Temos que ensinar os miúdos a pensar, e não o que devem pensar | Jesse Richardson | TEDxBrisbane

Jesse Richardson é o fundador de schoolofhought.org — um ambiente "online" profundamente envolvente que será grátis para estudantes, professores e universidades de todo o mundo. Acredita que a chave para empenhar as gerações futuras é ensiná-las a pensar, e não aquilo que devem pensar.

Jesse Richardson é um diretor criativo, com mais de 15 anos de experiência na indústria e cerca de 20 anos de experiência em conversar com as pessoas na Internet. É responsável por três importantes campanhas internacionais virais, dois miúdos e um gato obeso e mal-agradecido.

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

Certamente estamos todos de acordo
de que a educação é importante.

Isso é uma coisa universal.

Mas gostava que recordassem
o tempo em que estiveram na escola

para ver se se lembram duma coisa.

Lembram-se de qualquer altura

em que vos ensinaram a pensar?

As lições que nos davam

eram para nos ensinar
a nós, criancinhas,

de grandes olhos abertos
e um cérebro como uma esponja,

como funcionava o facto de pensar.

Se a vossa experiência
foi parecida com a minha,

provavelmente têm dificuldade em pensar
num momento em que isso ocorreu.

Quando pensamos nisso,
é uma loucura, não acham?

Em, pelo menos, 10 anos
que passámos na escola,

ensinaram-nos montes de coisas,
como "Isto mais isto é igual àquilo".

"Isto e aquilo ocorreu
em mil novecentos e tal",

o que é ótimo

mas ensinarem-nos a pensar

não existia lá muito, pois não?

A ideia que gostava de partilhar

é que temos que ensinar os miúdos
a pensar, e não o que devem pensar.

Se tiverem o azar de falarem
com um teórico da conspiração,

ele dirá que não nos ensinam a pensar

porque quem está no poder
não quer que saibamos a verdade

sobre os OGM, os rastos químicos,
a propaganda de vacinas.

(Risos)

Qualquer coisa do género.

Mas desconfio que a verdadeira razão
é muito mais aborrecida e plausível.

Como Sir Ken Robinson identificou,

na sua ótima palestra TED sobre
como as escolas matam a criatividade,

é apenas como o sistema escolar
reagiu à industrialização

e é hoje uma enorme burocracia instalada
e muito difícil de mudar.

E não se esqueçam de que instaurámos
todo este sistema de ensino

numa altura em que achávamos

que bater em crianças
com uma chibata era uma boa ideia

e, se elas tivessem tosse, dávamos-lhes
xarope para a tosse, à base de heroína,

com verdadeira heroína lá dentro,

o que, reconheçamos,
era muito eficaz para acalmar a tosse.

Mas a questão é que não éramos
muito sofisticados na nossa compreensão.

Mas hoje, o mundo e a economia
estão a mudar rapidamente

e precisamos de adaptar a forma
como abordamos o ensino.

Então, a diferença a ensinar
as crianças como pensar

é que estamos a envolvê-las
no processo da sua aprendizagem.

Em vez de lhes dizermos
para decorarem a resposta certa,

estamos a pedir-lhes que envolvam
o seu espírito, a sua atenção,

questionando as coisas,

obtendo uma compreensão
e não apenas conhecimentos.

Esse envolvimento, esse interesse,
é muito importante

porque mantém acesa a chama
da curiosidade, que tantas vezes morre,

na altura em que os miúdos
começam a sentir os efeitos

da natureza didática
da única resposta certa

com tanto trabalho escolar:
normalmente no 3.º ou 4.º ano.

Quando alimentamos essa curiosidade

deixamos de ter de impingir
conhecimentos aos miúdos

porque eles querem compreender.

Não precisamos da cenoura e do chicote
para forçar a aprendizagem,

porque eles são pequenas máquinas
autónomas, obcecadas, curiosas.

Em resultado disso,

conseguem pensar inteiramente
pelo seu próprio mérito.

Mas de que é que estamos a falar
quando dizemos "aprender a pensar"?

Penso que uma parte disso
é a criatividade.

Mas a criatividade não é apenas
uma coisa fixa, complacente.

Define-nos como espécie.

Quando pensamos nisso,

quase todas as grandes inovações,

teorias políticas
ou descobertas científicas

nasceram de um pensamento criativo.

De Platão a Einstein,
da agricultura aos iPads,

porque o pensamento criativo, em essência,
nada mais é senão fazer novas ligações.

Mas, para ser mais claro,

não estou a falar da expressão criativa.

A arte é uma coisa ótima,

mas o que eu defendo
não é tanto a arte, é mais o "design".

A diferença entre arte e "design"

é que a arte é uma expressão,
enquanto o "design" resolve um problema.

O objetivo de ensinar crianças
a pensar criativamente

é ensinar-lhes a serem adaptáveis,

como inovar para resolver problemas.

Não é ficar sentado num sótão
a beber tinto, a fumar e de T-shirt preta,

a sofrer o fardo de ninguém
compreender o nosso génio artístico.

É estar numa reunião de planeamento
ou numa incubadora de "start-up",

ou algures no mundo real

que contribui para a economia
do nosso mundo real.

As nossas escolas precisam
de ensinar o pensamento criativo.

Mas acho que isso é só metade das coisas,

porque é importante
ensinar a pensar criativamente

mas, se estivermos apenas abertos
a novas ligações,

isso também é uma receita para o desastre,

porque precisamos de controlar
o nosso pensamento.

Nunca confiem num cérebro,

especialmente no vosso,

porque todos nós somos propensos
a desvios cognitivos,

a preconceitos e aos efeitos ofuscantes
dos privilégios e da psicologia de grupo.

Gostamos de pensar em nós mesmos
como muito objetivos e inteligentes

mas a triste verdade
é que todos nós, em certa medida,

somos defeituosos, ignorantes e iludidos

o que não soa lá muito bem.

Felizmente, podemos fazer
qualquer coisa quanto a isso,

aprendendo técnicas de pensamento crítico.

O que o pensamento crítico nos ensina
é como questionar as coisas, com rigor,

como formar pensamentos e argumentos
sãos, bem fundamentados, coerentes

e como identificar criticamente
os disparates.

Mas talvez que a coisa mais importante
que nos ensina

é que é bom estarmos errados,

que as ideias que temos não somos nós

e não precisamos
de as defender até à morte.

Com efeito, podemos alterar essas ideias

e é libertador fazer isso.

É uma coisa fundamental
para a forma como abordamos o mundo

ter a vulnerabilidade e a humildade

de estarmos recetivos à ideia
de que podemos estar enganados.

É profundamente transformador.

Quando somos treinados
no pensamento crítico,

dá-se uma viragem significativa

porque tomamos consciência
do nosso pensamento.

"Porque é que penso assim?
Como é que cheguei a esta conclusão?

Tomamos consciência de nós mesmos.

A minha tese é esta:

o pensamento criativo
e o pensamento crítico

são duas faces da mesma moeda,

duas partes de uma equação
que se juntam, formando como pensar.

O interessante é que acontece uma coisa

quando o nosso espírito está treinado
de forma criativa e critica,

porque essa equação é maior
do que a soma das partes.

Há uma semente de génio,
há uma fertilidade de compreensão

que permite que o nosso espírito se eleve
a enormes altitudes

quando sabe pensar criativamente

numa interação dinâmica
com o pensamento crítico.

Quando esses dois aspetos
funcionam em conjunto,

acontecem coisas fantásticas.

A importância de da Vinci nasceu
da alquimia cognitiva

de um espírito que é livre
para planear e explorar,

mas também é disciplinado
para aplicar a razão e a racionalidade.

Um espírito assim também é
uma fortaleza de compreensão.

É extremamente resistente às mentiras
e às manipulações nefastas

de políticos, dos "media"
e da indústria publicitária

que me são apresentadas
como uma coisa a seguir.

Assim, durante os últimos 15 anos,

tenho manipulado as pessoas para comprarem
coisas que não lhes são necessárias,

trabalhando como publicitário
na indústria dos anúncios.

Durante esse tempo todo,

aprendi bastante
sobre criatividade e "banha da cobra"

Mas talvez a coisa mais importante
que aprendi

é que, se queremos
que um anúncio seja eficaz,

temos que criar um envolvimento genuíno

e temos que fazer isso
usando o poder da simplicidade.

Se conseguirmos fazê-lo bem,

o nosso anúncio deixa
de parecer um anúncio.

Parece-se com uma coisa
que as pessoas não odeiam

e possivelmente até querem ler,
ver ou com que interagir.

E se aplicássemos esta mesma verdade
ao ensino em vez da publicidade?

Sabemos que tornar o ensino
divertido e envolvente é uma boa ideia.

E uma coisa óbvia

mas, francamente, não há muitas provas
de isso funcionar, na prática.

Penso que a razão para tal

é que as pessoas que concebem
os manuais escolares

normalmente não têm grande talento,

não são "designers" especializados,
ou outros profissionais criativos.

A triste verdade é que usar
as letras Comic Sans

e pôr a ilustração de um cientista
louco no canto da página

não torna a aprendizagem
lá muito divertida, pois não?

(Risos)

Um bom exemplo de como fazê-la bem feita
são as Histórias Horríveis.

Como o nome indica, agarra
em todos os aspetos horríveis da história

e coloca-os numa forma narrativa.

Claro que os miúdos adoram-nas
porque são nojentas e fascinantes.

Outro exemplo maravilhoso
de como o ensino pode ser envolvente

aconteceu quando apareceu um cientista
que também era poeta,

porque Carl Sagan não se limitou
a ensinar-nos o cosmos,

ajudou-nos a progredir enquanto sociedade,

transformou a forma
como as pessoas pensam.

Ora bem, a educação é a base
mais importante da civilização.

Não devíamos torná-la tão envolvente
e eficaz quanto possível?

Não devíamos aplicar
no ensino o mesmo rigor,

a mesma inovação
que aplicamos no "marketing"

Aqui há uns anos,

eu estava a ensinar aos meus filhos
as falácias da lógica

o que é uma área do pensamento crítico

e ocorreu-me que talvez pudesse usar
os meus poderes de publicitário

o para o bem, em vez de para o mal.

(Risos)

As falácias são essencialmente
erros de raciocínio

e eu queria dar-lhes a conhecer
as mais vulgares

como a atração pela falácia naturalista.

Mas todas as explicações que li "online"

eram muros de texto académico,
impenetravelmente denso.

Por isso, fiz o que faço no trabalho,

quando me dão uma estratégia
de comunicação de 12 páginas

para encaixar num cartaz

para ser lido por pessoas
que passam de carro.

Simplifiquei.

Tentei arranjar explicações
e exemplos claros

que pudessem ser lidos no carro
a caminho da escola, de manhã,

o que foi um exercício muito divertido.

Acabei por criar um póster

com 24 das falácias da lógica
mais vulgares,

cada uma delas com uma frase simples
que explica claramente o conceito.

Depois, ocorreu-me que essa mesma ideia
talvez funcionasse bem "online"

e eu podia partilhá-la com outros pais,
com professores e com o mundo inteiro.

Com a ajuda de amigos programadores

criámos um sítio na Internet
em yourlogicalfallacyis.com.

A ideia era que, se víssemos alguém
a usar uma falácia qualquer "online"

lhe enviássemos a ligação.

Se alguém distorcesse um argumento,

enviamos-lhe a ligação para
yourlogicalfallacyis.com/strawman.

A melhor forma de o explicar
é mostrar-vos um exemplo desse sítio.

Este aqui é uma "causa falsa"

em que presumimos
que uma relação entre coisas

significa que uma delas
é a causa da outra.

Por exemplo,

"Mostrando um gráfico, Roger mostra
como as temperaturas

"têm subido nos últimos séculos,

"enquanto, simultaneamente,
o número de piratas tem diminuído.

"Portanto, os piratas arrefecem o mundo
e o aquecimento global é uma treta".

(Risos)

Já apanharam a ideia.

Também disponibilizamos o póster em PDF

que todos podem descarregar
e imprimir gratuitamente.

Em 2012, lançámos
o yourlogicalfallacyis.com

que se tornou explosivo,

Foi referido em "tweets"
do adorável Stephen Fry, PZ Meyers

de Jimmy Wales da Wikipedia, do Dr. Karl,
entre milhares de outros.

Foi referido em sítios,
como o Boing Boing e o Upworthy,

inundou servidores,
primeira página no Reddit,

atraiu mais de 3,5 milhões de visitantes

e está atualmente no topo dos sítios
de falácias da lógica "online".

Está a ter cerca de 10 000 visitas por dia

e o mais espantoso é que o póster
está a ser afixado

em muitos milhares de salas de aulas
e quartos de crianças

pelo mundo inteiro.

(Aplausos)

Obrigado.

(Aplausos)

Correu tudo muito bem.

(Risos)

Foi uma surpresa.

Até parece que tornar os recursos
educativos simples, divertidos e gratuitos

é uma boa ideia.

E agora?

E se fizéssemos o mesmo tipo de coisa
mas a uma escala muito maior?

E se criássemos uma plataforma

que permitisse que os professores
ensinassem o pensamento crítico

que permitisse que qualquer aluno
pudesse aprender

filosofia e pensamento criativo?

E se criássemos uma plataforma
onde todos tivessem

— perdão —

onde todos pudessem ter acesso
aos recursos sobre o pensamento?

Assim, lançámos recentemente
a Escola de Pensamento Internacional

em schoolofthought.org.

O objetivo da Escola de Pensamento

é ajudar-nos a questionar
todas as escolas de pensamento.

Trata-se de uma escola "online"
sem intuitos lucrativos

em que se pode aprender
técnicas de pensamento criativo e crítico,

gratuitamente.

O conteúdo, os cursos,
as ferramentas, as aplicações,

os jogos e os recursos que criamos

estarão disponíveis ao abrigo
de uma licença Creative Commons,

para professores da escola primária,
secções universitárias de filosofia,

para estudantes de qualquer idade,
estejam onde estiverem,

com uma ligação à Internet.

(Risos)

E se, em vez de imagens chatas
e paredes com textos,

tomássemos a liberdade
que uma escola "online" pode tomar

e criássemos um campus 3D
totalmente absorvente

concebido para ser uma visão viva
de uma utopia de ensino iluminada

no espaço virtual?

E se pudéssemos ajudar a modificar
o nosso sistema escolar?

Ou seja, porque é que
ensinamos aos miúdos

a tabela periódica dos elementos

mas não lhes ensinamos
a importância da ciência,

a filosofia da ciência,

a ler o jornalismo
com um espirito crítico,

como fazer abordagens baseadas em provas
nos afasta da Idade Média

e nos levar à idade de ouro do progresso
e das maravilhas tecnológicas?

Quantas lições, em média,
recebe um aluno na escola

sobre o cumprimento das normas?

Mas não lhes ensinamos a ética.

Não ensinamos aos miúdos
como compreender e interiorizar

a diferença entre certo e errado.

Apenas lhes dizemos;
"Não façam isso, isso está errado".

Depois, gritamos com eles
quando transgridem.

Ensinamos os miúdos a fazer
cortes horríveis em Economia Domestica

(Risos)

Mas ensinar-lhes lógica e raciocínio

talvez fosse, pelo menos, tão importante
como as técnicas nesta era da informação.

E se as escolas incorporassem o pensamento
como um tópico no seu programa?

Será um pensamento assim tão louco?

E se passássemos tanto tempo a ensinar
os miúdos a pensarem pela sua cabeça

como passamos a ensinar inglês,
matemática ou outro tema qualquer?

Não só seria ótimo para os miúdos
em todos os aspetos da sua aprendizagem

e para o futuro da nossa espécie,

mas também significaria que
os graduados em filosofia

podiam finalmente arranjar um emprego.

(Risos)

(Aplausos)

Estamos talvez a aproximar-nos
do período mais importante e mais volátil

de toda a história da humanidade.

Hoje, mais do que nunca,

precisamos de ensinar os miúdos a pensar,
e não o que devem pensar.

Se podemos fazer as coisas em colaboração
com pessoas como Peter Elton,

do Projeto de Pensamento Critico
da Universidade de Queensland

e especialistas que nos ajudaram
a compor estas visualizações,

penso que isso pode ser possível.

Espero que achem que isto é uma ideia
que vale a pena espalhar.

Obrigado.

(Aplausos)