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Isto é o Game Maker's Toolkit, eu sou Mark Brown.
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Darkest Dungeon mostra o preço psicológico de ser um guerreiro num pesadelo imaginado por H.P. Lovecraft.
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Os heróis ficam stressados, sofrem perturbações que os enfraquecem, e acumulam personalidades peculiares
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arrasadoras. E enquanto que as feridas recuperam instantaneamente após uma demanda, traumas
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psicológicos permanecem durante mais tempo e precisam de serem tratados com rezas, ou bebida,
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ou com uma visita ao sanatório.
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É uma surpreendente representação subtil da saúde mental - apoiada pelos lamentos
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e apelos dos membros emocionalmente torturados da vossa equipa - que faz com que os vossos heróis
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pareçam seres humanos reais e vulneráveis.
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E isto faz com que seja muito pior quando vocês, como líder da equipa, tenham de tomar a decisão
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de reprimir os seus sentimentos, incentivá-los a beber, levá-los muito além dos seus limites mentais, e,
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quando ficarem mentalmente incapacitados de forma a terem alguma utilidade, despejá-los no olho da rua.
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Sim, é importante cuidarem bem dos vossos soldados mais preciosos, e vão ter em consideração os seus
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fatores emocionais com atenção. Mas também é verdade que o único elemento gratuito neste jogo são
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as vidas humanas.
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Uma boa estratégia passa por recrutar um monte de otários de graça, levem-nos para uma masmorra
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e apaguem a tocha. Combater no escuro é incrivelmente stressante mas leva-vos
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a aceder a "loot" muito melhor. Quando as tropas regressarem - apavorados e em sofrimento -
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dispensam-nas e recrutem mais alguns.
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Em última instância, Darkest Dungeon faz de vocês o mau da fita, mas não vos conta através
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de uma premissa ou uma reviravolta na história. Exploram a a vossa moral de forma natural, com o
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simples contacto com as mecânicas oferecidas.
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Como Jim Steling escreveu na sua análise: "vocês começam a ter uma experiência mais agradável
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assim que pararem de pensar como um herói e adotarem a sociopatia fria e calculista de um aspirante
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a CEO empresarial".
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O que definitivamente não precisam é um daqueles sistemas de karma pirosos para que vos dizer que
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passaram para o lado nego.
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Não estou a falar daqueles encontrados em jogos RPG como Mass Effect e Fallout, que se vê
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a sua origem vem das fichas de personagens D&D que vos questiona qual o comportamento é que
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vão assumir.
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Mas os que são encontrados em jogos como inFamous e BioShock são, para ser simpático, uma porcaria.
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Escolher entre bom e mau apenas vos leva para poderes e cinemáticas ligeiramente diferentes
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em inFamous, e enquanto que a Irrational poderia ter um rumo com as "little sisters"em BioShock,
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onde tinham de tomar a decisão ética de matar uma criança para assim ganharem mais ADN mágico,
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arruinou a execução ao recompensar os jogadores eficazes com mais conteúdos a longo prazo.
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Estes sistemas são redutores, estreitam o labirinto complexo da moralidade humana numa
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única barra de bom ou mau. E eles ignoram frequentemente o ponto intermédio, e fazem-no pelo
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valor de repetição do que por decisões genuinamente dolorosas.
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Por isso é que é aprazível ver jogos como Darkest Dungeon, que é um dos numerosos
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recentes jogos indie que exploram este tema com muito mais subtileza - principalmente por acabarem
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com "sistemas de karma" separados de uma vez por todas, e pôr a moralidade nas próprias mecânicas
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principais.
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Undertale, por exemplo, torna todos os encontros com monstros numa escolha moral onde podem optar
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por matar a criatura, ou conversar com o monstro e tentar acalmá-lo.
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Matar é fácil - afinal, foi-nos ensinado como fazê-lo com décadas de títulos JRPG - e
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esta é a única maneira para receber pontos de experiência e aumentar o nível de saúde. É possível
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usar como justificação para as vossas ações violentas o medo e a fragilização.
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A piedade, por outro lado, é um puzzle complexo - expecialmente nos combates com "bosses" - e como
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não recebem nenhum bónus no jogo se a praticarem, terão menos pontos de saúde e problemas
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em defenderem-se nas lutas que se avizinham.
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Mas os prémios de Undertale por serem pacíficos são muito melhores que estatísticas: serão amigos das
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personagens, terão uma história mais interessante e poderão ir a um encontro
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com um esqueleto.
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Para ser mesmo bom em Undertale, têm de se esforçar mais, e cometer um grande
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sacrifício. E também têm de perguntar a vocês mesmos qual o valor que dão aos videojogos porque
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obtêm coisas completamente diferentes se escolherem uma abordagem violenta, ou uma piedosa.
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O jogo extremamente depressivo de sobrevivência civil This War of Mine tem consequências mais rigorosas
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para escolhas imorais.
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Se mandam uma personagem roubar itens ou matar pessoas indefesas quando estão a vasculhar no exterior,
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terão mais itens para o vosso abrigo mas também vão correr o risco dessa personagem ficar
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triste, entrar em depressão, e por fim abatida. Neste ponto podem deixar o vosso grupo ou
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suicidarem-se.
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Para restabelecer o estado de espírito dessa personagem, terão de a consolar, ou usar
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recursos para produzir álcool. As consequências das vossas ações têm um grande efeito neste jogo.
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E depois temos Papers, Please. Aqui, têm a função de verificar passaportes à medida que as pessoas passam
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a fronteira do vosso país. Se tudo estiver legal, deixam-nos passar mas se o passaporte deles
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está caducado, ou com informação essencial em falta vocês rejeitam-nos.
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Vocês ganham dinheiro por cada pessoa que processam, tomam a decisão correta como se espera, e
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ao fim do dia vocês podem gastar o vosso dinheiro em comida, medicamentos, e a renda da vossa família.
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Depois, as coisas complicam-se. Todos os dias são apresentadas novas regras, novos documentos
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têm de ser verificados, e demoram cada vez mais a conferir cada pessoa. A vossa renda
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sobe, a vossa família adoece, e recebem cada vez menos dinheiro dia após dia.
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As probabilidades estão contra vocês, e o jogo começa a colocar-vos sob pressão. Este indivíduo vai
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dar-vos mais dinheiro se detiverem pessoas, mesmo se não for justo. Este homem pede-vos
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para deixar passar a sua mulher, mas não tem os documentos corretos e podem perder
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dinheiro se não a recusarem.
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Neste jogo, a noção de certo e errado torna-se pouco clara. Papers, Please está atolado
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numa área pouco nítida - e na sua essência obriga-vos a serem corruptos. Cabe-vos a vocês
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decidirem o quão corruptos querem ser.
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O que eu adoro neste jogo é que Papers, Please mostra como boas pessoas não fazem uma simples
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escolha arbitrária para se tornarem num sacana, mas em vez disso são levadas a fazer coisas imorais e cuéis
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por falha sistémica, pobreza e desespero.
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Esta é uma mensagem bastante profunda por si só, mas os videojogos estão equipados para explorar
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este tema porque não se limitam a apenas mostrar e dizer: tornam-vos cúmplices
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do sistema.
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Darkest Dungeon, por exemplo, pode estar a criticar a forma como as empresas ignoram
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a angústia mental dos seus funcionários só para terem lucro - e mostra-o a vocês em primeira mão
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pedindo-vos que encarem este sistema desprezível.
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Cada um destes jogos explora a moralidade na sua própria maneira, mas algumas semelhanças são claras.
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Em cada um deles, são aliciados a serem maus com a promessa de dinheiro, pontos de experiência, ou
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jogabilidade mais fácil. Mas somente This War of Mine parece ter uma reação mecânica negativa
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para aqueles que são imorais.
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É muito mais difícil ser bom nesses jogos, visto que têm de fazer sacrifícios ou estarem vulneráveis
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para fazer o que está certo - e as recompensas, quando existem, não estão na jogabilidade. Estas são
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orientadas pela narrativa ou pelas personagens.
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E todos estes jogos fazem um trabalho fantástico para que se sintam horrivelmente culpados por serem idiotas,
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visto que as personagens e o mundo de uma forma geral reage aos vossos delitos. Senti-me genuinamente
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imundo quando esta mulher estava a chorar no cadáver do seu marido. Que eu tinha acabado de esmurrar
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até à morte. Desculpa.
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E o mais importante, acho eu, é que estes jogos exploram e criticam a moralidade
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através das suas principais mecânicas, em vez de uma sequência de escolhas isoladas ou sistemas de karma
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separados.
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Em Undertale está vinculado aos pontos de experiência e no combate. Em This War of Mine está entre o "loot"
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e a disposição das personagens. E em Papers, Please, as decisões têm efeito no vosso orçamento, e
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são tomadas com aquele grande carimbo de borracha.
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A moralidade é algo que mais videojogos deviam abordar, ao menos pela sua participação natural
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que as torna no agente perfeito para colocar as questões desconfortáveis sobre nós próprios.
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Mas estes jogos provam que podem ser muito mais espertos do que escolher apenas entre a simpática
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opção azul e a má opção vermelha.
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Muito obrigado por terem assistido. Por favor, deixem um comentário com as vossas reflexões, ou com mais
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exemplos de como os jogos podem falar sobre a moralidade de formas interessantes. Tento ler todos
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os comentários que recebo. Como sempre, Game Maker's Toolkit é financiado
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exclusivamente pelos seus fãs, incluindo estes apoiantes de escalão dourado...