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Querida Thay, queridas irmãs,
queridos irmãos,
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bem-vindos à nossa quarta aula
sobre os 40 princípios.
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Hoje é 7 de abril
do ano 2021,
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e estamos na sala de meditação
Still Water do Mosteiro Deer Park.
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Desculpem,
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A sala de meditação Still Water
fica em Upper Hamlet.
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Acontece que sofremos
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por causa das nossas ideias sobre os nossos sentimentos
e das nossas ideias sobre o nosso corpo.
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Pensamos que, quando temos
um sentimento doloroso, esse sentimento sou eu.
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E quando estamos doentes e parece que
não há paz alguma no nosso corpo,
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identificamo-nos completamente
com esses sentimentos dolorosos.
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Dizemos: "Estes sentimentos sou eu."
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E não encontramos uma saída
para o sofrimento.
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Tudo o que estamos a aprender aqui
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é encontrar uma forma
de nos libertarmos do nosso sofrimento.
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A visão do Budismo é que
a liberdade do sofrimento
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vem da compreensão do sofrimento.
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Quando estamos doentes
e o nosso corpo está em dor,
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podemos praticar para ver os nossos sentimentos
como um fenómeno condicionado.
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Devido a causas e condições,
esses sentimentos dolorosos surgem,
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e deixamos de estar presos
ou apegados a esses sentimentos.
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Eles manifestam-se
tal como um arco-íris se manifesta
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com as condições certas
de vapor de água e sol,
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tal como uma semente brota da terra
quando chega a chuva na primavera.
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Os nossos sentimentos também são dessa natureza.
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Eles têm condições.
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Quando nos identificamos com esses sentimentos
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e dizemos que esses sentimentos sou eu,
é aí que ficamos presos.
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Na última aula,
falámos sobre upādāna,
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a aderência, a tendência
de nos agarrarmos ao nosso corpo,
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aos nossos sentimentos,
às nossas ideias e noções.
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[upādāna]
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[upādi]
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"Upadi" significa agarrar-se a algo.
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É também uma palavra
usada para descrever "combustível".
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Se pensarmos num fogo
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a arder...
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Talvez eu possa usar um pouco de vermelho.
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Quando olhamos para o combustível,
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podemos ver que o fogo
se agarra ao combustível.
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Esse é o significado de upādāna.
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A chama
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depende do combustível.
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Ela adere, parece que...
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Com base nessa compreensão,
só de olhar para o fogo,
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temos essa perceção
de upādāna como apego.
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É como o fogo das nossas aflições
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a agarrar-se ao nosso corpo, aos nossos sentimentos.
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E podemos ver os skandhas
como o combustível.
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É por isso que upādāna
também tem esse significado de combustível.
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Nos textos antigos do Budismo,
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quando o Buda falava sobre os cinco skandhas,
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como aprendemos na última aula,
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ele usava frequentemente a expressão
"upādāna skandha".
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Isso significa que não se trata apenas dos skandhas,
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estes agregados de forma corporal,
sentimentos, perceções,
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formações mentais e consciência.
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Mas sim da chama,
da aderência das aflições
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que surgem quando há apego,
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apego ao nosso corpo,
apego aos nossos sentimentos,
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apego às nossas perceções,
às nossas formações mentais, à nossa consciência.
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O termo "nirvana" significa "extinção".
Significa que o fogo se apaga,
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que já não há combustível.
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[nirvāṇa]
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Nirvana é "extinção".
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Podemos pensar nisso
como a extinção do fogo.
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Encontramos um caminho para isso
removendo o combustível.
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Removemos o combustível,
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e então o fogo já não tem
condições suficientes para se manifestar.
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Já não tratamos o nosso corpo
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como uma fonte de combustível para as nossas aflições,
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mas sim removemos a aderência,
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a energia de agarramento,
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upādāna-skandha.
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[skandhā]
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A nossa prática é aprender a parar de nos agarrarmos
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aos nossos pensamentos, às nossas perceções.
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Agarramo-nos aos nossos sentimentos.
Quando temos um sentimento agradável,
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ele está associado a uma perceção.
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E tentamos encontrar uma forma
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de criar, de manifestar
essa perceção novamente,
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para que possamos sentir
esse prazer outra vez.
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Podemos ter uma lembrança muito agradável
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de um tempo em que estávamos com a nossa família,
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com a nossa mãe e o nosso pai,
e tudo parecia maravilhoso.
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No nosso coração, guardamos
a memória desse momento.
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Tudo parecia perfeito no mundo.
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Mas depois, ainda assim, vem o sofrimento.
É impermanente.
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Os nossos pais podem envelhecer e morrer,
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ou divorciar-se, e há amargura.
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Se estávamos casados,
se estávamos numa relação,
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e esse casamento acaba,
podemos sofrer por isso.
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Quando o nosso filho ou a nossa filha cresce,
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e vivem de uma forma
que lhes traz muito sofrimento,
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nós sofremos porque eles sofrem.
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Mas agarramo-nos àquela memória
de felicidade, quando tudo parecia perfeito,
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e tentamos recriá-la.
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Então tentamos reunir a família
nos feriados,
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mas quando se juntam, discutem
e queixam-se.
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Não é a memória maravilhosa
que imaginámos.
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Estamos presos à nossa perceção.
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E pensamos: "Se eu recriar
essas condições, serei feliz."
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É por isso que Thay, o nosso professor,
dizia muitas vezes
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que o nosso maior obstáculo
para a felicidade é a nossa ideia de felicidade.
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Precisamos de ser capazes
de largar a nossa ideia de felicidade
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para podermos tocar a felicidade,
tocar o nirvana.
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Isso significa que a prática de largar
é o caminho para nos libertarmos,
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para nos desapegarmos.
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Se olharmos para uma representação
do corpo humano
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com base no número de neurónios motores
associados às partes do nosso corpo,
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então pareceremos muito engraçados.
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As nossas mãos parecem enormes,
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porque o número de neurónios motores
no nosso cérebro
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associados ao movimento das nossas mãos
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é muito maior do que aqueles associados,
por exemplo, ao movimento do nosso cotovelo,
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ou ao movimento da nossa...
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não sei,
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da nossa perna, ou talvez da nossa anca.
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Porque temos mãos muito articuladas.
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Estas mãos maravilhosas.
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Aprendemos, desenvolvemos -
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Muitas das nossas habilidades como seres humanos
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vêm da nossa capacidade de manipular
os nossos dedos e as nossas mãos.
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Sabemos, pelo estudo da neurociência
de pessoas que perderam um membro,
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que muitas vezes sofrem imenso,
não apenas porque perderam o membro,
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mas porque o membro, na verdade,
está fortemente cerrado.
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Este é um fenómeno que acontece
a muitas pessoas que perdem um membro.
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Elas não conseguem libertá-lo.
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Muitas delas não conseguem
relaxar esse punho cerrado.
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O membro já não está lá,
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mas, na sua mente, os neurónios motores
associados àquela mão
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estão como que...
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muito tensos, muito cerrados.
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Durante muitos dias,
e algumas delas durante anos,
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não conseguem libertar-se
e relaxar esse membro.
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Então, um professor,
não me lembro do nome agora.
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Quase me lembro, mas provavelmente
vou errar, por isso não vou dizer.
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Ele está aqui, em San Diego.
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Há uma técnica brilhante e simples
que ele desenvolveu,
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na qual coloca um espelho
de forma
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a que o outro membro intacto da pessoa
pareça estar no lugar
-
onde o membro ausente deveria estar.
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E ao olhar para o espelho
e ver a imagem refletida do seu outro braço,
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a pessoa finalmente consegue relaxar.
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Isto chama-se síndrome do membro fantasma.
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A pessoa consegue relaxar
esse membro fantasma que já não existe.
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Conto essa história apenas para ilustrar
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que dentro de nós há um tipo de mão,
e ela está sempre a agarrar-se.
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Como aprendemos na semana passada,
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os cinco skandhas
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são como fatias de uma tangerina.
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Temos a fatia do nosso corpo,
a fatia dos nossos sentimentos,
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a fatia das nossas perceções,
das formações mentais e da consciência.
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Portanto, corpo, sentimentos, perceções,
formações mentais e consciência.
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Estamos a exercitar essa mão interna
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que se agarra ao nosso corpo,
se agarra aos nossos sentimentos.
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Temos um sentimento agradável,
queremos mais dele.
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E, como aprendemos,
estes elementos alimentam-se uns aos outros.
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Só pensar naquele momento
de felicidade com a nossa família
-
traz-nos sentimentos agradáveis.
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E então queremos
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desenvolver a intenção mental
de fazer isso acontecer,
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de reunir a nossa família novamente,
-
de recriar as condições de felicidade
que existiam no passado.
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Mas, como muitas condições
podem ter mudado,
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acabamos por ter a perceção
de que não somos apreciados, de que a nossa família
-
Esforçamo-nos tanto,
trazemo-los juntos,
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e ainda assim reclamam uns dos outros
-
e fazem piadas desagradáveis uns sobre os outros.
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E sofremos imenso,
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porque tudo o que queríamos
era aquele sentimento de felicidade.
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Estávamos a agarrar-nos a ele.
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Então fazemos de tudo,
nas nossas formações mentais,
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para tentar criar
as condições para a felicidade.
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Mas se conseguirmos largar,
esta é a visão do Buda,
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praticamos o ato de libertação
-
dessa mão fantasma dentro de nós,
-
desse punho fantasma
ou mão que se agarra ao nosso corpo,
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aos nossos sentimentos, às nossas perceções,
através do treino da nossa mente.
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Inspirando, sei que estou a inspirar.
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Deixo ir o futuro, o passado.
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Expirando, sei que estou a expirar.
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É apenas a atenção plena na respiração.
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(Sino)
-
(Sino)
-
A respiração é
um objeto maravilhoso de meditação,
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porque, por mais que tentemos
agarrar-nos a ela,
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não a conseguimos reter.
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É muito difícil prender a respiração.
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Por isso, o Buda propôs
a meditação na respiração
-
como uma forma de nos treinarmos
na prática do desapego.
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Muitos de nós, quando começamos
a direcionar a nossa atenção para a respiração,
-
ficamos presos
a tentar controlá-la.
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E ficamos presos nos músculos à volta dos pulmões
e do diafragma,
-
porque fomos tão condicionados
-
a tentar controlar
tudo aquilo em que colocamos a nossa atenção.
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Olhamos para o ecrã, temos o rato, certo?
Controlamos o rato.
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Vamos aqui, abrimos isto, abrimos aquilo, certo?
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Esse é o tipo de condicionamento.
Vemos algo, queremos mudar o que vemos.
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O Budismo ensina-nos a observar
o que está a acontecer dentro de nós e à nossa volta
-
através dos nossos olhos, ouvidos, nariz,
língua, corpo, mente, e a largar.
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Largar a necessidade de controlar,
de manipular
-
através dos nossos seis sentidos
-
o nosso corpo, os nossos sentimentos,
as nossas perceções, e assim por diante.
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E então sentimos liberdade.
-
E temos muito menos medo, porque vemos que este corpo
é apenas uma manifestação
-
e está sujeito à morte.
-
Está sujeito ao nascimento e à morte.
É um fenómeno condicionado.
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Um conjunto condicionado
de milhões e milhões de fenómenos
-
que são as células do nosso corpo
a metabolizar açúcares, a gerar energia,
-
a absorver o oxigénio da nossa respiração
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e a usá-lo numa reação catalítica
para produzir energia nas nossas células,
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para que possamos mover os nossos músculos,
digerir os alimentos que comemos,
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continuar a respirar,
alimentar o nosso cérebro,
-
todas essas conexões neurais
que disparam
-
impulsos elétricos
de baixa voltagem.
-
Tudo isso está a acontecer,
esta é uma manifestação maravilhosa.
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E a maravilha é que tudo isso acontece
muito bem sem a nossa intervenção.
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Sem um "eu" ou "mim"
a fazer com que aconteça.
-
Se largarmos
as nossas ideias sobre nós mesmos,
-
continuamos a respirar,
continuamos a sorrir, continuamos -
-
E, geralmente, sentimo-nos muito mais felizes.
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Lembro-me de um monge, Ajahn Sumedho.
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Ele costumava dizer:
"Quando penso em mim, sinto-me deprimido."
-
Ele não dizia isso no sentido de
"Porque sou uma pessoa horrível",
-
mas no sentido literal de que,
quando pensa num "eu",
-
quando tem uma ideia de "eu",
fica preso.
-
Acho que sou assim,
e não sou assado.
-
Ideias como "eu sou" e "eu não sou",
enquanto estamos a aprender,
-
vão sempre levar ao sofrimento.
-
E são sempre ilusórias.
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Deixar ir o nosso apego
é sobre remover a ilusão.
-
Arrancar pela raiz a nossa tendência
para fantasiar,
-
para especular sobre a realidade.
-
Na semana passada, aprendemos o terceiro princípio,
-
que é que o nirvana é a cessação
da ilusão e das aflições.
-
[avidyā]
-
Em sânscrito, "avidya".
-
Não quero usar muitos termos em sânscrito,
mas alguns são muito importantes.
-
Avidya.
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"Vid" significa "conhecer as coisas como elas são",
-
saber ou experimentar;
e "a" é uma negação.
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Então, avidya é ignorância ou ilusão.
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[ilusão]
-
Por causa desta aderência,
-
agarrando-se ao nosso corpo,
agarrando-se aos nossos sentimentos,
-
agarrando-se às nossas emoções
impermanentes e passageiras,
-
essa é a natureza da ilusão,
que dá origem às aflições, kleśa.
-
[kleśa]
-
Que também aprendemos na semana passada.
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[aflições]
-
No Budismo, não nos focamos tanto no pecado,
falamos mais sobre aflições.
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Falamos sobre emoções desagradáveis como
a raiva, a irritação, o ciúme, o medo,
-
porque essas aflições tornam
o nosso momento presente muito desagradável.
-
Alguém que está num momento de raiva
está a sofrer muito.
-
Isso não significa que a raiva seja
algo mau, ou que seja um pecado.
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Mas é uma aflição,
é algo que se sente desagradável.
-
Quando estamos zangados,
queremos fazer tudo o que podemos
-
para provocar a cessação dessa raiva.
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Por isso, precisamos de aprender
e compreender a raiva.
-
É por isso que não a queremos tratar
como algo mau.
-
No Budismo, a raiva não é maligna,
é uma aflição.
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Precisamos de aprender a compreendê-la,
compreender as suas raízes.
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Tal como removemos
o combustível de um fogo,
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aprendemos como remover as condições
que alimentam as chamas da nossa raiva
-
para que ela se extinga.
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Não a reprimimos, não tentamos
abafar o fogo, isso não é nirvana.
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Nirvana é encontrar uma maneira hábil
de remover as condições,
-
de remover o combustível
-
para que as chamas já não consigam aderir
ao combustível, nem continuar a queimá-lo.
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Removemos o elemento upadana.
Não removemos os skandhas.
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Este é um grande equívoco
-
que Thay está a tentar ajudar-nos a corrigir.
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Em algumas interpretações do Budismo,
começou-se a dizer que
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existia algo chamado
"nirvana sem resíduo".
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Significa que haveria um nirvana
com a cessação dos skandhas,
-
a cessação do corpo, dos sentimentos
e das perceções.
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Depois da morte do Buda, disseram
que ele entrou em nirvana sem resíduo.
-
Que já não existiam os cinco skandhas.
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E assim, mais tarde, os estudiosos budistas
-
fizeram uma distinção entre
nirvana com resíduo e nirvana sem resíduo.
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Isto torna a nossa vida muito confusa
-
e traz todo o tipo de equívocos.
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Hoje, o quarto princípio.
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Ups! Perdi-me um pouco.
-
Ok.
-
Nirvana é nirvana.
-
É muito divertido.
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[4 Nirvāṇa é nirvāṇa]
-
Não precisa de ser nirvana
com resíduo ou sem resíduo.
-
[Não precisa de ser nirvana
com resíduo ou sem resíduo.]
-
Esta perspetiva causou
muitos equívocos.
-
Esta perspetiva do nirvana com resíduo
e do nirvana sem resíduo.
-
Após a morte do Buda...
-
Sabemos que, no tempo do Buda,
ele falou muitas vezes sobre o nirvana,
-
sobre a natureza do nirvana
como o não condicionado, o não criado.
-
E isso não era algo
que o Buda adquiriu,
-
mas algo que ele foi capaz de tocar
ao libertar-se do apego ao seu corpo,
-
aos seus sentimentos, perceções,
e assim por diante.
-
Ao não os ver como "eu", "meu" ou "meus".
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Quando o Buda faleceu,
-
as pessoas começaram a dizer:
"Agora o Buda está completamente nirvanizado."
-
Parinirvanizado.
-
E começaram a pensar
que havia alguma diferença
-
entre o nirvana do Buda após a sua morte
-
e o nirvana que ele tocou
enquanto estava vivo.
-
A principal diferença é que
o nirvana que ele tocou enquanto estava vivo
-
era o nirvana com o resíduo
dos cinco skandhas,
-
o corpo, os sentimentos, as perceções,
e assim por diante, que continuaram a manifestar-se,
-
embora o Buda já não estivesse
apegado ao seu corpo,
-
aos seus sentimentos, e assim por diante.
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Portanto, não há upadana-skandha,
mas apenas os skandhas,
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assim como o olho, o ouvido, o nariz,
a língua, o corpo e a mente,
-
que observam as formas,
-
os sons, os sabores, os cheiros,
os toques
-
e os objetos da mente.
-
Mas tudo isso ocorre
sem qualquer apego, sem qualquer aderência.
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A compreensão que aprendemos
no terceiro princípio, na semana passada,
-
foi que o nirvana é a extinção,
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é a ausência de ilusão
e das aflições.
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Não é a ausência
dos cinco skandhas,
-
nem dos sentidos, dos objetos dos sentidos,
nem das consciências sensoriais,
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dos 18 reinos, 18 dhatu.
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Este princípio decorre desse.
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Nirvana é nirvana. Não precisa de ser nirvana
com resíduo ou sem resíduo.
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Na época do Mestre Xuanzang...
-
O Mestre Xuanzang viveu no século VII
e viajou da China.
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Ele estava determinado
a trazer de volta ensinamentos, sutras,
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que percebia estarem em falta na China.
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Assim, embarcou numa viagem muito aventureira.
Mais de 10 anos, quase 20 anos.
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Manteve notas muito detalhadas
dos locais por onde passou.
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Viajou pelo Norte do Tibete,
-
atravessou o deserto de Taklamakan,
como é chamado hoje em dia,
-
e depois seguiu para sul, pelos Portões de Ferro,
como creio que se chamam, até ao Hindu Kush,
-
descendo pelo vale do rio Indo
e depois até ao Ganges.
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Pelo caminho, observou muitos mosteiros
-
que floresciam naquela época.
-
Temos muitos registos detalhados
sobre a Índia dessa altura
-
graças aos seus escritos.
-
Quando regressou à China...
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Eventualmente, ele chegou a Nalanda,
que fica perto de Rajagriha,
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perto do Pico dos Abutres.
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Lembrem-se de que estamos a estudar
"Plum Village Olhando para o Pico dos Abutres".
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Esse é o título deste livro de Thay.
-
O Mestre Xuanzang estudou
com um grande mestre lá em Nalanda
-
e aprendeu sânscrito.
Depois, conseguiu regressar à China.
-
Naquela altura, havia muito apoio
para o Budismo na China,
-
por isso foi-lhe dada uma equipa inteira
de jovens monges e outros estudiosos
-
para o ajudarem a traduzir textos do sânscrito
e a resumir muitos textos.
-
Porque não havia muitas pessoas na China
que soubessem ler sânscrito naquela época.
-
Passou grande parte do resto da sua vida
a escrever ou a traduzir
-
muitos dos ensinamentos importantes
da escola Somente Manifestação.
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Na época de Xuanzang,
-
já se falava de quatro tipos de nirvana.
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Um era o nirvana puro por natureza.
-
[1 nirvāṇa puro por natureza]
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Havia o nirvana com resíduo.
-
[2 nirvāṇa com resíduo]
-
O nirvana sem resíduo.
-
[3 nirvāṇa sem resíduo]
-
E o nirvana sem morada.
-
[4 nirvāṇa sem morada]
-
Vemos o grande perigo
quando começamos a especular sobre o nirvana.
-
Até a própria palavra nirvana
é condicionada.
-
Por isso, temos de ter muito cuidado.
-
Com o tempo, começamos a tratar nirvana
como um fenómeno condicionado.
-
Mas a própria natureza do nirvana
é incondicionada.
-
Não há qualidade alguma
que possa aderir ao nirvana.
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Não podemos dizer que é azul ou laranja.
-
Nem sequer podemos dizer que tem algo a ver
-
com a palavra "nirvana"
escrita no quadro ou que estou a dizer em voz alta.
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Está realmente para além de qualquer forma.
-
"Nirvana" é apenas uma palavra,
é apenas um sinal,
-
e não queremos confundi-lo
com a verdadeira natureza do nirvana.
-
A visão de Plum Village
é que não precisamos de nada disto.
-
Isto é apenas um desperdício
da nossa energia mental,
-
a tentar falar sobre nirvana com resíduo,
sem resíduo ou sem morada.
-
Nirvana é nirvana.
-
Já é puro.
-
Nem sequer podemos falar dele como "puro",
-
porque para algo ser puro,
criamos o impuro, certo?
-
Esta é a visão de Plum Village.
Nirvana é nirvana.
-
Não precisa de ser com ou sem resíduo.
-
Podemos simplesmente ouvir o sino.
-
(Sino)
-
(Sino)
-
Thay quer que aprendamos isto
para que não fiquemos presos.
-
Porque na nossa prática
podemos facilmente ficar presos.
-
Ele disse que há muitos ganchos
nos ensinamentos
-
por causa dos nossos apegos
e dos apegos dos nossos antepassados.
-
Às vezes, sentimo-nos felizes
no nosso conhecimento das coisas
-
e não queremos ir
para além do nosso mero conhecimento.
-
Na última vez, falei
sobre dois tipos de obstáculos
-
que nos impedem de tocar o nirvana.
-
O obstáculo das nossas aflições, kleśa,
-
[kleśâvaraṇa]
-
e o obstáculo do nosso conhecimento.
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[jñeyâvaraṇa]
-
Aprendemos que kleśa são as aflições,
e jñeya é o conhecimento.
-
No nosso dia a dia no mosteiro,
-
praticamos a meditação a caminhar,
a meditação ao comer,
-
voltando ao momento presente,
-
tomando consciência da nossa comida,
de onde veio,
-
apreciando as maravilhas da vida
que estão aqui e agora.
-
E isso serve para nos ajudar
a reduzir as nossas aflições,
-
a ver que, neste momento presente,
-
já temos condições suficientes
para sermos felizes.
-
Se conseguirmos olhar profundamente
-
e reconhecer todas as condições
de felicidade que já estão presentes,
-
quando ficamos presos
a um sentimento ou a uma perceção,
-
quando temos essa perceção, sentimo-nos felizes.
-
Quando não a temos, sentimos tristeza
e, assim, sofremos.
-
Portanto, ao vivermos juntos, caminharmos juntos,
praticarmos juntos,
-
e, especialmente, ao aprendermos
a viver juntos em harmonia,
-
significa aprender a largar as nossas ideias
numa reunião, numa discussão.
-
Eu quero fazer assim, tu queres fazer
de outra maneira, e ninguém quer ceder.
-
Na verdade, nem mesmo essas perceções
podemos segurar,
-
mas somos muito bons
a fazer-nos zangar
-
e a lutar pela nossa posição,
pela nossa ideia, pelo nosso ponto de vista.
-
Dessa forma, estas coisas estão ligadas.
-
O nosso conhecimento, a nossa ideia,
também são um obstáculo.
-
E o que estamos a aprender nos 40 princípios
é como remover esse obstáculo, principalmente.
-
Como compreender a raiz
das nossas aflições no nosso apego
-
à forma como queremos que as coisas sejam
ou não queremos que sejam.
-
Isto é muito interessante.
-
Olhamos para o mundo e começamos
a estabelecer relações entre as coisas
-
desde que somos muito pequenos.
-
Piaget, quando estudava—
-
Ele foi um mestre da Psicologia Infantil.
-
Quando observava os seus filhos
a crescer,
-
notou que, a uma certa idade,
-
por exemplo, se eu tiver esta caneta
-
e a mostrar a uma criança
muito pequena, talvez de um ano,
-
e depois a esconder atrás das minhas costas,
a criança olha com admiração.
-
Não faz ideia de onde a caneta foi parar.
-
Para ela, desapareceu,
porque já não está no seu campo de visão.
-
Algo que estava na sua visão
agora desapareceu.
-
Mas ainda não consegue estabelecer
onde poderá ter ido.
-
Se não está à vista, já não existe.
-
É muito simples.
Quando algo é visível, existe.
-
Quando já não é visível,
deixa de existir.
-
Depois, a uma certa idade,
ela começa a reconhecer:
-
Ah! A ausência da caneta significa—
-
Isto é o princípio da conservação da matéria, certo?
-
A matéria não passou do algo para o nada
apenas porque deixou de ser visível,
-
mas tem de haver alguma forma
de conservação da matéria.
-
E então começam a perguntar-se:
'Onde foi a caneta?'
-
E prestam atenção: 'Ah! Vi que ele a pôs atrás das costas
e agora já não está lá.'
-
Agora sabem que, se forem atrás,
irão encontrá-la e dirão: 'Encontrei a caneta!'
-
Sabem que está lá porque sabem
que as coisas não desaparecem sem razão.
-
Mas acontece que muitos de nós
continuamos a ter
-
essa mesma compreensão conceptual
de causa e efeito
-
e impomos ao mundo
a nossa ideia de como as coisas deveriam ser.
-
Isto acontece, portanto, aquilo deve acontecer.
-
Estudei muito, então deveria ter uma boa nota.
-
Trabalhei muito nos exames do secundário,
fiz muitas disciplinas opcionais,
-
portanto, deveria entrar
numa boa universidade.
-
Paguei muito dinheiro, tirei o meu curso,
então deveria arranjar um bom emprego.
-
Estes são apenas alguns exemplos,
-
mas há muitos mais
-
relacionados com a cor da pele,
com a forma como as pessoas falam,
-
com a maneira como comemos, com tudo.
-
Temos todo o tipo de ideias
sobre como as coisas devem ser
-
para produzir um bom efeito,
um efeito feliz, que desejamos.
-
E sobre as coisas que devem ser evitadas,
as coisas que não devem ser feitas assim.
-
Esse pensamento de certo e errado
-
é, na verdade, como um véu
-
que obscurece a nossa visão
de como as coisas realmente são.
-
Vivemos num mundo ilusório
de como as coisas deveriam ser,
-
e perdemos a oportunidade
de ver as coisas como realmente são.
-
Quando nos deparamos
com essa dissonância cognitiva
-
entre o nosso sistema de crenças,
-
como as coisas deveriam ser, e a forma como as coisas realmente são,
sofremos imensamente.
-
Portanto, o Budismo consiste em largar as nossas ideias
sobre como as coisas deveriam ser,
-
e, em vez disso, olhar para o mundo
tal como ele é, em cada momento.
-
Essa é a prática de tocar a talidade,
da concentração na talidade.
-
A tathata, a talidade.
-
[talidade]
-
[tathātā]
-
Tatha significa "assim", "tal".
-
Não significa nada além de "é assim".
-
E ta, no final, transforma a palavra num substantivo.
-
Assim, tathata significa
"a isenção das coisas",
-
o assim-mesmo, a talidade das coisas, tathata.
-
Esta aula é divertida,
porque podemos usar estes termos.
-
É muito útil, acho eu.
-
Não há assim tantos termos
que precisemos de aprender,
-
mas aprender alguns deles
ajuda bastante.
-
É uma tradição de 2600 anos,
-
e ainda estão a estudar
-
os mesmos ensinamentos habilidosos do Buda.
-
É muito bonito voltar à linguagem antiga,
-
porque é muito simples, na verdade,
não é muito complicada.
-
Claro que, ao longo dos anos,
as coisas tornam-se muito complicadas.
-
Então, Thay tenta ajudar-nos
a limpar todas essas complicações
-
para que possamos ver claramente
-
e focarmo-nos mais na nossa prática
-
em vez de apenas nos perdermos
-
numa montanha de papéis e estudos académicos,
tentando apenas encontrar a essência.
-
Os 40 princípios estão lá
para nos ajudar a fazer isso,
-
para que não fiquemos presos
nos ganchos que existem, nos mal-entendidos.
-
Tathata é sempre voltar
às coisas como elas são,
-
à talidade das coisas.
-
Não ficar preso a ideias rígidas
ou dogmáticas sobre como o mundo é.
-
Falamos sobre a impermanência,
falamos dela em termos de uma concentração,
-
não em termos de estabelecer uma verdade absoluta:
-
"é assim que as coisas são".
-
A impermanência é uma prática.
-
Significa que, com plena consciência,
nos tornamos conscientes do objeto da nossa atenção
-
e vemos que ele tem uma natureza de mudança.
-
Está constantemente a nascer
e constantemente a morrer.
-
Quando vemos isso, percebemos que
essa é a natureza das coisas condicionadas.
-
Mas a afirmação de que
"todas as coisas condicionadas são impermanentes"
-
pode ser uma armadilha
se nos apegarmos a ela como um dogma.
-
Alguém pode chegar até nós e dizer:
"Não, existe uma alma permanente.
-
Vamos viver para sempre, eternamente."
-
E nós respondemos:
"Não, não é assim,
-
porque o Buda disse que
todas as coisas são impermanentes!"
-
E ficamos muito zangados,
e falhamos completamente, perdemos a nossa prática.
-
Porque não é
para declarar uma verdade absoluta
-
que dizemos que o Buda afirmou
que todas as coisas condicionadas são impermanentes,
-
mas sim para nos libertarmos do nosso sofrimento.
-
Porque nos apegamos às coisas,
-
pensamos nelas como permanentes, e sofremos.
-
Até mesmo o Dharma,
precisamos de ser capazes de o largar,
-
quanto mais o que não é Dharma.
Essa é a lição da jangada.
-
O Buda,
-
no sutra
-
sobre A Melhor Maneira de Agarrar uma Serpente,
-
ou, por vezes, chamado
Sutra do Treinador de Abutres,
-
porque é o ensinamento que o Buda deu a um monge
-
preso na sua ideia sobre os prazeres sensoriais.
-
Ele estava dogmaticamente preso,
tinha uma visão errada,
-
acreditava que o Buda ensinou
que os prazeres sensoriais
-
não são um obstáculo à prática, à liberdade.
-
E antes de se tornar monge,
ele treinava abutres para caçar.
-
Então o Buda ofereceu o ensinamento:
"As minhas palavras são como uma jangada."
-
[As minhas palavras são como uma jangada]
-
O significado disto é que
um homem chega a um rio
-
e percebe que não pode atravessá-lo.
-
Então junta algumas canas e ervas,
-
e começa a tecer uma jangada
com essas ervas e canas.
-
Depois, usa essa jangada para atravessar o rio.
-
E, depois de ter feito todo aquele esforço
para construir a jangada,
-
quando chega à outra margem do rio, ele pensa:
-
"Uau! Há muitos outros rios
que talvez precise de atravessar."
-
E se eu pegasse nesta jangada
e a carregasse comigo,
-
para que, da próxima vez que encontrasse um rio,
já tivesse a minha jangada
-
e pudesse atravessar?'
-
Então, talvez o homem tente pegar na jangada.
-
Ela é muito pesada, ele começa a suar,
e não consegue ir muito longe carregando-a.
-
Então, o Buda perguntou:
'Esse homem é muito inteligente?'
-
E os monges responderam:
'Não, ele não é muito inteligente.'
-
Então o Buda disse:
Outro homem chega e faz o mesmo,
-
mas, ao atravessar para a outra margem,
ele deixa a jangada ali.
-
Talvez outra pessoa possa usá-la
para voltar para a outra margem.
-
Mas ele não faz isso apenas
porque é generoso,
-
mas também porque é inteligente
-
e sabe que, quando chegar ao próximo rio,
-
usando as habilidades que aprendeu ao construir a jangada,
-
será capaz de fazer outra jangada.
-
E seria muito preocupante,
muito cansativo para ele
-
carregar aquela jangada até ao próximo rio.
-
Essa metáfora, essa história,
foi usada pelo Buda
-
para ilustrar como devemos tratar o Dharma.
-
O Dharma é como uma jangada.
-
Precisamos ser capazes,
quando chegamos à outra margem,
-
de largar a jangada, deixá-la para trás.
-
Mesmo o Dharma,
quando somos capazes de tocar o nirvana,
-
não devemos nos apegar a ele,
-
nem às palavras, nem às formulações,
-
de maneira dogmática,
como se fosse uma crença fixa.
-
Porque todos os ensinamentos
são apenas expedientes,
-
estão apenas lá para nos ajudar
a chegar à outra margem,
-
mas não para nos agarrarmos a eles
-
como se fossem dogmas ou crenças inquestionáveis.
-
As minhas palavras são como uma jangada.
-
É preciso largá-las.
-
[É preciso largá-las.]
-
É preciso largá-las,
quanto mais então os ensinamentos errados.
-
[Quanto mais então os ensinamentos errados.]
-
Literalmente, ele disse:
'Deixai ir o Dharma, quanto mais então não-Dharma.'
-
Significa o não-Dharma.
-
O que é o Dharma errado?
-
É acreditar que este corpo é permanente,
que durará para sempre.
-
É a crença de que temos sentimentos
que durarão eternamente.
-
Que, se nos entregarmos
-
e nos inundarmos de prazeres sensoriais,
-
isso nos levará à felicidade duradoura.
-
Esse é um tipo de entendimento errado.
Não é sustentado pela experiência.
-
Mas podemos contar isso a nós mesmos.
-
Precisamos observar a maneira como a publicidade,
-
os sites que visitamos,
-
estão constantemente a reforçar
esse tipo de crença,
-
que podemos dizer que é um ensinamento errado.
-
Temos que largar o Dharma,
ainda mais o não-Dharma.
-
Talvez ao olhares para o teu feed no Twitter,
ou até mesmo para um jornal,
-
isso esteja a regar as sementes do prazer sensorial,
-
a reforçar a ideia de que
a felicidade está noutro lugar.
-
Que, se fores alguém importante,
alguém na capa de uma revista,
-
alguém na capa do jornal,
-
então terás uma felicidade infinita.
-
Tudo será perfeito,
porque serás uma estrela, certo?
-
Acho que a maioria de nós
imediatamente considera essa ideia absurda,
-
mas, de alguma forma, mesmo achando a ideia absurda,
ainda nos comportamos como se acreditássemos nela.
-
Queremos saber
o que essas pessoas estão a fazer,
-
essas pessoas importantes nos jornais,
-
essas pessoas importantes
nas capas das revistas.
-
E dizemos: "Bem, só queremos saber
-
porque estamos a investigar
a natureza do sofrimento humano."
-
Mas podes fazer isso, basta encontrares-te a ti mesmo.
-
Claro que podemos sempre aprender
com as experiências de outras pessoas,
-
mas cuidado, porque uma forma errada
de compreender este ensinamento
-
é que as pessoas deixam de estudar o Dharma.
-
Dizem: "Não preciso do Dharma,
-
o Buda disse que o Dharma
é como uma jangada. Deixo-a para trás."
-
Mas passam o resto do tempo
-
apegados ao feed do Twitter,
-
ou a ler jornais ou seja o que for,
-
e a regar as sementes da raiva,
do desejo, do ciúme e assim por diante.
-
Precisamos de largar ambos.
Não apenas o Dharma.
-
Esse é o ensinamento
sobre o Dharma como uma jangada.
-
E ao fazê-lo, treinamo-nos a nós mesmos.
-
Percebemos quando estamos presos numa ideia
-
e conseguimos acalmar-nos
e voltar à realidade,
-
à observação direta das coisas
sem a aderência,
-
sem ficarmos presos à nossa perceção,
presos às nossas formações mentais
-
com as quais queremos impor
a nossa ideia ao mundo.
-
E então tens, tu és -
-
Isso é a prática do Budismo Engajado.
-
Então és capaz de ajudar.
-
Alguém que vive numa ideia ilusória,
-
preso aos seus julgamentos,
às suas preocupações, aos seus medos,
-
não consegue fazer muito
para ajudar os outros a sofrer menos.
-
É como cegos a guiar cegos.
-
Claro que existem
situações de injustiça
-
e há sofrimento real no mundo,
-
mas precisamos de ser capazes
de ver as coisas como são
-
para podermos ajudar,
para tocarmos a verdadeira compaixão
-
e conseguirmos aliviar o sofrimento
em nós e nos outros.
-
Essa é a prática profunda de um bodhisattva,
a prática do despertar.
-
Essa história de nirvana
com resíduo ou sem resíduo
-
é um produto de pensar demais sobre o nirvana,
-
tentando adicionar
diferentes qualidades ao nirvana.
-
É muito mais simples do que isso.
O nirvana é nirvana. Só isso.
-
O objetivo é tocar o nirvana, certo?
Não falar sobre nirvana.
-
Está ali como
um dedo a apontar para a lua.
-
Não nos devemos prender ao dedo.
O dedo é a palavra nirvana.
-
Queremos olhar diretamente
para a beleza da lua.
-
Essa é a natureza não condicionada,
não o sinal que a indica.
-
Então, quer usemos o termo Deus,
-
quer usemos o termo
nirvana, Alá, Javé,
-
tudo isso são apenas sinais
-
que nos ajudam a tocar
o que não pode ser expresso,
-
o que não pode ser qualificado,
o que não pode ser -
-
O que é incondicionado e incriado.
-
Temos de ter cuidado com o caminho
que nos treina a ficarmos presos às nossas ideias.
-
O Buda, o Budismo, são ideias, palavras,
que nos ajudam a libertar-nos
-
do nosso apego às palavras e conceitos,
-
do apego aos nossos cinco skandhas.
-
Talvez possamos ouvir o som do sino.
-
(Sino)
-
(Sino)
-
Como podemos descrever o nirvana? O Buda -
-
Temos ditos passados
-
do Buda a tentar descrever nirvana
-
para o propósito do despertar.
-
Ele está a ajudar os seus discípulos a despertarem.
-
No Udana, que são as exortações
ou expressões sinceras do Buda,
-
há uma secção sobre nirvana.
-
Este é o Udana 8.3.
-
O Buda está em Shravasti, no Bosque de Jeta,
no mosteiro de Anathapindika,
-
ensinando os bhikshus, os monges, e diz:
"Existe, ó monges,"
-
[Existe, ó monges,]
-
No vocativo apenas escrevemos "ó".
-
"Existe, ó monges,
o não-nascido,
-
o não-produzido -
-
[o não-nascido, o não-produzido]
-
Ou podemos dizer, não-surgido.
-
O não-feito,
-
[o não-feito,]
-
e o não-condicionado."
-
Podemos também dizer o não-nascido,
o não-produzido, o não-feito.
-
[o não-condicionado.]
-
"Se não existisse o não-nascido -
-
Talvez devêssemos dizer
se não existisse o não-nascido,
-
[Se não existisse o não-nascido,]
-
o não-feito,
-
[o não-feito,]
-
o não-produzido,
-
o não-produzido, o não-feito, o não-condicionado.
-
[o não-produzido, o não-feito, o não-condicionado]
-
então não haveria escapatória,
-
[então não haveria escapatória aqui]
-
nenhuma escapatória aqui
-
do nascido,
-
[do nascido,]
-
do produzido, do feito,
-
[do produzido, do feito,]
-
do condicionado."
-
[do condicionado.]
-
Udana 8.3.
-
[Udāna 8.3.]
-
"'Tatiya Nibbāna Paṭisaṁyutta Sutta'."
-
"'Tatiya' é terceiro. O terceiro nirvana -
-
A terceira secção, o terceiro texto, sutra,
-
na secção sobre o nirvana.
-
"Mas, como existe o não-nascido,
o não-produzido, o não-feito, o não-condicionado,
-
há uma escapatória do nascido,
do produzido, do feito e do condicionado."
-
Não escrevo isso aqui,
mas podes adicionar:
-
"Existe, ó monges, o não-nascido, o não-
produzido e não-feito, o não-condicionado.
-
Se não existisse -
-
Desculpa, 'Se não existisse
-
o não-nascido, o não-produzido,
o não-feito, o não-condicionado...'
-
Faltam algumas palavras aqui,
"Não haveria
-
escapatória
do nascido, do produzido,
-
do feito, do condicionado.
-
Mas como existe o não-nascido,
o não-produzido, o não-feito,
-
o não-condicionado,
é por isso que se pode encontrar uma escapatória
-
do nascido, do produzido,
do feito, do condicionado."
-
Este é o Buda a fazer o seu melhor,
-
usando palavras para descrever nirvana.
-
Em outros momentos, ele apenas disse,
"Como se pode descrever nirvana?"
-
Posso quase imaginar o Buda,
-
embora não ache que o Buda
teria simplesmente levantado as mãos.
-
Sentes que a certa altura
só há silêncio,
-
e a própria presença do Buda.
-
Isso é tudo o que podemos usar para atestar
-
a nossa confiança
no despertar do mestre.
-
Num outro sutra, que não vou escrever agora,
o Buda diz:
-
"Existe, ó bhikshus, aquela dimensão
onde não há terra,
-
nem água, nem fogo, nem vento,
nem dimensão do espaço infinito,
-
nem dimensão da consciência infinita,
nem dimensão do nada,
-
nem dimensão de nem percepção
nem não-percepção,
-
nem este mundo, nem outro mundo,
nem lua nem sol.
-
Ali, mendicantes, ali, ó bhikshus,
digo que não há vinda nem ida,
-
nem permanência, nem desaparecimento,
nem reaparecimento.
-
Não está estabelecido,
não procede e não tem suporte.
-
É incondicionado.
Simplesmente, é o fim do sofrimento."
-
Portanto, notamos que há muita negação aqui.
-
Para descrever o incondicionado,
-
temos de remover tudo o que é condicionado.
-
Então, nem isto, nem aquilo, nem aquilo, nem aquilo.
-
E, no entanto, existe ainda a armadilha
de compreender o nirvana
-
como sendo idêntico ao niilismo, à aniquilação.
-
Isso é um entendimento errado,
como já aprendemos.
-
O nirvana é a ausência de ilusão
e das aflições.
-
Pode ser testemunhado por meio
dos skandhas, por meio do condicionado.
-
Na dimensão histórica, tocamos o absoluto.
-
Ele está bem no coração do histórico.
-
Não tentamos livrar-nos
da dimensão histórica,
-
do mundo dos fenómenos,
do nascimento e da morte,
-
da vinda e da ida,
do ser e do não-ser, do mesmo e do diferente.
-
Não tentamos livrar-nos disso,
-
como se estivéssemos enojados
com a dimensão histórica,
-
como se quiséssemos viver apenas
na dimensão última em cada momento da vida diária
-
e, por isso, tentássemos afastar
a dimensão histórica.
-
Esse é um entendimento errado,
um entendimento niilista.
-
É como se, ao cortar a vida,
tocássemos o nirvana.
-
Essa é uma forma muito errada de compreender.
-
No Sutra sobre a Melhor Maneira
de Agarrar uma Cobra,
-
o Buda falou sobre o perigo
destas visões erradas.
-
Mesmo quando estamos a negar,
-
quando descrevemos o nirvana
por meio da negação,
-
isso não significa
que estamos a rejeitar a vida. Na verdade, significa o oposto.
-
Significa libertar a vida.
-
É quando somos capazes, como seres humanos,
-
de ir além dos nossos ciúmes,
da nossa raiva, da nossa preocupação, dos nossos medos,
-
de todas essas coisas
que nos prendem ao nosso corpo,
-
e sermos realmente livres.
E isso é algo que podemos tocar no momento presente.
-
Acho que esse será o próximo princípio.
-
O quinto princípio. É possível tocar o nirvana
no momento presente.
-
Significa que, na dimensão histórica,
podemos tocar a dimensão última.
-
E isso será na próxima aula.
-
Portanto, obrigado, queridos amigos,
queridos irmãos e irmãs, por acompanharem.
-
Encorajo aqueles que estão a assistir online
pela primeira vez
-
a voltarem atrás
e começarem pela primeira aula.
-
Esta é a quarta aula.
-
E também a seguirem os links no vídeo
para os 40 princípios, para poderem acompanhar melhor.
-
Tento escrever grande no quadro,
mas talvez seja difícil seguir a minha escrita.
-
Por isso, é melhor terem o texto convosco.
-
Se tivermos mais tempo, talvez possamos
disponibilizar mais materiais,
-
como alguns dos sutras que são citados, e assim por diante.
-
Mas terei de ver se temos
capacidade para isso.
-
Vamos terminar com três sons do sino,
-
voltar à nossa respiração,
-
e desfrutar de estar presente com o nosso corpo
-
sem apego, sem agarrar-se a nada.
-
(Sino)
-
(Sino)
-
(Sino)
-
(Sino)