à economia real.
  • 7:07 - 7:09
    E começaram a fazer uns cortes.
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    Lutamos contra estes cortes
    que nos querem fazer.
  • 7:11 - 7:16
    Mexemo-nos, em Madrid, marés verdes,
    maré branca, maré da cidadania.
  • 7:16 - 7:18
    Houve grandes manifestações,
  • 7:18 - 7:20
    mas parece que o poder não se incomoda.
  • 7:20 - 7:22
    Não se incomoda.
  • 7:22 - 7:25
    Querem retirar-nos
    os direitos que conquistámos.
  • 7:25 - 7:28
    Há bocado ouvi alguém
    a falar com sotaque argentino.
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    Um argentino, meu amigo, disse-me:
  • 7:31 - 7:34
    "Vocês queixam-se por tudo e por nada!
  • 7:34 - 7:37
    "Os argentinos estão sempre em crise!
  • 7:37 - 7:38
    "Isso assusta-nos,
  • 7:38 - 7:40
    "mas vocês assustam-se
    quando há uma crise!
  • 7:40 - 7:42
    "Nós vivemos assim há muito anos!"
  • 7:42 - 7:43
    E é verdade.
  • 7:43 - 7:45
    Perante o drama do mundo, podemos dizer:
  • 7:45 - 7:48
    "Olhem, apesar de tudo estamos muito bem".
  • 7:48 - 7:50
    No entanto, não é assim.
  • 7:50 - 7:52
    Quando nos fazem cortes,
    quando nos reduzem o salário,
  • 7:52 - 7:56
    mesmo sendo da classe média,
    estando bem considerados,
  • 7:56 - 8:00
    não estamos a favorecer os de baixo,
    não estamos a gerar empregos,
  • 8:00 - 8:03
    não estamos a favorecer
    os pobres da África subsaariana
  • 8:03 - 8:06
    ou da América Latina ou da Ásia.
  • 8:06 - 8:10
    Não! Estamos a favorecer os banqueiros.
    Estamos a enriquecer os mais ricos.
  • 8:10 - 8:14
    Como dizia o gráfico anterior,
    são o "um por cento".
  • 8:14 - 8:18
    O "um por cento" está cada vez
    mais rico, são os ultra ricos.
  • 8:18 - 8:22
    E nós somos os 99%, como diziam
    os ocupantes de Wall Street.
  • 8:22 - 8:24
    É esta a situação real.
  • 8:25 - 8:31
    Ao mesmo tempo, vemos paraísos fiscais,
    a Suíça, o sigilo bancário, a corrupção,
  • 8:31 - 8:35
    enquanto as necessidades sociais
    estão cada vez mais a descoberto.
  • 8:35 - 8:39
    Resulta que uns quantos
    estão a enriquecer à nossa custa.
  • 8:40 - 8:43
    Isso da produtividade
    que se retribui, não existe.
  • 8:43 - 8:46
    Um economista norte-americano,
    como Stiglitz, disse:
  • 8:46 - 8:48
    "Porque se paga tão bem
  • 8:48 - 8:50
    "aos empregados bancários,
    aos altos executivos?
  • 8:50 - 8:53
    "Por nos terem levado
    para a beira do abismo?
  • 8:53 - 8:55
    "E continuamos a dar-lhes bónus?"
  • 8:55 - 8:57
    E aos cientistas que contribuem
  • 8:57 - 8:59
    para melhorar a nossa qualidade de vida,
  • 8:59 - 9:02
    ou para que vivamos mais anos?
  • 9:02 - 9:05
    Que ganham muito menos
    do que esses executivos da banca?
  • 9:05 - 9:07
    Porque é que o mundo está assim?
  • 9:07 - 9:10
    Porque os salários não correspondem
  • 9:10 - 9:14
    ao que diz a teoria económica neoclássica,
    mas correspondem ao poder.
  • 9:14 - 9:18
    O poder é que determina os salários dos
    que estão a mandar em nós, neste momento,
  • 9:18 - 9:20
    que são os senhores das finanças.
  • 9:20 - 9:22
    Vivemos num mundo globalizado,
  • 9:22 - 9:24
    mas globalizado
    essencialmente pela finança.
  • 9:24 - 9:27
    Somos governados pelos senhores
    da finança que nos impõem
  • 9:27 - 9:29
    as políticas económicas
    que temos que seguir.
  • 9:29 - 9:31
    E são cada vez mais.
  • 9:31 - 9:34
    Monti, que foi presidente da Itália,
    trabalhou na Goldman Sachs,
  • 9:34 - 9:36
    Draghi, trabalhou na Goldman Sachs.
  • 9:36 - 9:38
    Goldman Sachs é o estaleiro
    de onde estão a sair
  • 9:38 - 9:41
    todos os executivos
    que estão agora a dirigir
  • 9:41 - 9:44
    a política dos bancos centrais,
    neste caso,
  • 9:44 - 9:45
    ou dos governos.
  • 9:45 - 9:48
    O ministro da Economia espanhol
    trabalhou na Lehman Brothers
  • 9:48 - 9:51
    que foi à falência e nós nomeamo-lo
    ministro da Economia.
  • 9:51 - 9:53
    É estupendo, não acham? É fenomenal!
  • 9:53 - 9:55
    Isso acontece com tanta gente!
  • 9:55 - 9:58
    E assim, estamos nesta situação,
  • 9:58 - 10:00
    governados pelos senhores da finança!
  • 10:00 - 10:02
    O poder financeiro é enorme!
  • 10:02 - 10:04
    Os ultra ricos estão cada vez mais ricos.
  • 10:04 - 10:07
    Sobrepuseram a finança
    — e isso é uma das causas da crise —
  • 10:07 - 10:09
    à economia produtiva, à economia real.
  • 10:09 - 10:12
    É um escândalo que,
    com o que a ciência avançou,
  • 10:12 - 10:15
    com o que a investigação
    e a tecnologia avançaram,
  • 10:15 - 10:18
    com o aumento que houve
    de receitas e de riqueza neste mundo,
  • 10:18 - 10:22
    que haja tanta gente
    a ter que lutar para sobreviver!
  • 10:22 - 10:25
    Porque não têm nem para comer,
    isso é um escândalo.
  • 10:25 - 10:27
    Mas o resto também é escandaloso.
  • 10:27 - 10:30
    Por vezes, também me interrogo:
    "Como é que não reagimos?"
  • 10:30 - 10:32
    Reagimos sim, fazemos
    manifestações, movimentos,
  • 10:32 - 10:34
    mas creio que é pouco.
  • 10:34 - 10:36
    Perdemos as forças no bar dos espanhóis.
  • 10:36 - 10:37
    (Risos)
  • 10:37 - 10:41
    Muitas queixas e pouca reivindicação.
    Como é que aguentamos isto?
  • 10:41 - 10:44
    Que nos cortem bens tão básicos
    como a saúde e o ensino,
  • 10:44 - 10:47
    e todos os cortes não chegam
  • 10:47 - 10:50
    para o que temos dado
    para salvar o Bankia.
  • 10:52 - 10:56
    Rodrigo Rato também foi nomeado
    conselheiro assessor de Botín.
  • 10:57 - 10:59
    Depois do desastre do Bankia.
  • 10:59 - 11:02
    Passa-se neste país uma coisa incrível!
  • 11:02 - 11:05
    É preciso revoltarmo-nos.
  • 11:05 - 11:09
    Há mal-estar no mundo. Há manifestações.
  • 11:09 - 11:13
    Houve manifestações no norte de África
    que acabaram em ditadura.
  • 11:13 - 11:16
    Há protestos nos países desenvolvidos,
  • 11:16 - 11:21
    o 15-M, os "okupas" de Wal Street,
    em Londres, em muitos sítios.
  • 11:21 - 11:24
    Houve explosões na periferia
    de Estocolmo, Paris e outros locais.
  • 11:24 - 11:26
    Houve manifestações na Turquia, no Brasil,
  • 11:26 - 11:29
    que são países que vão bem
    economicamente, que estão a crescer!
  • 11:29 - 11:32
    Tem havido grandes manifestações
    de protesto. Há muito mal-estar.
  • 11:32 - 11:35
    Este crescimento económico
    não nos satisfaz
  • 11:35 - 11:37
    Um sistema que se rege
    pelo lucro e pelo benefício,
  • 11:37 - 11:39
    não pode satisfazer
  • 11:39 - 11:41
    as necessidades sociais
    e humanas que temos.
  • 11:41 - 11:44
    Temos que construir outro mundo.
  • 11:44 - 11:46
    Claro, muitos dirão:
  • 11:46 - 11:50
    "Que pessimista, vem para aqui
    com uma mensagem pessimista".
  • 11:50 - 11:54
    Creio que, quando observamos a realidade
    é difícil ser otimista, não é?
  • 11:56 - 11:58
    Uma vez, perguntaram a Simone de Beauvoir:
  • 11:58 - 12:00
    "A senhora é feliz ou não?"
  • 12:00 - 12:03
    "Veja lá, quando contemplo
    o mundo, tal como está
  • 12:03 - 12:04
    "não posso ser feliz.
  • 12:04 - 12:06
    "Sou feliz, na minha vida pessoal.
  • 12:06 - 12:10
    "Sou feliz com Jean Paul,
    com as minhas relações".
  • 12:11 - 12:14
    Eu posso ser feliz. Na minha vida privada.
  • 12:14 - 12:17
    Mas, quando vejo o mundo,
    quando vejo o que se passa no nosso país,
  • 12:17 - 12:20
    quando vejo que a democracia
    está a degradar-se,
  • 12:20 - 12:22
    que os valores, a ética, não existem,
  • 12:22 - 12:25
    que o que existe é ganhar dinheiro,
    custe o que custar,
  • 12:25 - 12:28
    logicamente, sofro, sofro muito.
  • 12:28 - 12:32
    Sofro mais ainda, porque sou
    duma geração que viveu em ditadura,
  • 12:32 - 12:34
    porque cheguei e descubro
    que estão a cortar-nos os direitos
  • 12:34 - 12:37
    e a democracia que
    custaram tanto a conseguir.
  • 12:39 - 12:45
    Mas Gramsci, um filósofo italiano,
    marxista,
  • 12:45 - 12:48
    - parece que aqui
    têm vergonha de citar Marx,
  • 12:48 - 12:51
    só se pode citar Groucho Marx -
  • 12:51 - 12:53
    (Risos)
  • 12:53 - 12:56
    que esteve muito tempo nas prisões
    de Mussolini, um grande pensador,
  • 12:56 - 13:02
    — saiu um livro dele, são artigos
    que ele escreveu em 1918 e 1919,
  • 13:02 - 13:05
    uma recompilação de artigos.
  • 13:05 - 13:07
    Tem um título extraordinário:
    "Ódio aos indiferentes".
  • 13:07 - 13:12
    Pois é, não se pode ser indiferente.
    Somos pessoas, não somos coisas.
  • 13:12 - 13:15
    Querem-nos utilizar como mercadorias,
    mas somos pessoas.
  • 13:15 - 13:18
    Temos que revoltar-nos,
    ser críticos e ser rebeldes.
  • 13:18 - 13:22
    Então, Gramsci dizia uma frase
    que cito muitas vezes:
  • 13:22 - 13:26
    "Contra o pessimismo da inteligência,
    oponhamos o otimismo da vontade".
  • 13:27 - 13:30
    O otimismo da vontade são vocês.
  • 13:30 - 13:32
    Somos as pessoas que protestamos.
  • 13:32 - 13:35
    Eu sou um economista
    que pregou no deserto.
  • 13:36 - 13:39
    Sim, tenho alguns seguidores, audiência.
  • 13:39 - 13:43
    Tenho estudantes que têm que engolir
    o que lhes digo, quer gostem quer não.
  • 13:43 - 13:44
    (Risos)
  • 13:44 - 13:48
    Mas não temos nenhuma influência,
    não temos influência.
  • 13:48 - 13:51
    Outro dia, Luis Garcia Montero
    disse num artigo:
  • 13:51 - 13:53
    "Está a passar-se todos os dias
  • 13:53 - 13:57
    "o que os economistas alternativos
    e os críticos diziam que se ia passar.
  • 13:57 - 13:59
    "Está a acontecer o que
    eles disseram que se ia passar
  • 13:59 - 14:02
    "se seguíssemos
    estas políticas económicas".
  • 14:02 - 14:05
    Não temos influência
    nos órgãos de decisão.
  • 14:05 - 14:08
    Mas continuamos, porque creio
    que também é importante a luta das ideias.
  • 14:09 - 14:11
    Já Keynes dizia: "As ideias,
  • 14:11 - 14:14
    "sejam verdadeiras, ou falsas,
    são muito importantes".
  • 14:14 - 14:16
    Há que lutar no campo das ideias,
  • 14:16 - 14:19
    há que lutar contra o neoliberalismo,
    com essas falácias.
  • 14:19 - 14:22
    Há que denunciar tudo isto,
    os males que há.
  • 14:22 - 14:24
    Há que sair para a rua
  • 14:24 - 14:27
    para reivindicar os direitos
    e que queremos ter uma vida digna.
  • 14:27 - 14:30
    Também temos
    que reivindicar esses direitos
  • 14:30 - 14:31
    para os que não os têm
  • 14:31 - 14:34
    que são os do mundo mais pobre,
    mais subdesenvolvido,
  • 14:34 - 14:37
    os que vivem neste inferno em que estão.
  • 14:38 - 14:43
    Para acabar, também queria citar
    o meu mestre, José Luis Sampedro
  • 14:43 - 14:46
    que morreu há pouco,
    com 96 anos, totalmente lúcido.
  • 14:47 - 14:49
    Há quem me diga:
  • 14:49 - 14:51
    "Porque te dedicaste a isto?
    A estes temas?"
  • 14:51 - 14:54
    Porque Sampedro disse
    que há dois tipos de economistas:
  • 14:54 - 14:56
    Os que se dedicam a enriquecer os ricos
  • 14:56 - 15:00
    e os que pretendem
    que os pobres fiquem menos pobres.
  • 15:00 - 15:02
    Eu, quando comecei a estudar Economia,
  • 15:02 - 15:04
    fui a uma aula dele.
  • 15:04 - 15:07
    Ele dava aulas ao segundo ano
    e eu estava no primeiro.
  • 15:07 - 15:11
    Gostei tanto dessa aula
    que alterou as minhas ideias,
  • 15:11 - 15:13
    mudou a minha forma de encarar a economia.
  • 15:13 - 15:15
    Depois fui aluno dele,
    converti-me em seu discípulo.
  • 15:15 - 15:19
    A partir daí, dei-me conta
    que o que se devia investigar
  • 15:19 - 15:22
    era saber porque é que há tanta pobreza,
  • 15:22 - 15:25
    há tanto subdesenvolvimento,
    há tanta miséria, há tanta fome no mundo.
  • 15:25 - 15:28
    Não basta descrevê-lo,
    mas também explicar os porquês.
  • 15:28 - 15:30
    Há propostas para se saber porquê.
  • 15:31 - 15:34
    Isso existe. Não são males
    naturais que acontecem.
  • 15:35 - 15:37
    E recordo, sempre apresento como exemplo,
  • 15:37 - 15:42
    quando a minha filha
    tinha três anos, em 1983.
  • 15:44 - 15:47
    Já foi há muito tempo. Íamos de carro.
  • 15:47 - 15:49
    Um pobre a pedir esmola na esquina
  • 15:49 - 15:51
    — havia muitos em Madrid,
    agora voltaram —
  • 15:51 - 15:54
    e ela perguntou-me:
    "Papá, o que é que ele quer?"
  • 15:54 - 15:56
    E eu disse:
    "Dinheiro, filha, quer dinheiro".
  • 15:56 - 15:59
    "Porque é que ele quer dinheiro?"
    "Porque não tem".
  • 15:59 - 16:03
    "Porque é que ele não tem dinheiro?"
    "Porque é pobre".
  • 16:03 - 16:05
    "Papá, porque é que há tantos pobres?"
  • 16:05 - 16:07
    É a essa pergunta que é preciso responder.
  • 16:07 - 16:09
    Recordo que, no ano de 1983,
  • 16:09 - 16:12
    como era o aniversário
    da morte de Marx, pensei:
  • 16:12 - 16:14
    "Afinal, Marx continua
    a ter razão em muitas coisas".
  • 16:14 - 16:16
    Não lho disse a ela,
    para não a traumatizar.
  • 16:16 - 16:18
    (Risos)
  • 16:18 - 16:21
    O apresentador já tem muitos traumas,
    não vou traumatizar as minhas filhas!
  • 16:21 - 16:23
    Tenho-as levado pouco às manifestações.
  • 16:23 - 16:25
    Agora são maiores, fazem o que querem.
  • 16:25 - 16:28
    Só as levava às da NATO:
    "Bases, não. Fora". Às outras, não.
  • 16:28 - 16:33
    Um dia, quando começava a ler,
    a aprender a ler, ia no carro e disse-me:
  • 16:33 - 16:36
    "Papá, porque é que,
    sempre que leio uma coisa,
  • 16:36 - 16:39
    - íamos todos a ler os cartazes, na rua -
  • 16:39 - 16:44
    "porque é que sempre que quero
    ler uma coisa aparece a palavra 'banco'?"
  • 16:45 - 16:47
    "Filha, porque há muitos".
  • 16:47 - 16:49
    Assim, há muitos bancos e muitos pobres.
  • 16:49 - 16:51
    Creio que há uma relação entre eles.
  • 16:51 - 16:54
    Para citar Sampedro, direi o seguinte:
  • 16:54 - 16:56
    Falou-se muito de esperança
    aqui, esta tarde.
  • 16:56 - 17:01
    Sampedro, quando me apoiou
    na campanha para reitor, em 2003,
  • 17:01 - 17:04
    tinha havido eleições em Madrid,
    coincidiram as duas.
  • 17:04 - 17:06
    Esperanza Aguirre não tinha saído.
  • 17:06 - 17:08
    Depois, veio a traição 'Tamayazo', e saiu!
  • 17:08 - 17:10
    Então, Sampedro disse,
    falando de Esperanza,
  • 17:10 - 17:13
    por isso creio
    que este discurso é importante:
  • 17:13 - 17:18
    "Enquanto há vida há esperança,
    mas se há Esperanza, não há vida!"
  • 17:18 - 17:20
    (Risos)
  • 17:21 - 17:24
    E assim é. Não há vida.
  • 17:24 - 17:30
    Não temos esperança,
    se quem manda é o neoliberalismo,
  • 17:30 - 17:33
    se quem manda
    é o fundamentalismo de mercado,
  • 17:33 - 17:35
    se só podemos adorar o Bezerro de Ouro,
  • 17:35 - 17:37
    se o único guia é o lucro,
  • 17:37 - 17:39
    se a única coisa que predomina neste mundo
  • 17:39 - 17:41
    é que se pode ganhar dinheiro
    a qualquer custo,
  • 17:41 - 17:43
    seja como for,
  • 17:43 - 17:44
    mesmo que haja corrupção
  • 17:44 - 17:47
    e seja feita da forma mais conveniente.
  • 17:47 - 17:49
    Se houver esperança, se formos cidadãos,
  • 17:49 - 17:52
    lutamos, defendemos a nossa dignidade
  • 17:52 - 17:54
    e levantamos a nossa bandeira
  • 17:54 - 17:58
    contra os que nos estão
    a explorar e nos estão a oprimir.
  • 17:58 - 18:01
    Há muitos exemplos na história
    que mostram
  • 18:01 - 18:03
    que as lutas servem para alguma coisa.
  • 18:03 - 18:05
    Há muita gente que me diz:
    "Não serve para nada.
  • 18:05 - 18:07
    "Temo-nos manifestado
    e não serve de nada".
  • 18:07 - 18:10
    Não se esqueçam de que os direitos
    de hoje, se é que existem direitos,
  • 18:10 - 18:12
    são produto da luta de ontem.
  • 18:12 - 18:14
    Portanto, ânimo, não percamos a esperança
  • 18:14 - 18:16
    e o otimismo, apesar do pessimismo.
  • 18:16 - 18:18
    Obrigado.
  • 18:18 - 18:21
    (Aplausos)
Title:
O inferno existe mas o paraíso não | Carlos Berzosa | no TEDxZaragoza
Description:

Carlos Berzosa recorda-nos que os direitos de hoje são o resultado da luta de ontem e que o cidadão tem que continuar a defender a sua dignidade, apesar do pessimismo que o rodeia.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
Spanish
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
18:42

Portuguese subtitles

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