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O porquê de a curiosidade ser fundamental para a ciência e a medicina

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    Ciência.
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    Esta palavra evoca em muita gente
    recordações infelizes de tédio
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    nas aulas de biologia ou de física,
    no liceu.
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    Mas garanto-vos que
    o que vocês faziam
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    pouco tinha a ver com ciência.
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    Era só o "quê" da ciência.
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    Era a história do que outras pessoas
    tinham descoberto.
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    Eu, enquanto cientista,
    estou mais interessado
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    no "como" da ciência.
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    Porque a ciência é o conhecimento
    no processo em andamento.
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    Fazemos uma observação,
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    adiantamos uma explicação
    para essa observação,
  • 0:33 - 0:35
    e formulamos uma hipótese
    que podemos testar
  • 0:35 - 0:37
    com uma experiência
    ou com outra observação.
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    Alguns exemplos.
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    As pessoas repararam que a Terra
    estava em baixo e o céu por cima.
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    Tanto o Sol como a Lua
    pareciam girar à volta dela.
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    A explicação plausível
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    era que a Terra devia ser
    o centro do universo.
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    A hipótese: tudo deve girar
    à volta da Terra.
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    Isto foi testado pela primeira vez
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    quando Galileu arranjou
    um dos seus primeiros telescópios
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    e observou o céu noturno.
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    Encontrou um planeta, Júpiter,
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    com quatro luas,
    que giravam à volta dele.
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    Depois, usou essas luas
    para acompanhar o percurso de Júpiter
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    e descobriu que Júpiter também
    não girava à volta da Terra,
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    mas girava à volta do Sol.
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    Então, o teste da hipótese falhou.
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    Isso levou-o a pôr de lado a teoria
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    de que a Terra era o centro do universo.
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    Outro exemplo: Sir Isaac Newton
    reparou que as coisas caíam na Terra.
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    A explicação plausível era a gravidade,
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    a hipótese que tudo devia cair na Terra.
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    Mas, claro, nem tudo cai na Terra.
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    Então, pusemos de lado a gravidade?
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    Não. Revimos a teoria e dissemos:
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    A gravidade atrai as coisas para a Terra
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    a não ser que haja uma força
    igual e oposta, noutra direção.
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    Isso levou-nos a aprender uma coisa nova.
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    Começámos a prestar mais atenção
    às aves e às asas das aves.
  • 2:04 - 2:07
    Pensem só em todas as descobertas
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    que decorreram desta linha de raciocínio.
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    Portanto, o fracasso das experiências,
    as exceções, os valores atípicos,
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    ensinam-nos o que não sabemos
    e levam-nos a coisas novas.
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    É assim que a ciência avança.
    É assim que a ciência aprende.
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    Por vezes, os "media"
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    e. embora mais raramente,
    até os cientistas dirão, por vezes,
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    que isto ou aquilo
    foi provado cientificamente.
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    Mas espero que percebam
    que a ciência nunca prova nada
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    definitivamente, para todo o sempre.
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    Felizmente, a ciência mantém-se
    suficientemente curiosa para procurar
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    e suficientemente humilde
    para reconhecer,
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    quando encontramos
    mais um valor atípico,
  • 2:50 - 2:52
    mais uma exceção,
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    que, tal como as luas de Júpiter,
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    nos ensinam aquilo que não sabemos.
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    Vamos agora, por instantes,
    mudar de agulha.
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    O caduceu, ou o símbolo da medicina,
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    significa coisas diferentes,
    para diferentes pessoas,
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    mas grande parte
    do discurso público, em medicina,
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    transforma-o num problema de engenharia.
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    Temos os salões do Congresso,
  • 3:11 - 3:15
    e as companhias de seguros
    que tentam imaginar como pagá-la.
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    Os especialistas de ética,
    os epidemiologistas,
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    tentam imaginar a melhor forma
    de distribuir a medicina,
  • 3:20 - 3:23
    e os hospitais e os médicos
    estão obcecados
  • 3:23 - 3:25
    com os seus protocolos
    e listas de controlo,
  • 3:25 - 3:28
    tentando imaginar como aplicar
    a medicina de modo mais seguro.
  • 3:28 - 3:31
    Tudo isto são coisas boas.
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    Porém, todos eles partem do princípio,
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    a determinado nível,
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    de que o manual da medicina
    está encerrado.
  • 3:39 - 3:42
    Começamos a medir
    a qualidade dos cuidados de saúde
  • 3:42 - 3:44
    segundo a rapidez
    com que temos acesso a eles.
  • 3:44 - 3:46
    Não me surpreende
    que, neste clima,
  • 3:46 - 3:49
    muitas das nossas instituições
    que prestam cuidados de saúde
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    comecem a parecer-se muito
    com oficinas de mecânica.
  • 3:52 - 3:54
    (Risos)
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    O problema é que,
    quando acabei o curso de medicina,
  • 3:58 - 4:00
    não recebi um zingarelho
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    que o mecânico tem que colocar
    no nosso automóvel
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    e descobrir o que há de errado com ele,
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    porque o manual de medicina
    não está encerrado.
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    A medicina é ciência.
  • 4:12 - 4:14
    A medicina é conhecimento em andamento.
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    Fazemos uma observação,
  • 4:17 - 4:19
    adiantamos uma explicação
    dessa observação,
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    depois formulamos uma hipótese
    que podemos testar.
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    O terreno das experiências
    na maior parte das hipóteses, em medicina,
  • 4:25 - 4:27
    são as populações.
  • 4:27 - 4:30
    Devem lembrar-se daqueles dias de tédio
    nas aulas de biologia
  • 4:30 - 4:33
    que as populações tendem a distribuir-se,
  • 4:33 - 4:34
    em torno de uma média,
  • 4:34 - 4:36
    numa curva de Gauss,
    ou seja, uma curva normal.
  • 4:36 - 4:38
    Portanto, em medicina,
  • 4:38 - 4:41
    depois de formularmos uma hipótese,
    a partir duma explicação plausível,
  • 4:41 - 4:43
    testamo-la numa população.
  • 4:43 - 4:46
    Isso significa que
    o que sabemos em medicina,
  • 4:46 - 4:49
    o nosso conhecimento
    e a nossa experiência,
  • 4:49 - 4:51
    provém das populações
  • 4:51 - 4:54
    mas apenas vai até ao ponto
  • 4:54 - 4:57
    em que o valor atípico seguinte,
    a exceção seguinte,
  • 4:57 - 4:59
    tal como as luas de Júpiter,
  • 4:59 - 5:01
    nos ensinarão aquilo
    que não sabemos.
  • 5:02 - 5:06
    Eu sou cirurgião que trata
    de doentes com sarcomas.
  • 5:06 - 5:08
    O sarcoma é uma forma
    de cancro muito rara.
  • 5:09 - 5:11
    É o cancro da carne e dos ossos.
  • 5:12 - 5:17
    Digo-vos que cada um dos meus doentes
    é um valor atípico, é uma exceção.
  • 5:18 - 5:21
    Nunca fiz nenhuma cirurgia
    a um doente de sarcoma
  • 5:21 - 5:26
    que fosse orientada por um teste clínico
    controlado aleatoriamente,
  • 5:26 - 5:27
    aquilo que, em medicina,
  • 5:27 - 5:31
    consideramos a melhor forma
    de prova com base na população.
  • 5:31 - 5:33
    As pessoas falam em pensar
    fora do baralho,
  • 5:33 - 5:35
    mas, no sarcoma,
    nem sequer temos um baralho.
  • 5:36 - 5:40
    O que temos, quando mergulhamos
    na incerteza, no desconhecido,
  • 5:40 - 5:43
    nas exceções e nos valores atípicos
    que nos rodeiam, no sarcoma,
  • 5:43 - 5:48
    é o acesso fácil àquilo que eu penso
    serem os dois valores mais importantes
  • 5:48 - 5:49
    em qualquer ciência:
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    humildade e curiosidade.
  • 5:52 - 5:54
    Porque, se eu for humilde e curioso,
  • 5:54 - 5:59
    quando um doente me faz uma pergunta,
    e eu não sei qual é a resposta,
  • 5:59 - 6:00
    pergunto a um colega
  • 6:00 - 6:03
    que pode ter um doente
    com um sarcoma, embora diferente.
  • 6:03 - 6:06
    Instituímos mesmo
    colaborações internacionais.
  • 6:06 - 6:09
    Os doentes começam a falar
    uns com os outros, em salas de conversa
  • 6:09 - 6:11
    e em grupos de apoio.
  • 6:11 - 6:14
    É através deste tipo
    de comunicação humildemente curiosa
  • 6:14 - 6:18
    que começamos a testar
    e a aprender coisas novas.
  • 6:19 - 6:23
    Como exemplo, este é um doente meu
    que teve um cancro junto do joelho.
  • 6:24 - 6:26
    Por causa da comunicação
    humildemente curiosa,
  • 6:26 - 6:28
    em colaborações internacionais,
  • 6:28 - 6:31
    aprendemos que podemos
    reutilizar o tornozelo
  • 6:31 - 6:33
    para funcionar como joelho
  • 6:33 - 6:35
    quando tivemos que remover o joelho
    com o cancro.
  • 6:35 - 6:38
    Assim, ele pode usar uma prótese,
    correr, saltar e brincar.
  • 6:39 - 6:44
    Esta oportunidade foi-lhe dada
    por causa de colaborações internacionais.
  • 6:44 - 6:46
    Foi-lhe proporcionada
  • 6:46 - 6:49
    porque ele contactou outros doentes
    que tinham passado pelo mesmo.
  • 6:50 - 6:54
    Assim, as exceções
    e os valores atípicos, em medicina,
  • 6:54 - 6:56
    ensinam-nos o que não sabemos
  • 6:56 - 6:58
    mas também nos levam
    a uma nova forma de pensar.
  • 6:59 - 7:02
    É muito importante
    que a nova forma de pensar
  • 7:02 - 7:05
    a que nos levam os valores atípicos
    e as exceções, em medicina,
  • 7:05 - 7:08
    não se aplica apenas
    aos valores atípicos e às exceções.
  • 7:09 - 7:12
    Não se trata apenas de aprendermos
    com os doentes de sarcoma
  • 7:12 - 7:15
    formas de tratar doentes com sarcoma.
  • 7:15 - 7:19
    Por vezes, os valores atípicos
    e as exceções
  • 7:19 - 7:22
    ensinam-nos coisas muito importantes
    para a população em geral.
  • 7:23 - 7:26
    Como uma árvore
    que cresce fora de uma floresta,
  • 7:26 - 7:29
    os valores atípicos e as exceções
    atraem a nossa atenção
  • 7:29 - 7:33
    e levam-nos a ter uma perceção muito maior
    do que talvez seja uma árvore.
  • 7:34 - 7:37
    Muitas vezes falamos de
    olhar para a árvore e não ver a floresta
  • 7:37 - 7:40
    mas também falhamos ver uma árvore
    no meio da floresta.
  • 7:41 - 7:43
    Mas a árvore ergue-se por si só,
  • 7:43 - 7:46
    estabelece as relações
    que definem uma árvore,
  • 7:46 - 7:49
    as relações entre o tronco,
    as raízes e os ramos,
  • 7:49 - 7:51
    muito mais visíveis.
  • 7:51 - 7:54
    Mesmo que a árvore esteja retorcida
  • 7:54 - 7:56
    ou mesmo se essa árvore
    tenha relações pouco usuais,
  • 7:56 - 7:59
    entre o tronco, as raízes e os ramos,
  • 7:59 - 8:01
    atrai na mesma a nossa atenção
  • 8:01 - 8:03
    e permite-nos fazer observações
  • 8:03 - 8:06
    que podemos testar
    na população em geral.
  • 8:06 - 8:08
    Disse-vos que os sarcomas são raros.
  • 8:08 - 8:11
    Constituem cerca de 1%
    do total dos cancros.
  • 8:11 - 8:15
    Provavelmente sabem que o cancro
    é considerado uma doença genética.
  • 8:16 - 8:19
    Por doença genética, entende-se
    que o cancro é provocado por oncogenes
  • 8:19 - 8:21
    que são ativados num cancro
  • 8:21 - 8:24
    e por genes supressores de tumor
    que são desativados, causando o cancro.
  • 8:24 - 8:27
    Podem pensar que tomámos
    conhecimento dos oncogenes
  • 8:27 - 8:30
    e dos genes supressores de tumor
    com os cancros mais comuns,
  • 8:30 - 8:32
    o cancro da mama,
    da próstata ou do pulmão.
  • 8:32 - 8:34
    Mas estão enganados.
  • 8:34 - 8:36
    Tomámos conhecimento, pela primeira vez,
  • 8:36 - 8:39
    dos oncogenes e dos genes
    supressores de tumor
  • 8:39 - 8:42
    naquele minúsculo 1% de cancros
    chamados sarcomas.
  • 8:43 - 8:46
    Em 1966, Peyton Rous
    recebeu o Prémio Nobel
  • 8:46 - 8:50
    por ter percebido que as galinhas
    tinham uma forma transmissível de sarcoma.
  • 8:51 - 8:54
    Trinta anos depois, Harold Varmus
    e Mike Bishop descobriram
  • 8:54 - 8:56
    qual era esse elemento transmissível.
  • 8:57 - 9:00
    Era um vírus que continha um gene,
  • 9:00 - 9:02
    o oncogene src.
  • 9:02 - 9:05
    Não vou dizer que o src
    é o oncogene mais importante.
  • 9:06 - 9:08
    Não vou dizer que o src
    é o oncogene mais frequente
  • 9:08 - 9:10
    na ativação de todos os cancros.
  • 9:10 - 9:13
    Mas foi o primeiro oncogene.
  • 9:14 - 9:16
    A exceção, o valor atípico
  • 9:16 - 9:19
    atraiu a nossa atenção
    e levou-nos a uma coisa
  • 9:19 - 9:24
    que nos ensinou coisas muito importantes
    sobre o resto da biologia.
  • 9:25 - 9:29
    O TP53 é o gene supressor de tumor
    mais importante.
  • 9:29 - 9:32
    É o gene supressor de tumor
    que desativa mais frequentemente
  • 9:32 - 9:34
    em quase todos os tipos de cancro.
  • 9:34 - 9:37
    Mas não tomámos conhecimento dele
    com os cancros vulgares.
  • 9:37 - 9:40
    Tomámos conhecimento dele
    quando os médicos Li e Fraumeni
  • 9:40 - 9:41
    andavam a observar famílias,
  • 9:41 - 9:45
    e perceberam que essas famílias
    tinham demasiados sarcomas.
  • 9:46 - 9:48
    Eu disse que o sarcoma é raro.
  • 9:48 - 9:51
    Lembrem-se que,
    se num milhão de diagnósticos,
  • 9:51 - 9:53
    acontece duas vezes numa família,
  • 9:53 - 9:56
    é demasiado vulgar nessa família.
  • 9:57 - 10:01
    O facto de serem muito raros
    atrai a nossa atenção
  • 10:02 - 10:04
    e leva-nos a novas formas de raciocínio.
  • 10:05 - 10:08
    Muita gente poderá dizer,
    e dirá com toda a razão:
  • 10:09 - 10:11
    "Kevin, isso é ótimo,
  • 10:11 - 10:13
    "mas não está a falar da asa de uma ave.
  • 10:13 - 10:16
    "Não está a falar de luas a flutuar
    em volta dum Júpiter qualquer.
  • 10:17 - 10:18
    "Trata-se de uma pessoa.
  • 10:18 - 10:21
    "Esse valor atípico, essa exceção,
    pode levar ao avanço da ciência,
  • 10:21 - 10:23
    "mas isto é uma pessoa".
  • 10:24 - 10:28
    Só posso dizer
    que sei isso muito bem.
  • 10:30 - 10:33
    Tenho conversado com estes doentes
    com doenças raras e mortíferas.
  • 10:34 - 10:36
    Escrevo sobre essas conversas.
  • 10:36 - 10:38
    Essas conversas são terrivelmente tensas.
  • 10:38 - 10:40
    Estão cheias de frases horríveis, como:
  • 10:40 - 10:43
    "Tenho más notícias" ou
    "Não podemos fazer mais nada".
  • 10:44 - 10:47
    Por vezes, essas conversas
    resumem-se a uma só palavra:
  • 10:48 - 10:49
    "terminal".
  • 10:53 - 10:56
    O silêncio também pode ser
    muito desconfortável,
  • 10:58 - 11:02
    em que os espaços em branco
    podem ser tão importante, em medicina,
  • 11:02 - 11:04
    como as palavras que usamos
    nessas conversas.
  • 11:05 - 11:07
    O que são as coisas desconhecidas?
  • 11:07 - 11:10
    Quais são as experiências
    que estão a ser feitas?
  • 11:10 - 11:12
    Façam este exercício comigo.
  • 11:12 - 11:15
    Ali no ecrã, veem esta frase
    "no where" [em parte alguma].
  • 11:15 - 11:17
    Reparem no espaço entre as palavras.
  • 11:17 - 11:20
    Se eu mudar aquele espaço em branco
  • 11:21 - 11:25
    "no where" passa para "now here"
    [agora aqui]
  • 11:25 - 11:27
    com um sentido exatamente oposto,
  • 11:27 - 11:30
    apenas por deslocar o espaço em branco.
  • 11:32 - 11:34
    Nunca esquecerei a noite
  • 11:34 - 11:36
    em que entrei no quarto
    de um dos meus doentes.
  • 11:36 - 11:39
    Eu tinha estado a operar todo o dia
    mas queria ir vê-lo.
  • 11:40 - 11:44
    Era um rapaz a quem eu diagnosticara
    um cancro do osso, uns dias antes.
  • 11:44 - 11:47
    Ele e a mãe tinham reunido
    com os médicos da quimioterapia
  • 11:47 - 11:48
    naquele dia de manhã,
  • 11:48 - 11:51
    ele tinha sido internado no hospital
    para começar a quimioterapia.
  • 11:51 - 11:53
    Era quase meia-noite
    quando entrei no quarto.
  • 11:53 - 11:56
    Ele estava a dormir
    mas encontrei a mãe dele
  • 11:56 - 11:58
    a ler à luz duma lanterna,
    ao lado da cama dele.
  • 11:59 - 12:02
    Ela saiu para o corridor
    para conversar comigo por instantes.
  • 12:03 - 12:05
    Ela tinha estado a ler o protocolo
  • 12:05 - 12:08
    que os médicos da quimioterapia
    lhe tinham dado naquele dia.
  • 12:09 - 12:12
    Ela tinha-o decorado e disse-me:
  • 12:12 - 12:16
    "Dr. Jones, o senhor disse-me
    que nem sempre ganhamos
  • 12:17 - 12:19
    "com este tipo de cancro.
  • 12:20 - 12:23
    "Mas eu estive a estudar o protocolo
    e penso que posso fazer uma coisa.
  • 12:24 - 12:27
    "Penso que posso cumprir
    com estes tratamentos difíceis.
  • 12:28 - 12:31
    "Vou largar o meu emprego.
    vou mudar para casa dos meus pais,
  • 12:31 - 12:33
    "Vou manter o meu filho são e salvo".
  • 12:35 - 12:37
    Não lhe disse nada.
  • 12:38 - 12:41
    Não a interrompi para corrigir
    a sua forma de pensar.
  • 12:42 - 12:44
    Ela confiava num protocolo
  • 12:44 - 12:47
    que, mesmo que fosse cumprido a rigor,
  • 12:47 - 12:50
    não salvaria necessariamente o filho.
  • 12:52 - 12:54
    Não lhe disse nada.
  • 12:55 - 12:57
    Não preenchi aquele espaço em branco.
  • 12:57 - 13:02
    Um ano e meio depois
    o filho veio a morrer do cancro.
  • 13:03 - 13:05
    Devia ter-lho dito?
  • 13:05 - 13:07
    Muitos de vocês poderão dizer:
  • 13:07 - 13:11
    "E depois? Eu não tenho nenhum sarcoma,
    ninguém na minha família tem sarcoma.
  • 13:11 - 13:12
    "Tudo isso é muito bonito,
  • 13:12 - 13:15
    "mas, provavelmente, não será importante
    na minha vida".
  • 13:15 - 13:17
    Provavelmente, têm razão.
  • 13:17 - 13:20
    O sarcoma pode não ser
    muito importante na vossa vida.
  • 13:21 - 13:23
    Mas os espaços em branco
    que há na medicina
  • 13:23 - 13:25
    são importantes na vossa vida.
  • 13:26 - 13:29
    Não vos contei nenhum
    segredinho sujo,
  • 13:29 - 13:33
    apenas vos disse que, em medicina,
    testamos hipóteses nas populações,
  • 13:33 - 13:37
    mas não vos disse — e com frequência
    a medicina nunca diz —
  • 13:37 - 13:42
    que, sempre que um indivíduo
    recorre à medicina,
  • 13:42 - 13:46
    mesmo que esse indivíduo esteja
    firmemente inserido na população em geral,
  • 13:47 - 13:50
    nem o indivíduo
    nem o médico sabem
  • 13:50 - 13:53
    onde irá parar o indivíduo
    nessa população.
  • 13:53 - 13:57
    Portanto, todo o encontro com a medicina,
    é uma experiência.
  • 13:58 - 14:02
    Vocês serão um sujeito
    numa experiência
  • 14:03 - 14:08
    E o resultado será
    um resultado melhor ou pior para vocês.
  • 14:08 - 14:10
    Enquanto a medicina funcionar bem,
  • 14:10 - 14:14
    sentimo-nos bem com serviços rápidos,
  • 14:14 - 14:17
    com bravatas, conversas
    transbordantes de confiança.
  • 14:18 - 14:20
    Mas, quando as coisas não funcionam bem,
  • 14:20 - 14:22
    por vezes queremos uma coisa diferente.
  • 14:23 - 14:26
    Um colega meu retirou um tumor
    do membro de uma doente.
  • 14:27 - 14:29
    Estava preocupado com esse tumor.
  • 14:29 - 14:32
    Nas nossas conferências de médicos
    falou da sua preocupação
  • 14:32 - 14:35
    de que era um tipo de tumor
    que apresentava um alto risco
  • 14:35 - 14:37
    de voltar a aparecer no mesmo membro.
  • 14:37 - 14:39
    Mas as suas conversas com a doente
  • 14:39 - 14:41
    eram exatamente
    o que um doente queria ouvir:
  • 14:41 - 14:43
    transbordantes de confiança.
  • 14:43 - 14:45
    Disse-lhe: "Tirei tudo
    e está boa para se ir embora".
  • 14:45 - 14:47
    Ela e o marido ficaram radiantes.
  • 14:47 - 14:50
    Foram-se embora, festejaram,
    um jantar requintado,
  • 14:50 - 14:52
    abriram uma garrafa de champanhe.
  • 14:52 - 14:55
    O problema foi que,
    semanas mais tarde,
  • 14:55 - 14:57
    ela começou a reparar noutro nódulo
    na mesma área.
  • 14:57 - 15:02
    Acontecera que ele não tinha tirado tudo
    e ela não estava boa para se ir embora.
  • 15:02 - 15:05
    Mas o que aconteceu nesta ocasião
    é uma coisa que me fascina.
  • 15:05 - 15:07
    O meu colega veio ter comigo e disse:
  • 15:07 - 15:10
    "Kevin, importas-te de cuidar
    desta doente?"
  • 15:10 - 15:13
    E eu: "Porquê? Sabes o que deves fazer
    tão bem como eu.
  • 15:13 - 15:15
    "Não fizeste nada de errado".
  • 15:15 - 15:20
    E ele: "Por favor,
    toma conta desta doente".
  • 15:21 - 15:25
    Ele estava embaraçado,
    não pelo que tinha feito,
  • 15:25 - 15:28
    mas pela conversa que tinha tido,
  • 15:28 - 15:30
    pelo excesso de confiança.
  • 15:30 - 15:33
    Então, eu realizei uma cirurgia
    muito mais invasiva
  • 15:33 - 15:36
    e depois tive uma conversa
    muito diferente com a doente.
  • 15:36 - 15:39
    Disse-lhe:
    "Muito provavelmente, tirei tudo
  • 15:39 - 15:42
    "e, provavelmente,
    está boa para se ir embora,
  • 15:42 - 15:45
    "mas isto é uma experiência
    que estamos a fazer.
  • 15:45 - 15:47
    "Vai ter que observar isto
  • 15:47 - 15:49
    "e eu vou ter que observar isto.
  • 15:49 - 15:53
    "Vamos trabalhar em conjunto
    para verificar se esta cirurgia resultou
  • 15:53 - 15:55
    "para se ver livre do cancro."
  • 15:55 - 15:57
    Posso garantir-vos que ela e o marido
  • 15:57 - 16:00
    não abriram outra garrafa de champanhe
    depois de falarem comigo.
  • 16:02 - 16:04
    Mas ela agora era uma cientista
  • 16:04 - 16:08
    e não apenas um sujeito numa experiência.
  • 16:10 - 16:12
    Por isso, recomendo-vos
  • 16:12 - 16:15
    a procurar a humildade e a curiosidade
  • 16:15 - 16:17
    nos vossos médicos.
  • 16:17 - 16:20
    Todos os anos, cerca
    de 20 mil milhões de vezes
  • 16:20 - 16:24
    uma pessoa entra no gabinete de um médico,
  • 16:24 - 16:27
    e essa pessoa passa a ser um doente.
  • 16:27 - 16:31
    Vocês, ou alguém que vocês amam,
    serão esse doente muito em breve.
  • 16:32 - 16:34
    Como falarão com os vossos médicos?
  • 16:35 - 16:36
    O que é que lhes dirão?
  • 16:37 - 16:39
    O que é que eles vos dirão?
  • 16:41 - 16:43
    Eles não vos podem dizer
  • 16:43 - 16:46
    aquilo que não sabem,
  • 16:46 - 16:50
    mas podem dizer-vos,
    quando não sabem,
  • 16:50 - 16:52
    se vocês lhes perguntarem.
  • 16:52 - 16:55
    Por isso, juntem-se à conversa.
  • 16:56 - 16:58
    Obrigado.
  • 16:58 - 17:00
    (Aplausos)
Title:
O porquê de a curiosidade ser fundamental para a ciência e a medicina
Speaker:
Kevin Jones
Description:

A ciência é um processo de aprendizagem que envolve a experimentação, o fracasso e a revisão — e a ciência da medicina não é exceção. Kevin B. Jones, investigador do cancro, enfrenta o profundo desconhecido na cirurgia e nos cuidados médicos com uma resposta simples: honestidade. Numa palestra ponderada sobre a natureza do conhecimento, Jones mostra como a ciência atinge o seu melhor quando os cientistas reconhecem humildemente o que ainda não compreendem.

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English
Team:
closed TED
Project:
TEDTalks
Duration:
17:13

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