Abrigos de emergência feitos de papel | Shigeru Ban | TEDxTokyo

A filosofia prática de arquitetura de Shigeru Ban envolve nada mais nada menos do que a redefinição de estética, espaço, materiais e estrutura. O seu "design" invulgar de abrigos por módulos, usando papel reciclado e tubos de cartão, por exemplo, proporcionou paraísos sólidos aos evacuados, depois do grande terramoto no Japão.

Esta palestra foi feita num evento TEDx, usando o formato das Conferências TED, mas organizado de forma independente por uma comunidade local. Saiba mais em: http://ted.com/tedx

Olá, sou arquiteto.

Sou o único arquiteto do mundo

que faz edifícios de papel
com estes tubos de cartão.

Esta exposição foi a primeira que fiz
usando tubos de papel.

1986 — Muito antes de as pessoas
começarem a falar

de questões ecológicas
e de questões ambientais,

comecei a testar o tubo de papel

para o utilizar

como estrutura de construção.

É muito complicado testar
um material novo para construção,

mas isto é muito mais forte
do que eu esperava

e também é muito fácil de impermeabilizar.

Como é um material industrial,

também é possível ser à prova de fogo.

Assim, construí a estrutura
provisória, em 1990.

Este é o primeiro edifício provisório
feito de papel.

Tem 330 tubos, com 55 cm de diâmetro.

Tem só 12 tubos com um diâmetro de 120 cm.

Como veem na foto,
lá dentro estão os lavabos.

Se o papel higiénico acabar,

podem arrancar um pedaço da parede.

(Risos)

Portanto, é muito útil.

Ano 2000 — houve uma grande
exposição na Alemanha.

Pediram-me para desenhar o edifício

porque o tema da exposição
eram as questões ambientais.

Por isso, optei por desenhar o pavilhão
com tubos de papel,

papel reciclável.

O objetivo do meu "design"
não estava em completá-lo.

Era para quando o edifício fosse demolido.

Cada país faz uma série de pavilhões

mas, meio ano depois,
criamos um imenso lixo industrial.

Por isso, o meu edifício
tinha que ser reutilizado ou reciclado.

Aliás, o edifício foi reutilizado.

Era esse o objetivo do meu "design".

Depois tive a sorte de ganhar
o concurso para construir

o segundo Centro Pompidou
em França, na cidade de Metz.

Como eu era muito pobre,

quis alugar um escritório em Paris,
mas não podia pagá-lo,

por isso decidi levar
os meus alunos para Paris

para construirmos o nosso gabinete
por cima do Centro Pompidou, em Paris.

(Risos)

Trouxemos os tubos de papel
e as uniões de madeira

para completar o gabinete
de 35 m de comprimento.

Ficámos ali durante seis anos,
sem pagar renda.

(Risos)

(Aplausos)

Obrigado. Mas arranjei um grande problema.

Como fazíamos parte da exposição,

se um amigo meu me quisesse ver,
tinha que comprar um bilhete.

(Risos)

O problema era esse.

Completei o Centro Pompidou em Metz.

É hoje um museu muito popular

e criei um grande monumento
para o governo.

Mas senti-me muito dececionado

na minha profissão, enquanto arquiteto,

porque não estamos a ajudar,
não estamos a trabalhar para a sociedade,

estamos a trabalhar
para pessoas privilegiadas,

pessoas ricas, governos, urbanizadores.

Têm dinheiro e poder.

São invisíveis.

Contratam-nos para exibirmos
o seu poder e o seu dinheiro

fazendo arquitetura monumental.

É assim a nossa profissão,
mesmo historicamente.

Ainda hoje estamos a fazer o mesmo.

Fiquei muito dececionado por
não estarmos a trabalhar para a sociedade,

embora haja tanta gente

que perdeu as suas casas
por desastres naturais.

Mas tenho que dizer que
já não são desastres naturais.

Por exemplo, os terramotos
nunca matam pessoas,

o que mata as pessoas
é a derrocada dos edifícios.

Essa é a responsabilidade dos arquitetos.

São precisas habitações provisórias,

mas não há arquitetos a trabalhar nisso

porque estamos demasiado ocupados
a trabalhar para pessoas privilegiadas.

Então, pensei, mesmo enquanto arquitetos,

podemos ser envolvidos na reconstrução
de habitações provisórias.

Podemos melhorá-las.

Foi por isso que comecei a trabalhar
em áreas de desastre.

1994 — houve um grande desastre
em Ruanda, em África.

Duas tribos, os hutus e os tutsis,
entraram em guerra.

Houve mais de dois milhões de refugiados.

Fiquei muito surpreendido ao ver
o campo de abrigo dos refugiados,

organizado pelas Nações Unidas.

Eles são muito pobres e estão enregelados

com cobertores durante
a estação das chuvas.

Nos abrigos construídos
pelas Nações Unidas

só lhes forneceram uma chapa de plástico

e os refugiados tinham
que cortar árvores e coisas assim.

Mais de dois milhões de pessoas
a cortar árvores

representam uma enorme desflorestação

e um problema ambiental.

Por isso começaram a fornecer
tubos de alumínio, barracas de alumínio.

Como eram muito caros,
vendiam-nos para obter dinheiro

e voltavam a cortar árvores.

Por isso apresentei a minha ideia
para melhorar a situação,

usando estes tubos de papel reciclado

que são muito baratos
e também muito fortes.

O meu orçamento é só
de 50 dólares por unidade.

Construímos 50 unidades para fazer
um teste de monitorização

quanto a durabilidade
e humidade, térmitas, etc.

Um ano depois, em 1995, em Kobe, no Japão,

tivemos um grande terramoto.

Morreram quase 7000 pessoas.

No distrito de Nagata,

toda a cidade ardeu num incêndio
depois do terramoto.

Descobri que havia
muitos refugiados vietnamitas

a sofrer, reunidos numa igreja católica

— todos os edifícios
ficaram totalmente destruídos.

Fui até lá e propus aos padres:

"Porque é não reconstruímos a igreja
com tubos de papel?"

E eles: "Oh, meu Deus, está doido?

(Risos)

"Depois de um incêndio,
está a propor uma coisa dessas?"

Não confiaram em mim,
mas eu não desisti.

Comecei a deslocar-me a Kobe

e fui ter com os vietnamitas.

Estavam a viver assim, com chapas
de plástico muito pobre no parque.

Propus-lhes reconstruir. Angariei fundos.

Fiz-lhes um abrigo de tubos de papel.

Para tornar fácil que fosse
construído por estudantes

e também fácil de demolir,

usei grades de cerveja como alicerces.

Pedi à empresa de cervejas Kirin
para as oferecer

porque, naquela época,
a empresa de cervejas Asahi

fabricava as grades de plástico
em vermelho,

o que não combinava
com a cor dos tubos de papel.

A coordenação de cores é muito importante.

Ainda recordo que estávamos à espera

de encontrar uma cerveja
dentro das grades de plástico,

mas vinham todas vazias.

(Risos)

Lembro-me de ter sido uma deceção.

Durante o verão, com os meus alunos,

construímos mais
de 50 unidades de abrigos.

Por fim, o padre confiou em mim
para a reconstrução e disse:

"Desde que você arranje o dinheiro,

"traga os seus estudantes
para construir, pode fazê-lo".

Passámos cinco semanas
a reconstruir a igreja.

Era para ficar ali durante três anos,

mas ficou lá durante 10 anos
porque as pessoas adoravam-na.

Depois, em Taiwan,
houve um grande terramoto

e propusemos oferecer essa igreja.

Por isso, desmantelámo-la,

enviámo-la para lá
para ser construída por voluntários.

Ficou em Taiwan
como igreja permanente até hoje.

Portanto, este edifício
tornou-se num edifício permanente.

E eu pergunto, o que é um edifício
permanente e o que é um temporário?

Um edifício feito de papel

pode ser permanente, enquanto
as pessoas gostarem dele.

Um edifício de betão

pode ruir facilmente com um terramoto.

Se um edifício é construído
por um urbanizador para ganhar dinheiro,

e outro urbanizador compra o terreno,

destrói-o e coloca lá outro.

Portanto, é muito provisório.

É essa a diferença.

Se um edifício for de papel
e as pessoas gostarem dele,

ele torna-se permanente.

Um edifício de betão pode ser provisório,

se for para ganhar dinheiro.

1999 — na Turquia,
houve um grande terramoto.

Fui até lá para usar materiais locais
na construção dum abrigo.

2001— também construí
um abrigo na Índia Ocidental.

2004 — no Sri Lanka, depois do terramoto
e do tsunami de Sumatra,

reconstruí aldeias
de pescadores islâmicos.

2008 — em Chengdu,
na área Sichuan da China,

morreram quase 70 000 pessoas

e também ficaram destruídas muitas escolas

por causa da corrupção
entre as autoridades e o empreiteiro.

Pedi para reconstruir
uma escola provisória.

Levei os meus estudantes japoneses
para trabalhar com os estudantes chineses.

Num mês, completámos nove salas de aula
em mais de 500 metros quadrados.

Ainda estão a ser usadas, mesmo
depois do atual terramoto na China.

2009 — em Itália, L'Aquila,
também houve um grande terramoto.

Esta é uma foto muito interessante:

a foto do antigo
primeiro-ministro Berlusconi

e o muito, muito, muito antigo
primeiro-ministro japonês, Mr. Aso

(Risos)

— porque, como sabem, temos que mudar
de primeiro-ministro todos os anos.

(Risos)

Foram muito amáveis,
a analisar o meu modelo.

Propus uma grande reconstrução,
uma sala de música provisória,

porque L'Aquila é muito famosa
por causa da música.

As salas de música tinham sido destruídas

e os músicos estavam a ir-se embora.

Por isso propus ao "mayor":

"Gostava de reconstruir
o auditório provisório".

Ele disse: "Se arranjar o dinheiro,
pode fazê-lo".

Tive muita sorte.

O Sr. Berlusconi trouxe cá
a cimeira do G-8

e veio cá o nosso antigo primeiro-ministro

que nos ajudou a angariar dinheiro.

Arranjei meio milhão de euros
do governo japonês

para reconstruir
este auditório provisório.

Todos os anos há um terramoto algures.

2010 — no Haiti, houve
um grande terramoto,

mas era impossível chegar lá de avião,

por isso fui a São Domingos,
o país ao lado,

seis horas de carro para chegar ao Haiti

com os estudantes locais de São Domingos

para construir 50 unidades
de abrigos de tubos de papel locais.

Foi o que aconteceu no Japão
há dois anos, no norte do Japão.

Depois do terramoto e do tsunami,

as pessoas tiveram que ser evacuadas
para uma sala tão grande como um ginásio.

Mas olhem para isto, não há privacidade.

As pessoas sofrem mental e fisicamente.

Fomos lá construir divisórias

com todos os estudantes voluntários,
com tubos de papel,

um abrigo muito simples,
uma moldura de tubos e uma cortina.

Mas as autoridades das instalações

não queriam que fizéssemos isso
porque, disseram,

"era muito mais difícil controlá-las".

Mas era mesmo necessário fazê-lo.

Também havia o facto de a linha de costa

ter sido danificada pelo tsunami
em mais de 500 km.

Não há suficiente área plana

para construir as habitações de um piso,

do modelo governamental, como esta.

Olhem para isto.

O governo civil está a fazer
uma construção de habitação provisória

muito pobre, muito densa
e muito desordenada,

porque não há arrumação, nada,
há infiltrações de água.

Por isso pensei, temos
que fazer edifícios de vários pisos

porque não há terreno
e também não é muito confortável.

Foi o que propus ao "mayor",
enquanto andava a fazer divisórias.

Por fim, conheci um "mayor" muito simpático
na aldeia Onagawa, em Miyagi.

Ele pediu-me para construir
casas de três pisos no campo de basebol.

Usei os contentores marítimos

e os estudantes também nos ajudaram

a fazer todo o mobiliário dos edifícios

para os tornar confortáveis.

Usando o orçamento do governo,

a área da casa é exatamente a mesma,

mas muito mais confortável.

Muitas das pessoas
querem lá ficar para sempre.

Fiquei muito feliz por ouvir isso.

Agora estou a trabalhar
na Nova Zelândia, em Christchurch.

Cerca de 20 dias antes
do terramoto japonês,

também tiveram um grande terramoto.

Também morreram
muitos estudantes japoneses.

A catedral mais importante da cidade,

o símbolo de Christchurch,
ficou completamente destruída.

Pediram-me para reconstruir
a catedral provisória.

Está em construção.

Gostava de continuar
a construir os monumentos

que as pessoas venham a amar.

Muito obrigado.

(Aplausos)

Obrigado

Muito obrigado