Confiar cegamente: como se desenvolve a confiança nas pessoas cegas? | Luís Fernandes | TEDxPorto
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0:12 - 0:15Há cerca de 20 anos perdi a visão.
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0:16 - 0:18Não gosto de falar nisto publicamente
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0:18 - 0:22porque é uma forma barata
de fazer espetáculo, -
0:23 - 0:27porque seria uma forma de me refugiar
numa identidade deficitária. -
0:28 - 0:31Eu gosto de me definir
como qualquer um de nós enquanto pessoa, -
0:31 - 0:33por aquilo que faço,
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0:33 - 0:34por aquilo que faço todos os dias,
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0:34 - 0:36pela minha profissão,
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0:36 - 0:38pela minha família,
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0:38 - 0:39e não por ter uma deficiência.
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0:39 - 0:44Aceitei fazê-lo
porque o tema é "Confiança". -
0:44 - 0:46Eu disse que foi há cerca de 20 anos
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0:46 - 0:48porque não foi de um dia para o outro.
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0:48 - 0:54Foi qualquer coisa que foi acontecendo
com retrocessos, recaídas, recuperações, -
0:55 - 0:56com dez operações pelo meio,
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0:56 - 0:59até que a visão se perdeu completamente.
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0:59 - 1:02E é evidente que
num processo destes, longo, -
1:02 - 1:05houve muitos momentos de incerteza,
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1:05 - 1:10de insegurança, de perda total
de confiança nos outros, -
1:10 - 1:13nos médicos principalmente,
embora a culpa não fosse deles -
1:13 - 1:17— é uma doença
que ultrapassa muito a medicina, ainda. -
1:17 - 1:21Mas, sobretudo, em mim,
o que é que vai ser o mundo, o meu mundo, -
1:21 - 1:22daqui para a frente.
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1:22 - 1:26Curiosa coincidência,
falou-se aqui há muito pouco tempo -
1:26 - 1:28de Camilo Castelo Branco.
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1:28 - 1:30E coincidência porquê?
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1:30 - 1:34Nasci na mesma cidade de Camilo, no Porto.
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1:34 - 1:39Nasci no mesmo dia de Camilo,
um dia do mês de março. -
1:39 - 1:42Ceguei com a mesma doença que Camilo
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1:42 - 1:44— um glaucoma.
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1:44 - 1:48Só ainda não dei um tiro na cabeça
como Camilo e espero... -
1:49 - 1:54e o que é que terá feito a diferença?
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1:54 - 1:59Talvez eu tenha tido condições
de recuperação da confiança -
2:00 - 2:02que ele não teve.
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2:03 - 2:07Enfim, passaram 130 anos
e, entretanto, o mundo mudou. -
2:09 - 2:11O que é a confiança?
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2:12 - 2:15É a convicção de que os outros
se vão comportar -
2:15 - 2:17do modo como estamos à espera.
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2:18 - 2:19E estamos à espera que se comportem
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2:20 - 2:23de acordo com normas
socialmente consensualizadas, -
2:24 - 2:27aceites como válidas e como úteis.
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2:28 - 2:31Podemos dizer que a confiança
é a base da vida social. -
2:32 - 2:37O quotidiano mais banal
baseia-se na confiança. -
2:37 - 2:40Nós só saímos de manhã de automóvel
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2:41 - 2:45— ainda nos convencionais,
nestes que somos nós que conduzimos — -
2:45 - 2:50porque temos a certeza
que toda a outra gente vai conduzir -
2:50 - 2:52pelo lado direito da estrada.
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2:52 - 2:54Se assim não fosse,
ninguém sairia de casa. -
2:56 - 3:02O contrário da confiança, e esta ideia
é de um sociólogo inglês, Anthony Giddens, -
3:02 - 3:05ele diz-nos que o contrário da confiança
não é a desconfiança. -
3:06 - 3:09É o medo, é uma ansiedade
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3:09 - 3:11de que o mundo não funcione,
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3:11 - 3:14uma ansiedade
que vou chamar de existencial. -
3:16 - 3:19A confiança é tanto mais importante
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3:19 - 3:24quanto mais anónimos
são os contextos em que estamos -
3:24 - 3:28e quanto mais incerta
é a situação em que vivemos -
3:28 - 3:31— desde logo, a do próprio
contexto sociocultural. -
3:31 - 3:34E como é que nasce a confiança?
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3:35 - 3:36Nasce quando nascemos.
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3:36 - 3:42Nos primeiros laços que estabelecemos
com as figuras cuidadoras, naturalmente. -
3:43 - 3:47Um conjunto de especialistas
de saúde mental -
3:47 - 3:49a seguir à II Guerra Mundial
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3:49 - 3:51foi fazendo uma série de trabalhos
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3:51 - 3:55com crianças vítimas de abandono
das figuras cuidadoras, -
3:55 - 3:57principalmente da mãe
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3:57 - 3:59que, por regra,
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3:59 - 4:02é aquela que mais cuidados
tem com o recém-nascido, -
4:02 - 4:04é mais próxima dele.
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4:05 - 4:11Alguns destes homens e mulheres
ficaram para a história da saúde mental, -
4:11 - 4:14da psicologia e da psicopatologia.
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4:14 - 4:19Anna Freud, filha de Freud,
John Bawlby, René Spitz. -
4:21 - 4:24A teoria da vinculação,
de que muitos terão já ouvido falar, -
4:24 - 4:27diz muito simplesmente,
é uma teoria formulada para explicar -
4:27 - 4:30como é que estes primeiros laços
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4:30 - 4:32entre o bebé e os cuidadores,
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4:33 - 4:36criam todo um reservatório,
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4:36 - 4:38a que vou chamar
o reservatório da confiança, -
4:38 - 4:39para o resto da vida.
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4:39 - 4:42Tem a ver com o conforto destes cuidados.
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4:42 - 4:44Tem a ver com o modo
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4:44 - 4:50como a criança pôde usufruir
de um clima tranquilo à sua volta, -
4:50 - 4:53de um clima em que
se sentiu tocada e amada. -
4:55 - 4:57Digo bem: tocada.
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4:58 - 5:02Porque o primeiro diálogo que se tem
com uma criatura que ainda não fala, -
5:02 - 5:05como nos aconteceu a todos nós
que aqui estamos -
5:05 - 5:07durante os dois primeiros anos de vida,
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5:07 - 5:09o primeiro contacto é um contacto tátil.
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5:09 - 5:12É um contacto corpo a corpo.
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5:12 - 5:14Já lhe chamaram bipolaridade tátil.
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5:15 - 5:17Eu, quando toco, sou tocado.
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5:18 - 5:21O bebé é tocado e aprende a tocar,
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5:22 - 5:24mesmo quando ainda
não o faz com as mãos, -
5:24 - 5:28e fá-lo até primeiro com a boca,
quando mama, por exemplo. -
5:29 - 5:34Ele vai aprendendo a fronteira,
através do toque, entre ele e a mãe, -
5:35 - 5:36e entre ele e o mundo.
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5:36 - 5:40Portanto, podemos dizer
que a pele é o primeiro órgão -
5:40 - 5:43que estabelece os limites
entre o eu e os outros. -
5:43 - 5:48E, portanto, é o primeiro órgão
que estabelece a confiança. -
5:51 - 5:55Todo este diálogo tónico
entre o cuidador ou cuidadora -
5:55 - 5:59e o bebé é pré-verbal
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5:59 - 6:01— muito embora o adulto se farte
de falar com a criança, -
6:01 - 6:05apesar de ela não responder
a não ser com sons e com mímicas — -
6:06 - 6:08portanto podemos dizer que
o primeiro contacto é afetivo, -
6:09 - 6:12isto é, a ternura é tátil.
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6:12 - 6:14A ternura e o afeto
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6:14 - 6:16são as primeiras formas
de construção do psiquismo. -
6:17 - 6:20Dito de outra maneira,
o psiquismo nasce no corpo, -
6:20 - 6:22expande-se através dele.
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6:23 - 6:27Temos no eu corporal
o primeiro modelo do eu psíquico, -
6:27 - 6:30e estou a citar
uma psicanalista brasileira, -
6:31 - 6:35Ivanise Fontes,
aliás é ela quem fala de ternura tátil. -
6:35 - 6:36Eu trouxe-a para aqui
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6:36 - 6:40porque parece-me uma expressão metafórica
extremamente elucidativa -
6:40 - 6:42do que eu estou a procurar explicar.
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6:43 - 6:45Vivemos hoje uma crise da confiança?
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6:46 - 6:47É comum ouvir-se dizer isto.
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6:47 - 6:50Eu vou relacionar esta questão
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6:50 - 6:54com duas etiquetas que habitualmente
pomos à sociedade, ou às sociedades, -
6:54 - 6:56em que vivemos atualmente.
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6:56 - 6:59Seriam sociedades do risco, por um lado,
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6:59 - 7:02e seriam sociedades da transparência,
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7:02 - 7:03por outro.
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7:04 - 7:08Sociedades do risco: haveria hoje
uma infinidade de riscos à nossa volta. -
7:08 - 7:10Será que é assim?
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7:10 - 7:12Nós estamos hoje mais inseguros,
mais expostos, -
7:12 - 7:14do que estivemos no passado?
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7:15 - 7:17Objetivamente, não.
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7:17 - 7:21Há uma tese que fez caminho
e continua a ser muito invocada, -
7:21 - 7:24que dá pelo nome
de "suavização de costumes", -
7:24 - 7:26e é enunciada por Norbert Elias.
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7:26 - 7:30Ele diz-nos que, ao longo da história,
e sobretudo da modernidade, -
7:30 - 7:36nós fomos capazes de fazer retrair,
sempre, o risco, a ideia de morte, -
7:37 - 7:41a morte física — a morte física é hoje
menos provável, é mais difícil morrer. -
7:41 - 7:44Nós conseguimos controlar, muito mais,
-
7:44 - 7:47os fatores de risco da doença e da morte,
-
7:47 - 7:50sejam riscos biológicos,
sejam riscos sociais. -
7:50 - 7:54Portanto, não deveríamos estar aqui
a militar na ideia duma sociedade de risco -
7:54 - 7:57— porque é que isso acontece, então?
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7:57 - 7:59Porque o hiper-representamos.
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7:59 - 8:03E hiper-representamo-lo
fruto das tecnologias de comunicação. -
8:04 - 8:05Desde logo da televisão,
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8:05 - 8:07que começa a estar um pouco "démodée"
-
8:07 - 8:11face a outras formas
de fazer circular imagem -
8:11 - 8:15— seja como for,
hiper-representamos o risco. -
8:16 - 8:20Todos nos lembramos do 11 de setembro
e das mil vezes que o vimos -
8:20 - 8:22nos dias seguintes, nos meses seguintes,
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8:22 - 8:24e ainda hoje de vez em quando.
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8:24 - 8:27E passou ainda muito pouco tempo
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8:27 - 8:30sobre o último dos atentados
mediatizados à escala global -
8:30 - 8:32— foi na Nova Zelândia.
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8:32 - 8:37O perpetrador do ataque filmou,
em direto, o que estava a fazer, -
8:37 - 8:42e muita gente viu em direto,
um ataque terrorista. -
8:43 - 8:47Todo este conjunto de circulação
-
8:47 - 8:51de rumor insecurizante
e de imagens insecurizantes -
8:51 - 8:55faz com que nós criemos
uma representação do mundo inseguro, -
8:55 - 8:59do mundo perigoso, de cidade exposta.
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8:59 - 9:03Eu penso que a metáfora
que explica hoje a cidade -
9:03 - 9:06ao nível das nossas representações,
ou das nossas imagens, -
9:06 - 9:08é a da cidade exposta.
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9:09 - 9:12Há ainda uma outra circunstância
a acrescentar a esta. -
9:12 - 9:15É que vivemos em sociedades de bem estar,
-
9:15 - 9:18o Estado dá-se a si próprio
a tarefa de nos proteger, -
9:18 - 9:20o "welfare state",
-
9:21 - 9:24e fomos mimados pelo Estado,
digamos assim, -
9:24 - 9:27que nos garantiu
que nos protegeria a vida, -
9:27 - 9:32e, portanto, lidamos muito mal
com a ideia de insegurança e de risco. -
9:32 - 9:34Paradoxalmente,
quanto mais seguros estamos, -
9:34 - 9:37mais medo temos do risco.
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9:39 - 9:42E agora, a questão
da sociedade da transparência -
9:42 - 9:44— porque é que a trago para aqui?
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9:44 - 9:46Nas sociedades de pequena escala,
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9:46 - 9:49em que a interação entre nós
era mais densa, -
9:49 - 9:54em que o conhecimento face a face estava
muito mais expandido nas comunidades, -
9:55 - 9:58o vínculo central era o da confiança.
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9:58 - 10:01A confiança significa que eu posso
não conhecer o outro, -
10:01 - 10:03ou quase não o conhecer,
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10:03 - 10:04mas posso confiar nele.
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10:04 - 10:07Chamo alguém a minha casa
para me reparar um eletrodoméstico, -
10:08 - 10:11posso não conhecer a pessoa
mas acredito que ela vai lá entrar, -
10:11 - 10:14vai fazer o que tem a fazer,
e não me vai assaltar. -
10:14 - 10:18— nem vai lá no dia seguinte
quando eu não estiver em casa... -
10:18 - 10:21Da mesma forma que a pessoa que lá vai
confia que faz o serviço -
10:21 - 10:24e eu só lhe pago no fim,
mas que vou pagar. -
10:24 - 10:26Este é o vínculo da confiança.
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10:26 - 10:31É um vínculo que, apesar de tudo,
ainda prevalece na vida social corrente. -
10:32 - 10:36Acontece que, fruto do grande
crescimento dos aglomerados, -
10:37 - 10:39da metropolização das nossas vidas,
-
10:40 - 10:43nós cada vez mais
nos atomizámos socialmente. -
10:43 - 10:45Cada vez mais
estamos entregues a nós próprios -
10:45 - 10:50— muitos dizem que vivemos
numa sociedade do hiper-individualismo. -
10:51 - 10:57Nestas condições, mais do que comunidade,
o que temos são agregados de indivíduos, -
10:58 - 10:59agregados de egos,
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10:59 - 11:01que até podem perseguir interesses comuns,
-
11:01 - 11:05porque têm interesse, todos eles,
num mesmo objetivo -
11:05 - 11:09— alguém já falou nas "brand communities",
as comunidades de marca, por exemplo — -
11:09 - 11:13mas isto não chega a ser
uma comunidade no sentido pleno do termo. -
11:14 - 11:18Qualquer coisa tem ficado pelo caminho
ao nível do que é a confiança. -
11:18 - 11:19E quando não podemos confiar,
-
11:19 - 11:22o mecanismo que a substitui
é a transparência. -
11:23 - 11:26Se eu não posso conhecer o outro
através de um vínculo próximo, -
11:26 - 11:27quero que haja um mecanismo
-
11:27 - 11:30que me garanta a transparência
daquela pessoa. -
11:30 - 11:33E é por isso que hoje estamos a exigir
aos detentores de cargos públicos -
11:33 - 11:36que publiquem
as suas declarações de rendimentos. -
11:36 - 11:41É por isso que o parlamento português
criou uma comissão para a transparência. -
11:41 - 11:45É por isso que vivemos
numa espécie de um panóptico -
11:45 - 11:48que nos vigia por todo os lados,
— vigilâncias eletrónicas, -
11:48 - 11:51estamos sujeitos à transparência.
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11:51 - 11:53Agora, não nos iludamos.
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11:53 - 11:55A transparência
não é a restauração da confiança. -
11:56 - 11:59A transparência é a sociedade do controlo.
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11:59 - 12:01São mecanismos postos em marcha
-
12:01 - 12:07para garantirmos que continuaremos
a funcionar na copresença do outro -
12:07 - 12:10sem este nos trair permanentemente.
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12:11 - 12:16E agora vou juntar alguns destes elementos
que tenho transmitido até agora, -
12:18 - 12:19para dizer o seguinte:
-
12:19 - 12:23Parece-me que a confiança se estrutura,
pelo menos, em dois níveis: -
12:24 - 12:28no nível sensorial
e no nível interacional. -
12:28 - 12:33E como é que isto se processa
nas pessoas que perdem a visão? -
12:35 - 12:39No nível sensorial,
temos que voltar a confiar no corpo. -
12:40 - 12:44A primeira coisa que acontece
quando não se vê -
12:44 - 12:48é não saber em que direção se caminha.
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12:48 - 12:53Dar um passo a seguir ao outro
é caminhar num vazio, -
12:53 - 12:58é caminhar numa espécie
de um leite esbranquiçado, ou cinzento -
12:58 - 13:01— os normovisuais imaginam
-
13:01 - 13:05que os cegos estão sempre
numa espécie de escuridão impenetrável -
13:05 - 13:06e não é bem isso.
-
13:06 - 13:09Há uns que veem a branco,
outros a cinzento. -
13:09 - 13:13No meu caso, tenho uma série de brilhos
que me vão habitando à volta, -
13:13 - 13:15brilhos que não correspondem
a nenhum estímulo externo -
13:15 - 13:16mas, seja como for,
-
13:16 - 13:18avançar contra estas cortinas
-
13:18 - 13:23é qualquer coisa que implica
restaurar a confiança no corpo. -
13:23 - 13:27Isto faz-se através, por exemplo,
da atividade física, -
13:27 - 13:33de voltar a ganhar confiança
numa atividade desportiva, por exemplo. -
13:33 - 13:37Na reabilitação do cego é importante
pô-lo a mexer o corpo, -
13:37 - 13:39pô-lo a avançar sem medo.
-
13:41 - 13:43A sensorialidade tátil,
-
13:44 - 13:47a tal que foi tão importante
na nossa primeira infância, -
13:47 - 13:50deve ser aqui recuperada
em toda a sua plenitude. -
13:51 - 13:52O corpo é muito importante.
-
13:52 - 13:55O nosso corpo tem
potencialidades extraordinárias -
13:55 - 13:58enquanto dispositivo
de conhecimento do mundo. -
13:58 - 14:02E vivemos numa sociedade
que o utiliza mais para a imagem, -
14:02 - 14:04nos Instagrams e companhia,
-
14:04 - 14:08do que propriamente como
dispositivo de conhecimento verdadeiro. -
14:09 - 14:14Portanto, em primeiro lugar,
esta questão da restauração sensorial. -
14:15 - 14:21Um outro nível da restauração
prende-se com o plano interativo. -
14:22 - 14:24Nós somos animais de pequeno grupo,
-
14:24 - 14:27mesmo quando vivemos
em grandes cidades, -
14:27 - 14:31mas recriamos o pequeno grupo, da família,
nos colegas de escola, nos amigos, -
14:31 - 14:34nos grupos de pertença, no trabalho,
-
14:35 - 14:41e a qualidade destes contextos nos quais
se promove a interação é fundamental. -
14:42 - 14:47A qualidade do infantário,
do jardim de infância, da creche, -
14:47 - 14:52a qualidade das escolas básicas,
das secundárias, das universidades, -
14:52 - 14:54a qualidade dos contextos de trabalho
-
14:54 - 14:57é qualquer coisa
em que vale a pena apostar, -
14:57 - 15:00mas uma qualidade em que haja
-
15:00 - 15:04toda uma educação para
a inclusão das pessoas com diferenças, -
15:04 - 15:07e diferenças temo-las todos.
-
15:07 - 15:12Caetano Veloso diz numa das suas letras
que "De perto ninguém é normal". -
15:13 - 15:18Temos que continuar todos
-
15:18 - 15:21a querer aprender esta tolerância
para com a diferença. -
15:21 - 15:26E se os contextos forem interativos,
se forem densos, -
15:26 - 15:29restauram a tal confiança própria
-
15:30 - 15:37às comunidades de pequena escala
nas quais ela era o vínculo primordial. -
15:39 - 15:43Eu diria que, se tivermos
condições para trabalhar, -
15:44 - 15:47repito, na restauração de pessoas
que o conseguiram -
15:47 - 15:50— mas isto vale
para outras deficiências também — -
15:51 - 15:53na restauração do plano corporal,
-
15:53 - 15:57vou-lhe chamar
de confiança psicocorporal, -
15:58 - 16:00trabalhando a consciência corporal,
-
16:00 - 16:03e a consciência corporal
trabalha-se a partir do tato -
16:03 - 16:06— todos nós, também os normovisuais —
-
16:06 - 16:08perdendo o tabu do toque,
-
16:08 - 16:13perdendo o tabu da distância,
do olhar desconfiado... -
16:13 - 16:17se nós conseguirmos fazer esta educação,
para a psicocorporalidade, -
16:17 - 16:23e se conseguirmos trabalhar para
a melhor qualidade dos nossos contextos, -
16:24 - 16:28estaremos em condições
de recuperar a confiança. -
16:29 - 16:35Dizer o seguinte: a confiança
não é uma característica, -
16:35 - 16:39não é um estado que se possa adquirir
de uma vez por todas, -
16:39 - 16:43e depois dizemos
"Já está! Já sou confiante!". -
16:43 - 16:45Não, não é isso.
-
16:45 - 16:48A confiança é volúvel, é lábil,
-
16:48 - 16:51ela anda para cima e para baixo,
-
16:51 - 16:55dependendo muito dos acontecimentos
fulcrais da nossa vida, -
16:55 - 16:58dependendo do modo
como os que nos rodeiam -
16:58 - 17:01dão suporte às nossas crises pessoais,
-
17:03 - 17:08e, portanto, vale a pena tentarmos
procurar melhor perceber -
17:08 - 17:13quais são os grandes
construtores da confiança -
17:13 - 17:16— eu sublinharia
fundamentalmente os psicológicos -
17:16 - 17:20mas também os interativos
e os socioculturais, -
17:20 - 17:23percebermos quais são
estes construtores da confiança -
17:24 - 17:27de modo a podermos agir
mais intencionalmente nela, -
17:27 - 17:29de cada vez que a perdemos.
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17:31 - 17:32Tenho dito.
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17:32 - 17:35(Aplausos)
- Title:
- Confiar cegamente: como se desenvolve a confiança nas pessoas cegas? | Luís Fernandes | TEDxPorto
- Description:
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O que é a confiança? Definimo-la através do contraste com as noções de insegurança, inquietude e medo.
Como se desenvolve? Do estabelecimento das vinculações infantis até ao modo como o sistema sociocultural a favorece ou condiciona.
Estabelecemos as diferenças entre confiança sensorial, interpessoal e ontológica, discutimos como se manifestam na cegueira e como podem ser potenciadas, deixando em aberto se as pessoas cegas têm mais ou menos confiança do que as normovisuais. Luís Fernandes é professor associado da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde leciona desde 1985. Distinguido em 1998 com o prémio Fernand Boulan da Association Internationale de Criminologues de Langue Française e em 2014 com o Prémio de Excelência Pedagógica da Universidade do Porto, é membro da comissão de ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Tem publicados cerca de 150 títulos, entre artigos em revistas científicas nacionais e internacionais, capítulos em obras coletivas e livros.O tema central dos seus trabalhos de investigação é a caracterização do fenómeno da droga em contexto urbano, uma ecologia social dos atores e dos territórios psicotrópicos. A evolução conflitual deste fenómeno nos grandes espaços urbanos conduziu-o à pesquisa sobre o sentimento de insegurança, a marginalidade e a expressão socioterritorial dos processos de segregação e de produção de desigualdades.
Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em /http://ted.com/tedx
- Video Language:
- Portuguese
- Team:
- closed TED
- Project:
- TEDxTalks
- Duration:
- 17:50