-
Trinta anos essa noite
-
Naquele momento, Alain observava
o rosto de Lydia intensamente
-
Como havia feito desde que
ela chegara para vê-lo
-
Três dias antes.
-
O que ele procurava?
-
Lydia virou sua face,
-
Fechou os olhos, e manteve-se absorta.
-
Em que?
-
Em si mesma?
-
Em sua cólera satisfeita que
enchia seu colo e seu ventre?
-
Essa sensação que não dizia nada,
mas era tão nítida?
-
Mais uma vez a sensação escapava a ele,
-
Como uma cobra entre as pedras.
-
pobre Alain.
Você parece estar mal.
-
Faz tanto tempo.
-
É minha culpa.
-
Sorria para mim, Alain.
-
Foi bom. Estou satisfeita.
-
Está um dia claro.
-
Tenho que me apressar.
-
Tenho que fazer as malas.
-
Seu avião só sai às 11:00.
-
Tenho muito a fazer essa manhã.
-
Francesca vem me buscas às 8:00.
-
Foi bom vê-lo novamente.
-
Você sabe...
-
Eu te amo de uma maneira muito especial.
-
Obrigado por ter vindo.
-
Agradeça a Dorothy.
-
Ela me pediu para vir vê-lo.
-
Ela me deu o endereço da clínica.
-
O que devo dizer a Dorothy?
-
Nada. Por que?
-
eu disse que ligaria para ela
quando voltasse a Nova Iorque.
-
Ela quer saber como você está.
-
O que você vai dizer a ela?
-
A verdade. Que você está
completamente curado.
-
Vou perguntar a ela o que
pensa em fazer a seu respeito.
-
- Vai contar a ela que nós...
- Não, Alain.
-
A não ser que você me peça.
-
Não pedirei.
-
Ela vai suspeitar.
-
Isso sequer vai ocorrer a ela.
-
Ela tem outras coisas em mente.
-
Além do mais...
-
Isso a agradaria.
-
vocês dois já falaram em divórcio?
-
Uma vez.
-
Seis meses atrás, logo antes de minha viagem.
-
E desde então?
-
Não nos falamos desde então.
-
Ela envia mensalmente um cheque ao médico.
-
Ela nunca escreve a você?
-
Ela escrevia, no início.
-
E você?
-
Eu escrevi a ela duas semanas atrás.
-
Ela não comentou?
-
Você ainda a ama?
-
Eu não sei.
-
Dorothy não é a mulher para você.
-
Ela não é rica o bastante.
E deixa você fazer o que quiser.
-
Você precisa de uma mulher que
não descuide de você um só instante.
-
De outra maneira você se deprime
-
e faz tolices.
-
você me conhece bem.
-
Quando estou deprimido, faço qualquer coisa.
-
Claro que te conheço.
-
Acho que, na verdade,
sempre quis me casar com você.
-
Mesmo nos tempos de Dorothy.
-
Não posso acompanhá-la ao aeroporto.
-
O médico vai estar furioso por
eu ter passado a noite fora.
-
Se eu não voltar agora, eles irão me expulsar.
-
Francesca me levará.
-
De qualquer forma, Alain,
-
Nos encontraremos em breve.
-
Há quanto tempo não bebe?
-
Quatro meses, mais ou menos.
-
Nem mesmo uma gota de álcool?
-
Desde o fim do tratamento,
nem mesmo uma gota.
-
A cura consiste em fazê-lo beber.
-
Beber... beber...
-
Até arrebentar.
-
É duro?
-
Se eu soubesse o quanto, não havia feito.
-
E agora?
-
Agora?
-
Nada.
-
Lydia...
-
Queria que soubesse -
-
O que está fazendo?
-
Eu insisto. Você se esqueceu, mas eu não.
-
Uma dívida de jogo no barco dos
Zoógrafos, quatro anos atrás.
-
Essa cidade esquecida.
-
Tão triste.
-
Essa estranha clínica.
-
Você está curado, Alain.
-
Por que continuar lá?
-
Eu gosto de lá.
-
A vida de um paciente é simples e ordenada.
-
Nos dá abrigo.
-
Não tenho entusiasmo para
encarar a vida novamente.
-
Paris me assusta.
-
Acha que sou um covarde?
-
Não, Alain.
Acho que está infeliz.
-
Venha para Nova Iorque.
-
Me prometa que irá assim que puder.
-
Para terminar com Dorothy.
-
Ou mesmo que vocês voltem a estar juntos.
-
Não vá. Não me deixe.
-
Eu preciso de você.
-
Não vá, eu imploro. É sério.
-
Eu tenho que ir.
-
Tenho que estar em Nova iorque amanhã.
-
Eles esperam os projetos.
-
- É importante?
- Tudo depende disso.
-
Sou uma mulher de negócios agora.
-
Eu sei, estou deixando você
com seu pior inimigo. você mesmo.
-
Venha para Nova Iorque.
-
Não, Lydia, não.
-
Não irei a Nova Iorque.
-
Não me casarei com você.
-
Você seria infeliz.
Uma outra Dorothy.
-
De qualquer forma, você não pode me ajudar.
-
É tarde demais.
-
Leve a madame a Paris.
Hotel Raphael, avenida Kléber.
-
Clínica
DR. LA BARBINAIS
-
Já estão todos almoçando.
-
Tomismo vem de São Tomás.
-
E "santo" implica teologia.
-
Besteira! São Tomás
separou a teologia da filosofia.
-
Sem dúvida um professor
de cidade do interior
-
Que opõe o mundo de Racine
ao de Proust, Cocteau, Genet.
-
Esse arrogante deveria ler La Palatine.
-
Acreditar não é saber.
-
Você chegou essa manhã.
-
Credo ut intelligam, meu caro.
-
"Primeiro creio, depois compreendo."
-
Não se você afirmar que São
Tomás separou filosofia e teologia.
-
Não confunda fé e entendimento.
São Tomás afirma,
-
"Onde há conhecimento, não há fé."
-
Alguém atencioso deve
ter ficado feliz em revê-lo.
-
Pessoas atenciosas não
são dificeis de se agradar.
-
Mas vocês são.
-
Se não fossem, não estariam aqui.
-
Já foi a América?
-
Não, já é dificil o bastante se
conhecer nossa velha Europa.
-
E eles são tão brutais,
poderiam me matar por lá.
-
Nosso jovem amigo não parece
bem, depois de sua escapada.
-
Ele era mais bonito antes.
- Ainda é.
-
Você o observa demais.
-
- Comparado a Aristóteles
- Me recuso a discutir Aristóteles.
-
A razão domina a vontade.
É ela que determina-
-
Por que sempre fala somente
com Sr. D'Averseau?
-
Nós gostaríamos de participar dessa conversa.
-
Certamente gostaríamos!
-
Seria muito interessante.
-
você está nos deixando?
-
Não. Por que?
-
É isso que o doutor deu a entender.
-
Não está feliz conosco?
-
Sim, estou.
-
Aqui eu me sinto em casa.
-
Vocês são como minha família.
-
Sem isso, o nada não
teria nenhuma qualidade.
-
Onde seus pais moram?
-
Nas províncias.
-
Estão velhos.
-
Não os vejo mais.
-
Pobre rapaz.
-
Pobre rapaz?
-
Uma juventude desperdiçada
em uma vida inconsequente,
-
e agora, problemas!
-
Você não está sendo razoável.
-
Você deveria tirar um cochilo essa tarde.
-
Volte para a cama.
-
Que vergonha!
-
xeque-mate em cinco jogadas...
grande homem!
-
"Jean-Jacques (5 anos) tenta voar
mas se enforca na corda da cortina."
-
JULHO 23
-
"Nua, estendida morta, seu
marido agonizando a seu lado."
-
Dorothy.
-
Dinheiro.
-
Que escapa por entre seus dedos.
-
Estou incomodando?
-
De maneira nenhuma, doutor.
-
Eu bati várias vezes.
Pensei que estivesse dormindo.
-
Sente-se.
-
Foi a Paris noite passada?
-
Não saí de Versailles.
-
Espero que não tenha sido
imprudente em sua primeira noite fora.
-
Não se preocupe, Doutor.
-
Estava com uma dama,
-
Como um bom estudante colegial.
-
Muito bem. Ótimo, excelente.
-
Recuperando o tempo perdido.
-
- Quando sair daqui
- Está me expulsando?
-
Absolutamente!
É um prazer tê-lo aqui.
-
Mas você está curado faz um bom tempo.
-
Não posso mantê-lo aqui sem um motivo.
-
Doutor, eu farei de novo.
-
Se eu for, começarei a beber novamente.
Cedo ou tarde.
-
O que mais eu posso fazer?
-
Nenhuma novidade da América?
-
Não há nenhuma. Além de
que isso não tem nada a ver.
-
Sim, tem. Seja paciente.
-
Eu sou paciente.
-
Nunca fiz nada além de esperar.
-
Toda minha vida.
-
Esperando...
-
Que algo acontecesse.
-
Nunca soube o que, exatamente.
-
Agora você sabe.
-
Você ama sua mulher e ela te ama.
-
Isso é o que você imagina.
Porque te convém.
-
Você insistiu que eu escrevesse a ela.
-
Dorothy sabe que nunca conseguirei parar.
-
Mas você conseguiu.
-
- Não consegui, e você sabe.
- Eu posso ver que conseguiu.
-
Isso não durará.
-
Espere que ela responda.
-
Chegará a qualquer momento.
-
Ela não responderá, estou te dizendo!
-
Ela não pode ter acreditado em mim.
-
Quando nos casamos
dois anos atrás, eu jurei parar.
-
Como se eu pudesse. Sobretudo em Nova Iorque.
-
Você está no caminho certo, agora.
-
Você ainda tem aquelas
sensações de angústia?
-
Não são sensações de angústia, doutor.
-
É uma única angústia, perpétua.
-
Se você suportar mais um tempo,
-
Vai desaparecer gradualmente.
-
Uma questão de força de vontade.
-
Uma contradição, Doutor.
-
Como você pode falar
de minha força de vontade?
-
É justamente onde está minha fraqueza.
-
E é a ela que você está tratando.
-
Você não foi sempre assim.
-
O que quer dizer?
-
Você esteve no exército. Foi à guerra.
-
Como um oficial.
- Esqueça isso.
-
Isso não tem nada a ver.
-
Mande-a um telegrama.
-
Diga a ela que pegue o próximo avião.
-
Leve-a para o sul, ou outro lugar.
-
Qualquer lugar, menos Paris.
-
Americanas são fortes e saudáveis.
Ela o fará esquecer tudo isso.
-
Não se preocupe.
-
Partirei até o fim de semana,
de qualquer forma.
-
Como preferir..
-
E seu projeto de abrir uma loja?
-
Vender objetos pré-guerra.
-
Estilo feira mundial de 37.
-
Uma boa idéia.
-
Você me vê dirigindo uma loja?
-
Estou afundando em dívidas.
-
Percebo que estou te irritando. Vou sair.
-
E nosso jogo?
-
Continuaremos amanhã.
-
Descanse.
-
A vida é boa.
-
Boa para que, Doutor?
-
Amanhã.
-
A vida...
-
Passa muito devagar para mim.
-
Então eu a acelero.
-
A corrijo.
-
Amanhã me matarei.
-
Bom dia.
-
Trouxe seu desjejum.
-
Me passe meu roupão.
-
Está com pressa, hoje.
-
- Vou sair.
- Para onde?
-
Para Paris, terra das orgias,
-
Que eu abandonei para sempre -
-
Quando volta?
-
Não me demoro.
-
Tenho que descontar um cheque,
rever velhos amigos...
-
Volto ao amanhecer.
-
O doutor pediu para lembrá-lo do telegrama.
-
Para sua esposa.
-
Estava pensando nisso.
-
Telegrama.
-
"Espero sua carta
-
pacientemente.
-
...com paciência e esperança. Ponto."
-
Mais abrupto.
-
"obrigado
-
pelo silêncio. Ponto.
-
Alguém te ama
-
em Versailles. Ponto."
-
Por que não provocá-la um pouco?
-
"Mande resposta.
-
Ponto.
-
Preciso você. Ponto.
-
Minutos contam. Ponto."
-
Não, tranquilize-a.
-
"Esqueça carta.
-
Ponto.
-
Problemas acabaram.
-
Ponto.
-
Seja feliz."
-
Melhor assim.
-
"Problemas acabaram. Seja feliz."
-
Minha carta? Jogue fora.
Já não significa nada.
-
Sim, tenho planos.
-
Fazer uma viagem.
-
O que?
-
Não, não irei a Nova Iorque.
-
Não se preocupe.
-
Sim, estou curado.
-
Lydia deve ter te contado.
-
Ela contou-lhe tudo? Isso é bom.
-
Para Nova Iorque! É urgente?
-
Telegramas costumam ser.
-
Sweet Aftons, por favor.
-
O que é isso?
-
Cigarros Irlandeses.
-
Nós não temos.
-
Deveriam.
-
Não há muita demanda.
-
Eu estou pedindo.
-
Uma vez não é suficiente.
O estoque se estragaria.
-
Uma pena. Um maço de lucky, então.
-
Uma taça de branco.
-
Indo a Paris?
-
Me dariam uma carona?
-
É contra as regras.
-
Eu pago o drinque.
-
esse é meu.
-
À sua saúde.
-
- O que você bebe?
- Nada, obrigado.
-
Você tem que beber conosco.
-
Eu não bebo.
-
Trabalha em Versailles?
-
Não trabalho.
-
Vive de renda?
-
Estou doente.
-
Então é por isso.
-
O que?
-
Parece pálido. O que tem?
-
Meu coração.
-
Não se incomoda de não ter dinheiro?
-
Me incomodo.
-
Você parece bem...
-
Só pareço.
-
Florence, olha quem está aqui!
-
Sr. Alain! Você não mudou!
-
- Ganhou um peso, talvez.
- Está muito bem.
-
Acabou de chegar?
-
Gosta da América?
-
Mora em Nova Iorque?
-
Sr. Bernard ainda mora aqui?
-
Não, ele partiu. Logo após você ter partido.
-
Partindo, já?
-
- Vou usar o telefone do bar.
- Você pode ligar daqui.
-
Preciso ver Charlie.
-
Pobre rapaz. Está
realmente mudado. Seu rosto!
-
E a voz -
notou sua voz?
-
- Sr. Leroy, que surpresa!
- Olá, Charlie.
-
Estava falando sobre você
ainda ontem com René.
-
O bartender do "beach"
em Monte Carlo. Ele está na cidade.
-
Fizemos uma aposta de por onde andaria.
-
Apostei que ainda estava na América.
-
Eu perdi. Mas estou
satisfeito em vê-lo novamente.
-
Um Scotch Sour, como sempre?
-
sério?
Era seu primeiro drink do dia.
-
"para sintonizar," você dizia.
-
Sr. Lavaud, por favor.
-
Alain Leroy.
-
Diga alô ao Charlie.
Diga que ele é um covarde.
-
Nunca mais vem aqui.
Homens casados são todos iguais.
-
Sra. Leroy está com você?
-
Ela ficou na América?
-
Sim, Sr. Lavaud é um covarde.
-
Quando Sr. Castellotti está na cidade,
sempre se hospeda aqui.
-
Lembramos dos velhos tempos.
-
"O doce Alain," ele fala. Ele o idolatra.
-
Ele vive em Milão agora.
-
Casado, duas meninas lindas.
-
Me mostrou as fotos.
-
Ele vem a negócios, e um
pouco de diversão à parte.
-
Outro dia ele trouxe
uma morena linda, uma striper.
-
Combinado. Hoje às 8:00.
-
Quer um café?
-
Não, estou atrasado.
-
Me ligue hoje às 7:00.
-
Uma cerveja, Charlie.
-
A que horas chegou?
-
Tarde, Charlie, muito tarde.
-
Ou cedo, se preferir.
-
Tem Alka-Seltzer?
Minha cabeça...
-
Os Minvilles não atendem.
-
- Não estão em casa.
- Por que não?
-
Estão presos.
-
Argelia de novo?
-
O guerra acabou, mas não para os irmãos Minville.
-
Não se lembra de mim?
Michel Bostel.
-
Nos conhecemos na Pamplona Feria
cinco ou seis anos atrás.
-
Você estava com uma americana.
-
Eu era apenas uma criança na época.
-
Então me alistei, e você deixou Paris.
-
- Francis já desceu?
- Ainda não.
-
Vou acordá-lo.
-
Quem é?
-
Um bom rapaz. Vive no hotel.
-
No quarto que era meu.
-
É meu sucessor.
-
Nunca!
Nós colocamos uma placa na porta:
-
"Aqui, por vários anos,
viveu Alain Leroy."
-
Aqueles tempos eram outros.
-
Não era como hoje.
-
Eu nem mesmo perguntei como está.
-
Você não parece bem.
-
Estive doente, mas estou melhor.
-
Não parece melhor.
-
Problemas?
- Na verdade, não.
-
Estou em uma clínica em Versailles.
-
Há quanto tempo?
-
Quatro meses.
-
Partindo amanhã?
-
Para Nova Iorque?
- No.
-
Você nem tocou sua bebida.
-
Não bebo mais. Nem mesmo uma gota.
-
Se eu soubesse -
-
Eu sempre disse que você bebia demais.
-
Você costumava responder,
"Algo estranho para um bartender dizer!"
-
Pobre rapaz. Era tão cheio de vida.
-
- E de depressões, também.
- Mas nunca duravam.
-
Não tenho troco.
-
Fique com o troco.
-
Está louco?
-
Que idiota!
-
Sr. Dubourg está?
-
Agora? Eles acabaram
de sentar para o almoço.
-
Quem é, Chantal?
-
Alain.
-
Camarada Dubourg.
-
Estava esperando por você.
-
Mentiroso.
-
Faveur, diga alô ao Alain.
-
Agora vá.
Diga a mamãe para vir aqui.
-
Brincando de papai, agora?
-
Faço muitas coisas, agora.
-
- Ainda na Egiptologia?
- Mais do que nunca.
-
Senti isso em você desde o princípio.
-
Me lembro de você na cama com
uma loura, de costas para ela,
-
O nariz enterrado em um livro esotérico.
-
Sim. Enquanto dissipava minha
juventude em St. Tropez, estudei a Kabala.
-
Ainda acha isso divertido?
-
Não acho divertido. Acho interessante.
-
Lembra do famoso Alain
de quem você me roubou?
-
Alain vai almoçar conosco.
- Eu não deveria.
-
Coloque mais uma cadeira, Fanny.
-
O almoço está servido.
-
Você nunca ligou ou escreveu,
mas sabia onde você estava.
-
La Barbinais me contou.
-
Eu ligo para ele ocasionalmente
para saber de você.
-
Bondade da sua parte.
-
Mas ele não me deixava visitá-lo.
-
Total isolamento.
-
Eu estava cansado.
-
A cura foi dura, especialmente
depois de Nova Iorque.
-
- Isso não tem nada a ver com Nova Iorque.
- Sim, tem.
-
Aquele não é lugar para nós.
-
É como um turbilhão louco.
-
Eu amo Nova Iorque.
-
Fascinante, mas difícil de se viver.
É como uma intoxicação.
-
Os novaiorquinos penetram
pela cidade como viciados.
-
Me sentia bem, lá.
Não estava em casa.
-
Sempre me senti um visitante.
- E Paris?
-
Em Paris é o mesmo,
mas eu prefiro Nova Iorque.
-
As pessoas te deixam em paz.
-
- Por que voltou, então.
- Para me tratar.
-
Por que não lá?
-
Dorothy estava cansada de me ver.
-
Ela sabe que está curado?
-
Ela foi avisada.
-
E você - você sabe disso?
-
Eu sinto isso.
-
Você se sente esterilizado,
de corpo e alma.
-
Já é algo.
-
Em "esterilizado"
há também "estéril."
-
É você quem diz isso.
-
Você gosta de Françoise Hardy?
-
De quem, então?
-
Sylvie Vartan.
-
Quem é?
-
Um ídolo adolescente.
-
Você esquece o crescimento
demográfico, seu velho tolo.
-
Os jovens de hoje estão perdidos.
-
Belos, elegantes, bem alimentados.
-
Eles são todos iguais,
como laranjas da califórnia.
-
Mas você não sabe
nada a seu respeito.
-
Você tem trabalhado?
-
Tenho escrito em um
diário nos últimos tempos.
-
Nada de interessante.
Eu o rasguei essa manhã.
-
Como você está agora?
-
Me sinto vazio.
-
Alguns momentos atrozes.
-
Você pode aguentar?
-
Aguentar? Está tudo acabado para mim.
-
Estou partindo.
-
Você não compreende?
-
Ainda há coisas na vida.
-
Certamente você tem um
sentido pessoal para sua vida.
-
Esse sentido não perece.
-
Odeio coisas que permanecem trancadas.
-
Um homem tem que
mostrar do que é feito.
-
Fazer algo bem feito é maravilhoso.
-
Ignoro o que seja isso.
-
Tudo que fiz foi correr atrás de dinheiro,
-
Como todo mundo.
-
Se isso fosse verdade, você
teria trabalhado, ou roubado.
-
Não, o que você chama dinheiro
é um pretexto para sonhar.
-
Continue, não quero estragar seu prazer.
-
O que eu amo no homem
não são suas paixões,
-
Mas o que essas paixões produzem.
-
Idéias. Deuses.
-
Mas onde você vê paixões aqui?
-
Você não me entendeu.
-
Não julgue pelas aparências.
-
Você me vê como um burguês resignado.
-
Mas minha vida é mais intensa agora
-
Do que quando eu bebia e dormia por aí.
-
Acabarei escrevendo um livro
-
sobre as virtudes do Antigo Egito.
-
Isso corre em minhas veias.
-
Outros aprenderão com isso.
-
O Sol -
-
Você quase pode tocá-lo.
-
Venha para o Egito conosco.
Aquele povo tem o sol dentro de si.
-
Vamos caminhar, profeta.
-
Os Minvilles são diferentes.
-
São viciados em ação.
-
Você ainda vê Eva?
-
Não vejo a ela nem aos outros. Para quê?
-
Você é duro, para um homem feliz.
-
Sua vida o satisfaz?
-
Isso não importa.
-
E se você se entediar?
-
Fanny e suas filhas,
-
A velha casa -
-
Tudo isso é parte da minha paixão.
-
E o velho brilho nos seus olhos?
-
Sua enorme energia?
-
Eu envelheci.
-
Realmente!
-
Sim, envelheci. As esperanças se foram,
mas tenho certezas, agora.
-
Deixei minha juventude por uma outra vida.
-
Você vira as costas, Rejeita a maturidade.
-
Está preso à adolescência.
-
Daí a sua ansiedade.
-
É duro ser um homem.
-
Você precisa querer ser um.
-
Não está cansado de miragens?
-
Não suporto mediocridade.
-
Você desperdiçou dez anos
em uma dourada mediocridade.
-
E já tive o suficiente.
Eu deixo de lado.
-
Me recuso a envelhecer.
-
Você chora sua juventude
como se ela tivesse sido plena.
-
Ela foi uma promessa. E uma mentira.
-
Eu era o mentiroso.
-
Você está atormentado
pela idéia de mulheres.
-
Eu não tenho poder sobre elas.
-
Isso é uma piada.
-
Eu era belo aos 20.
-
Elas ainda me acham divertido e amável.
-
Mas isso não é suficiente.
Não tenho poder sobre elas.
-
Assim mesmo, foi através das mulheres
-
Que eu senti dominar algo na vida.
-
Não é a vida em si que eu condeno,
-
Mas o que ela contém.
-
Quando tudo isso começou?
-
Se eu soubesse talvez pudesse ajudá-lo.
-
O álcool estava no meu sangue
antes de eu me dar conta.
-
Que quer dizer?
-
Eu comecei a beber esperando
as coisas acontecerem.
-
Um dia me dei conta de que havia
passado toda minha vida esperando.
-
Por mulheres.
-
Dinheiro.
-
Ação.
-
Então bebi até à morte.
-
Mas você teve Dorothy, e muitas outras.
-
Eu nunca as tive.
Eu não as tenho agora.
-
você tem a Dorothy. você não tem
que dormir com ela para provar isso.
-
Não tenho. Não fui um bom amante.
-
Ela foge porque você bebe demais.
-
Eu bebo porque sou um péssimo amante.
-
Estranhas vidas que levamos,
agarrados às mulheres.
-
Você não parece agarrado à Fanny.
-
Me refugio em seu calor
como um porco na pocilga.
-
Ela faz com que você queira tocá-la.
-
Paris é como ela, a vida é como ela.
-
Você e suas certezas medíocres!
-
Contente-se com essa mediocridade,
-
E você vai reencontrar sua verve de antes.
-
Você é covarde, e fraco.
-
E preguiçoso.
-
Certezas assustam a você.
-
Você defende as sombras,
já que o sol fere seus olhos.
-
Você é meu amigo?
-
Se é meu amigo, me aceite
como sou, não de outra maneira.
-
Deixe-me olhá-lo.
-
Queria que me ajudasse a morrer.
-
Isso é tudo.
-
Prometa que voltará para nos ver.
-
Nossa vida é organizada.
-
você pode escrever.
-
Se mude para cá amanhã.
-
Dubourg,
Que vai fazer essa noite?
-
Escreverei algumas
páginas sobre meus egípcios...
-
Então farei amor com Fanny.
-
Mergulho em seu
silêncio como em um poço.
-
No fundo desse poço há um
grande sol que aquece toda a terra.
-
Eu trabalho, Alain.
-
Sou paciente.
-
Venha morar conosco. Verá o que é paciência.
-
Alain, eu amo a vida.
-
O que eu amo em você
é essa coisa insubstituível...
-
A vida dentro de você.
-
Você parece um cadáver.
-
Você tampouco tem o
frescor de uma jovenzinha.
-
Você tem olhos adoráveis.
-
Você escolhe suas companhias.
Anda com pessoas saudáveis.
-
Você vai ver Dubourg .
O canalha do Dubourg.
-
Tenha modos.
-
Como vai sua bruxa americana?
-
Nova Iorque?
-
Sim, nós temos amigos extraordinários.
-
Eles imaginam que mudam com o tempo.
-
Então eles correm como loucos,
sem saber o que fazem.
-
Tendo filhos, fazendo negócios,
escrevendo livros.
-
Ou então se matando.
-
Ou viram místicos, como Dubourg.
-
A festa acabou.
-
Falam de sinceridade, mas se
dedicam a coisas mesquinhas.
-
- E você?
- Eu?
-
Abandonada, arruinada,
-
Devastada...
Inalterável!
-
Eu nunca mudo. Nunca tento compreender.
-
Dormir é tudo em que acredito.
-
Você mudou. Agora trabalha.
-
Pintura? Minha única fraqueza.
-
A única?
-
E Carla? Onde está?
-
Se matou. Ano passado,
em um acidente de carro.
-
Junto de algum imbecil.
-
É absurdo.
-
Pode ficar aqui, se quiser.
-
Obrigado, mas estou partindo.
-
Eu vim dizer adeus.
-
Você também?
-
Desastre, querida! O fogo nos abandonou.
-
Aquele é Urcel.
Vou te avisando, ele é um tagarela.
-
Detoxicaçãoo. Uma coisa estranha.
-
Por que fingir desintoxicar-se, meu Deus!
-
Por bondade.
-
Para agradar alguns amigos preocupados.
-
Para não deixar a humanidade
só em sua desgraça.
-
Cale-se, Urcel.
-
Você desintoxicou-se
porque tinha medo de morrer.
-
Errado.
-
Nós poetas não precisamos de drogas
-
Para atingir a fronteira entre a vida e a morte.
-
O que me levou às drogas, de fato,
-
é o amor ao perigo em nosso sangue.
-
Onde você vê morte,
-
onde vê loucura em tudo isso?
-
Droga é como a vida.
-
Estúpida como a vida.
-
Belo sistema que encontrou
para tranquilizar sua mente.
-
Alguns viciados vivem até os 70 anos.
-
O risco que corre é de embrutecer-se.
-
Você pode falar à vontade.
-
Urcel corre um grande risco.
Ele tem que produzir seu trabalho.
-
Por favor, querida.
-
Seu trabalho... mais álibis.
-
Meu pobre amigo, não faz idéia dessas coisas.
-
Você está vazio por dentro.
-
Que rude!
-
Ele se tornou impossível.
-
Basicamente um fracasso, e um invejoso.
-
Besteira.
-
É um homem encantador...
-
e está profundamente infeliz.
-
Eu não devia tê-lo deixado partir.
-
Não se preocupe.
-
Ele pode estar infeliz, mas não vai se matar.
-
Como você sabe?
-
Cale-se.
-
Eu sei que não gosta de mim.
-
Eu vim atrás de notícias de
Jerome Minville e seu irmão.
-
Tente o Café Flore.
-
Ouvi dizer que estavam presos.
-
Eu estava, semana passada.
-
É bom ver você.
Você não parece muito bem.
-
O belo Alain!
-
Ele disse que precisamos de
um pouco de ar da montanha.
-
Ele não mudou nada.
-
Que tem feito na terra
de Kennedy? Festejando muito?
-
- Preferia estar aqui com vocês.
- Nós o convidamos.
-
Seu plano estava fadado ao fracasso.
-
Claro. A história segue em frente.
-
Eles saberão de nós de novo.
Somos obstinados, você sabe.
-
Vocês não desistiram?
-
Estão loucos?
- Não. Nós vamos esquiar na Espanha.
-
Alain Leroy...
um velho amigo da Argélia.
-
- E dos antros da fronteira esquerda.
- Um bom oficial, em seu tempo.
-
- Um grande amigo.
- Um pouco bêbado.
-
Mais que um pouco. Sempre com as mulheres.
-
Sem consciência política.
-
- Não se pode contar com ele.
- Uma pena.
-
Continuar com essa ação é grotesco e estúpido!
-
Vocês não têm chance!
-
São dois "escoteiros".
-
Você não sabe o que fala.
-
Somos obstinados, eu disse.
-
Quando estiver acabado,
-
Vamos dar uma volta,
como nos velhos tempos.
-
Não vive mais por lá?
Pensei que vivesse.
-
Não, eu voltei.
-
A humilhação da vida.
-
Em St. Tropez,
por todo o mês de junho!
-
Um asilo de loucos!
-
Isso foi dez anos atrás.
Estavam todos lá, lembra-se?
-
Foi formidável!
-
Falamos a Coppi, o ciclista,
que sua amante havia se suicidado.
-
Não foi muito engraçado.
-
Uma vez ele sequestrou um onibus
de turismo da American Express
-
E fez com eles um tour no Ritz
enquanto falava de Scott Fitzgerald.
-
Viu aquele rosto?
-
Álcool.
-
Está acabado.
-
Uma lástima. ele era belo.
-
Richard era apaixonado por ele.
-
Uma corrida de kart nas ruas de Paris!
-
Ele organizou. Os policiais ficaram loucos!
-
Cuidado!
-
Tudo bem?
-
Sr. Leroy!
-
- Venha secar-se.
- Não se preocupe.
-
Está ensopado.
-
Não me sinto bem.
-
Cheguei cedo.
-
Fiquei tonto, na rua.
-
Deite-se até o jantar.
-
Há tempo, ainda.
-
Brancion não chegará antes
das 10:00. Como de costume.
-
Conhece Brancion?
-
Não. Quer dizer, sim,
como todo mundo.
-
É um grande homem, hoje.
O assunto da cidade.
-
Aquele intelectual de tropa de choque me diverte.
-
Ele e seu número de "homem forte".
-
Não fale de homens fortes.
-
Me levantarei mais tarde.
-
Se precisar de algo, chame.
-
Deixe-o dormir.
-
Eu sei o que houve.
-
Após a desintoxicação, sempre se
passa muito mal com o primeiro drinque.
-
E depois?
-
Depois está tudo bem, infelizmente.
-
Pobre Alain.
-
É bom vê-lo de novo.
-
Você está feia hoje, Ma Ubu.
-
A paz de espírito dessa gente!
-
Ninguém queria tocar no assunto.
-
A imprensa Anglo-Americana tem mais coragem.
-
Perdão.
-
O que minha mãe costumava
dizer quando eu me atrasava?
-
"Alain, começará por onde estão os demais."
-
Sente-se.
-
Conhece a todos?
-
Acredito que não conheça Brancion.
-
Marc, apresento um "retornado", Alain Leroy.
-
Um velho amigo de Cyrille,
e uma antiga paixão minha.
-
Hong Kong é supervalorizado.
-
Erotismo oriental, baseado
na minha pequena experiência,
-
Não é nada como dizem.
-
Mas há a erótica chinesa.
-
Não há nada de erótico nisso.
-
Erotismo é uma invenção ocidental,
um conceito cristão
-
baseado em idéias de bem e mal,
-
transgressão e pecado original.
-
Esses conceitos não existem lá.
-
Não tenho fome, Louis.
-
Quero apenas queijo.
-
Jovem como sempre.
-
Já nos conhecemos.
-
Em Long Island, na casa dos Fairman.
-
Como vai Dorothy?
-
Na verdade, não sei.
-
Ouvi dizer que está feliz.
-
Eu disse algo que não devia?
-
Na verdade, não.
-
Libertinos chineses
-
são puros hedonistas para os
quais o amor é apenas prazer
-
prazer que eles buscam refinar.
-
É algo estético,
-
onde para nós é um conceito.
- Brancion!
-
Meu amigo Alain não tira os olhos de você.
-
Deixe-me contar-lhe uma história.
-
Uma célebre.
-
Um dia, às 7:00 da manhã,
-
um policial acha, dormindo o sono dos bêbados,
-
um jovem deitado sobre
a tumba do soldado desconhecido.
-
O tal jovem,
-
estava tão convencido que estava em sua cama,
-
que havia colocado sua carteira, relógio
-
e lenço ao lado da chama memorial,
-
como se fosse sua mesa de cabeceira.
-
Quem foi o herói de sua aventura?
-
Alain Leroy, aqui presente.
-
Brancion não gosta de bêbados.
-
Ele tem um fígado ruim.
-
Em Nova Iorque ouvi dizer
que se separavam.
-
Crueldade mental?
-
Quem é?
-
François Mignac, modelo de Parisiense.
-
Na cama às 3:00 da manhã.
cavalga de 9:00 às 11:00.
-
Então vai à bolsa,
perder ou ganhar alguns milhões.
-
Almoço de negócios.
-
Um tempo no escritório. Uma mulher.
-
Alguns drinques.
-
Jantar fora. Um nightclub.
Então começa tudo de novo.
-
Vinte anos, e ele ainda ama isso!
-
É bom vê-lo novamente.
-
Sentimos sua falta.
-
Você é amável.
-
Assim que ele conseguir seu divórcio.
-
QUe bom. O verdadeiro amor!
-
Isso é algo novo.
-
Nunca senti isso antes.
-
E você me conhece.
-
Uma mulher apaixonada.
-
Eu o conheço?
-
Não, ele nunca sai.
-
Mas vai conhecer. Ele vem me buscar.
-
Então esse é o fabuloso,
lendário, irresistivel Alain Leroy.
-
Harlequin, Watteau, festas galantes.
-
Não seja cruel.
-
Ele não está em forma, hoje.
-
Diga-lhe algo agradável.
-
Isso o ofenderia ainda mais.
-
Poderíamos ajudar-nos uns aos outros.
-
Me ligue.
-
Você tem meu número?
-
Corrompendo uma menor.
-
Seu marido está louco.
Deu um drinque a Alain.
-
Uma pena que não tenha
se entendido com Brancion.
-
Ele é irritante, mas é alguém.
-
Ele é?
-
Vá em frente, fuzile-o!
-
Um homem satisfeito.
-
Bom jogador.
-
Carrega seu porte com segurança.
-
Já teve todas as mulheres presentes aqui.
-
Exceto Solange.
-
Um verdadeiro marciano!
-
Invejo sua serenidade.
-
Me deixe em paz!
-
Eu faço como quiser!
-
Cyrille...
-
Seus Piraneses são superbos.
-
As melhores fotos que já vi.
-
Eu admiro o que você faz.
-
Por que sequer crê nisso.
-
Você se engana. Eu acredito.
-
Eu só quero dizer, senhor...
-
Que assim como você, não acho engraçado...
-
dormir sobre uma tumba...
-
Quando é tão fácil abri-la e dormir lá dentro.
-
Isso é tudo.
-
Me perdoe. Eu nunca fico bêbado,
-
E odeio histórias sobre bêbados.
-
Eu sou um pobre bêbado.
-
O álcool é uma estupidez.
-
Nós bêbados somos os primos pobres,
-
e nós sabemos disso.
-
De qualquer forma,
-
desaparecemos rapidamente.
-
Alain, você foi longe demais.
-
Não fui ainda, mas estou indo.
-
Tenho que ir. Estou atrasado.
-
Como sabe, sou um homem.
Mas eu nunca tive dinheiro ou mulheres.
-
Porém sou muito ativo.
-
A questão é...
-
Não posso alcançar com minhas mãos.
-
Não consigo tocar as coisas.
-
E quando eu consigo tocar...
-
Não sinto nada.
-
Venha saudar aos Filolies.
-
Te apresento Frédéric.
-
E você?
-
Acredita em suas ações?
-
Não gosto de falar de mim.
-
Então não gosta de falar.
-
Eu gosto de ouvi-lo.
-
Acredita em Maria?
-
Meus parabéns por achar Maria.
-
Você tem uma mulher.
-
Eu não tenho nada.
-
Vamos!
-
Vocês não sabem como é,
-
Ser incapaz de tocar algo.
-
Eu sou incapaz de querer.
-
Nem sequer desejar.
-
As mulheres aqui essa noite...
-
Não posso desejá-las.
-
Elas me assustam.
-
Me assustam!
-
Solange, por exemplo.
-
Cinco minutos com ela
e me sinto como um inseto.
-
Desapareceria por trás das paredes.
-
Que se passa, Alain? Está sombrio.
-
E triste. O que há?
-
Solange, você é a própria vida.
-
Sim, vida.
-
Mas não posso tocá-la. É horrível.
-
Está aqui, diante de mim, mas é impossível.
-
Então tentarei com a morte.
-
Ela se deixará ser tocada.
-
A vida é estranha.
-
Você é uma bela mulher, uma boa mulher.
-
Você gosta de fazer amor.
-
Ainda assim...
-
Nada é possível entre nós dois.
-
Partir sem ter tocado nada.
-
Beleza. Bondade.
-
Sempre mentiras.
-
Você pode fazer milagres.
-
Toque o leproso.
-
Tudo é questão de momento,
entre um homem e uma mulher.
-
E suas belas -
Dorothy, Lydia e as demais?
-
Elas são maravilhosas, e te adoram.
-
Não são belas o suficiente.
Não são boas o suficiente.
-
Elas se foram.
-
Elas esperam por você.
-
Elas gostam do amor tanto quanto eu,
das coisas bem feitas.
-
É isso.
-
As coisas bem feitas.
-
Estou partindo.
-
Fique conosco. Fale comigo.
-
Eu voltarei.
-
Mas tenho que ir, agora.
-
Sem uma palavra. Chega de humilhação.
-
Você voltará?
-
- Precisa de dinheiro?
- Tenho os bolsos cheios.
-
Vamos almoçar amanhã. Conversaremos.
-
Adeus, Alain.
Gostamos muito de você.
-
Adeus, Solange, Cyrille.
-
Não se esqueça: Almoço amanhã.
-
Cyrille tem a Solange.
-
Ele é um bom amante e vale milhões.
-
Brancion não tem muita chance.
-
Quando eu tinha 18 e era belo,
-
Minha primeira amante me traía.
-
18 é a idade para ser enganado.
-
Com 18 ou com 30. Elas são sempre amáveis,
-
Mas todas se vão ou deixam que eu me vá.
-
Você me surpreende.
Chame isso como quiser,
-
Mas você atrai a elas.
-
Eu sou bruto, inepto.
-
A sensibilidade estava em meu coração,
-
não em minhas mãos.
-
Quando você se preocupa com
as pessoas, Milou, elas são boas.
-
Elas te dão tudo.
-
Amor.
-
Dinheiro.
-
Você tem que dar-lhes
a impressão de que gosta delas
-
e de que vai se ater a elas.
-
Você é sensível, Milou,
mas você não as quer.
-
Eu não as amo.
-
Eu nunca pude amá-las.
-
Não posso tocar. Não posso pegar.
-
Tem que vir do coração.
-
E o que você queria fazer?
-
Eu gostaria de haver cativado as pessoas,
-
retê-las,
-
Mantê-las próximas.
-
Para que nada mais se movesse ao meu redor.
-
Mas tudo sempre deu errado.
-
Realmente ama as pessoas a esse ponto?
-
queria tanto ter sido amado...
-
Que eu amo.
-
Quer um café da manhã?
-
Não, obrigado.
-
Não quero ser incomodado essa manhã.
-
É você, Alain?
-
Eu o acordei?
-
Solange.
-
Querido Alain, estou ligando
para lembrá-lo do nosso almoço.
-
Nós esperamos sem falta. Não se atrase.
-
Vamos conversar.
-
Como está hoje?
-
Nada mal.
-
Com esse tom de voz?
Podemos contar com você?
-
Claro que sim.
-
É amável da sua parte.
-
Eu gosto de você.
-
Gosta de mim.
-
E Brancion?
-
Brancion é seu oposto.
-
Ele é uma força da natureza.
-
E você gosta das forças da natureza?
-
Gosto de todo tipo de gente.
-
Eu não sou uma força da natureza.
-
Você tem coração.
-
Eu não entendo nada disso.
-
Adeus, Solange.
-
Solange liga por Dorothy.
-
Eu me mato porque não me amaram,
-
E porque eu não os amei.
-
Porque nossos vínculos eram frouxos,
-
Me mato para fazê-los fortes.
-
Deixo a vocês
-
Uma marca indelével.