Como contar histórias pode melhorar o cuidado de pacientes com Alzheimer e demência | Jay Newton-Small | TEDxMidAtlanticSalon
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0:06 - 0:10No terceiro ano de faculdade,
fui estudar em Paris. -
0:10 - 0:12Meu pai foi me visitar
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0:12 - 0:15e nos levou, eu e duas colegas
de quarto, pra jantar. -
0:15 - 0:16Foi um jantar agradável e animado;
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0:16 - 0:20meu pai era australiano, muito sociável,
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0:20 - 0:23e adorava contar casos
compridos e engraçados -
0:23 - 0:26sobre seus 40 anos de carreira na ONU
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0:26 - 0:28desenvolvendo projetos pelo mundo todo.
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0:28 - 0:32E, naquela noite, foi a história
de como entrou pra ONU. -
0:34 - 0:36Ele contou que, quando jovem,
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0:36 - 0:39com 18 anos, morando em Sydney, Austrália,
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0:39 - 0:41era considerado a ovelha negra da família.
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0:41 - 0:45Não entrou pra faculdade,
como seus irmãos, -
0:45 - 0:46pois não era isso o que queria.
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0:46 - 0:48Ele queria mesmo era viajar.
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0:48 - 0:50Assim, aos 18 anos, pegou um barco,
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0:50 - 0:52pois na época não havia aviões,
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0:52 - 0:55e foi pra Londres.
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0:55 - 0:58Lá ele trabalhava,
como qualquer bom australiano, -
0:58 - 1:00de barman em Earl's Court,
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1:00 - 1:04e passava férias no continente europeu,
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1:04 - 1:06explorando o mundo.
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1:06 - 1:08Nas folgas e finais de semana,
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1:08 - 1:11ele trabalhava como motorista
para o governo britânico. -
1:11 - 1:14E algumas vezes ele dirigiu
pra Winston Churchill. -
1:14 - 1:18Na época, Churchill já era aposentado
como primeiro-ministro do Reino Unido, -
1:18 - 1:20e gostava de conversar
com seus motoristas. -
1:20 - 1:23E ele perguntou: "Então,
rapaz, o que você faz na vida?" -
1:23 - 1:25E meu pai respondeu:
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1:25 - 1:28"Sei lá, estou me divertindo,
viajando... é bom demais". -
1:28 - 1:29E Churchill: "Não...".
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1:29 - 1:32Ele tinha mais ambição pro meu pai
do que meu próprio pai, -
1:32 - 1:36daí ele falou: "Se você se formar,
eu lhe faço uma carta de recomendação". -
1:36 - 1:39E meu pai: "Puxa, uma carta
de recomendação do Winston Churchill! -
1:39 - 1:42Isso seria incrível!".
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1:42 - 1:45Então ele... não era bem uma faculdade,
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1:45 - 1:49obteve um certificado de um ano de estudo
da University College of London, -
1:49 - 1:52levou para o Churchill e disse:
"Está aqui meu diploma". -
1:52 - 1:56O Churchill meio que olhou pra ele
e disse: "Não sei se isso é um diploma..." -
1:56 - 1:58Mas, de qualquer forma, fez a carta
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1:58 - 2:00para aquela coisa nova chamada ONU.
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2:00 - 2:02E a vida do meu pai mudou completamente.
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2:02 - 2:06Ele acabou morando 20 anos na África,
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2:06 - 2:10onde, no Zâmbia, conheceu minha mãe,
uma advogada sino-malaia. -
2:10 - 2:12Eles se casaram no Malaui,
e eu nasci em Nova Iorque. -
2:12 - 2:15Foi uma clássica história de amor da ONU.
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2:15 - 2:16(Risos)
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2:16 - 2:18Minhas amigas, claro, adoraram a história,
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2:18 - 2:21todos adoravam essa história
quando meu pai contava. -
2:21 - 2:24Terminado o jantar, meu pai pagou
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2:24 - 2:29e, de repente, percebeu
que não sabia onde ficava seu hotel. -
2:30 - 2:33Acho que ele não sabia
nem em que cidade estava. -
2:33 - 2:37E percebi, pela primeira vez,
que não tinha a ver com estar bêbado. -
2:37 - 2:40Não era o álcool, nada desse tipo,
ele simplesmente não se lembrava. -
2:40 - 2:45E me bateu aquele medo
de saber que havia algo muito errado. -
2:45 - 2:50E, de fato, um ano depois, ele foi
diagnosticado com Alzheimer precoce, -
2:50 - 2:51aos 58 anos de idade.
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2:52 - 2:55E, para aqueles
que não conhecem o Alzheimer, -
2:55 - 2:57não se trata de senilidade,
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2:57 - 2:59não é como se a pessoa tivesse 100 anos
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2:59 - 3:02e não conseguisse se lembrar
de onde colocou as chaves. -
3:03 - 3:07O Alzheimer está afetando cada vez mais
pessoas mais jovens, como meu pai. -
3:07 - 3:09E 58 anos... não era um velho.
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3:10 - 3:14Na verdade, o Alzheimer está atingindo
cada vez mais pessoas na faixa dos 30 -
3:14 - 3:15e dos 40 anos.
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3:15 - 3:18E se vocês pensam que estão imunes
porque não têm os genes, -
3:18 - 3:20que é uma doença hereditária,
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3:20 - 3:23sim, existem casos de Alzheimer
que são geneticamente passados, -
3:23 - 3:26mas, nesse caso, meu pai
foi o primeiro da família. -
3:27 - 3:29Nessa época, eu estava
terminando a faculdade -
3:29 - 3:32e começando a carreira de jornalista.
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3:32 - 3:35Meu pai foi um dos meus
primeiros entrevistados, -
3:35 - 3:39e passei muito tempo conversando
com ele sobre sua vida maravilhosa. -
3:39 - 3:43Avançando dez anos, meus pais estavam
aposentados, vivendo na Flórida, -
3:43 - 3:45e minha mãe era a principal
cuidadora do meu pai, -
3:45 - 3:48e eu estava aqui em Washington,
no emprego dos meus sonhos. -
3:48 - 3:52Estava escrevendo para a revista "Time",
viajando no avião presidencial, -
3:52 - 3:54cobrindo campanhas eleitorais,
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3:54 - 3:56cobrindo os conflitos do Oriente Médio.
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3:56 - 3:58Era um emprego realmente incrível.
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3:58 - 4:01Então, minha mãe morreu de repente.
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4:01 - 4:05Sabem, isso acontece
com 42% dos cuidadores, -
4:05 - 4:08eles acabam morrendo antes
das pessoas de quem cuidam -
4:08 - 4:10porque o estresse é muito alto.
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4:10 - 4:12Então fui para a Flórida,
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4:12 - 4:14e me tornei a principal
cuidadora do meu pai. -
4:14 - 4:16Eu o trouxe para Washington,
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4:16 - 4:18e pensei: "Vou cuidar do meu pai".
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4:18 - 4:20Eu o levei pra minha casa
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4:21 - 4:25e rapidamente percebi
que não ia conseguir cuidar dele. -
4:25 - 4:26Ele levava meu cachorro pra passear,
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4:26 - 4:31e depois de 5 horas em pânico,
a polícia o encontrava a 6,5 km de casa. -
4:31 - 4:33Ou ele tentava cozinhar,
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4:33 - 4:35e, acostumado com
um fogão elétrico na Flórida, -
4:35 - 4:38eu chegava em casa,
e a cozinha estava cheia de gás. -
4:38 - 4:41Então logo ficou claro
que eu não poderia cuidar dele, -
4:41 - 4:44e, em vez disso, tive de colocá-lo
numa casa de repouso. -
4:45 - 4:50Não sei quantos de vocês já foram
a uma casa de repouso, mas... -
4:50 - 4:54Eu achava que o pior dia da minha vida
tinha sido o da morte da minha mãe. -
4:54 - 4:58Na verdade, o pior dia da minha vida
foi quando coloquei meu pai no asilo, -
4:58 - 5:00e o meu doce, maravilhoso,
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5:00 - 5:03inofensivo pai australiano,
que não matava nem uma mosca, -
5:03 - 5:06me deu um tapa no rosto
e disse que eu o estava aprisionando. -
5:07 - 5:11Vocês podem imaginar meu estado
emocional quando o asilo me pediu -
5:11 - 5:14para preencher um questionário
de 20 páginas sobre a vida dele. -
5:14 - 5:20Sentei na sala, basicamente
chorando e pensando: -
5:20 - 5:22"Ninguém vai ler
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5:22 - 5:25essas 20 páginas de dados rabiscados à mão
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5:25 - 5:28dos 150 residentes daqui".
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5:28 - 5:30Em vez disso, entreguei
o formulário e disse: -
5:30 - 5:33"Vou escrever a história
da vida dele pra vocês". -
5:33 - 5:34E eles: "Então tá...".
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5:34 - 5:38E expliquei que era jornalista,
que conseguia fazer isso. -
5:38 - 5:43Então escrevi a história
do meu pai, e eles adoraram. -
5:43 - 5:45Isso transformou totalmente
a forma de cuidar dele. -
5:45 - 5:49Eles relembravam a história,
os cuidadores contavam uns pros outros. -
5:49 - 5:51Dois deles eram da Etiópia,
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5:51 - 5:54e meu pai tinha trabalhado
oito anos na Etiópia, -
5:54 - 5:56e eles não tinham nem ideia,
e ficaram animados. -
5:56 - 6:00Ficavam horas sentados mostrando
a ele as fotos do Imperador Selassie, -
6:00 - 6:01com quem meu pai tinha trabalhado,
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6:01 - 6:05ou fotos de Adis Abeba, e ele adorava,
pois ele conseguia lembrar disso - -
6:05 - 6:07o Alzeheimer é regressivo -
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6:07 - 6:09ele conseguia lembrar da África,
mas não se lembrava de mim -
6:09 - 6:11ou da minha mãe, naquela altura.
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6:11 - 6:16Atualmente, o Alzheimer afeta
11 milhões de pessoas nos EUA. -
6:16 - 6:18É um problema muito grande,
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6:19 - 6:23e não há cura para ele, obviamente.
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6:23 - 6:27Bilhões e bilhões de dólares
são usados para encontrar a cura, -
6:27 - 6:32mas sejamos honestos:
nunca vamos encontrar a cura -
6:32 - 6:35a tempo quando a geração
"baby boomer" envelhecer. -
6:35 - 6:40Haverá o triplo de hoje
de pessoas com Alzheimer até 2030, -
6:40 - 6:42na verdade com Alzheimer e demência.
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6:42 - 6:45Serão quase 30 milhões
de pessoas com a doença. -
6:45 - 6:47Precisamos começar a focar
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6:47 - 6:50em encontrar formas melhores
de cuidar dessas pessoas. -
6:50 - 6:54Se já estiveram num asilo,
sabem que lá não há comunidade. -
6:54 - 6:57É tudo muito isolado:
é tudo muito deprimente. -
6:57 - 7:01Por isso, pra mim, escrever a história
dele ajudou as pessoas a conhecê-lo. -
7:01 - 7:03Criou um pouco o senso de comunidade.
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7:03 - 7:06Então fiz uma loucura:
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7:06 - 7:08quatro meses atrás deixei a "Time",
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7:08 - 7:11meu emprego dos sonhos, que sempre quis
e onde trabalhei por uma década, -
7:11 - 7:14e abri uma empresa chamada MemoryWell.
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7:14 - 7:16Hoje temos mais de 250 jornalistas
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7:16 - 7:20e escrevemos a história de vida
dos que vivem com Alzheimer e demência. -
7:20 - 7:23E encontraram-se usos incríveis
para essas histórias: -
7:23 - 7:27são colocadas nas casas de repouso,
pras pessoas poderem lê-las. -
7:27 - 7:30e assim se conhecerem umas às outras.
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7:30 - 7:32E, no site,
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7:32 - 7:35adicionam músicas, vídeos,
arte e leituras favoritos deles, -
7:35 - 7:37e dessa forma as pessoas
podem se comunicar com eles, -
7:37 - 7:42e podem usar essas ferramentas
para interagir com eles. -
7:42 - 7:43Adoro isso porque sei
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7:43 - 7:47que nos últimos anos, quando visitava
meu pai na casa de repouso, -
7:47 - 7:50ele não me reconhecia.
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7:50 - 7:51Ele dizia:
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7:51 - 7:55"Quem é essa garota esquisita,
andando com o cachorro, me seguindo?" -
7:55 - 8:00Daí eu pegava meu iPhone
e tocava os Beatles para ele, -
8:00 - 8:02e ele reconhecia os Beatles,
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8:02 - 8:04e eu dizia: "Sim, pai, são os Beatles".
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8:04 - 8:06E ele se sentava comigo,
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8:06 - 8:10e eu podia colocar MASH pra ele assistir,
que era o seu programa favorito, -
8:10 - 8:13ou podia mostrar as fotos dos meus avós
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8:13 - 8:15e falar sobre a vida deles.
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8:15 - 8:18Quem aqui assistiu ao filme
"Diário de uma Paixão"? -
8:18 - 8:20Bastante gente.
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8:20 - 8:23Então, pra mim, foi como
escrever a história dele, -
8:23 - 8:25e conseguir sentar e interagir com ele,
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8:25 - 8:29fosse eu ou os cuidadores
ou outras pessoas, e conhecê-lo de fato, -
8:29 - 8:31foi como minha própria versão do filme.
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8:31 - 8:34E nos poucos minutos que isso
o trazia de volta pra mim, -
8:34 - 8:37era um presente quando ele voltava
e era um pouco do meu pai. -
8:37 - 8:41Eu senti, através de toda minha luta
trabalhando com ele -
8:41 - 8:44nos cinco anos que ele esteve na casa
de repouso, até morrer ano passado, -
8:44 - 8:48que tive de reinventar a roda
pra descobrir como interagir com ele, -
8:48 - 8:51como fazer as pessoas conhecê-lo,
entender quem ele era, -
8:51 - 8:52e aquilo foi muito doloroso.
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8:52 - 8:57Então eu queria que as pessoas
não precisassem passar por isso. -
8:57 - 8:59Certa vez Winston Churchill disse:
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8:59 - 9:02"O futuro é inescrutável,
mas o passado nos dá esperança". -
9:03 - 9:08Adoro essa citação, porque,
como jornalista, ao fazer isso, -
9:08 - 9:14mesmo que antes tenha usado meu talento
para reportar a vida dos poderosos, -
9:14 - 9:17dos ricos, dos infames e dos famosos,
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9:17 - 9:21agora posso usar meu talento
pra mudar as coisas num nível micro, -
9:21 - 9:24e vejo essa mudança o tempo todo,
com as pessoas formando comunidades -
9:24 - 9:28e dando uma voz às pessoas
que não a têm mais agora. -
9:28 - 9:33Assim, para nós, formar um canal direto
com a história é emocionante, -
9:33 - 9:36a ideia de que, se coletarmos
histórias o suficiente, -
9:36 - 9:39milhares delas, que de outra
forma seriam perdidas, -
9:39 - 9:43podemos ter relatos diretos
de veteranos da Guerra da Coreia, -
9:43 - 9:47ou pessoas que estiveram em Woodstock,
ou outras grandes histórias. -
9:48 - 9:51E, para nós, nossa verdadeira missão é
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9:51 - 9:56construir comunidade e dar voz
aos sem voz, construindo empatia, -
9:56 - 9:58com uma voz de cada vez,
uma história de cada vez. -
9:58 - 9:59Obrigada.
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9:59 - 10:02(Aplausos)
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- Como contar histórias pode melhorar o cuidado de pacientes com Alzheimer e demência | Jay Newton-Small | TEDxMidAtlanticSalon
- Description:
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Jay Newton-Small é cofundadora da MemoryWell, uma startup de jornalistas que contam as histórias de vida de pessoas com Alzheimer e demência, como forma de melhorar o cuidado com esses pacientes. Colocar seu pai em uma casa de repouso foi um dos dias mais difíceis da vida de Jay. E, nos meses e anos que se seguiram, ela ficou louca para encontrar maneiras melhores de assegurar que o grupo de cuidadores de seu pai compreendessem quem ele era. MemoryWell cresceu a partir dessa experiência.
Anteriormente, Newton-Small era correspondente em Washington da revista "Time", onde ela permanece como colaboradora. Na "Time", ela cobriu política, assim como histórias nos cinco continentes -- dos conflitos no Oriente Médio ao terremoto no Haiti e os ataques terroristas de 2015 em Paris. Ela escreveu mais de meia dúzia de artigos de capa para a "Time" e entrevistou inúmeros chefes de estado, incluindo os presidentes Barack Obama e George W. Bush.
Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite http://ted.com/ted
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- TEDxTalks
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