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Hoje é...
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Hoje é 4 de fevereiro de 1993.
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Estamos no Upper Hamlet,
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e continuamos a aprender os 50 Versos
sobre a Natureza da Consciência.
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Na palestra do Dharma desta manhã,
falámos brevemente sobre os medos.
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Porque todos nós temos medos dentro de nós.
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E esses medos controlam furtivamente
os nossos comportamentos, os nossos pensamentos
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e...
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a nossa linguagem — sem que o saibamos.
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No ser humano, há profundidade
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e há superfície.
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Treinemo-nos para viver também
a profundidade do nosso ser,
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em vez de vivermos apenas a superfície.
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No
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nosso dia a dia, talvez lidemos
com pessoas ou com coisas, ou realizemos o nosso trabalho
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usando apenas a superfície do nosso ser.
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E, por vezes, pensamos que somos apenas essa superfície.
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Mas, na verdade, somos muito mais profundos do que isso.
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Estudar e treinar-nos na atenção plena significa...
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praticar viver a profundidade do nosso ser.
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A nossa superfície...
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tem sido empurrada pela profundidade do nosso ser.
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Reagimos facilmente.
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Estamos constantemente à beira das lágrimas ou do riso.
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Fazemos isto, fazemos aquilo.
Falamos disto, falamos daquilo.
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Pensamos que temos...
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liberdade
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ao agir assim,
ao lidar com os outros assim,
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ao falar,
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trabalhar ou pensar assim.
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Mas, na realidade, estamos a ser...
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impelidos por elementos
que residem profundamente dentro de nós.
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Por isso, às vezes, fazemos algo
de uma determinada forma sem saber porquê.
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Pensamos de uma determinada maneira
sem saber porquê.
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Falamos de uma certa forma
sem saber porquê.
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Entre as duas partes do nosso ser
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— a parte profunda e a parte superficial,
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há um fosso.
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E esse fosso entre as duas partes
— a profunda e a superficial,
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está...
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a alargar-se
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cada vez mais.
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Até que, um dia, percebemos
que não conseguimos reconciliar-nos
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com a vida,
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nem conseguimos reconciliar-nos
connosco próprios.
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Tornamo-nos um estranho para nós mesmos.
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E também nos tornamos um estranho para a vida.
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No Vietname, diz-se que há um tipo de fantasma
chamado "ma hời".
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À meia-noite,
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esse fantasma deixa metade de si
bem deitada na cama, a dormir.
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A outra metade vai alimentar-se algures,
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a comer durante a noite.
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Pergunto-me se já ouviram falar disso antes.
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Nós fazemos o mesmo.
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Mas não o fazemos à meia-noite.
Fazemo-lo durante o dia.
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Durante o dia, deixamos a profundidade
— a metade inferior, do nosso ser.
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Levamos apenas a outra metade, a superior,
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para o nosso quotidiano.
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Encontramos esta pessoa, aquela pessoa.
Lidamos com este assunto, aquele assunto.
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Pensamos.
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Falamos.
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Reagimos.
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Por essa razão, a nossa vida não tem profundidade.
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Porque vivemos apenas metade dela
— ou até menos.
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Por essa razão, praticar significa conectar
estas duas metades de nós mesmos.
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Sempre que falarmos, pensarmos ou fizermos algo,
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devemos estar conscientes de
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em que partes da profundidade do nosso ser
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essas palavras, pensamentos e ações
têm as suas raízes.
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Essas partes profundas estão intrinsecamente ligadas
ao universo e aos nossos antepassados.
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Talvez, no momento presente, pensemos
que não estamos tristes, com medo ou zangados.
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Mas toda a tristeza, medo e raiva
residem profundamente dentro de nós,
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enquanto vivemos apenas a metade superior.
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Então, nesse momento, pensamos
que não estamos tristes, zangados ou com medo.
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No entanto, a verdade é que essa tristeza,
essa raiva, esse medo, estão dentro de nós.
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E estão a manipular-nos furtivamente.
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Estão a controlar-nos
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indiretamente.
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Por isso, chamam-se...
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nós internos.
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Samyojana. "Triền sử" em vietnamita.
Os grilhões que nos prendem e nos empurram.
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Quando praticamos viver desta forma,
tornamo-nos mais cautelosos.
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Tornamo-nos mais introspetivos.
Olhamos mais profundamente para dentro de nós.
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Por que falamos assim?
Por que nos sentimos tão tristes assim?
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Por que pensamos desta forma?
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Porque existem sementes,
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porque existem nós internos,
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porque existem energias habituais,
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ou costumes
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adormecidos na profundidade do nosso ser.
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Eles levam-nos a agir assim,
a falar assim, a pensar assim.
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Praticar sem conseguir compreender isto
não trará qualquer transformação.
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Por essa razão, temos de coser...
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ou unir estas duas partes de nós.
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E não devemos ter medo
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ao fazê-lo.
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Porque, às vezes, temos medo de nós mesmos,
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não queremos regressar a essa profundidade,
essa parte inferior dentro de nós.
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Porque nessa profundidade existem
muitas áreas selvagens e desertas
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que tanto tememos.
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Quando já conseguimos estabelecer
um vínculo normal entre estas duas partes,
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é aí que criamos uma atmosfera harmoniosa.
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Sentimos
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que há uma circulação nas nossas veias
— 'veias' aqui significa as nossas veias espirituais.
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Nesse momento, sentimo-nos menos doentes
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porque dividir o nosso ser em metades
causa muitas enfermidades.
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Todos já conhecemos alguém
que fala e ri o dia todo,
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como se fosse uma pessoa muito feliz.
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E perguntamos:
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"Por que não paras um pouco
para recuperar o fôlego, querido irmão?"
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"Por que não paras um pouco
para recuperar o fôlego, querida irmã?"
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"Por que falas e ris o dia todo assim?"
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E essa pessoa responde:
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"Se eu parar, sinto-me morto."
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"Se eu parar de falar e rir,
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sinto-me morto."
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Isso acontece porque
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dentro dessa pessoa existe um enorme vazio.
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E ela tem de fazer tudo ao seu alcance
para cobrir esse vazio
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— seja com sons,
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com pensamentos,
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ou falando e rindo.
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Caso contrário,
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ter de encarar esse vazio imenso dentro de si
seria insuportável.
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Mas esse grande vazio está lá no fundo,
nas profundezas do seu ser.
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Ela só quer cortar essa parte inferior,
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e preencher apenas a parte superior.
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Então, para essas pessoas,
regressar a si mesmas é algo angustiante.
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E elas definitivamente não querem voltar.
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Não gostam de ouvir os sinos.
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Não gostam de meditação caminhando.
Não gostam de meditação sentada, tampouco.
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Porque, ao fazerem isso,
são forçadas a regressar
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à profundidade do seu ser.
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Para alguém que fala e ri o dia inteiro
como se fosse uma pessoa muito feliz,
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podemos ver nessa pessoa
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um tipo de enfermidade
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— a negligência.
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Isto significa que essa pessoa
se separou de si mesma.
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Essas pessoas precisam de uma sangha
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e da prática para voltarem a si mesmas
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e unirem estas duas partes.
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Se seguimos os ensinamentos do Buda
com atenção,
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veremos que foi exatamente isto
que ele nos ensinou a fazer.
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O Buda disse:
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"Oh, bhikkhus,
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este é o pé de uma árvore.
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Sentem-se ali.
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Este é um quarto vazio e silencioso.
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Sentem-se nele.
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Este é um caminho isolado.
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Percorram-no."
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Não precisamos de muito.
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Precisamos apenas do pé de uma árvore,
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de um quarto vazio e silencioso,
ou de um caminho isolado
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para regressarmos à nossa profundidade.
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Mas se...
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temos sempre medo,
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e todos os dias queremos...
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estar no meio de multidões,
encontrar pessoas,
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isso significa que estamos constantemente a fugir.
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A não querer regressar.
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Por isso, o Buda disse no sutra:
"Este é o pé de uma árvore.
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Este é um quarto vazio e silencioso.
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Este é um caminho isolado.
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Voltem a vós mesmos.
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Pratiquem."
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Não precisamos de grandes templos
ou de estátuas imponentes para isto.
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A nossa tristeza,
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os nossos medos, a nossa raiva,
as nossas preocupações e ansiedades
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estão profundamente adormecidos
na parte inferior do nosso ser.
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E nós nunca queremos...
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entrar em contacto com essa parte.
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Assim, comportamo-nos como os fantasmas ma hời,
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abandonando uma parte
e levando apenas a parte superior connosco
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no nosso dia a dia.
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E isso não é solução. É fuga.
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Por isso, devemos fazer tudo o que pudermos
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para regressar e unir essas metades.
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Onde quer que vamos,
levamos essa profundidade connosco.
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Onde quer que nos sentemos,
sentamo-nos com essa profundidade.
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E um dia veremos os resultados.
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Quando olhamos para alguém,
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quando ouvimos essa pessoa falar,
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quando vemos como ela pensa
ou como lida com as coisas,
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conseguimos ver a 'pessoa profunda'
dentro dela.
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Quando vemos essa 'pessoa profunda' nela,
percebemos por que razão fala daquela forma,
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age daquela forma,
ou pensa daquela forma.
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E quando a compreendemos,
torna-se mais fácil aceitá-la.
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Torna-se mais fácil amá-la,
ter compaixão por ela.
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Se vemos apenas a parte superior dessa pessoa
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— a sua 'pessoa superficial',
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ficamos irritados, zangados,
e queremos criticá-la de todas as formas.
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Não conseguimos ver que
tudo o que ela disse, fez ou pensou
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tem raízes na profundidade,
na parte inferior,
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da qual ela está bem separada.