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(Juntando as palmas das mãos e inclinando a cabeça em reverência)
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Bom dia, queridos amigos.
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Hoje é 21 de outubro do ano 2003.
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Estamos no Lower Hamlet,
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no Templo Dharma Nectar,
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no nosso segundo dia do retiro I-P (Israel-Palestina).
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A nossa intenção não é dar-vos ideias.
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Nem mesmo ideias de paz.
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A nossa intenção é
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oferecer-vos
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uma oportunidade
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de reconhecer a semente da paz e da alegria
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que já estão dentro de vós.
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Uma palestra,
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uma palestra do Dharma,
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é como uma nuvem,
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como a chuva.
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E a chuva pode ajudar
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as sementes
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na terra
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a germinar,
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e a dar origem
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a flores e frutos.
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A chuva não é a semente.
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Mas a chuva pode ajudar a semente a germinar,
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e a fazer brotar as flores.
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As flores da compreensão. As flores da paz. As flores da alegria.
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Por isso, não é minha intenção
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dar-vos ideias.
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E não é o vosso propósito estar aqui
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para receber ideias
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e anotá-las num caderno.
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Quando há chuva,
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deixamos a chuva
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penetrar na terra.
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E se a chuva for suficiente,
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todas as sementes na terra
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serão penetradas por ela.
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E terão a oportunidade de germinar.
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Por isso, durante uma palestra como esta,
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não precisamos de fazer nada,
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não precisamos de
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tentar compreender,
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ou tentar registar o que está a ser dito.
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Numa palestra como esta, basta permitirmo-nos
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ser penetrados pela chuva.
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E, de repente, percebemos que as sementes da compreensão, da sabedoria e do amor dentro de nós
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germinaram.
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Não há nada a fazer.
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Basta sentarmo-nos e permitir que a chuva penetre.
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Tendes de acreditar
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que a semente da paz,
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a semente da alegria,
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a semente da felicidade,
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já estão em vós.
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A semente do Reino de Deus
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está dentro de vós.
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Não está fora de vós.
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Se pensais que Deus está fora de vós,
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e se o procurais,
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nunca o encontrareis.
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É como uma onda que corre à procura de água.
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Nunca encontrará a água.
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Ela tem de regressar a si mesma,
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com a forte convicção de que a água já está nela,
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e então há uma possibilidade.
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Não estais à procura de algo fora de vós.
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Quando os irmãos e irmãs subiram esta manhã para entoar os cânticos,
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não dirigiram essas palavras
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a alguém fora deles.
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Esse alguém poderia ser o Buda, um Bodhisattva ou Deus.
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Não.
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Eles não estavam a dirigir-se a um Deus fora deles.
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E eles sabem disso.
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Esse cântico é apenas
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um tipo de chuva
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para regar
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as sementes da compreensão e da paz
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dentro deles.
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E quando nos levantamos e nos inclinamos naquela direção,
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isso não significa que o Buda ou Deus estão nessa direção.
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Quando nos inclinamos assim,
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tocamos o que há de supremo em nós.
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Tocamos o bem, o belo, o verdadeiro que há em nós.
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Isso não significa que acreditamos que não há nada aqui
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e que há algo naquela direção.
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E se acreditamos que há algo naquela direção,
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estamos enganados.
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Não há nada nessa direção.
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Embora haja uma estátua do Buda ali sentada,
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é apenas um bloco de pedra.
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Não é o Buda.
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O Buda é a capacidade de compreender e amar
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que está em cada célula do nosso corpo.
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Por isso, não nos deixemos enganar pela forma.
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O presente mais
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precioso
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que podemos oferecer
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à pessoa que amamos
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é a nossa energia de compreensão
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e amor.
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Se não tivermos compreensão e amor dentro de nós,
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não temos nada para oferecer a ele, a ela, ou ao mundo.
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Mas como cultivar a compreensão e o amor?
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Podemos cultivar a compreensão e o amor quando estamos sozinhos.
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Estar sozinho não significa que tenhamos
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de nos cortar,
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isolar-nos da sociedade,
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ir para uma montanha
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e viver numa caverna.
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Viver sozinho significa que estamos sempre connosco próprios.
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Não nos perdemos.
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Podemos estar sentados no meio do mercado,
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e, ainda assim, estar sozinhos.
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Nunca nos perdemos.
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Somos sempre nós próprios.
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Somos o mestre de nós próprios,
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não uma vítima.
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Quando praticamos a caminhada consciente,
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concentramos-nos nos nossos passos,
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na nossa inspiração e expiração.
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Mesmo que estejamos a caminhar com 200, 300 pessoas,
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continuamos sozinhos.
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Porque a atenção plena e a concentração estão dentro de nós.
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E cada respiração, cada passo, nutre-nos,
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enriquece-nos
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e traz-nos a energia da compreensão, do amor.
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Porque, se não formos nós próprios,
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não podemos amar,
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não podemos oferecer nada.
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Viver sozinho, estar sozinho, significa
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voltar para casa em nós mesmos,
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tornar-nos mestres de nós próprios,
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e não nos deixar levar pelas correntes do mundo.
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E essa é a prática da caminhada consciente,
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da respiração consciente,
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que nos pode ajudar
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a regressar sempre a nós próprios.
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Para que possamos obter o alimento essencial,
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cultivar
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consciência, compreensão e amor.
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Porque a compreensão é a base do amor.
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Se não compreendes,
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não podes amar.
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Se não te consegues compreender,
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não podes amar-te.
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Se não o consegues compreender,
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não podes amá-lo.
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Se não a consegues compreender,
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não podes amá-la.
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Por isso, compreensão é outra palavra para "amor".
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Imagina que
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não compreendes a tua companheira,
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não compreendes nada sobre ela,
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não compreendes o seu sofrimento, as suas dificuldades,
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as suas aspirações mais profundas,
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como podes dizer que a amas?
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E como podes compreendê-la?
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Tens de ser tu próprio.
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E, quando olhas para ela,
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começas a ver.
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A ver o seu sofrimento, a ver as suas dificuldades,
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a ver as suas aspirações mais profundas.
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Se não fores tu próprio,
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como podes ouvir,
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como podes ver profundamente dessa forma?
-
E, quando há compreensão,
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o amor é possível.
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O amor é a água
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que brota
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da fonte
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da compreensão.
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Uma relação só tem significado
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quando
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cada pessoa é ela própria.
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Se estás vazio,
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se a outra pessoa está vazia,
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não há nada para oferecerem
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um ao outro.
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Vazio de quê?
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Vazio de compreensão,
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vazio de amor,
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vazio de beleza,
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vazio de verdade.
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E é por isso que temos de nos nutrir.
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É por isso que temos de ser nós próprios.
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Quando nos encontramos,
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gostamos de conversar.
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É um prazer conversar.
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Eu sei disso.
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Mas, se não praticamos a atenção plena,
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falar torna-se apenas
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um meio
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de
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nos deixarmos levar
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pela conversa.
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E não temos muito para oferecer.
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E a outra pessoa também não tem muito para nos oferecer.
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Claro que,
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se tivermos algo dentro de nós,
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muito precioso,
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podemos partilhar,
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podemos oferecer.
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E falar é uma das formas de oferecer,
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de nos expressarmos.
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Mas, se tivermos apenas ideias vazias,
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isso não é um verdadeiro presente.
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Podemos ter opiniões e ideias sobre tudo.
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Mas isso não é o que a outra pessoa precisa.
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O que a outra pessoa precisa é da nossa compreensão,
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do nosso amor,
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da nossa visão profunda.
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Uma visão que não seja apenas uma ideia,
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mas uma realidade viva.
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Tu incarnas a visão profunda.
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Tu incarnas compaixão e alegria.
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E é por isso que as relações tornam-se significativas.
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Se conhecemos a arte de viver sozinhos,
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isso significa que sabemos como ser nós próprios,
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como cultivar
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em cada momento
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a energia da paz,
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a energia da compreensão,
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a energia da compaixão,
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então a nossa relação tornar-se-á significativa.
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Cada um de nós tem de ser ele próprio,
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para que a relação tenha sentido.
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Isto é bastante simples.
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E é por isso que,
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quando tens cinco minutos,
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quando tens dez minutos
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para ti,
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aproveitas esses cinco ou dez minutos
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para te enriqueceres,
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para te tornares mais sólido,
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mais livre,
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mais compreensivo,
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mais compassivo.
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Porque, quando amamos alguém,
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queremos oferecer-lhe
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o que temos.
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E o que temos é alegria, compreensão, compaixão.
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E essa oferta é a melhor coisa que podemos dar
aos nossos entes queridos.
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Devemos perguntar a nós próprios:
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O que posso oferecer-lhe?
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O que posso oferecer-lhe?
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Tenho realmente algo para oferecer? (sorriso)
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Se queres ter algo para oferecer,
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cultiva-o.
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E cultivas isso estando sozinho,
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trabalhando sozinho,
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cultivando sozinho.
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E a prática da respiração consciente,
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da caminhada consciente,
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pode ajudar-te a regressar a ti mesmo
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e a começar a... a...
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a obter a energia
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da alegria, da paz.
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Imagina uma árvore que está ali de pé.
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Porque a árvore permanece ali,
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ela continua a obter nutrientes da terra.
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A água, os minerais, e assim por diante.
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Com esse tipo de alimento,
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ela pode nutrir
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os seus ramos,
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as suas folhas,
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ela pode dar flores, pode dar frutos, e assim por diante.
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E tem tanto para oferecer ao mundo.
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Mas, se movermos a árvore de um lado para o outro,
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as suas raízes não terão hipótese
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de tocar a terra.
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E as raízes da árvore não conseguirão obter os nutrientes de que necessitam
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para dar flores e frutos.
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Nós somos como uma árvore.
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Se não soubermos regressar a nós próprios,
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estar plenamente presentes,
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ter a oportunidade de cultivar,
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de praticar o olhar profundo e a escuta profunda,
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então não conseguimos obter os nutrientes para nós mesmos.
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E não teremos muito
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para oferecer à pessoa que amamos.
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Nos nossos retiros,
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temos sempre um tempo para discussão.
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Chamamos-lhe "discussão do Dharma",
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um tipo de discussão em que podemos oferecer a nossa visão,
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a nossa alegria, as nossas experiências.
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É algo muito, muito, muito significativo.
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E há aqueles entre nós que sentem que não devem dizer nada,
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porque o que gostariam de partilhar ainda não está muito claro.
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Não precisamos de falar.
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Só precisamos de ouvir.
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Permitir que as perceções e os insights dos outros nos penetrem.
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Mesmo que não digamos nada,
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estamos a beneficiar com os insights de todos.
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E o que recebemos não são apenas ideias,
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mas experiências vivas
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que outras pessoas do grupo têm.
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E partilhar é um dever.
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Se tens algo,
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alguma experiência viva dentro de ti,
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deves partilhá-la com a sangha.
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Isto é Falar Conscientemente.
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Isto é uma verdadeira discussão do Dharma,
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que enriquece todos.
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E és encorajado a partilhar
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quando realmente tens algo para partilhar.
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Cada um de nós é como uma árvore.
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A cada minuto do nosso dia,
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recebemos alimento.
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E, naturalmente, temos algo para florescer,
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podemos oferecer flores
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e frutos.
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E essa é a nossa contribuição,
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o presente que podemos dar ao mundo.