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Naturalmente... | Valeria Edelsztein | TEDxRiodelaPlata

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    Proponho um jogo.
  • 0:14 - 0:18
    Tenho aqui um remédio muito popular,
  • 0:18 - 0:21
    uma coisa que podemos encontrar
    em qualquer lado.
  • 0:21 - 0:24
    Vou ler o prospeto para ver
    se adivinham o que é.
  • 0:28 - 0:33
    "Contém: ascaridol, 1-8 cineol
    e excipientes.
  • 0:33 - 0:38
    "Efeitos adversos:
    irritação cutânea, danos hepáticos,
  • 0:38 - 0:40
    "aumento do risco de hemorragias.
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    "Sobredose: vómitos e espasmos.
  • 0:43 - 0:46
    "Contraindicado em casos
    de hipersensibilidade,
  • 0:46 - 0:50
    "doenças hepáticas,
    gravidez ou aleitamento.
  • 0:51 - 0:52
    "Não se conhece o suficiente
  • 0:52 - 0:56
    "sobre a segurança
    em crianças e adolescentes.
  • 0:56 - 1:00
    "Atenção: não prolongar o uso
    por mais de duas semanas.
  • 1:00 - 1:03
    "Interação com anticoagulantes".
  • 1:05 - 1:08
    Então, conseguiram adivinhar?
  • 1:09 - 1:11
    Na realidade, o que tenho aqui
  • 1:12 - 1:14
    é nada mais nada menos
  • 1:16 - 1:18
    do que uma plantinha de boldo.
  • 1:18 - 1:21
    Não estavam à espera, pois não?
  • 1:21 - 1:25
    Mas é, se as plantas viessem
    com um prospeto, era isto o que diria.
  • 1:26 - 1:30
    Como é que uma planta pode ter
    contraindicações, efeitos secundários?
  • 1:31 - 1:33
    Vou contar uma história.
  • 1:34 - 1:38
    Há mais de 5000 anos,
    quando os egípcios tinham dores de cabeça,
  • 1:38 - 1:41
    não podiam ir à pirâmide em frente
    comprar uma aspirina.
  • 1:42 - 1:44
    Usavam o que tinham mais à mão.
  • 1:45 - 1:50
    Sabiam que mastigar casca de salgueiro
    aliviava a febre e a dor.
  • 1:51 - 1:55
    Apesar disso, esse tratamento
    tinha dois pequenos inconvenientes:
  • 1:55 - 1:57
    irritava o estômago
  • 1:57 - 2:01
    e, a longo prazo, provocava
    hemorroidas pouco agradáveis.
  • 2:03 - 2:08
    Na esperança de separar os compostos
    que provocavam efeitos adversos,
  • 2:08 - 2:10
    no início do século XIX,
  • 2:10 - 2:15
    foi isolado o composto responsável
    pela ação analgésica do salgueiro.
  • 2:16 - 2:18
    Infelizmente, aconteceu
  • 2:18 - 2:22
    que era esse mesmo composto
    o responsável pelos efeitos secundários.
  • 2:24 - 2:27
    No entanto, na falta
    de melhor alternativa,
  • 2:27 - 2:32
    foi muito usado durante esse século,
    para tratar doentes com reumatismo.
  • 2:33 - 2:38
    Um dos doentes era o pai
    de um empregado da Bayer.
  • 2:39 - 2:41
    Esse empregado lembrou-se
  • 2:41 - 2:45
    que, se alterasse quimicamente o composto,
  • 2:45 - 2:48
    talvez pudesse manter a ação analgésica
  • 2:48 - 2:50
    e minimizar os efeitos adversos.
  • 2:51 - 2:55
    Foi o que fez e foi assim que nasceu
    o ácido acetilsalicílico
  • 2:55 - 2:57
    que hoje conhecemos como aspirina.
  • 2:58 - 3:05
    Esta história mostra que muitas plantas
    têm propriedades medicinais
  • 3:05 - 3:07
    devido à existência de diversos compostos
  • 3:07 - 3:10
    nas folhas, no caule, nas raízes.
  • 3:11 - 3:15
    Mas isso não significa
    que o uso delas no seu estado natural
  • 3:15 - 3:17
    seja sempre a melhor opção.
  • 3:18 - 3:23
    Para milhões de pessoas,
    a medicina tradicional representa
  • 3:23 - 3:28
    o seu principal, e por vezes único,
    acesso à satisfação sanitária.
  • 3:29 - 3:34
    Para outros, é economicamente acessível
    e estas são razões válidas.
  • 3:35 - 3:38
    Mas, quando temos acesso
    a uma opção melhor,
  • 3:38 - 3:40
    porque é que insistimos em fazer chás,
  • 3:40 - 3:43
    mastigar uma folha
    ou chupar uma casca de árvore?
  • 3:44 - 3:48
    Enquanto investigadora química,
    não posso fugir a esta pergunta
  • 3:48 - 3:50
    e, quando escrevi o meu livro,
    "Os Remédios da Avó",
  • 3:50 - 3:54
    encontrei vezes sem conta
    as mesmas respostas:
  • 3:55 - 3:57
    "Porque o natural é mais saudável".
  • 3:57 - 4:01
    "Porque, se é milenar,
    posso confiar nele".
  • 4:01 - 4:05
    "Porque a indústria farmacêutica
    é um monstro".
  • 4:05 - 4:08
    Vamos analisar cada um destes casos.
  • 4:09 - 4:11
    Comecemos pelo "natural".
  • 4:12 - 4:17
    A palavra "natural" só se refere
    à origem do produto.
  • 4:17 - 4:19
    Diz-nos que provêm da Natureza.
  • 4:19 - 4:23
    Mas não significa que é melhor ou pior.
  • 4:25 - 4:29
    Temos tendência a associar
    "natural" com "inócuo".
  • 4:29 - 4:35
    Mas, embora mais de 50%
    das drogas que usamos atualmente
  • 4:35 - 4:38
    tenham tido origem em produtos naturais
    e nos seus derivados,
  • 4:38 - 4:42
    o veneno mais poderoso
    também se encontra na Natureza.
  • 4:43 - 4:45
    Pensamos quase sempre que,
  • 4:45 - 4:48
    se é um chazinho,
    uma plantinha ou uma ervinha
  • 4:48 - 4:51
    — no diminutivo, soa mais inofensiva —
  • 4:52 - 4:54
    que mal poderá fazer?
  • 4:55 - 4:58
    Perguntem a Sócrates
    e ao seu chá de cicuta.
  • 4:58 - 5:02
    Isso devia bastar,
    pelo menos, para Sócrates,
  • 5:02 - 5:06
    para deixar de associar
    o natural ao inócuo.
  • 5:06 - 5:12
    Além disso, numa planta, podemos ter
    compostos com ação benéfica
  • 5:13 - 5:16
    mas também compostos sem qualquer ação
  • 5:16 - 5:20
    ou mesmo, muitos que podem ter
    uma ação prejudicial.
  • 5:21 - 5:23
    Estão todos misturados.
  • 5:24 - 5:28
    Um argumento muito forte
    usado a favor dos produtos naturais
  • 5:28 - 5:31
    é a ausência de efeitos secundários.
  • 5:32 - 5:35
    Mas já vimos que isso não é verdade
    com a casca de salgueiro
  • 5:35 - 5:40
    e, além disso, muitas crianças sofreram
    danos no fígado por consumirem equinácia
  • 5:40 - 5:44
    e tiveram graves reações alérgicas
    a preparados com pólen.
  • 5:44 - 5:49
    Em muitos países estes produtos
    naturais são vendidos
  • 5:49 - 5:53
    como suplementos alimentícios
    e não como medicamentos.
  • 5:53 - 5:56
    Não são obrigados a reportar
    os seus efeitos secundários.
  • 5:56 - 5:59
    Portanto, não admira que se pense
    que não têm nenhuns.
  • 6:00 - 6:02
    Mas as coisas não acabam aqui.
  • 6:02 - 6:05
    Porque não só os produtos naturais
    têm efeitos secundários,
  • 6:06 - 6:09
    mas, como pensamos que não têm,
  • 6:09 - 6:12
    corremos o risco de sofrer uma sobredose.
  • 6:12 - 6:17
    Por exemplo, consumir
    mais de 15 gr de ginseng por dia
  • 6:17 - 6:21
    pode causar hipertensão,
    insónia, nervosismo.
  • 6:22 - 6:26
    Mas alguém sabe quantas folhas
    pesam 15 gr de ginseng?
  • 6:26 - 6:28
    Quantas infusões por dia?
  • 6:28 - 6:32
    Numa planta é muito difícil saber
    a quantidade exata do composto ativo
  • 6:32 - 6:35
    e, portanto, qual a dosagem.
  • 6:35 - 6:37
    Depende de quantas folhas
    forem postas na infusão,
  • 6:37 - 6:41
    do tempo deixado em infusão,
    da temperatura da água,
  • 6:41 - 6:44
    da quantidade do composto ativo
    na planta original.
  • 6:45 - 6:49
    Por isso, uma coisa que é natural
    não assegura a sua bondade.
  • 6:50 - 6:53
    O natural não é obrigatoriamente inócuo:
  • 6:53 - 6:56
    tem efeitos secundários,
    contraindicações,
  • 6:56 - 7:00
    interações com medicamentos
    e podemos sofrer uma sobredose.
  • 7:02 - 7:05
    Um segundo conceito que temos
    muito arreigado
  • 7:05 - 7:07
    é a nossa ideia de "milenar".
  • 7:08 - 7:10
    Quando dizemos "milenar",
    em que pensamos?
  • 7:10 - 7:12
    O que é que vocês imaginam?
  • 7:12 - 7:16
    Grandes civilizações sábias,
    os chineses, os hindus.
  • 7:17 - 7:21
    Mas, antes da chegada
    dos medicamentos, dos antibióticos,
  • 7:21 - 7:22
    eles morriam como moscas.
  • 7:23 - 7:27
    A esperança de vida do ser humano
    até ao início do século XIX,
  • 7:27 - 7:30
    era inferior aos 35 anos.
  • 7:30 - 7:34
    Apesar disso, continuamos a associar
    a nossa ideia de "milenar"
  • 7:34 - 7:39
    a uma coisa fiável, segura
    e provada pelo tempo.
  • 7:39 - 7:43
    Há centenas de anos, que se usa
    o chifre de rinoceronte em pó
  • 7:43 - 7:48
    e o pó dos ossos de tigre,
    na medicina tradicional chinesa,
  • 7:48 - 7:51
    para, entre outras coisas,
    aumentar a virilidade.
  • 7:51 - 7:53
    Não funciona.
  • 7:53 - 7:55
    Na verdade, tem uma propriedade:
  • 7:55 - 7:57
    ameaçar esses pobres animais de extinção.
  • 7:57 - 8:01
    Acontece que "milenar"
    não é necessariamente "eficaz".
  • 8:02 - 8:04
    No caso de plantas e ervas,
  • 8:04 - 8:09
    é possível que o tempo
    tenha selecionado e eliminado
  • 8:09 - 8:12
    as que tinham efeitos tóxicos
    mais imediatos.
  • 8:12 - 8:16
    "Roberto morreu quando comeu aquilo,
    é melhor não comermos mais".
  • 8:16 - 8:22
    Mas é muito difícil provar
    uma melhoria significativa
  • 8:22 - 8:25
    ou um efeito adverso, a longo prazo.
  • 8:25 - 8:28
    A nossa plantinha de boldo
    é um exemplo claro.
  • 8:28 - 8:33
    Há milhares de anos, tem sido usada
    para tratar problemas do trato digestivo.
  • 8:33 - 8:39
    Apesar disso, sabemos hoje que o uso
    prolongado por mais de duas semanas
  • 8:39 - 8:42
    possivelmente é tóxico devido
    à presença de ascaridol,
  • 8:42 - 8:45
    um composto que se encontra nas folhas.
  • 8:45 - 8:48
    Portanto, uma coisa milenar
  • 8:48 - 8:52
    não nos fala da sua eficácia,
    da segurança ou da fiabilidade.
  • 8:52 - 8:54
    Por mais milenar que seja,
  • 8:54 - 8:57
    sem um estudo sistemático,
    não podemos saber
  • 8:57 - 9:01
    que um composto tem efeitos benéficos
    ou prejudiciais, a longo prazo.
  • 9:03 - 9:07
    Assim, chegamos ao último argumento
    que eu queria discutir convosco:
  • 9:07 - 9:11
    a grande desconfiança em relação
    à indústria farmacêutica.
  • 9:12 - 9:15
    A indústria farmacêutica será um monstro?
  • 9:16 - 9:19
    Ouvimos falar de práticas desonestas,
  • 9:19 - 9:23
    de pressão sobre os médicos,
    de falsificação de resultados,
  • 9:23 - 9:25
    de conflitos de interesses.
  • 9:26 - 9:27
    Mas não sejamos ingénuos
  • 9:27 - 9:30
    porque, quando ouvimos falar
    de produtos naturais,
  • 9:30 - 9:33
    parece que eles são recomendados
    por monges tibetanos
  • 9:33 - 9:34
    ou por hindus de grandes barbas.
  • 9:34 - 9:38
    Mas, na verdade, os produtos naturais
    também são um grande negócio.
  • 9:39 - 9:43
    Um negócio que, na maioria dos países,
    praticamente não está regulamentado
  • 9:43 - 9:46
    e, portanto, é menos controlado.
  • 9:46 - 9:49
    Para uma droga poder
    ser lançada no mercado,
  • 9:49 - 9:52
    tem de passar com êxito
    por testes in vitro,
  • 9:52 - 9:55
    testes em animais e ensaios clínicos.
  • 9:55 - 9:58
    Este procedimento pode durar
    entre 10 a 20 anos.
  • 9:59 - 10:03
    Calcula-se que só um
    entre 10 000 compostos testados
  • 10:03 - 10:05
    chega a ser comercializado.
  • 10:06 - 10:09
    Uma vez no mercado,
    a investigação continua,
  • 10:09 - 10:11
    porque abre-se um registo
  • 10:11 - 10:15
    para contabilizar todos os efeitos
    secundários reportados pelas pessoas.
  • 10:16 - 10:19
    Como recurso extremo,
    o produto é retirado do mercado.
  • 10:19 - 10:24
    Esta regulamentação e o sistema
    de controlo está longe de ser ideal.
  • 10:24 - 10:29
    Há interesses em jogo e pressões
    que defendem esses interesses,
  • 10:30 - 10:32
    Mas, pelo menos, existem,
  • 10:32 - 10:34
    o que não é o caso
    para os produtos naturais.
  • 10:35 - 10:37
    Muitos são de preparação caseira:
  • 10:37 - 10:39
    muitos encontram-se
    na venda ambulante.
  • 10:40 - 10:45
    Só recentemente, os estados membros
    da Organização Mundial de Saúde
  • 10:45 - 10:47
    estão a elaborar políticas
  • 10:47 - 10:52
    orientadas para o uso e a promoção
    segura e eficaz da medicina tradicional.
  • 10:53 - 10:55
    Mas ainda nos falta muito.
  • 10:55 - 10:59
    Faltam-nos mais estudos, mais provas
    da sua ação terapêutica
  • 10:59 - 11:01
    e falta mais controlo.
  • 11:03 - 11:07
    Então, o que havemos de fazer
    com o chá de boldo?
  • 11:07 - 11:10
    Tomamos? Não tomamos?
  • 11:10 - 11:13
    Quando mastigamos uma planta
    ou chupamos uma casca de árvore,
  • 11:13 - 11:18
    tem a ilusão de não incorporar
    compostos químicos no corpo.
  • 11:18 - 11:21
    Mas, na verdade, somos todos feitos
    de compostos químicos.
  • 11:22 - 11:25
    Falando a nível puramente medicinal,
  • 11:25 - 11:28
    não há grande diferença entre
    os compostos que posso incorporar
  • 11:28 - 11:30
    quando mastigo uma planta
  • 11:30 - 11:33
    e os que posso incorporar
    quando compro uma pílula na farmácia.
  • 11:33 - 11:37
    O problema é que, na planta,
    não sei qual é a dosagem exata,
  • 11:37 - 11:39
    o composto não é puro
  • 11:39 - 11:42
    e nem sequer conheço todos
    os possíveis efeitos adversos.
  • 11:43 - 11:48
    Por isso, penso que o mais importante
    é que possamos fazer perguntas:
  • 11:48 - 11:52
    "Porque é que vou optar
    por um chá de boldo?"
  • 11:52 - 11:54
    "Porque alivia o meu desconforto".
  • 11:54 - 11:55
    Talvez.
  • 11:55 - 11:58
    "Porque estou no meio do nada
    e não tenho nenhuma farmácia".
  • 11:58 - 12:00
    Sim.
  • 12:00 - 12:03
    "Porque tenho-o no armário".
  • 12:03 - 12:04
    Pode ser.
  • 12:04 - 12:08
    Agora, "porque não tem
    efeitos secundários".
  • 12:09 - 12:10
    Tem sim senhor.
  • 12:10 - 12:12
    "Porque como é natural,
    é mais seguro".
  • 12:12 - 12:14
    Não necessariamente.
  • 12:14 - 12:17
    "Porque, desta forma,
    não estou a automedicar-me".
  • 12:17 - 12:19
    Estou sim senhor.
  • 12:20 - 12:24
    Assim, na altura de tomar chá,
    pensemos nisso.
  • 12:25 - 12:26
    Façamos estas perguntas
  • 12:27 - 12:31
    e, quando tivermos de escolher,
    não o façamos pelas razões erradas.
  • 12:31 - 12:32
    Obrigada.
  • 12:32 - 12:35
    (Aplausos)
Title:
Naturalmente... | Valeria Edelsztein | TEDxRiodelaPlata
Description:

Que mal pode fazer um remédio natural? Valeria Edelsztein ajuda-nos a perceber que muitas das coisas que podemos pensar sobre remédios naturais estão erradas. Uma palestra para ver, tomando um chá de boldo... ou não.
Física, química, porta-voz cientista, professora, editora da publicação "Kids" da Science Today, colunista da rádio e da televisão membro do projeto "Science Country", autora de "Os remédios da Avó".

Esta palestra foi feita num evento TEDx usando o formato de palestras TED, mas organizado independentemente por uma comunidade local. Saiba mais em http://ted.com/tedx

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Video Language:
Spanish
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
12:53

Portuguese subtitles

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