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Tradução: Andreia Frazão
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[Rafael Lozano-Hemmer:
"Uma fenda na ampulheta"]
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(Lozano-Hemmer) — A meu ver,
os monumentos mais interessantes
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são os monumentos que desaparecem,
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que se questionam,
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que complicam algumas das histórias
que contamos a nós mesmos.
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(Sirene a tocar)
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[Museu de Brooklyn]
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Há já muito tempo
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que proponho
uma abordagem mais antimonumental,
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que seja antes uma plataforma
para as pessoas se autorrepresentarem.
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No início de março,
contraí Covid aqui em Nova Iorque.
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Como tenho asma, foi terrível para mim.
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Sentir aquela incapacidade de respirar
foi uma lição de humildade.
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Muitas das histórias que ouvi na altura
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tinham a ver com familiares
que iam doentes para o hospital.
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As pessoas não os podiam acompanhar,
duas semanas depois estavam mortos
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e nem sequer se podia ir ao funeral.
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Como mexicano,
creio que pensamos muito sobre a morte.
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E os rituais, os brindes
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e tudo o que fazemos para superar a perda
e para nos despedirmos
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é fundamental para a nossa sobrevivência
como comunidade.
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E não era possível fazer nada disso.
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O Museu de Brooklyn está a trabalhar
para estabelecer ligações
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entre esta obra de arte
e as comunidades aqui em Nova Iorque,
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para criar uma forma
de as pessoas se reunirem
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e recordarem quem partiu.
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— Na cultura chinesa,
não se fala muito sobre a morte.
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É encarada com muita superstição,
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pensando-se que poderá
trazer mais morte ou mais azar.
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Já era assim antes da pandemia.
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Mas creio que, agora,
as pessoas estão demasiado assustadas
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ou demasiado apreensivas
para falar sobre o assunto.
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A minha tia faleceu em março.
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Ela era tudo para nós, basicamente.
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Para nós, foi difícil processar
e até acreditar
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que a minha tia tinha falecido,
porque a última vez que a vimos
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foi mesmo antes do Ano Novo Lunar.
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Durante um funeral chinês,
queimamos oferendas de papel.
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São umas esculturas de papel machê
que representam os bens materiais.
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Pode ser uma casa, um carro, um iPhone....
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Mas como não pudemos ter essa experiência,
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não tivemos um espaço físico
para falar sobre as memórias
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e termos o consolo da presença física
das pessoas que nos são próximas
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para quando chegar o dia seguinte,
esperançosamente,
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já não sentirmos tanta tristeza.
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(Lozano-Hemmer) — Eu e o meu estúdio
decidimos criar uma obra de arte
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que permitisse às pessoas juntarem-se
e verem um evento em direto.
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Pareceu-nos importante ser algo em direto,
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em que as pessoas pudessem iniciar sessão,
independentemente do fuso horário,
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e partilhar a experiência
com os entes queridos.
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Basicamente, a "Fenda na ampulheta"
é um braço robótico
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controlado por um software feito à medida.
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As pessoas enviam uma fotografia
de um ente querido
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— seja familiar ou amigo —
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através de um site
chamado acrackinthehourglass.net.
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Após a análise,
a foto é lentamente desenhada
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pela areia que a ampulheta vai vertendo.
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À medida que o retrato
do ente querido é desenhado,
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há duas câmaras
a transmitir a ação em direto.
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Por isso, quando participamos,
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podemos convidar amigos
para acederem ao site e verem connosco.
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Esta obra é fruto de uma colaboração
entre pessoas do meu estúdio
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é fruto de uma discussão,
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é fruto de um desejo nosso de criar algo
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que faça
com que não nos sintamos tão sozinhos.
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Quando entramos
nesta sala do Museu de Brooklyn
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e vemos todos estes rostos,
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reparamos que existe
uma troca de olhares na sala.
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Na maioria das fotografias,
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as pessoas estão a olhar
diretamente para nós.
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As pessoas costumam escolher fotografias
em que o ente querido
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não está distante nem a olhar para o lado,
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em que está a olhar diretamente
para a câmara.
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Há um momento em que o retrato desenhado
é lentamente inclinado
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e a gravidade puxa a areia para baixo,
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fazendo o retrato desaparecer.
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Nisto, toda a areia é recolhida
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para ser reutilizada
na criação de novos retratos.
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Todos os retratos
— até agora, são centenas —
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são feitos com a mesma
pequena quantidade de areia.
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Para mim, isto foi muito importante,
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porque incute um sentimento
de solidariedade universal em torno disto
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e um sentimento de ligação.
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Sempre que estou otimista,
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penso que há um sentimento de empatia,
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um sentimento de que isto
pode acontecer a qualquer pessoa,
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em qualquer lugar,
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numa medida que nos une
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na compreensão de algo que é invisível.
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Quando alguém parte das nossas vidas...
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por vezes, o efémero
pode ajudar-nos a recordar.