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Mosteiro de Plum Village
Retiro das Chuvas de Inverno 2006-2007
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A Atenção Plena: O Caminho para a Libertação
09 de Novembro de 2006 — Hamlet Novo
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[Sino]
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[Sino]
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[Sino]
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Querida Sangha, hoje é dia 9 de novembro de 2006.
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Estamos no Templo da Bondade Amorosa
(Từ Nghiêm), no Hamlet Novo.
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E hoje é o primeiro dia de ensinamento do Dharma
do Retiro das Chuvas de Inverno de 2006-2007.
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No Cânone Budista Chinês (Đại tạng kinh, 大藏經),
há um sutra chamado...
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"Nhất Nhập Đạo" em sino-vietnamita ("一入道" em chinês),
ou "Ekāyano Maggo" (às vezes "Ekāyana Magga") em Pali.
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"Nhất Nhập Đạo" significa literalmente
"o único caminho para entrar".
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Podemos traduzi-lo para inglês como
"The Only Way In" (A Única Forma de Entrar).
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E esse é o título de um sutra
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sobre...
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as Quatro Estabelecimentos da Atenção Plena
(Kinh Bốn Lĩnh Vực Quán Niệm, Satipaṭṭhāna Sutta, 四念處經).
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Na verdade, o Discurso sobre os
Quatro Estabelecimentos da Atenção Plena,
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que temos estudado e
praticado ao longo dos anos,
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é a versão transmitida pela escola budista Sarvāstivāda
(Hữu Bộ, 說一切有部).
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Entretanto, "A Única Forma de Entrar"
é outra versão desse sutra,
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mas foi transmitida pela escola budista Mahāsāṃghika
(Đại Chúng Bộ, 大眾部).
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Em vez de...
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lhe chamarem "O Discurso sobre os Quatro
Estabelecimentos da Atenção Plena" ("四念處經"),
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intitularam-no "Nhất Nhập Đạo" ("一入道"),
que significa "A Única Forma de Entrar".
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Claro que essa “Única Forma de Entrar”
é o caminho da atenção plena.
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Porque sabemos que
a atenção plena gera concentração.
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A concentração conduz à visão profunda.
E a visão profunda leva à libertação.
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Portanto, além do caminho da atenção plena
— da atenção plena correta —
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não há outro caminho.
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Na tradição budista,
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podemos ver claramente que
a atenção plena é o coração da prática,
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— o coração da prática da meditação.
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Em Plum Village, sabemos que a atenção plena...
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também é o centro da nossa prática.
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No momento em que fazemos surgir
a aspiração de praticar —
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de entrar no caminho...
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da prática,
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aplicamos de imediato a atenção plena
em todos os aspetos da nossa vida quotidiana.
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O objetivo de tudo o que aprendemos
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ou debatemos nas partilhas do Dharma
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é garantir que
a nossa prática seja bem-sucedida.
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Mas o que é exatamente a nossa prática?
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A nossa prática é garantir que
estejamos conscientemente atentos
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em todos os momentos da nossa vida diária.
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Estamos conscientemente atentos
à nossa forma física, ao nosso corpo.
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Estamos conscientemente atentos...
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às nossas sensações.
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Estamos conscientemente atentos...
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às nossas percepções.
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E estamos conscientemente atentos
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às formações mentais dentro de nós.
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Entrar neste caminho,
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é como nascer de novo.
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Entrar neste caminho,
é preciso reaprender a sentar,
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reaprender a respirar,
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a caminhar novamente,
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a...
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comer novamente,
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a lavar a loiça de novo.
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Significa que tudo aquilo que pensávamos
já saber fazer ou fazer bem,
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precisamos de reaprender a fazer tudo novamente.
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Reaprendemos a sentar,
reaprendemos a caminhar,
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reaprendemos a trabalhar,
reaprendemos a respirar,
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reaprendemos a comer,
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e reaprendemos a lavar a loiça.
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Asseguramo-nos de que,
em cada ação do corpo,
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exista a luz da atenção plena,
da consciência atenta.
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Portanto, seja monástico ou praticante leigo,
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desde que estejamos determinados
a entrar nesta vida espiritual,
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precisamos de aprender a caminhar,
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sentar,
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ficar de pé,
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respirar,
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comer,
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e beber chá —
tudo com atenção plena.
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Caminhar de forma
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que cada passo seja guiado
pela luz da consciência atenta.
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Caminhar de tal forma que, em cada passo,
haja paz interior, tranquilidade,
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libertação e liberdade,
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e alegria.
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Quando nos sentarmos, sentemo-nos de tal forma que...
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tenhamos paz interior, tranquilidade,
libertação e liberdade.
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Quando comermos, comamos de tal forma
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que tenhamos paz interior, tranquilidade,
libertação e liberdade.
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E isso é um desafio.
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Foram-nos oferecidas
inúmeras condições favoráveis
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para que possamos fazer isso.
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Por exemplo, estar numa comunidade de prática,
ou numa sangha, é uma condição muito favorável.
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Porque na sangha, todos têm o mesmo
desejo de dar passos sólidos, tranquilos e felizes.
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Estando numa sangha assim,
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temos todas as condições favoráveis
para fazer como os demais.
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Porque, na sangha, há quem consiga
dar passos pacíficos e felizes.
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Isto não tem a ver com o futuro.
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Tem a ver com o momento presente.
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Porque, ao dar passos pacíficos, tranquilos e felizes,
precisamos de garantir que os fazemos realmente agora —
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neste exato momento.
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E isso é um desafio.
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Quando nos sentarmos,
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sintamo-nos de tal maneira que haja paz interior,
tranquilidade e alegria.
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Não tem nada a ver com o futuro.
Tem tudo a ver com o hoje —
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com o agora.
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E isso é um desafio.
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Se estivermos...
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suficientemente determinados, conseguimos fazê-lo.
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A prática no Budismo
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é centrada no momento presente.
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Tudo aquilo que temos procurado —
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como libertação e liberdade,
iluminação ou felicidade...
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...deve ser encontrado
neste exato momento.
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Algumas tradições religiosas
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prometem-nos
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um certo tipo de paz interior,
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uma certa tranquilidade,
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um certo tipo de felicidade, ou
um certo tipo de libertação e liberdade — no futuro.
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É uma promessa.
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Contudo, no Budismo,
não há tal promessa.
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O Budismo afirma que essa felicidade,
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esse céu ou paraíso, e
essa libertação ou liberdade —
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precisamos de os encontrar
aqui mesmo, no momento presente.
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Eles “estão centrados no momento presente”.
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Os ensinamentos e a prática
estão centrados no momento presente.
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Precisamos de compreender isso.
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Precisamos de ver isso por nós mesmos.
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E precisamos realmente de o concretizar na nossa prática.
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Isso é um desafio.
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Sem dúvida, o Senhor Buda
já nos ofereceu muitas...
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muitas sugestões e muitas instruções
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para que consigamos ter sucesso na nossa prática.
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Os Bodhisattvas patriarcais e...
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grandes mestres da história
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também partilharam connosco os seus caminhos de prática
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para que também nós possamos ter sucesso na nossa prática.
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E precisamos mesmo de conseguir agora
na nossa prática.
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Por isso, temos de nos perguntar:
"Hoje,
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consegui sentar-me...
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com leveza, com paz, com contentamento
e com uma sensação de bem-estar durante toda a minha meditação sentada?
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Consegui cumprir os votos profundos
do Buda, dos mestres ancestrais, do Thay e da sangha?
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Enquanto me sentava,
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estava verdadeiramente em paz, contente, feliz e livre?
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Ou estive sentado, o tempo todo,
numa caverna escura e profunda?"
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É que algumas pessoas estão sentadas
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com felicidade, paz interior e bem-estar — com uma espécie de aura luminosa à sua volta;
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mas nós talvez estejamos sentados
na caverna escura e profunda...
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do arrependimento, da saudade, da tristeza e da dor.
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Bem, se for o caso,
isso é um fracasso.
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"Estar sentado numa caverna escura e profunda"
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é
-
é
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é uma expressão da tradição Zen.
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Na escola Zen, pratica-se muito a meditação sentada.
Mas algumas pessoas...
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apenas se sentam em cavernas escuras.
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Não sentem paz, nem contentamento,
nem felicidade, nem liberdade durante a meditação. É uma pena!
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Porque é que temos de ir sentar-nos numa caverna escura?
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Porque não nos sentamos no Pico do Abutre (Vulture Peak),
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com leveza, liberdade e alegria?
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Descobre porquê.
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Pergunta a ti mesmo:
"Como posso sentar-me assim?"
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Pergunta aos teus irmãos e irmãs na prática:
"Como é que consigo sentar-me dessa maneira?"
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Precisamos de sentar-nos assim agora.
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Não é preciso esperar por amanhã, nem depois de amanhã.
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É um grande desafio.
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Claro que existem...
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energias negativas
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dentro de nós
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que nos impedem de sentar assim.
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Por exemplo, a tristeza, a saudade,
os arrependimentos ou as preocupações
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não nos deixam sentar com essa leveza.
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Devemos reconhecer essas energias negativas
em nós sem julgamento,
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sorrir-lhes com gentileza, dizendo:
"Sabes,
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não podes manter-me preso para sempre assim."
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Quando conseguimos apenas reconhecê-las
desta forma, essas formações mentais...
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já não têm poder sobre nós.
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Portanto, a prática de mero reconhecimento
faz milagres.
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E esse reconhecimento sem julgamento
das formações mentais negativas também é uma prática de atenção plena correta.
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Num dos Dias de Monástico mais recentes,
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Thay sugeriu uma forma muito simples de prática
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que nos pode ajudar a sentar
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com muita paz interior,
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a respirar com muita paz interior
e a caminhar com muita paz interior.
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É a prática de dedicar ou oferecer...
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à pessoa que amamos.
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Por exemplo, quando...
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colhemos...
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algumas flores
-
para oferecer
-
ao Buda,
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queremos mesmo escolher
as flores mais bonitas,
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e...
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arranjá-las de forma
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a que a beleza de cada flor sobressaia
-
e que, ao mesmo tempo,
expresse a nossa sinceridade para com o Senhor Buda.
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Enquanto oferecemos as flores
no altar do Buda,
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fazemos isso.
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Todos nós o queremos fazer.
E todos nós o conseguimos fazer.
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Quando arranjamos...
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5 ou 8 laranjas num prato
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para colocar no altar do Buda,
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sabemos que precisamos
de as lavar muito bem,
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e arranjá-las de maneira
a que a sua frescura e beleza fiquem visíveis.
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Com gotas de água a brilhar nas laranjas, como orvalho,
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quando as oferecemos no altar,
sentimos uma profunda leveza e bem-estar,
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um profundo contentamento.
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Pois bem, ao sentarmo-nos,
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podemos fazer o mesmo.
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Ao sentarmo-nos e seguirmos a respiração com atenção plena, podemos fazer surgir o pensamento:
"Agora estou a respirar pelo Buda.
-
Estou a oferecer ao Buda uma inspiração e uma expiração tão belas...
-
como aquelas laranjas que acabei de oferecer."
-
Quando surge em nós o pensamento:
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"Quero dedicar e oferecer esta respiração ao Buda,"
-
nesse mesmo momento, de forma natural,
a nossa inspiração será muito bela,
-
e a nossa expiração será muito bela.
-
Porque queremos mesmo oferecer
o mais belo que temos.
-
Nunca queremos oferecer algo...
-
menos belo.
-
Se surgir em ti o pensamento:
"Estas são as respirações que estou a oferecer ao Buda,"
-
com todo o coração, tornarás a tua respiração
muito suave, muito profunda,
-
muito concentrada
e muito pacífica.
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Respirar desta forma é como uma prenda
que oferecemos ao Buda.
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Estamos a respirar pelo Buda.
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E nós somos a continuação do Buda.
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Mesmo sendo um presente
que oferecemos ao Buda,
-
somos nós os primeiros
a receber e a beneficiar com esse presente.
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Por isso, enquanto respiramos,
-
podemos respirar pelo Buda.
-
Respiramos com a nossa mais profunda gratidão.
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Porque ninguém nos deu à luz
nesta vida espiritual — a não ser o Buda.
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Ninguém é o nosso mestre orientador — a não ser o Buda.
Portanto, quando há um afeto sincero,
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quando há uma gratidão profunda,
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a natureza e qualidade da respiração
que oferecemos ao Buda será divina.
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Muito simples.
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[Toque no sino]
-
[Sino]
-
Imagina que, enquanto estamos sentados,
estamos a...
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respirar pela nossa querida mãe.
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Estamos a dedicar à nossa mãe
uma inspiração e uma expiração.
-
Naturalmente, vamos querer inspirar
-
de forma verdadeiramente bela,
-
verdadeiramente tranquila
-
e verdadeiramente profunda. Só assim poderá ser
um presente digno dela. Não é verdade?
-
Verás que
respirar assim é muito fácil.
-
Essas inspirações e expirações
têm natureza e qualidade divina.
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Porque temos amor pela nossa mãe no coração,
queremos oferecer-lhe a coisa mais bela que conseguimos oferecer.
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Oferecemos-lhe três inspirações e expirações.
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"A mãe está a respirar comigo.
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Ela está presente em todas as células do meu corpo.
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A mãe e eu estamos a respirar juntas agora.
E este é um presente bonito que lhe dedico."
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Com esse amor dentro de nós,
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a nossa respiração torna-se divina
na sua natureza e qualidade.
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O mesmo acontece com a nossa caminhada.
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Caminhamos pelo Buda.
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Caminhamos pelo nosso querido pai.
-
Caminhamos pela nossa querida mãe.
-
Esses passos são presentes belíssimos
-
que oferecemos ao nosso pai e à nossa mãe,
aos nossos irmãos e irmãs...
-
Quando há um pensamento de querer
dedicar e oferecer,
-
de forma muito natural, a natureza e qualidade
dos nossos passos tornam-se...
-
divinamente belos.
-
Todos nós...
-
temos um bom coração.
Todos queremos dar.
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Na véspera de Natal,
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preparamos o nosso presente com muito cuidado.
-
Por vezes, passamos horas só para garantir
que o presente fica bonito.
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Queremos alegrar
quem o vai receber.
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E, enquanto preparamos o presente,
sentimos muita felicidade.
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Da mesma forma,
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quando a nossa meditação sentada é um presente ao Buda,
à nossa mãe ou ao nosso pai,
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sentamo-nos muito bem.
Sentamo-nos com muita felicidade e bem-estar.
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Quando respiramos — se usarmos a respiração
como um presente para o nosso pai, a nossa mãe,
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o Thay, ou o Buda — teremos
muita felicidade e bem-estar,
-
e essas respirações terão
valor, natureza e qualidade divina.
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É porque a nossa prática...
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é...
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nasce do solo do amor.
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Em nós, há amor.
Em nós, há gratidão.
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A felicidade, o bem-estar, a leveza,
a libertação e a liberdade
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são algo que...
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se manifestam sobre o fundo do sofrimento e do mal-estar,
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da prisão e do apego.
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Antes, estávamos presos.
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Costumávamos estar acorrentados.
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Costumávamos estar presos aos apegos.
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Costumávamos subir e descer.
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Pois bem,
-
por causa disso, temos
a capacidade de reconhecer…
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a leveza e a liberdade,
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a leveza e a facilidade,
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e a paz e a felicidade.
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Por isso,
-
precisamos aprender a
fazer uso do pano de fundo
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do nosso sofrimento e das nossas aflições,
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da nossa falta de liberdade,
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dos nossos enredamentos e apegos,
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para...
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reconhecer a paz,
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a felicidade, o bem-estar, a leveza
e a liberdade que temos.
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Quando alguém que amamos
adoece gravemente
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e fica acamado,
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vemos que essa pessoa já não consegue...
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sentar-se
-
e dar passos leves, tranquilos e felizes
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como nós conseguimos.
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Para alguém que está a morrer ou já morreu,
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já não é possível levantar-se e dar esses passos.
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Um só passo—
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mesmo que a pessoa queira pagar
uma pequena fortuna por ele, não consegue.
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Quando alguém adoece gravemente
e fica confinado à cama,
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não pode dar nem um único passo assim.
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Ao caminharmos em meditação,
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se conseguirmos contactar com o pano de fundo
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do sofrimento, do desespero e das aflições profundas,
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cada passo que dermos terá naturalmente
um valor imensurável
-
e trará muita
felicidade e bem-estar.
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Seja na relva
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ou na...
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...estrada coberta de pedrinhas,
cada um desses passos é um milagre.
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A felicidade e o bem-estar que cada passo destes
nos traz pode ser imensurável.
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Se caminharmos na distração ou preocupados,
-
esses passos não nos trazem
nem felicidade nem bem-estar.
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Mas se caminharmos com consciência plena,
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recordando: “Muitas pessoas gostariam de dar este passo
mas não podem,
-
já não têm capacidade para isso”,
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e se nos lembrarmos: “Tenho
duas pernas fortes, ainda consigo dar estes passos”,
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os passos que dermos terão naturalmente
um valor imensurável,
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trarão muita
felicidade e bem-estar,
-
e terão um poder imenso de cura
e de nutrição para nós.
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Portanto,
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se quisermos ter bem-estar, felicidade,
libertação e liberdade,
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precisamos fazer uso do pano de fundo
do mal-estar, do sofrimento e das aflições,
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da prisão e da escravidão.
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Vemos que, neste momento presente, não estamos
nessa situação de sofrimento ou mal-estar,
-
não estamos nessa condição de aprisionamento,
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e que podemos ter paz interior,
felicidade e bem-estar.
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Com isso, cada passo terá naturalmente
uma natureza e qualidade absolutamente divinas.
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Estas são experiências diretas
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que Thay quer transmitir-vos.
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O segredo está na forma como respiramos.
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Não importa se estás
a respirar ou não a respirar,
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a sentar-te ou não a sentar-te,
a caminhar ou não a caminhar.
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O que importa é a forma como respiras,
como te sentas ou como caminhas.
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Não importa
se te sentas em meditação ou não,
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se caminhas em meditação ou não,
se respiras ou não.
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O que importa é a forma como caminhas, como te sentas,
e como respiras.
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A nossa felicidade e bem-estar
dependem da forma como fazemos todas essas coisas.
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Por isso, neste retiro, cada um de nós
precisa de estar determinado
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a realmente sentar-se.
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É porque o retiro nos oferece
oportunidades para realmente nos sentarmos.
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É porque, na vida, poucas pessoas
têm a oportunidade de realmente se sentarem.
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Mas num retiro, temos
a oportunidade de realmente nos sentarmos.
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Aproveitámos bem
essa oportunidade?
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Num retiro, temos a possibilidade de realmente respirar.
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O horário do retiro oferece-nos muitas
oportunidades de realmente respirar.
-
O horário do retiro oferece-nos muitas
oportunidades de realmente caminhar.
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Temos esta determinação
-
de respirar de forma a termos
felicidade, bem-estar e liberdade?
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Temos esta determinação
de caminhar de forma
-
que cada passo traga
liberdade, felicidade e bem-estar?
-
Temos esta determinação
-
de comer as nossas refeições de tal maneira
-
que cada momento da refeição
-
se torne um momento de felicidade,
bem-estar e liberdade?
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Essa felicidade e bem-estar, essa liberdade,
devem ser encontrados neste exato momento.
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O Budismo não é uma promessa ilusória
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de felicidade no futuro.
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O Budismo é um caminho.
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Se conseguimos ou não encontrar
felicidade, bem-estar e liberdade...
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no momento presente,
-
depende de cada um de nós.
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Refugiamos-nos na energia
das Três Jóias para o conseguir fazer.
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E as Três Jóias — o Buda, o Dharma
e a Sangha — estão aqui para nós.
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Ontem realizámos a Cerimónia de Abertura
do Retiro das Chuvas.
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Partilhámos uns com os outros que
esta é uma grande,
-
bela
-
e maravilhosa oportunidade
-
de estarmos juntos e vivermos
como uma família espiritual durante 90 dias.
-
Todos os dias, temos uns aos outros.
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Todos os dias, praticamos juntos. Foi isso que desejámos.
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Muitas pessoas não têm
esta oportunidade, esta felicidade.
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Entretanto, nós estamos aqui,
a ter essa oportunidade.
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Por isso, temos de dar o nosso melhor,
temos de...
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colocar todo o nosso coração e mente na prática.
-
A prática num mosteiro Zen ou centro de prática
chama-se “công phu”, ou “prática diária de atenção plena”.
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No Ocidente, quando se ouve
o termo công phu, as pessoas confundem...
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com a arte marcial (kungfu).
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Mas công phu num mosteiro Zen ou centro de prática,
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em primeiro lugar, significa a prática diária de atenção plena ao
caminhar, estar de pé, deitado, sentado e a respirar.
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Cada passo é uma prática diária de atenção plena.
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Cada respiração é uma prática diária de atenção plena.
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Cada sorriso é uma prática diária de atenção plena.
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Lavar a loiça e cozinhar também o são.
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Tudo é uma prática diária de atenção plena.
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Não há nada que não seja
uma prática diária de atenção plena.
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Urinar e defecar
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também são práticas diárias de atenção plena.
-
Porque, ao urinar,
também podemos praticar atenção plena.
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Ao praticar atenção plena enquanto urinamos,
podemos ter paz, felicidade, leveza e liberdade.
-
E enquanto urinamos,
o fluxo da urina é o que mais importa.
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Não consideramos que o ato de urinar seja
menos significativo do que qualquer outra coisa.
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Ao lavar a loiça,
o que importa é o ato de lavar.
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Ao caminhar em meditação,
o que importa é o ato de caminhar.
-
Tudo aquilo que...
-
...acontece
no momento presente
-
tem a sua própria importância.
-
Não consideres uma coisa como sendo mais importante do que outra.
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Imaginemos que estamos a caminhar do nosso alojamento até à sala de meditação,
-
para nos sentarmos em meditação com a sangha.
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Sentar em meditação é, sem dúvida, importante.
Mas caminhar desde o nosso alojamento
-
até à sala de meditação é igualmente importante.
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Por isso, quando caminhamos desde o alojamento até à sala de meditação,
-
cada passo deve ter uma natureza e qualidade significativas.
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Se nos apressamos, se corremos até à sala de meditação,
-
sacrificamos o momento presente
-
e falhamos em ver o milagre de cada passo.
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Assim,
-
nada é mais importante do que qualquer outra coisa.
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À luz da atenção plena, na prática diária da consciência atenta,
-
cada momento é tão importante quanto qualquer outro,
-
e cada ação corporal é tão importante quanto qualquer outra.
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É necessário haver paz interior, bem-estar, felicidade, liberdade
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e amor nesse mesmo momento.
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Quando caminhamos,
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caminhamos pelo Buda,
-
caminhamos pelo nosso pai,
-
caminhamos pela nossa mãe.
-
Mas onde estão o Buda,
-
o nosso pai e a nossa mãe?
-
O Buda, o nosso pai e a nossa mãe estão todos presentes em nós.
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É por isso que, quando caminhamos, o Buda caminha.
-
Quando caminhamos, o nosso pai caminha.
Quando caminhamos, a nossa mãe caminha.
-
Levamo-los a todos connosco nesta caminhada.
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Assim, cada passo
-
pode ser...
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uma ação corporal coletiva.
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Quando damos um passo, podemos dizer:
-
"Cheguei."
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E ao dar outro passo,
-
podemos dizer: "Estou em casa."
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Cheguei.
-
Estou em casa.
-
Isto não é repetir como um papagaio o que está escrito no sutra.
Isto é encarnar a prática.
-
Quando damos um passo dizendo “Cheguei”, temos mesmo de ter chegado.
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Significa que deixamos de correr, deixamos de andar de um lado para o outro,
-
deixamos de vaguear longe da nossa verdadeira casa.
Regressamos à casa do momento presente.
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Vivemos o momento presente profundamente e com muita solidez.
Isso é “Cheguei”.
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Se de facto chegámos,
-
os nossos pais e todos os nossos antepassados de sangue também chegaram.
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Muito milagroso.
-
Cheguei.
-
Estou em casa.
-
Já cheguei.
-
Já estou em casa.
-
Podemos colocar o nosso coração e mente
nas solas dos nossos pés.
-
E colocamos o nosso coração e mente
-
no contacto dos pés com o chão.
-
Cheguei.
-
Estou em casa.
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O facto de termos realmente chegado, de estarmos realmente em casa — ou não —
-
deixa as suas marcas.
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Não podemos fazer declarações vazias.
Quando dizemos “Cheguei”, temos de ter mesmo chegado.
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Quando dizemos “Estou em casa”, temos de estar verdadeiramente em casa.
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Se de facto chegámos,
-
a nossa mente já não vagueia sem rumo,
-
nem anda de um lado para o outro.
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A nossa mente habita em paz
e contente no aqui e agora.
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Caminhar desta forma é caminhar pelo nosso pai, pela nossa mãe,
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pelo Buda, pelo Thay e por toda a sangha.
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Caminhar assim nutre-nos,
-
nutre o Thay, toda a sangha
e os nossos queridos pai e mãe.
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Que milagre!
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O que estás ainda a procurar?
-
Que práticas estás ainda à procura?
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Isto é uma prática concreta — uma porta do Dharma
que opera maravilhas. É “a única via de entrada”.
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A única via de entrada no reino da felicidade e do bem-estar.
A única via de entrada no reino da liberdade e da libertação.
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Isso é “Nhất Nhập Đạo”,
ou seja, “A Única Via de Entrada”.
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Quando caminhamos em meditação com a sangha, nós...
-
beneficiamos da energia coletiva da sangha,
-
porque todos desejam caminhar com consciência plena de forma bem-sucedida.
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Por causa disso, não caímos na armadilha de praticar apenas por aparência.
-
Somos pessoas muito afortunadas.
-
Somos muito abençoados. Temos todas as condições certas
para praticar e ter sucesso na prática.
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Se não conseguirmos,
-
a culpa é nossa.
-
Se deixarmos que os nossos dias e o nosso tempo simplesmente passem,
se deixarmos que os 90 dias passem num instante,
-
isso não é nada correto da nossa parte,
-
não é nada gentil da nossa parte
-
tratar os nossos antepassados de sangue, o Buda,
o Thay e a sangha desta forma.
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Sabemos que
-
construir a sangha
-
e dedicar e oferecer à sangha
-
é algo que podemos fazer
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em cada momento da nossa vida quotidiana.
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O presente mais precioso
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que podemos oferecer à nossa sangha
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é a nossa própria prática.
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Quando uma pessoa dá passos
pacíficos e felizes,
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essa pessoa...
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está a oferecer à sangha
o seu presente mais precioso.
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Não é colando-nos aos computadores,
a trabalhar dia e noite, que estamos a oferecer à sangha
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ou a prestar-lhe serviço.
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Dito isto, não significa
que desprezamos os computadores porque...
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se usarmos os computadores
e trabalharmos com atenção plena—
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se fizermos tudo com plena consciência,
isso também será uma grande oferenda à sangha.
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Quando cozinhamos para a sangha—
imaginemos que cozinhamos para 200 pessoas,
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claro que o mérito está lá,
ou seja, já há a intenção de amor.
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Mas se nos apressamos e queremos apenas terminar de cozinhar,
se não temos paz interior e felicidade enquanto cozinhamos,
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o presente que oferecemos à sangha ficará
aquém da beleza que pretendíamos.
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Mas se—enquanto cozinhamos para a sangha—
em cada momento de lavar, cortar,
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mexer e fritar, houver paz interior,
felicidade e atenção plena,
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isso é...
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um grande presente que estamos a dedicar
e a oferecer à sangha.
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Não só a sangha tem o alimento físico para comer,
mas também recebe...
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a natureza e qualidade divina da atenção plena.
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Isso é o mais precioso de tudo.
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Quando uma sangha está repleta desta
natureza divina e qualidade de atenção plena,
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a sangha é verdadeiramente
uma das Três Joias,
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é verdadeiramente "um lugar de refúgio para
o oceano de seres nas dez direções"
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(trecho do texto de cântico "Cerimónia de Louvor aos Mestres Ancestrais"
ou "Nghi Thức Chúc Tán Tổ Sư").
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Então,
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o antigo presidente dos EUA, Kennedy, disse uma vez:
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"Não perguntes o que o teu país
pode fazer por ti,
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pergunta o que tu podes fazer
pelo teu país."
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Essa frase foi muitas vezes...
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repetida por muitas pessoas.
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Pois bem, podemos...
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adaptá-la: "Não perguntes
o que a tua sangha pode fazer por ti,
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pergunta o que tu podes fazer pela tua sangha."
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Mas o que podemos fazer pela sangha?
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Aqui está muito claro: caminhamos pela sangha,
respiramos pela sangha,
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sentamos pela sangha.
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E essa é a nossa maior dedicação,
oferta e contribuição para a sangha.
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É isso que significa construir a sangha.
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Ao construir a sangha
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e dedicar-nos à sangha,
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estamos—ao mesmo tempo—a construir-nos
e a dedicar-nos a nós próprios.
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Porque quem dá e o que é dado...
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não podem ser separados.
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É como aquilo que o Thay disse este ano
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aos amigos leigos:
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"Se quiserem oferecer um presente ao Thay,
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em vez de o comprarem no supermercado,
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devem...
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prometer ao Thay que irão praticar algo.
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Por exemplo: ‘A partir de agora,
sempre que segurar uma chávena de chá nas mãos,
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vou praticar ver uma nuvem no chá.’”
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Pois bem, algumas pessoas fizeram...
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promessas muito bonitas.
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Por exemplo: “Sempre que subir as escadas
para ir para a cama,
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vou praticar dar passos tranquilos, em paz
e com alegria, e lembrar-me de ti, Thay.”
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Pois,
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isso é um presente.
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Mas,
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embora digamos “é um presente para o Thay”,
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somos nós que mais beneficiamos com ele.
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Todos os dias podemos dar passos conscientes,
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e todos os dias, ao beber o nosso chá,
podemos estar em contacto com a nuvem na chávena.
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Com isso, quem dá e o que é dado
não são duas entidades separadas.
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Mesmo que sejamos quem dá,
somos, ao mesmo tempo, o que é dado.
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E mesmo que o outro seja o que é dado,
é, ao mesmo tempo, quem dá.
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A isso chama-se “o vazio na oferta”—
ou seja, “O presente, quem dá e o que é dado são um só.”
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[Sino]
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Agarra essa oportunidade.
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Não deixes essa oportunidade...
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escapar, para depois te arrependeres,
“Meu Deus,...
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tive aquela oportunidade
e não a aproveitei.”
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Cada um de nós devia manter um diário de công phu.
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À noite, podemos reservar uns minutos
para registar e refletir sobre, por exemplo,...
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“Como foi a qualidade da minha meditação sentada hoje?”,
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“Como foi a qualidade da minha respiração hoje?”,
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“Como foi a qualidade do meu trabalho hoje?”,
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ou “Como foi a qualidade da minha caminhada hoje?”.
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“Estou a desfrutar e a beneficiar...
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das oportunidades
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que o Buda, o Dharma
e a Sangha...
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me dedicaram?
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Ou continuo a queixar-me?”
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Temos muitas, muitas oportunidades
como estas que precisamos de aproveitar.
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Quando conseguimos dar passos conscientes assim,
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quando conseguimos respirar com atenção assim,
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quando trabalhamos com alegria assim,
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tornamo-nos uma fonte
de inspiração para os que nos rodeiam.
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A nossa contribuição, então,
terá grande significado para a sangha.
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Todos os dias, arranjamos tempo para tomar o pequeno-almoço,
almoçar, jantar, lavar a loiça,
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e limpar o que há a limpar.
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Mas também devíamos reservar alguns minutos
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ao fim do dia para escrever no diário,
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para ver como foi o nosso
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‘trabalho’, ou seja, a nossa prática, hoje.
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Hoje caminhei com mais atenção plena? Houve
mais qualidade de presença nos meus passos?
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Respirei com um sentido mais profundo
de paz interior, bem-estar e felicidade?
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A minha meditação sentada foi mais sólida e
mais tranquila do que ontem?
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Somos nós que avaliamos a qualidade da nossa própria prática.
É isso que é o diário công phu.
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Registos de công phu.
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Demora só 1 ou 2 minutos. Não é muito.
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Lembra-te
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que toda a gente caminha da mesma forma,
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mas a natureza e a qualidade
dos passos de cada pessoa são muito diferentes.
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Há pessoas
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...que já não têm essa oportunidade—
já não têm a possibilidade
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de dar um passo assim.
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Porque estão acamadas,
a dar os últimos suspiros.
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As nossas duas pernas ainda estão fortes.
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Podemos dar quantos passos quisermos.
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Se não conseguimos aproveitá-los, se não conseguimos
beneficiar deles e apreciá-los, é realmente uma grande falta de sabedoria.
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Com essa consciência plena, cada passo
traz muita felicidade.
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Por isso, o Thay quer lembrar-te que
o pano de fundo do sofrimento e do mal-estar,
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do desespero,...
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da estagnação,
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do enredamento e do apego,
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permite-nos reconhecer
a paz, a felicidade e a liberdade
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que podemos ter já, neste momento presente.
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Esta partilha...
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são algumas palavras de encorajamento e de alerta
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com o intuito de te ajudar
a aproveitar a oportunidade—
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a não desperdiçar a oportunidade,
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a praticar por ti,
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pela tua família, pela tua linhagem, pelo teu país,
pela tua terra natal, e por toda a humanidade.
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Tudo o que pudermos fazer hoje, devemos fazer.
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Não esperes por amanhã.
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[Thay faz uma vénia]
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[Sino]
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[Sino]
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[Sino]
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[Tocar sino de mão]
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[Sino de mão]