Como o jogo milenar Go é um guia para a vida atual | Silvia Lozeva | TEDxPerth

Silvia Lozeva usa o jogo milenar chinês de Go para se conectar com pessoas ao redor do mundo. Em sua jornada, ela descobriu que Go é uma ferramenta poderosa para desenvolver habilidades necessárias em muitos aspectos da vida atual. Ela nos guia através de alguns princípios do Go para demonstrar o aprendizado social e entendimento pessoal obtidos através do jogo.

Silvia Lozeva tem trabalhado para desenvolver a igualdade e fomentar a diversidade na educação superior e lidera campanhas de prevenção de violência contra as mulheres. Silvia viveu e trabalho na Nova Zelândia, Austrália, Bulgária, Rússia, Reino Unido e Europa central. Ela organizou o primeiro simpósio acadêmico de Go na Austrália (Sidney, 2018) e tem usado de forma contínua a arte, ciência e o jogo de Go em suas próprias pesquisas, treinamentos e engajamento da comunidade. Silvia joga Go desde sempre e é uma aspirante a expert.

Compartilhando o palco com Silvia, enquanto jogam uma partida de Go, estão dois bravos jogadores, Hardy Zhiyuan Dai, 8 anos, e Jason Schrader, 26 anos.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais visite http://ted.com/tedx

Somos de lugares diferentes,

mas uma coisa que temos em comum
é que todos nós gostávamos de jogos

quando crianças.

Os jogos são um espelho da sociedade,

eles refletem cenários sociais reais,

ajudam a desenvolver habilidades,

saciar a curiosidade,

e fazer novas amizades,

tudo isso enquanto nos divertimos.

Quando era adolescente,

eu vivia atrás da Cortina de Ferro
da Bulgária socialista

e toda noite depois da escola
eu deitava no chão do meu quarto

e mergulhava nos livros
de filosofia e religião.

Eu tentava dar sentido ao mundo
e encontrar o sentido da vida.

Uma pessoa influente na minha vida
me mostrou uma nova maneira de pensar,

através dos livros de filosofia Oriental,

que não eram facilmente
encontrados naquela época.

Foi ele quem me apresentou ao jogo de Go,

um simples tabuleiro com 361 interseções
e pedras brancas e pretas.

No final dos anos 80,
a Cortina de Ferro caiu,

criando um novo senso de conectividade
com o resto do mundo,

junto com a possibilidade de viajar
e procurar o sentido da vida.

Eu passei a viajar e decidi me tornar
uma cidadã do mundo,

aproveitando a sensação de liberdade
que varreu a Europa Oriental.

Eu vivi em Wellington, Dubai,
Moscou, Seul, Sidney, Praga, Sofia,

e em todo lugar que eu ia
tinha um clube de Go,

espelhando a sensação de conexão global,

como se as latitudes e longitudes
do mundo fossem refletidas

na matriz do tabuleiro de Go.

Enquanto em um nível pessoal
era relativamente fácil

relacionar o jogo de Go
às minhas próprias experiências,

foi só quando comecei a pesquisar
a origem e história do jogo

que comecei a entender os motivos

pelos quais o Go é tão aplicável
a cenários da vida real,

e por que ele mantém
sua relevância no mundo atual.

Porém, para isso,

primeiro eu tive que resolver
minha própria ignorância

quanto às tradições enraizadas
da cultura do Oriente.

E vou explicar por quê.

O Go foi inventado na China há 40 séculos

e seu objetivo original
era ensinar pensamento estratégico.

Isso fica claro pelo significado
da palavra em chinês, "wei qi",

que significa "ao redor" e "tabuleiro",
ou literalmente, "o entorno"

ou "o jogo de cercar".

Considerado um jogo de elite no império,
o objetivo original do Go

era não só ensinar estratégia,
mas refletir conceitos da vida real,

tanto que o Go era e ainda é
considerado um jogo universal.

Vou dar três exemplos:

primeiro, um conceito fundamental do Go
é criar uma teia de conexões

ou criar a oportunidade
para que essas conexões ocorram

onde uma ameaça ronda o grupo.

Isso é fundamental para sua sobrevivência.

Jogadores de Go se referem aos grupos
como vivos or mortos,

dependendo da situação.

O que faz um grupo ser considerado vivo
não é a quantidade de pedras no tabuleiro.

Tamanho não importa.

O que faz um grupo estar vivo
é a área dentro deste.

Pense na área do grupo
como o valor que compartilhamos agora

com conexões sociais
que sustentam esses grupos,

mais do que a quantidade ou o tamanho
das nossas conexões sociais.

No âmbito da lógica do Go,
humanos são criaturas sociais

procurando estabelecer conexões
com outros para sua própria sobrevivência

e para a sobrevivência do grupo.

Somos mais fortes unidos,
e o que importa é que nos relacionamos bem

a despeito das diferenças de idade,
religião, opiniões políticas ou raça.

Segundo, o Go é uma forma de comunicação,
uma conversa feita pelas mãos.

É uma ferramenta importante para comunicar
diferentes maneiras de pensar.

É fundamental para se chegar a acordos
enquanto se luta pelo espaço

de uma forma respeitosa e compreensiva.

Já que o tabuleiro de Go oferece
uma quantidade enorme de possibilidades

de jogadas, usando suas 361 intersecções,

controlar completamente o espaço

é impossível.

E isso desafia a perspectiva
ocidental tradicional

de jogos de estratégia,

onde destruir as peças
dos seus oponentes e seus territórios

é o objetivo principal do jogo.

É um resultado esperado do jogo,

e normalmente é a única forma
de se definir um vencedor.

No universo do Go, uma abordagem agressiva

visando dominar todo território
sem considerar a necessidade

do seu oponente coexistir,
formar seu próprio espaço,

é a maneira mais segura de perder o jogo.

E isso é ilustrado de forma simples
pela primeira das dez estratégias do Go:

"Não seja ganancioso".

Um jogador iniciante aprende rápido

que ser ganancioso não é só
um dos maiores erros que se pode cometer,

mas também lhe fará se sentir um tolo.

Nos meus primeiros cem jogos,
eu queria ganhar cada batalha,

somente para perceber que tinha perdido
uma parte inteira do tabuleiro

ou parte do meu território,

e continuo aprendendo até hoje.

Em terceiro, todas pedras do Go
têm o mesmo valor,

o que pode ser ligado
aos princípios de igualdade e inclusão.

Os jogadores de Go se baseiam em sua visão
de longo prazo para posicionar cada pedra.

O Go é um jogo de criatividade,
onde se começa com um tabuleiro vazio

e se termina com uma visão completa
no estilo de mosaico,

onde imaginação é tão importante

quanto raciocínio lógico
e solução de problemas.

Isso pode ser facilmente
relacionado à vida real.

Uma pedra colocada
no lugar correto do tabuleiro

tem o potencial de virar o resultado,
mesmo no final do jogo,

que é algo impossível
em outros jogos de estratégia.

Na vida real, isso significa que todos
fazemos escolhas a todo momento,

e assim temos a chance de mudar
nossas vidas em um instante.

Em um momento da minha vida,
senti que tinha perdido todas batalhas,

como se todas minhas pedras tivessem
sido colocadas erradas no tabuleiro.

Sobrevivi à violência doméstica
e iniciei uma nova vida,

com a sensação de pertencer
a um novo lugar.

Quando cheguei em Perth, há dez anos,
estava um dia lindo e ensolarado,

assim como hoje,
mas eu não conhecia ninguém.

Metaforicamente, havia colocado
uma pedra em uma área nova do tabuleiro.

O Clube de Go de Perth se tornara
o lugar onde me conectava com as pessoas

de perfis variados e fazia novos amigos.

O Go se tornou meu pilar de sustentação

onde eu podia criar conexões valiosas
com pessoas de diferentes perfis.

Aqui, no microcosmo do tabuleiro de Go,

eu podia lutar enquanto refletia
sobre problemas da vida real.

Era o lugar ideal,
nos planos físico e mental,

para praticar alguns
dos princípios básicos do Go:

"Não seja ganancioso para ganhar",

"Esteja disposto a fazer
sacrifícios para liderar",

"Adapte-se quando houver problemas".

Antes que você ache que sou expert em Go,
tenho uma confissão a fazer.

Sou uma das piores
jogadoras de Go de Perth.

(Risos)

A motivação para eu continuar
jogando não é a vitória,

mas desenvolver habilidades
que possa usar no dia a dia

para tomar decisões melhores

e inspirar outras pessoas
a se beneficiarem das estratégias do Go.

Go é um jogo simples, porém complexo.
Podemos aprender as regras em minutos.

Porém as regras enganosamente simples
contrastam com as estratégias,

que de tão complexas já desconcertaram

a inteligência artificial
do Desafio DeepMind AlphaGo.

Então é essa capacidade do jogo

de estimular o pensamento lógico
e a solução de problemas

e provocar nossa imaginação

que tem mantido o interesse
no jogo de Go por mais de 4 mil anos?

E por que ele foi ignorado
por tanto tempo no Ocidente?

Minha resposta é que, acima de tudo,
o Go fornece uma maneira única

de conectar pessoas, lugares e cultura,

uma ponte cultural através do tempo.

O Go fornece uma ferramenta milenar,
estratégica e tangível

para ensinar habilidades tão relevantes
hoje quanto eram no passado.

Por exemplo, no mundo dos negócios,

isso pode significar
que, em vez de ver seu concorrente

como seu oponente ou inimigo,

você o veja como um professor.

Estabelecer conexões
baseadas em confiança e respeito

pode ser tão simples quanto pedir
para alguém jogar usando a etiqueta do Go,

que é: "Por favor, me ensine".

E se pudéssemos trazer séculos

de pensamento estratégico
para as salas de reuniões atuais

e jogar com o pensamento estratégico
usando as lições do Go?

E se pudéssemos ensinar às crianças
novas habilidades através do jogo?

Na minha opinião, o Go
deve assumir o papel do xadrez

e nos ensinar lições
que nem podemos imaginar.

O Go pode nos ensinar
habilidades técnicas e interpessoais.

Alunos que jogam Go
têm melhores relacionamentos,

melhores notas e maior concentração.

O Go tem o potencial
de ensinar solução de problemas,

imaginação e criatividade
às crianças da Austrália.

Na verdade, este é um dos objetivos
do currículo escolar australiano:

transformar os alunos em cidadãos do mundo
e ao mesmo tempo conectá-los

aos nossos vizinhos de séculos passados.

Eu tenho um sonho: ver um tabuleiro de Go
em cada sala de reunião,

sala de aula e universidade,

ajudando as pessoas
a tomarem decisões melhores,

ensinando aos jovens como pensar,

formando um conjunto novo de valores

sintonizados com os melhores anjos
da nossa natureza.

Eu sonho com mais lugares
para se conectar,

mais lugares para jogar

e mais liberdade para aprender.

Apenas assim podemos forjar
um novo senso de liberdade,

aprender a apreciar as diferenças

e amadurecer a próxima geração de líderes.

Obrigada.

(Aplausos)