Refugiados na Alemanha: quebrando o gelo com humor | Abdul Abbasi e Allaa Faham | TEDxMünster

Abdul Abbasi e Allaa Faham são os fundadores do "GermanLifeStyle GLS", uma página no Facebook e um canal no YouTube direcionado a jovens refugiados na Alemanha, em árabe e alemão. Os dois sírios falam sobre diferenças culturais com muito humor e se tornaram famosos por suas sátiras e piadas sírio-germânicas. Enquanto ajudam muitos árabes em seu recomeço na Alemanha, eles também enfraquecem as imagens estereotipadas dos refugiados.

Abdul Abbasi nasceu nos Emirados Árabes, e aos 4 anos mudou-se com seus pais para Aleppo, na Síria. Quando a guerra na Síria começou, em 2012, Abdul deixou a Síria junto com seus pais. A família viveu no Egito e na Líbia antes de Abdul mudar-se para a Turquia onde ele finalmente se candidatou a um visto de estudos na Alemanha. Abdul atualmente estuda odontologia em Göttingen enquanto produz vídeos no YouTube para trocas interculturais e trabalha como voluntário em diversas organizações humanitárias.

Allaa Faham deixou a Síria aos 16 anos, mudando-se com seu pai para a Arábia Saudita, onde ele completou o ensino preparatório para graduação. Aos 18 anos, Allaa deixou a Arábia Saudita sozinho para candidatar-se a um visto alemão na Turquia. De posse de um visto de estudos, Allaa finalmente mudou-se para a Alemanha no inpicio de 2015. Ele viveu em Berlin e Hamburg onde acaba de concluir cursos de idiomas e preparação para a universidade enquanto trabalha produzindo vídeos para intercâmbio cultural e trabalha como repórter esportivo.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

Allaa Faham: Senhoras e senhores,

nós somos GLS.

Eu sou Abdul, ele é Allaa.

Abdul Abbasi: Ao contrário. Eu sou Abdul.

AF: Desculpe. Eu sou Allaa, ele é Abdul.

Nós viemos da Síria.

Estou na Alemanha
há uns dois anos, e Abdul há três.

Começamos nosso projeto
há um ano, mais ou menos.

Basicamente, ele é sobre...

AF: nossa...
AA: Allaa!

AF: superação...
AA: Allaa!

AF: de preconceitos entre...
AA: Allaa, Allaa!

AF: O quê?

AA: Vocês realmente têm Nutella
na Síria? Aquele creme de chocolate...

Vocês realmente comem chocolate na Síria?
Você não sabe nada sobre isso.

AF: Nós comemos.

AA: Você tem cinco esposas
na Síria, não é mesmo?

Todo homem precisa de cinco esposas.
Uma não é suficiente, não é?

Claro, eu entendo.
Sou multicultural... Sem problemas.

AF: Mas não é verdade.

(Risos)

AA: Mas todas elas trabalham em casa.

AF: Não, minha mãe trabalha fora.

AA: Fora, no jardim?

(Risos)

AF: Não, na verdade em uma empresa.

AA: Mas elas andam todas com véu.

Como você consegue diferenciá-las?

Deve ser difícil.

Mas eu tenho uma ideia.

Cada esposa pode usar um número,
como nas Olimpíadas.

(Risos)

AF: Pare com isso. Nada disso é verdade.

Isso não é verdade.

AA: Claro que é verdade.
Você é da Síria.

AF: Não.

AA: Mas eu tenho uma pergunta,
tenho 100% de certeza sobre isso.

AF: Certo, pare.

AA: Vocês têm eleições livres na Síria?

AF: Sim, claro que temos... eleições?

AA: Sim?

AF: Não.

AA: Viu? É verdade. É realmente bombástico
esse lugar onde você vive, hein?

AF: Bombástico?

AA: Sim, quero dizer, sírios, bombas.
Você tem uma bomba aí com você?

AF: Abdul, você quer ver
uma bomba de verdade agora mesmo?

Você quer ver uma bomba
de verdade agora mesmo?

AA: Prosseguindo.
Nós fazemos vídeos legais.

AF: Estou falando com você.

AA: Não.

AF: Quer ver uma bomba de verdade?

AA: Quatrocentas pessoas. Allaa, não.

AF: Um, dois, três.

Sim, é minha bomba, bem aqui.

(Aplausos)

Muitas pessoas associam minha identidade,

meu passaporte sírio,
o lugar de onde venho,

com bombas, com mortes,
com violência, guerra, sangue,

mas a essas bombas que sempre mostramos,

não importa onde, EUA, França, Alemanha,
Áustria, Hungria, qualquer lugar,

ninguém presta atenção,

diferente das bombas verdadeiras, claro.

Essa, senhoras e senhores, é a base

para um verdadeiro estereótipo.

Coletamos piadas, como essas
que mostramos há pouco,

de várias pessoas...

AA: Ah.

AF: Abdul, levante-se.

AA: Estamos no paraíso?

AF: Não, ainda estamos em Münster.

AA: Meu Deus!

(Risos)

(Aplausos)

AF: Quando vocês ouvem essas ideias,
essas perguntas, essas informações,

vocês têm a impressão
de que na Síria somos assim.

AA: No YouTube, às vezes
recebemos comentários de ódio.

Escrevem-nos: "Voltem para seus camelos!"

Isso seria bem legal.

(Risos)

Eu adoraria ter um camelo em Aleppo,
mas infelizmente não temos camelos.

Eu adoraria, mas seria difícil.

Qual é o verdadeiro problema,

quando nos deparamos
com algo que não conhecemos?

De alguma forma ficamos inseguros,

e essa insegurança é, na verdade,
um sinal de fraqueza.

E essa fraqueza
demonstra vulnerabilidade.

Por isso tentamos mandá-la
embora o quanto antes.

E se fazemos uma pergunta

sobre determinada comunidade
que não conhecemos,

tentamos responder a pergunta
com generalizações.

Usamos nossas próprias
experiências individuais seletivas.

Talvez um dia eu venha
a conhecer alguém do México,

e eu tenho uma ideia, na minha cabeça,
de como são os mexicanos.

Isso é errado.

Por exemplo, nas férias.

Vocês estão em toda parte.

Não importa onde se vá, sempre há alemães.

Na Síria, há guerra, mas talvez haja
alguns alemães em férias por lá.

Férias são importantes.

(Risos)

(Aplausos)

Uma vez, vi um homem às seis da manhã,

e ele tinha reservado uma cadeira de praia
com... como é mesmo o nome?

Uma toalha. Às seis da manhã.

E agora, sempre que penso em alemães,

é essa imagem que me vem à mente,

e eu a uso para dizer
que sei como são os alemães.

Sim, todos eles, às seis da manhã...

Na verdade o que estou fazendo
é construir estereótipos.

AF: O problema com os estereótipos
é que, apesar de tentarmos não usá-los...

Bom, o Abdul não tenta realmente.

O problema é que isso
é uma característica geral de todos nós.

Está na nossa natureza.

As pessoas se enganam.

Eu, por exemplo, só conhecia
três coisas sobre a Alemanha:

a Oktoberfest, a seleção de futebol
e a frase "Eu te amo".

No começo, eu só sabia essa frase,
então para todos eu dizia: "Eu te amo".

(Risos)

O quê? Por quê?

AA: Sim, entendo.

AF: Vocês devem saber que os alemães
são considerados brabos, sérios,

e sem senso de humor.

O que não é exatamente verdade, é?

AA: Bem, minha namorada está aqui.
Você não, é claro.

AF: Mesmo que os alemães
sejam incomparáveis

em sua tolerância com outras culturas,
pelo menos na minha experiência,

ainda há esses estereótipos
sobre os sírios na Alemanha.

O motivo para isso, é claro,
é que nós, alemães e sírios,

temos pouco contato uns com os outros.

É aqui que precisamos construir pontes.

É importante nos comunicarmos mais,
falarmos mais uns com os outros.

É importante nos lembrarmos

que não somos todos farinha do mesmo saco;

alemães não são clones, nem os sírios.

AA: A palavra "social",
ou em alemão "sozial",

vem do latim...

Habibi?

Posso olhar meu texto?

"socialis".

Essa palavra foi usada em latim
para descrever comunidades

agradáveis, educadas,
legais umas com as outras.

Na verdade, podemos usar
esse significado original

e aplicá-lo à situação atual.

Podemos descrever a humanidade
como uma "comunidade social"

que tem tanto maçãs boas
quanto maçãs podres.

E por esse motivo, senhoras e senhores,

nós fundamos a GLS, German LifeStyle,
estilo de vida alemão.

(Risos)

(Aplausos)

AF: Legal.
AA: Legal, não é?

AF: Começamos nosso projeto há um ano.

Basicamente, é sobre nós, alemães
e sírios, falarmos mais uns com os outros,

superarmos juntos os preconceitos
em relação aos alemães,

assim como os preconceitos
em relação a nós, sírios,

entendendo nossas diferenças.

Já temos aproximadamente
90 mil seguidores no Facebook.

AA: Sim, aproximadamente 90 mil.

AF: E 20 mil assinantes no YouTube.

Esse é um de nossos vídeos.

Na verdade ele é um pouco velho, mas...

AA: Espere.

Pronto. É isso que fazemos.

(Risos)

Tente de novo.

Nós fazemos isso também.

(Risos)

(Aplausos)

Sem problemas. Nós fazemos ao vivo. Sim?

(Vídeo) [Os alemães]

AF: Quer um pouco de chocolate?

AA: Não, obrigado.
Para mim não. Estou bem.

AF: Certo.

[Os sírios]

(Árabe)

AF: Muito simpático.

(Árabe)

Estávamos muito satisfeitos
com nossas vidas.

Antes da guerra, quase nenhum de nós
pensava realmente em sair da Síria,

mas esse acabou se tornando nosso destino,
e tudo isso é realmente doloroso.

Queremos nos integrar
na sociedade de vocês,

queremos respeitar a constituição alemã.

Queremos conviver pacificamente
com vocês e apoiarmos uns aos outros,

pois juntos somos mais fortes.

Mas não podemos fazer isso
sozinhos, nem vocês.

Portanto, seria bom
se apoiássemos uns aos outros,

porque queremos
fazer algo de nossas vidas.

Perdemos muito,

mas ainda nos apegamos a nossos sonhos

e queremos torná-los reais,

e participarmos ativamente
da sociedade alemã.

(Fim do vídeo)

(Aplausos)

AF: Obrigado.

Depois de pensar muito,
chegamos a esta conclusão:

temos duas sociedades diferentes,
com uma ponte entre elas,

e precisamos atravessar essa ponte.

Então nos perguntamos:
"Como podemos atravessar essa ponte?

Como podemos quebrar o gelo?"

Isso é tão fácil, na verdade
é como conhecer uma mulher.

AA: Sim.
AF: Abdul?

AA: Não.
AF: Você pode nos explicar...

AA: Exatamente. Obrigado.

AF: ...como você conhece mulheres?

AA: Não.
AF: Por quê?

AA: Isso é tudo passado.
Não quero falar sobre isso.

AF: Por favor!

AA: Sou uma pessoa
completamente diferente hoje.

Não sou mais um cavalo.

AF: Quatrocentas pessoas estão esperando.

AA: (Árabe)

AF: Por favor!

Venha aqui.

O palco é seu.

E depois disso?

(Risos)

O que você fez depois?

Por favor!

(Risos)

(Aplausos)

Cuidado, cuidado!

(Canção "My Heart Will Go On")

(Risos)

(Aplausos)

AA: Humor.

Viram só, com humor,
vocês podem quebrar o gelo.

Para nós, o humor é, na verdade,
uma linguagem universal

que ninguém tem medo
de falar ou de entender.

Por exemplo, vocês estão
em uma cultura estrangeira.

Vocês têm medo de fazer algo errado.

Seus conterrâneos também
têm medo de fazer algo errado.

Mas de repente, todos vocês riem.

Agora, não importa mais
o que vocês fizeram.

Talvez vocês tenham feito
algo errado na outra cultura.

Mas isso não importa,
não se preocupem, todos vocês riem.

Sem discriminação, sem julgamentos;
vocês compartilham o momento.

Vocês sentem uma conexão
uns com os outros.

AF: Uau.

AF: Legal.
AA: Bom, não é?

AF: Mas ainda assim, há pessoas

que não querem se abrir
para outras culturas e países.

Não querem se esforçar.

E isso requer esforço,

a discussão sempre é difícil,

é difícil mudar ideias
que você tem há tanto tempo.

Mas a pergunta é:

o que essas pessoas perdem?

AA: Muitas pessoas
se assustam com as diferenças.

Para nós, não há nada de errado
em ser diferente.

Ser diferente nem sempre é algo negativo.

Nossa experiência nos mostra

que pessoas multiculturais
são mais abertas e mais tolerantes

do que pessoas que vivem
em sociedades fechadas e isoladas.

Podemos aprender e compartilhar
muito uns com os outros.

Você...

eu, por exemplo, nós...

Eu posso te mostrar
como se cozinha, não posso?

E você, por exemplo,
pode me dar seu passaporte alemão.

(Risos)

Passaporte alemão.

AF: A intolerância religiosa, o racismo
e o nacionalismo impõem barreiras.

Só conseguimos ultrapassar essas barreiras

conhecendo uns aos outros;

percebendo o que todos temos em comum:

somos todos humanos.

AA: Esse é, na verdade,
o objetivo do nosso projeto,

o objetivo do GLS.

Voltando ao primeiro ponto.

Não quero ter só uma imagem da Alemanha.

AF: Não quero ter só uma imagem da Síria.

AA: E é irrelevante

se essa é uma imagem boa ou ruim.

Nós acreditamos fortemente
que nenhuma sociedade no mundo

deve ser reduzida a um único estereótipo.

Isso está errado. Isso é ruim.

(Aplausos)

Nós, eu, Allaa, o cavalo
e muitos refugiados,

muitos novos refugiados,
muitos novos membros da sociedade

só queremos dizer

que não podemos permitir
que a guerra seja mais forte que nós.

Nosso destino não pode
ser mais forte que nós.

AF: Somos mais fortes que nossa realidade.

O branco é, na verdade, a cor da paz,

e agora temos quatro flores.

AA: Esta...

é para meu país destruído,

para minha cidade.

AF: Esta é para Alemanha.

AA: Esta é para todas as pessoas do mundo

que sofrem em decorrência da guerra.

AF: E esta é para todos
que defendem a humanidade.

AA: Obrigado.
AF: Obrigado.

(Aplausos)