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FS CAP05 2025 VIDEOCAST LITERATURA E ORALIDADE CULTURA AFRO-BRASILEIRA

  • 0:08 - 0:11
    Você já parou para pensar
    em como as histórias são contadas?
  • 0:11 - 0:13
    Quem constrói essas histórias?
  • 0:13 - 0:14
    Quem conta as histórias?
  • 0:14 - 0:16
    Como a gente conta
    essas histórias?
  • 0:16 - 0:21
    No bate-papo de hoje, eu vou receber
    duas pessoas incríveis aqui na mesa
  • 0:21 - 0:23
    para falar um pouco
    sobre a oralidade
  • 0:23 - 0:26
    e como a gente passa
    de geração em geração
  • 0:26 - 0:29
    histórias que vêm,
    acompanham toda a nossa família.
  • 0:29 - 0:31
    E a gente vai falar um pouco
    de literatura também.
  • 0:31 - 0:33
    Como é essa construção?
  • 0:33 - 0:37
    E tudo pela perspectiva
    de profissionais incríveis,
  • 0:37 - 0:38
    pessoas negras.
  • 0:38 - 0:39
    Eu sou a Marina Franciulli,
  • 0:39 - 0:43
    sou comunicadora, especialista
    em direitos humanos,
  • 0:43 - 0:44
    e eu sou uma mulher negra.
  • 0:44 - 0:46
    Hoje eu estou
    com os meus cabelos soltos,
  • 0:46 - 0:48
    eles são crespos,
    na altura do ombro,
  • 0:48 - 0:51
    uso brincos dourados
    em formato de búzio,
  • 0:51 - 0:55
    uma corrente dourada também,
    e um macacão rosa.
  • 0:55 - 0:58
    Ele é de regatinha, então estou
    com os braços de fora e à mostra,
  • 0:58 - 1:01
    e tem aqui um bracelete
    também dourado.
  • 1:01 - 1:03
    Vou apresentar essas
    duas pessoas incríveis
  • 1:03 - 1:05
    que estão na mesa
    aqui com a gente hoje.
  • 1:05 - 1:07
    Vou começar com as mulheres.
  • 1:07 - 1:09
    Egnalda Côrtes, bem-vinda.
  • 1:09 - 1:11
    Se apresente
    para a gente, por favor!
  • 1:11 - 1:14
    Meu nome é Egnalda Côrtes,
    fundadora e CEO da Côrtes e Companhia,
  • 1:14 - 1:18
    a primeira agência de influenciadores
    negros da América Latina
  • 1:18 - 1:21
    e empresa líder da Aliança
    Sem Esteriótipos da ONU Mulheres.
  • 1:22 - 1:24
    Sou uma mulher negra,
    de pele clara.
  • 1:24 - 1:28
    Estou usando o cabelo
    trançado nagô
  • 1:28 - 1:30
    com tranças longas loiras.
  • 1:30 - 1:34
    Estou usando acessórios
    prata e dourado,
  • 1:34 - 1:38
    mas para ornar também
    com a mediadora,
  • 1:38 - 1:39
    que está de dourado.
  • 1:39 - 1:41
    Estou usando uma camisa branca.
  • 1:42 - 1:46
    E estou extremamente
    honrada pelo convite
  • 1:46 - 1:48
    e por estar conversando de algo
  • 1:48 - 1:51
    que é tão vívido
    na nossa história.
  • 1:51 - 1:54
    Eu acho que muito
    da nossa sobrevivência
  • 1:54 - 1:57
    vem da nossa oralidade
    e da força e competência
  • 1:57 - 2:00
    que nós temos em fazer isso.
  • 2:00 - 2:01
    Obrigada pelo convite.
  • 2:01 - 2:04
    Bem-vinda e obrigada por
    topar estar aqui com a gente.
  • 2:04 - 2:08
    Reni, Reni Adriano, que conheci
    há tempos e muitos tempos,
  • 2:08 - 2:09
    admiro desde sempre.
  • 2:09 - 2:10
    Bem-vindo!
  • 2:10 - 2:13
    Uma alegria, Marina, te reencontrar
    aqui com essa discussão,
  • 2:13 - 2:15
    e conhecer a Agnalda.
  • 2:15 - 2:18
    Eu sou Reni Adriano,
    sou escritor e dramaturgo,
  • 2:18 - 2:20
    e mediador de leitura.
  • 2:20 - 2:23
    Eu formo mediadores de leitura
  • 2:23 - 2:26
    e implemento projetos
    de salas de leitura
  • 2:26 - 2:29
    em vários lugares do Brasil.
  • 2:29 - 2:31
    Eu estou, eu tenho...
  • 2:31 - 2:36
    Eu sou careca,
    negro não retinto,
  • 2:36 - 2:39
    e estou usando
    uma camiseta vermelha
  • 2:39 - 2:41
    sem estampa,
  • 2:41 - 2:44
    e uso nas duas orelhas
  • 2:44 - 2:46
    alargadores pequenos.
  • 2:46 - 2:48
    Vamos começar a conversar
    um pouco sobre o nosso assunto.
  • 2:48 - 2:50
    Vamos começar pela oralidade?
  • 2:50 - 2:53
    Porque se tem algo que a gente
    aprende a fazer desde sempre
  • 2:53 - 2:55
    é contar histórias.
  • 2:55 - 2:57
    E, ao contar histórias,
    a gente traz
  • 2:57 - 2:59
    as nossas raízes,
    as nossas origens.
  • 2:59 - 3:02
    A gente consegue trabalhar
    muito a nossa imaginação,
  • 3:02 - 3:05
    que é tão fundamental
    para a nossa existência.
  • 3:05 - 3:08
    Eu queria começar perguntando
    o papel da oralidade
  • 3:08 - 3:09
    na cultura afro-brasileira.
  • 3:10 - 3:11
    Por favor.
  • 3:11 - 3:14
    Eu doida para ouvir o Reni
    e ele passou a bola para mim.
  • 3:17 - 3:20
    Como eu falei na introdução,
  • 3:20 - 3:23
    a oralidade nos constitui...
  • 3:25 - 3:27
    E ela nos salvou, né,
  • 3:27 - 3:29
    por séculos.
  • 3:30 - 3:32
    Porque parte da nossa história,
  • 3:32 - 3:34
    se a gente for falar de diáspora,
  • 3:34 - 3:38
    ela foi assaltada, né,
  • 3:38 - 3:41
    ela foi devastada.
  • 3:43 - 3:45
    Me arrepia falar sobre isso
  • 3:45 - 3:48
    porque nas culturas,
  • 3:48 - 3:52
    nos povos de terreiro
    e nos povos tradicionais,
  • 3:52 - 3:55
    a oralidade é que faz
  • 3:55 - 3:59
    com que aquelas
    pessoas sobrevivam.
  • 4:02 - 4:05
    Então, para além
    da construção do imaginário,
  • 4:05 - 4:08
    a oralidade é uma energia.
  • 4:09 - 4:12
    A comunicação é
    uma grande energia.
  • 4:13 - 4:17
    E muito do que nós
    falamos e somos
  • 4:17 - 4:20
    vem muito mais da energia
  • 4:20 - 4:23
    que a oralidade nos trouxe
  • 4:23 - 4:26
    do que nos foi
    ensinado e imposto
  • 4:26 - 4:28
    também por séculos.
  • 4:28 - 4:32
    Se a gente falar
    de sociedade brasileira,
  • 4:32 - 4:36
    o que foi passado como imagem,
  • 4:36 - 4:37
    como imagem...
  • 4:37 - 4:41
    Como foi construída a imagem
    da população brasileira...
  • 4:42 - 4:44
    Na TV, por exemplo.
  • 4:44 - 4:48
    Imaginem se nós dependêssemos
    somente disso
  • 4:48 - 4:51
    para sobreviver e para construir
    a nossa autoestima?
  • 4:51 - 4:53
    E aí eu estou falando
    de população brasileira.
  • 4:53 - 4:56
    Não estou nem fazendo
    um recorte racial.
  • 4:56 - 5:00
    Nós temos ainda uma boa parte
    dessa população
  • 5:00 - 5:02
    que não é branca,
  • 5:02 - 5:04
    não é branca,
  • 5:04 - 5:09
    e foi construído
    um imaginário dessa brancura
  • 5:09 - 5:13
    que poderia ter nos derrotado
    como população.
  • 5:13 - 5:14
    E olha só que...
  • 5:15 - 5:16
    Irônico...
  • 5:18 - 5:22
    Que mesmo assim,
    nós nos tornamos
  • 5:22 - 5:24
    os maiores
    comunicadores do mundo.
  • 5:24 - 5:27
    Somos premiados pela nossa arte,
  • 5:27 - 5:29
    pela nossa criatividade,
  • 5:29 - 5:32
    e pela nossa comunicação,
  • 5:32 - 5:35
    e isso vem da mistura dos povos,
  • 5:35 - 5:39
    isso vem da resistência
    dessa população
  • 5:39 - 5:43
    que foi negligenciada
    pela comunicação,
  • 5:43 - 5:47
    mas foi salva pela oralidade
    nas comunidades,
  • 5:47 - 5:49
    nos movimentos sociais,
  • 5:49 - 5:51
    nos povos tradicionais,
  • 5:51 - 5:54
    nos povos originários.
  • 5:54 - 5:58
    A gente foi salvo por essa energia
  • 5:58 - 6:00
    que chamamos de comunicação,
  • 6:00 - 6:02
    de oralidade,
  • 6:02 - 6:07
    e que, dentro de algumas
    constituições religiosas,
  • 6:07 - 6:09
    nós chamamos de...
  • 6:12 - 6:13
    Quem abre os caminhos.
  • 6:14 - 6:18
    Então, se existe esse futuro
  • 6:18 - 6:20
    que nós vivemos hoje,
  • 6:20 - 6:23
    é porque o ontem foi construído
  • 6:23 - 6:25
    a partir da oralidade.
  • 6:25 - 6:26
    Maravilhoso.
  • 6:26 - 6:29
    E a gente pode puxar um pouco
    para a literatura já, né, Reni,
  • 6:29 - 6:33
    porque quando a Agnalda traz
    a questão da representação,
  • 6:33 - 6:35
    do como a gente
    consegue se perceber
  • 6:35 - 6:39
    e como a gente também cria
    e entende essas estratégias
    de resistência,
  • 6:39 - 6:42
    como a própria oralidade
    se mantém importante
  • 6:42 - 6:46
    por ser a resistência da nossa
    história e da nossa existência,
  • 6:46 - 6:49
    na literatura não é
    necessariamente assim
  • 6:49 - 6:51
    que a gente constrói esse caminho,
  • 6:51 - 6:52
    mas ele é muito presente também.
  • 6:53 - 6:54
    Sim.
  • 6:54 - 6:56
    É interessante
    o que a Agnalda falou,
  • 6:56 - 6:58
    que a oralidade é uma energia.
  • 6:58 - 7:00
    Então,
  • 7:00 - 7:03
    antes de falar da literatura
    especificamente,
  • 7:03 - 7:06
    eu acho que tem duas formas
    de falar de oralidade.
  • 7:06 - 7:10
    Uma é essa corrente
  • 7:10 - 7:13
    das histórias que se transmitem
    de geração para geração,
  • 7:13 - 7:15
    e há uma que não é tão...
  • 7:17 - 7:20
    Interessante, que talvez
    a gente deva repensar,
  • 7:20 - 7:24
    que é pensar a oralidade como
    o oposto daquilo que é escrito,
  • 7:24 - 7:26
    o oposto da escritora.
  • 7:26 - 7:27
    E isso é uma estratégia...
  • 7:27 - 7:29
    Parece que é óbvio...
  • 7:29 - 7:31
    Ah, não foi escrito,
    foi oralizado.
  • 7:31 - 7:33
    Não foi escrito,
    então é oralidade.
  • 7:33 - 7:36
    Mas isso é só uma convenção
    que, na verdade,
  • 7:36 - 7:38
    tenta categorizar as coisas
    de modo que,
  • 7:38 - 7:41
    quando eu falo oralidade,
    eu estou dizendo não é escrito,
  • 7:41 - 7:45
    então há um rebaixamento
    desse status
  • 7:45 - 7:46
    do que é oralizado,
    do que é escrito,
  • 7:46 - 7:49
    porque nós estamos
    numa cultura letrada,
  • 7:49 - 7:52
    então o conceito prevalece.
  • 7:52 - 7:54
    É um pouco capciosa essa palavra,
  • 7:54 - 7:56
    Então a gente tenta dar
    um pouco de cuidado.
  • 7:56 - 7:57
    A gente usa de um modo geral,
  • 7:57 - 8:01
    e a Agnalda usa muito bem
    quando ela fala de energia,
  • 8:01 - 8:03
    e eu quero ir para esse lado.
  • 8:03 - 8:06
    Então, os teóricos
    que eu tenho lido,
  • 8:06 - 8:09
    como por exemplo,
    Adriana Cavalheiro ou o Paul,
  • 8:09 - 8:12
    que, coincidentemente, foi
    chamado para falar desse assunto
  • 8:12 - 8:14
    sem que a Marina
    soubesse, por exemplo,
  • 8:14 - 8:16
    que eu tenho estudado
    a voz ultimamente,
  • 8:16 - 8:20
    a voz nessa intersecção
  • 8:20 - 8:23
    do texto literário com a performance vocal.
  • 8:23 - 8:25
    Eu não sabia. Que maravilhoso!
  • 8:25 - 8:28
    Eu não falei nada porque eu pensei:
    vou deixar para falar na hora
  • 8:28 - 8:30
    para não enviesar
    tanto a discussão.
  • 8:30 - 8:33
    Então, qual é a estratégia
    para a gente tirar a oralidade
  • 8:33 - 8:36
    como sinônimo daquilo
    que é oposto ao que é escrito?
  • 8:36 - 8:38
    É você focar a voz,
  • 8:38 - 8:41
    porque quando você foca a voz,
    você vai para o corpo,
  • 8:41 - 8:43
    porque voz e corpo...
  • 8:43 - 8:45
    Parece óbvio, porque, assim,
  • 8:45 - 8:47
    o aparelho fonador
    que está aqui é corpóreo.
  • 8:47 - 8:49
    Não, mas a voz é corpo.
  • 8:49 - 8:54
    Então tem toda uma discussão
    sobre por que a voz foi tirada...
  • 8:55 - 8:57
    Do pensamento ocidental,
  • 8:57 - 8:59
    foi tirada da própria filosofia.
  • 8:59 - 9:01
    Quando eu falei da Adriana
    Cavalheiro, ela fala:
  • 9:01 - 9:04
    "A filosofia tem
    esse erro profundo
  • 9:04 - 9:07
    de passar do pensamento
    para o conceito,
  • 9:07 - 9:10
    e ela tira a voz do foco".
  • 9:10 - 9:12
    E qual é o problema da voz?
  • 9:12 - 9:15
    A voz é insubordinada,
  • 9:15 - 9:17
    a voz desobedece,
  • 9:17 - 9:20
    a voz deixa de situar
    o pensamento.
  • 9:20 - 9:22
    A voz pode ser ambígua.
  • 9:22 - 9:24
    Eu posso falar que te amo
    dizendo que te odeio,
  • 9:24 - 9:25
    e você entendeu que eu te odeio,
  • 9:25 - 9:28
    embora eu tenha
    falado eu te amo.
  • 9:28 - 9:29
    Há um monte de inflexão.
  • 9:29 - 9:33
    Então a voz é corpo,
    a voz é uma presença.
  • 9:33 - 9:35
    Isso é muito importante
    a gente falar.
  • 9:35 - 9:38
    Então, quando a Agnalda fala
    que a oralidade é uma energia,
  • 9:38 - 9:42
    a gente tem que pensar
    o seguinte: oralidade é corpo.
  • 9:43 - 9:47
    Esse saber que foi
    implantado aqui
  • 9:47 - 9:49
    ao qual a cultura
    brasileira deve tudo,
  • 9:49 - 9:51
    porque sem isso ela não é nada,
  • 9:51 - 9:54
    mesmo com as pessoas
    brancas que são brasileiras,
  • 9:54 - 9:57
    foi trazido no corpo,
    não foi na Enciclopédia Barsa,
  • 9:57 - 10:01
    porque se fosse um saber
    dependente da enciclopédia,
  • 10:01 - 10:04
    teriam queimado e nós
    não estaríamos aqui hoje,
  • 10:04 - 10:05
    não existiríamos nós aqui hoje,
  • 10:05 - 10:07
    não existiria esse país.
  • 10:07 - 10:09
    Então, trouxeram
    esse saber no corpo
  • 10:09 - 10:11
    e plantaram aqui os seus orixás...
  • 10:13 - 10:16
    Reconstruíram essa história,
    essa cultura, aqui.
  • 10:16 - 10:18
    Então é corpo esse saber.
  • 10:18 - 10:21
    E o Ocidente odeia corpo.
  • 10:21 - 10:24
    Ele é uma coisa etérea,
    uma coisa sem corpo.
  • 10:24 - 10:24
    Mas por quê?
  • 10:24 - 10:25
    Porque o pensamento...
  • 10:25 - 10:28
    E tem uma coisa aí por trás,
    e isso não sou eu dizendo.
  • 10:28 - 10:33
    A própria Adriana Cavalheiro,
    essa filósofa italiana, fala assim:
  • 10:33 - 10:35
    "Esse é um pensamento
    tipicamente masculino.
  • 10:35 - 10:38
    É o macho branco
    essa coisa da escrita.
  • 10:38 - 10:42
    Então, usemos sim a oralidade
    de um modo corrente, como usamos,
  • 10:42 - 10:43
    mas tomemos cuidado
  • 10:43 - 10:47
    porque o foco aqui é a voz,
  • 10:47 - 10:49
    é aqui que está
    a nossa resistência,
  • 10:49 - 10:51
    porque quem tem
    voz desobedece.
  • 10:51 - 10:54
    Então, quando você fala,
    por exemplo, da energia,
  • 10:54 - 10:55
    oralidade como energia,
  • 10:55 - 10:58
    nas culturas de terreiros
    é chamado de "Emi",
  • 10:58 - 11:01
    porque tem um fluxo vital meu
  • 11:01 - 11:03
    que sai aqui, encontra o seu,
  • 11:03 - 11:05
    e nós trocamos essa energia.
  • 11:05 - 11:06
    Isso é corpo.
  • 11:06 - 11:08
    Então a minha verdade
    se presentifica
  • 11:08 - 11:10
    na hora em que eu falo
    diante de você.
  • 11:10 - 11:13
    Aqui está todo o meu ser
    inteiro diante de você,
  • 11:13 - 11:14
    e generosamente, inclusive, né?
  • 11:14 - 11:17
    É uma troca generosa
    de igual para igual.
  • 11:17 - 11:20
    Então o Ocidente odeia isso
  • 11:20 - 11:22
    porque isso escapa ao controle.
  • 11:22 - 11:24
    E foi assim que nós escapamos,
  • 11:24 - 11:25
    foi assim que nós
    fundamos um país
  • 11:25 - 11:27
    e foi assim que nós estamos
    aqui, de cabeça erguida.
  • 11:27 - 11:28
    É por causa disso.
  • 11:28 - 11:30
    Ele é genial, está vendo?
  • 11:30 - 11:32
    Eu estou emocionada porque...
  • 11:32 - 11:34
    Eu estou pegando carona
    no que você disse.
  • 11:34 - 11:35
    Você trouxe a energia vital, né?
  • 11:35 - 11:39
    Eu estou emocionada,
    porque o Reni,
  • 11:39 - 11:41
    para quem estiver vendo...
  • 11:41 - 11:43
    Para quem não estiver vendo,
    eu vou descrever.
  • 11:43 - 11:47
    Ele fala olhando para os seus olhos,
  • 11:47 - 11:50
    com os seus olhos
    castanhos brilhantes.
  • 11:51 - 11:54
    Os seus olhos castanhos emitindo
  • 11:54 - 11:56
    toda a emoção da fala, da voz.
  • 11:56 - 12:00
    É todo o corpo que você
    entrega junto com a voz.
  • 12:00 - 12:03
    É o brilho no olho,
    é o lacrimejar,
  • 12:03 - 12:06
    porque ele está lacrimejando,
    porque ele está emocionado.
  • 12:06 - 12:10
    Então há uma entrega neste estúdio,
  • 12:10 - 12:11
    neste dia,
  • 12:11 - 12:13
    de uma energia
  • 12:13 - 12:18
    que também é
    construída no afeto,
  • 12:18 - 12:21
    e o afetar em todos os sentidos
  • 12:21 - 12:23
    que você possa imaginar,
  • 12:23 - 12:25
    porque você me afeta
    com a sua fala,
  • 12:25 - 12:28
    você me afeta com o seu olhar.
  • 12:28 - 12:30
    Eu sinto...
  • 12:31 - 12:35
    A visceralidade da contação,
  • 12:35 - 12:38
    do que ele está
    colocando aqui de energia,
  • 12:38 - 12:40
    e é isso que nos fez sobreviver.
  • 12:40 - 12:43
    Foi essa tecnologia
  • 12:43 - 12:45
    de entender que essa...
  • 12:47 - 12:49
    Foi a única possibilidade
    que tivemos.
  • 12:49 - 12:53
    E isso foi colocado na frente
  • 12:53 - 12:55
    e que fez, de fato,
  • 12:55 - 12:58
    a gente sobreviver e fazer
    esse país ser o que ele é.
  • 12:58 - 13:00
    E a possibilidade do protagonismo, né,
  • 13:00 - 13:02
    porque quando a voz desobedece,
  • 13:02 - 13:06
    quem conta a história é quem
    está contando pela sua perspectiva
  • 13:06 - 13:07
    e não pelo registro histórico.
  • 13:07 - 13:10
    Porque a gente também sabe
    que o registro histórico
  • 13:10 - 13:12
    não foi feito pelas pessoas
    que necessariamente
  • 13:12 - 13:14
    vivenciaram aquilo, né?
  • 13:14 - 13:15
    Eram outras pessoas contando.
  • 13:15 - 13:18
    E nós estamos falando
    de uma cultura,
  • 13:18 - 13:20
    de um tipo de saber,
  • 13:20 - 13:23
    que honra muito a ancestralidade,
  • 13:23 - 13:26
    mas não porque a ancestralidade
    está lá atrás,
  • 13:26 - 13:29
    mas porque a ancestralidade
    está aqui agora, está presente.
  • 13:29 - 13:31
    Isso é muito importante
  • 13:31 - 13:36
    porque é uma sabedoria
    tão visceral, tão maravilhosa,
  • 13:36 - 13:40
    que a própria morte
    é superada nesse sentido.
  • 13:40 - 13:44
    Então, a pessoa
    que morreu retorna,
  • 13:44 - 13:46
    presentifica aqui agora,
  • 13:46 - 13:48
    quando eu falo dela,
    quando eu vocalizo.
  • 13:48 - 13:52
    Então tem algo da presença dessa
    pessoa, disso que não morre,
  • 13:52 - 13:55
    e que eu trago aqui
    agora desse passado.
  • 13:55 - 13:59
    Então não é uma ideia linear
    de passado, presente e futuro.
  • 13:59 - 14:00
    Como a Vanda Machado fala...
  • 14:00 - 14:03
    A Vanda Machado é lá do Afonjá,
  • 14:03 - 14:05
    comunidade Afonjá
    da mãe Stella de Oxóssi,
  • 14:05 - 14:09
    e tem uma escola de ensino
    fundamental lá no terreiro.
  • 14:09 - 14:11
    Então, tem toda
    uma pedagogia voltada para isso
  • 14:11 - 14:13
    e o trabalho da Vanda
    em torno disso.
  • 14:13 - 14:16
    Então ela fala: "Não é
    passado, presente e futuro.
  • 14:16 - 14:18
    É presente do presente,
  • 14:18 - 14:19
    presente do passado,
  • 14:19 - 14:21
    e presente do futuro.
  • 14:21 - 14:24
    Então, nem a morte
    pode com isso.
  • 14:25 - 14:28
    A morte então passa a ser
    só uma outra forma de vida,
  • 14:28 - 14:31
    porque os ancestrais estão aqui,
    eles vêm, eles retornam,
  • 14:31 - 14:35
    comem com a gente, eles encarnam,
    eles têm corpo também,
  • 14:35 - 14:38
    abençoam as pessoas,
  • 14:38 - 14:40
    comemoram os seus feitos.
  • 14:40 - 14:41
    Eles estão aqui conosco.
  • 14:41 - 14:45
    Então, o contrário
    da vida não é a morte.
  • 14:45 - 14:48
    O contrário da vida
    é o desencanto.
  • 14:48 - 14:50
    A gente está falando
    de pessoas encantadas,
  • 14:50 - 14:52
    de pessoas que têm esse
    poder de encantamento,
  • 14:52 - 14:56
    e contra isso, ninguém
    pode, ninguém pode.
  • 14:56 - 14:57
    E aí, eu não sei
    se eu posso falar...
  • 14:57 - 14:59
    Eu queria que você falasse...
  • 14:59 - 15:00
    - Da literatura?
    - Sim, da literatura, por favor.
  • 15:00 - 15:03
    Então, a literatura
    tem essa questão...
  • 15:06 - 15:08
    Eu falei do corpo...
  • 15:08 - 15:11
    Eu vou dar um exemplo aqui
    para quem está assistindo,
  • 15:11 - 15:12
    que é o seguinte...
  • 15:13 - 15:14
    Eu vou contar uma história.
  • 15:16 - 15:19
    Tinha um menino,
    era uma adolescente
  • 15:19 - 15:22
    de uns 13 anos de idade,
  • 15:22 - 15:25
    um adolescente como qualquer
    outro adolescente contemporâneo,
  • 15:25 - 15:29
    que gostava muito de jogar
    videogame com os amigos,
  • 15:29 - 15:31
    jogava futebol também,
  • 15:31 - 15:34
    e era um estudante brilhante,
  • 15:34 - 15:36
    e ele estava interessado
    numa menina
  • 15:36 - 15:38
    que o convidou para uma festa.
  • 15:38 - 15:41
    E aqui eu paro a história porque
    não interessa nada a história.
  • 15:41 - 15:45
    Eu quero saber, honestamente,
    de você que me assiste:
  • 15:45 - 15:47
    você imaginou
    o menino de que cor?
  • 15:49 - 15:50
    Essa é a pergunta.
  • 15:50 - 15:53
    Porque quando a gente
    ouve uma história,
  • 15:53 - 15:57
    gealmente a gente imagina
    uma pessoa branca,
  • 15:57 - 16:00
    porque o branco é universal,
  • 16:00 - 16:03
    o negro é específico.
  • 16:03 - 16:06
    Então você só vai saber
    a cor de um personagem
  • 16:06 - 16:07
    se o autor informar.
  • 16:07 - 16:12
    Uma vez eu estava numa mesa, aí
    eu falei que eu era negro na apresentação.
  • 16:12 - 16:15
    Aí um autor conhecidíssimo
  • 16:15 - 16:16
    estava do meu lado, branco,
    e disse assim...
  • 16:16 - 16:18
    Aí, na hora que ele foi
    se paresentar ele disse:
  • 16:18 - 16:19
    "Eu não vou falar a minha cor.
  • 16:19 - 16:23
    Eu acho bobagem porque
    os meus personagens...".
  • 16:23 - 16:26
    Aí eu interrompi e falei: peraí,
    eu não vou passar por uma pessoa
  • 16:26 - 16:30
    que está dizendo aquilo
    que é inútil dizer.
  • 16:30 - 16:33
    Sabe porque você não fala a cor
    dos seus personagens, fulano?
  • 16:34 - 16:35
    Porque elas são brancas.
  • 16:35 - 16:37
    Se elas fossem
    negras, você diria,
  • 16:37 - 16:41
    se elas fossem
    indígenas, você diria.
  • 16:41 - 16:43
    Então é sempre esse
    o universal branco.
  • 16:43 - 16:44
    Então a história é assim.
  • 16:44 - 16:48
    E numa dessas, embranqueceram
    inclusive, o Machado de Assis.
  • 16:48 - 16:52
    Para aceitar que um preto
  • 16:52 - 16:54
    fosse o cânone
    nacional da literatura
  • 16:54 - 16:56
    foi preciso embranquecê-lo.
  • 16:56 - 17:01
    E aí teve todo
    um celeuma que se criou
  • 17:01 - 17:03
    com o enegrecimento dele
  • 17:03 - 17:06
    a restituição da cor
    do Machado de Assis
  • 17:06 - 17:08
    Ele nasce pardo...
  • 17:08 - 17:12
    Na certidão de nascimento
    do Machado de Assis
  • 17:12 - 17:13
    tem lá pardo,
  • 17:13 - 17:16
    e na certidão de óbito,
  • 17:16 - 17:19
    porque aí ele era Machado de Assis...
  • 17:21 - 17:23
    Respeitado, uma figura respeitada
  • 17:23 - 17:26
    pela literatura da língua portuguesa,
  • 17:26 - 17:29
    na certidão de óbito,
  • 17:29 - 17:30
    jaz um homem branco.
  • 17:32 - 17:35
    Essa sujeiticidade
  • 17:35 - 17:38
    que a gente reivindica
  • 17:38 - 17:40
    não é do acaso.
  • 17:40 - 17:43
    Ela é de séculos,
  • 17:43 - 17:46
    de negligenciar, inclusive,
    essa intelectualidade.
  • 17:46 - 17:49
    Do apagamento
    das existências, de fato.
  • 17:49 - 17:50
    Exato.
  • 17:50 - 17:52
    E aí, quando você traz
  • 17:52 - 17:55
    tantos pensadores...
  • 17:55 - 17:56
    A gente fala do Machado,
  • 17:56 - 18:00
    mas Juliano Moreira,
    por exemplo, que era um médico
  • 18:00 - 18:05
    que foi o grande percursor
    da luta antimanicomial,
  • 18:05 - 18:07
    era um homem negro.
  • 18:07 - 18:10
    Quando eu falei isso
    para o meu psiquiatra,
  • 18:10 - 18:12
    que é um homem
  • 18:12 - 18:15
    de aparência, fenótipos,
    do Oriente Médio,
  • 18:15 - 18:17
    ele falou: "Agnalda, eu não acredito
  • 18:17 - 18:20
    que eu passei a faculdade,
    quase que inteira,
  • 18:20 - 18:21
    estudando Juliano Moreira,
  • 18:21 - 18:23
    e eu não sabia que ele
    era um homem negro".
  • 18:23 - 18:25
    Um homem negro
    que se formou em medicina,
  • 18:25 - 18:27
    entrou para a faculdade
    de medicina aos 17 anos.
  • 18:29 - 18:32
    Então, assim, ele era genial,
  • 18:32 - 18:33
    ele era genial.
  • 18:33 - 18:36
    E eu estou falando
    muito disso
  • 18:36 - 18:41
    porque, enfim, eu fundo
    a Côrtez e Companhia
  • 18:41 - 18:42
    para poder...
  • 18:43 - 18:46
    Dentro da cultura neoliberal,
  • 18:46 - 18:48
    fazer com que pessoas negras
  • 18:48 - 18:51
    continuem reverberando
    coisas importantes,
  • 18:51 - 18:54
    como uma comunicação
    relevante na internet,
  • 18:54 - 18:55
    capitalizando isso.
  • 18:57 - 19:00
    E foi a partir da história
    dos heróis negros brasileiros, né,
  • 19:00 - 19:03
    porque quando o PH Côrtes
    começa, com 13 anos,
  • 19:03 - 19:06
    a falar dos heróis negros
    brasileiros na internet,
  • 19:06 - 19:09
    era uma criança, era um menino,
  • 19:09 - 19:11
    que estava falando
    de algo tão importante
  • 19:11 - 19:15
    de uma forma tão
    interessante, tão funny,
  • 19:15 - 19:17
    tão gostosinha,
  • 19:17 - 19:20
    que as crianças gostavam,
    os adultos gostavam.
  • 19:20 - 19:23
    Só que chegou o momento,
    ele com 14 anos,
  • 19:23 - 19:25
    falou: "Eu não vou fazer mais".
  • 19:25 - 19:27
    Por que você
    não vai fazer, filho?
  • 19:27 - 19:30
    "Não vou fazer mais porque eu
    quero ganhar dinheiro também,
  • 19:30 - 19:34
    como todo mundo
    ganha com isso na internet.
  • 19:34 - 19:36
    E eu não quero só mudar o mundo.
  • 19:36 - 19:38
    Eu quero mudar o meu mundo".
  • 19:38 - 19:41
    Porque também tem a leitura
    de quem você é no mundo
  • 19:41 - 19:43
    e como isso se constitui.
  • 19:43 - 19:45
    E aí, quando ele fala isso para mim,
  • 19:45 - 19:47
    vem um monte de coisas
    na minha cabeça,
  • 19:47 - 19:49
    do tipo... Caramba!
  • 19:49 - 19:52
    Criado por mim, educado por mim,
  • 19:52 - 19:53
    me vendo em cargos de liderança,
  • 19:53 - 19:57
    porque eu tive 22 anos
    de cargos executivos
  • 19:57 - 19:59
    dentro de grandes corporações.
  • 19:59 - 20:04
    Mesmo assim, esse guri está
    se vendo impedido de realizar sonhos
  • 20:04 - 20:07
    está se vendo impedido
    de ser um artista pensador,
  • 20:07 - 20:10
    porque ele estava
    construindo o texto,
  • 20:10 - 20:12
    fazendo roteiros,
    para fazer o vídeo.
  • 20:12 - 20:13
    Ele fazia tudo.
  • 20:13 - 20:14
    Ele fazia, não. Ele faz tudo.
  • 20:14 - 20:17
    Hoje esse rapaz está com 22 anos.
  • 20:17 - 20:20
    E agora é olho dela que está
    brilhando só por ela contar aqui.
  • 20:20 - 20:23
    É porque é muito legal
    lembrar que esse guri
  • 20:23 - 20:26
    só queria continuar fazendo
    o que estava fazendo,
  • 20:26 - 20:28
    mas o mundo estava
    dizendo para ele:
  • 20:28 - 20:30
    "Isso aí não vale nada não, viu?".
  • 20:30 - 20:33
    Apesar da comunidade negra,
    apesar dos professores, de jornalistas,
  • 20:33 - 20:34
    de todo mundo falar
    que estava valendo...
  • 20:36 - 20:39
    Era um valor de propósito,
  • 20:39 - 20:43
    mas não tinha o preço,
    ele não ganhava.
  • 20:43 - 20:44
    E aí ele falava assim:
  • 20:44 - 20:47
    "Ah, eu vou trabalhar
    com o meu pai de office boy
  • 20:47 - 20:49
    e vou ganhar
    um dinheirinho ali pelo menos".
  • 20:49 - 20:51
    Não, você não vai fazer isso.
  • 20:51 - 20:55
    Você vai continuar fazendo
    o que você quer fazer,
  • 20:55 - 20:58
    vai continuar reverberando
    a história dos heróis negros brasileiros.
  • 20:58 - 21:01
    É por isso que me veio
    Juliano Moreira e Machado,
  • 21:01 - 21:03
    é porque ele contou
    essas histórias.
  • 21:03 - 21:07
    E eu vou arranjar um jeito
    de a gente ganhar dinheiro com isso.
  • 21:07 - 21:09
    Eu sabia algo de publicidade?
  • 21:09 - 21:10
    Nada.
  • 21:10 - 21:13
    Sabia o que eles comiam, onde
    eles andavam, o que eles faziam?
  • 21:13 - 21:14
    Não.
  • 21:14 - 21:17
    Mas eu entendi a nossa força,
  • 21:17 - 21:19
    a nossa energia na oralidade.
  • 21:20 - 21:24
    Eu costumo dizer
    que esse talento
  • 21:24 - 21:25
    eu puxei da minha avó.
  • 21:25 - 21:27
    A minha vó era
    uma encantadora de gente.
  • 21:27 - 21:30
    Quando ela se sentava,
  • 21:30 - 21:32
    uma mulher preta, retinta,
  • 21:32 - 21:33
    uma mulher rezadeira...
  • 21:33 - 21:35
    Quando ela contava as histórias,
  • 21:35 - 21:38
    eu mergulhava
    naquele universo dela.
  • 21:38 - 21:40
    E eu sabia que eu
    tinha esse talento.
  • 21:40 - 21:41
    Então...
  • 21:42 - 21:44
    O que há de mais precioso
  • 21:44 - 21:47
    se não você contar a história
  • 21:47 - 21:48
    em primeira pessoa,
  • 21:48 - 21:51
    com um olhar de encantamento,
  • 21:51 - 21:53
    que é diferente de marketing,
  • 21:53 - 21:56
    é diferente de venda.
  • 21:58 - 22:01
    Fazer com que o outro se encante.
  • 22:01 - 22:02
    É trazer o outro,
  • 22:02 - 22:03
    e esse outro...
  • 22:05 - 22:07
    Independentemente
    se ele é branco,
  • 22:07 - 22:08
    preto, azul, vermelho,
  • 22:08 - 22:12
    esse outro se encanta pelas histórias.
  • 22:12 - 22:15
    Então, hoje, e naquele momento,
  • 22:15 - 22:17
    eu sabia que eu
    tinha esse talento.
  • 22:17 - 22:19
    Eu poderia trazer as pessoas
  • 22:19 - 22:22
    para um lugar encantador.
  • 22:22 - 22:25
    E dentro da minha
    experiência comercial,
  • 22:25 - 22:29
    eu sabia que esse encantamento
    tinha um valor.
  • 22:29 - 22:31
    E esse valor tem preço.
  • 22:31 - 22:34
    Numa sociedade capitalista,
    você tem que saber cobrar.
  • 22:34 - 22:35
    Então foi isso que eu fiz.
  • 22:35 - 22:39
    Mas, veja bem, olha
    a volta que é dada,
  • 22:39 - 22:42
    o repertório que tem que se ter,
  • 22:42 - 22:45
    para poder incorporar.
  • 22:45 - 22:46
    Porque é isso.
  • 22:47 - 22:49
    Eu sou uma mulher de negócios.
  • 22:50 - 22:54
    Eu sou uma mulher filha de Iabá...
  • 22:55 - 22:57
    Mercadoras
  • 22:57 - 22:59
    O povo nigeriano
  • 22:59 - 23:01
    sabe fazer mercado como ninguém,
  • 23:01 - 23:04
    sabe fazer trocas, trocas justas.
  • 23:06 - 23:08
    Quando eu vendo,
  • 23:08 - 23:11
    eu entrego, eu faço uma troca justa.
  • 23:12 - 23:15
    Então o outro não
    se sente invadido,
  • 23:15 - 23:17
    nem se sente
    à vontade de negociar.
  • 23:17 - 23:21
    Porque não é sobre negociar
    o que eu estou falando.
  • 23:21 - 23:23
    É sobre uma troca justa.
  • 23:23 - 23:25
    Então eu acho que esse exercício...
  • 23:25 - 23:27
    Gente, eu estou trazendo
    aqui para vocês
  • 23:27 - 23:29
    a possibilidade da gente,
  • 23:29 - 23:33
    dentro de outras cosmovisões,
  • 23:33 - 23:36
    entender as nossas tecnologias.
  • 23:36 - 23:39
    A gente já era um povo assim.
  • 23:39 - 23:41
    Nós já sabemos fazer isso.
  • 23:41 - 23:44
    Não foi a faculdade que me ensinou.
  • 23:44 - 23:45
    Eu fiz faculdade de turismo.
  • 23:46 - 23:49
    Sim, fui sempre
    do lado comercial,
  • 23:49 - 23:51
    sempre trabalhei técnicas,
  • 23:51 - 23:54
    mas não é isso que faz eu ser quem eu sou,
  • 23:54 - 23:59
    mas esse jeito de fazer negócio.
  • 23:59 - 24:01
    A minha avó me levava
    para a feira, viu, gente?
  • 24:01 - 24:04
    Olha, ela tinha
    um pouquinho de dinheiro,
  • 24:04 - 24:08
    uma penca de banana,
    uns litros de farinha,
  • 24:08 - 24:10
    e ela fazia umas trocas na feira
  • 24:10 - 24:13
    porque ela não tinha
    dinheiro em espécie.
  • 24:13 - 24:15
    Três, quatro, cinco horas,
  • 24:15 - 24:17
    o sol a pino,
  • 24:17 - 24:20
    mas ela ficava horas
    na conversa,
  • 24:20 - 24:21
    na troca justa.
  • 24:21 - 24:24
    Então, o quanto
    a gente está disposto
  • 24:24 - 24:26
    a contar as nossas histórias
  • 24:26 - 24:30
    para que o outro não
    entenda como um favor
  • 24:30 - 24:33
    ou até na ousadia
  • 24:33 - 24:35
    de fazer uma proposta indecente.
  • 24:35 - 24:38
    Como a gente faz
    com que o outro se encante.
  • 24:38 - 24:42
    Eu acho que é um exercício
    que a arte traz muito bem,
  • 24:42 - 24:43
    mas essa arte...
  • 24:43 - 24:44
    Quando a gente fala, parece algo
  • 24:44 - 24:47
    tão subjetivo.
  • 24:47 - 24:49
    Essa arte é construída
  • 24:49 - 24:53
    dentro de várias
    tecnologias e saberes.
  • 24:53 - 24:56
    Quando o Reni fala
    dessa corporeidade,
  • 24:56 - 25:00
    dessa sujeiticidade,
    dessa oralidade,
  • 25:00 - 25:04
    é quanto de conhecimento
  • 25:04 - 25:06
    do agora, pragmático,
  • 25:06 - 25:09
    desse que você está
    estudando aqui,
  • 25:09 - 25:12
    e do que você traz
    ancestralmente.
  • 25:12 - 25:14
    Como você está fazendo
    essa conexão?
  • 25:14 - 25:18
    Porque é ela que vai determinar
    o seu diferencial no mercado.
  • 25:18 - 25:20
    Tenha certeza disso.
  • 25:20 - 25:23
    Os certificados
    são importantíssimos
  • 25:23 - 25:25
    porque eles que te
    dão passabilidade
  • 25:25 - 25:28
    para você estar nos espaços.
  • 25:28 - 25:29
    Mas o que vai fazer a diferença
  • 25:29 - 25:33
    é como você está se conectando
  • 25:33 - 25:35
    com essa ancestralidade
    que o Reni falou.
  • 25:35 - 25:37
    Todo mundo tem, viu?
  • 25:37 - 25:39
    A ancestralidade não está
    só para o povo negro não.
  • 25:39 - 25:40
    Exato.
  • 25:40 - 25:43
    É importante
    isso porque as pessoas acham
  • 25:43 - 25:45
    que a ancestralidade é dada
    pela cor da pele.
  • 25:45 - 25:46
    Sempre.
  • 25:46 - 25:49
    Eu, por exemplo, tenho uma irmã
    que é considerada branca.
  • 25:49 - 25:52
    Não é branca, mas a branca
    que passa por branca, né?
  • 25:52 - 25:55
    Bom, parece que ela está
    satisfeita com isso alvez.
  • 25:55 - 25:59
    Então, é muito interessante
    porque a minha irmã é cosmopolita
  • 25:59 - 26:00
    porque ela é branca.
  • 26:00 - 26:03
    Eu não, eu sou destinado à África,
  • 26:03 - 26:04
    Então, como assim dois irmãos?
  • 26:04 - 26:07
    Somos filhos do mesmo
    pai, da mesma mãe.
  • 26:07 - 26:11
    E mesmo pessoas que não têm
    ascendência negra direta,
  • 26:11 - 26:13
    mas se você é brasileiro,
    se você nasceu aqui...
  • 26:13 - 26:16
    Então a questão não é dizer...
  • 26:16 - 26:19
    "Ah, mas as pessoas estão
    se apropriando, porque os brancos...".
  • 26:19 - 26:21
    "Gente, eu acho
    que a questão é honrar.
  • 26:23 - 26:25
    Porque fundamento você honra.
  • 26:25 - 26:27
    Então, o que a gente
    está pedindo é:
  • 26:27 - 26:28
    honre esse fundamento
  • 26:28 - 26:31
    seja você da cor que for.
  • 26:31 - 26:35
    Então a questão não é porque
    branco não tem essa ancestralidade,
  • 26:35 - 26:36
    o branco brasileiro.
  • 26:36 - 26:38
    Não, tem, só que a questão
    que se pede é que se honre.
  • 26:39 - 26:44
    E honrar é, inclusive,
    defender os pretos
  • 26:44 - 26:47
    das injustiças causadas
    em nome dos brancos.
  • 26:47 - 26:48
    Exato.
  • 26:48 - 26:49
    Isso é honrar esse fundamento.
  • 26:49 - 26:51
    Entender o seu papel,
  • 26:51 - 26:53
    que... "Ah, eu não
    tenho lugar de fala",
  • 26:53 - 26:55
    mas que você tem
    o seu lugar de ação,
  • 26:55 - 26:58
    então usem o lugar de ação.
  • 26:58 - 26:59
    E eu quero pegar o gancho, Agnalda,
  • 26:59 - 27:01
    do que você trouxe, do PH,
  • 27:01 - 27:03
    Que histórias são essas
    que a gente conta
  • 27:03 - 27:05
    e quem conta essas histórias?
  • 27:05 - 27:07
    Porque, trazendo
    o gancho da oralidade
  • 27:07 - 27:09
    que o Reni trouxe
    brilhantemente para a mesa,
  • 27:09 - 27:11
    que voz é essa?
  • 27:11 - 27:13
    Como a gente registra isso?
  • 27:13 - 27:16
    E a gente está registrando
    tudo no digital agora.
  • 27:16 - 27:19
    Então, como a gente
    empacota essas histórias
  • 27:19 - 27:22
    e como a gente encanta
    pessoas pela comunicação,
  • 27:22 - 27:25
    que é uma ferramenta pela qual
    eu sou absurdamente apaixonada,
  • 27:25 - 27:28
    que é uma ferramenta
    maravilhosa e gigantesca,
  • 27:28 - 27:30
    que trata de gente.
  • 27:30 - 27:32
    Sempre, em primeiro
    lugar, é gente.
  • 27:32 - 27:36
    Depois vem todas as estratégias
    que podem ser para venda,
  • 27:36 - 27:38
    mas sempre por gente,
  • 27:38 - 27:40
    sempre tendo
    esse principal canal.
  • 27:40 - 27:42
    E aí, Reni, eu queria falar
    um pouco com você
  • 27:42 - 27:45
    sobre uma pesquisa do Grupo de Estudos
    de Literatura Contemporânea
  • 27:45 - 27:48
    da UnB, Universidade de Brasília,
  • 27:48 - 27:51
    que entre 2004 e 2014,
  • 27:51 - 27:54
    apenas 2,5%
    dos autores publicados
  • 27:54 - 27:56
    não eram brancos,
  • 27:56 - 27:58
    e apenas 6,9%
  • 27:58 - 28:01
    dos personagens retratados
  • 28:01 - 28:05
    nos livros publicados
    eram pessoas negras.
  • 28:05 - 28:08
    Como a gente traz esse
    protagonismo e essa voz
  • 28:08 - 28:10
    para a população
    negra na literatura?
  • 28:10 - 28:12
    Eu gosto muito dessa pesquisa.
  • 28:12 - 28:14
    É uma pesquisa encabeçada
    pela professora
  • 28:14 - 28:16
    Regina Regina Dalcastagné,
    da UnB.
  • 28:16 - 28:19
    Eu costumo trabalhar
    com esses dados.
  • 28:21 - 28:25
    Ela passou muitos
    anos pesquisando...
  • 28:26 - 28:31
    Das obras de 1990 a 2004,
  • 28:31 - 28:33
    das grandes editoras,
    Companhia das Letras,
  • 28:33 - 28:35
    Rocco e Record,
  • 28:35 - 28:37
    olha só que interessante,
  • 28:37 - 28:41
    ela viu que,
    dos 1245 personagens
  • 28:41 - 28:43
    catalogados
  • 28:43 - 28:45
    em 258 obras,
  • 28:46 - 28:49
    2,7% são mulheres negras.
  • 28:49 - 28:50
    Dois...
  • 28:50 - 28:52
    2,7% são mulheres negras.
  • 28:52 - 28:54
    Em 258 obras
  • 28:54 - 28:56
    entre 1245 personagens.
  • 28:56 - 29:00
    E nessas aparições
  • 29:00 - 29:02
    de 2,7%,
  • 29:02 - 29:03
    olha só,
  • 29:03 - 29:07
    em 70% dos casos
    elas são retratadas
  • 29:07 - 29:10
    como empregadas
    domésticas ou prostitutas.
  • 29:10 - 29:13
    E nas outras aparições
    que restam,
  • 29:13 - 29:15
    elas são donas de casa,
  • 29:15 - 29:17
    escravas ou delinquentes.
  • 29:19 - 29:21
    E a análise ainda aponta que,
  • 29:21 - 29:23
    em apenas três dessas obras,
  • 29:23 - 29:26
    uma mulher negra aparece
    como protagonista
  • 29:26 - 29:30
    e em apenas um caso,
    ela é a narradora.
  • 29:30 - 29:33
    E aí vale também para os homens.
  • 29:33 - 29:35
    O perfil médio
    dos personagens...
  • 29:37 - 29:39
    Masculinos pesquisados seriam:
  • 29:39 - 29:42
    homens brancos,
  • 29:42 - 29:44
    79,8%,
  • 29:44 - 29:48
    provenientes
    da classe média, 56,6%
  • 29:48 - 29:51
    e heterossexuais, 81%.
  • 29:51 - 29:53
    Em 56% dos romances,
  • 29:53 - 29:56
    não existe sequer
    um personagem não branco.
  • 29:57 - 29:58
    E quem está falando?
  • 29:58 - 30:00
    72,7%
  • 30:00 - 30:02
    dos romances analisados
  • 30:02 - 30:04
    foram escritos por homens.
  • 30:04 - 30:05
    Destes,
  • 30:05 - 30:09
    93,9%
  • 30:09 - 30:10
    são brancos.
  • 30:10 - 30:13
    E aí, de novo, a importância
    dessa imaginação
  • 30:13 - 30:16
    e dessa construção
    para as crianças
  • 30:16 - 30:17
    e para a gente também.
  • 30:17 - 30:19
    De quem são essas pessoas
    que estão nesse lugar?
  • 30:19 - 30:23
    Por isso o PH sentiu falta
    de ter alguém que falasse dos heróis,
  • 30:23 - 30:25
    assim como ele também
    levantou a mão e falou:
  • 30:25 - 30:27
    "Mas espera aí! Eu preciso
    ganhar um dinheiro,
  • 30:27 - 30:28
    então eu vou fazer
    uma outra coisa
  • 30:28 - 30:29
    porque isso não
    vai me dar dinheiro,
  • 30:29 - 30:33
    eu não vou ter o reconhecimento
    financeiro nesse lugar".
  • 30:33 - 30:34
    Olha, tem um problema
    muito sério.
  • 30:34 - 30:36
    Se você ler uma história
    para uma criança,
  • 30:36 - 30:38
    ela não imagina
    personagens iguais a ela,
  • 30:38 - 30:42
    quando não é
    dito nada sobre etnia,
  • 30:42 - 30:43
    tem um problema muito sério.
  • 30:43 - 30:44
    Isso vale para nós.
  • 30:44 - 30:48
    Eu também tenho
    que fazer um esforço
  • 30:48 - 30:49
    incomum, sabe,
  • 30:49 - 30:51
    desgastante até,
  • 30:51 - 30:52
    se eu quiser sair do estereótipo
  • 30:52 - 30:55
    quando eu vou
    imaginar literatura,
  • 30:55 - 30:57
    que é a minha área de trabalho,
  • 30:57 - 30:59
    porque eu também fui
    condicionado a isso,
  • 30:59 - 31:02
    a entender
    que o universal era branco.
  • 31:02 - 31:03
    Eu tenho que fazer esse esforço.
  • 31:03 - 31:05
    É um esforço
    consciente que eu faço,
  • 31:05 - 31:09
    porque, automaticamente,
    vem o personagem branco.
  • 31:09 - 31:14
    Mas tão importante quanto
    trazer essas pessoas,
  • 31:14 - 31:16
    trazer para a chamada
    representatividade,
  • 31:16 - 31:18
    uma palavra até
    um pouco problemática...
  • 31:18 - 31:21
    Não vamos conseguir
    problematizá-la aqui.
  • 31:21 - 31:24
    Mas quando a gente
    fala da representação,
  • 31:24 - 31:26
    tira a representatividade,
  • 31:26 - 31:29
    representação dessas pessoas...
  • 31:29 - 31:30
    Porque é disso
    que nós estamos falando,
  • 31:30 - 31:34
    você representa a mulher
    negra daquela forma,
  • 31:34 - 31:37
    então você cai nessa
    representação estereotipada.
  • 31:37 - 31:38
    É disso que estamos falando.
  • 31:38 - 31:40
    Então, tão importante
    quanto trazer,
  • 31:40 - 31:43
    e a gente pode falar
    de autores daqui a pouco,
  • 31:43 - 31:45
    autores negros e negras,
  • 31:45 - 31:48
    é que, com o acesso
  • 31:48 - 31:51
    de pessoas negras
    nas universidades,
  • 31:51 - 31:53
    fazendo pesquisa de qualidade,
  • 31:53 - 31:56
    em universidades públicas
    principalmente,
  • 31:56 - 31:59
    a gente tem visto que, tudo isso
    de que falávamos no início,
  • 31:59 - 32:02
    sobre esse saber vocal,
  • 32:02 - 32:05
    ou oralidade,
  • 32:05 - 32:07
    que é corpo, tudo isso,
  • 32:07 - 32:10
    está ganhando dignidade epistêmica
    dentro das universidades.
  • 32:10 - 32:12
    Isso que é importante
    a gente pensar,
  • 32:12 - 32:15
    não porque esses
    saberes precisam
  • 32:15 - 32:18
    da chancela
    de uma universidade.
  • 32:18 - 32:19
    Não é isso.
  • 32:19 - 32:23
    Mas é porque esses espaços
    precisam ser ocupados
  • 32:23 - 32:24
    com esses saberes,
  • 32:24 - 32:28
    que são a nossa resistência
    que sustenta essa cultura.
  • 32:28 - 32:32
    Então, essa dignidade epistêmica
    é muito importante.
  • 32:32 - 32:36
    Ela está sendo construída
    agora, neste momento,
  • 32:36 - 32:39
    por esses novos pesquisadores,
    negros e negras,
  • 32:39 - 32:40
    que estão chegando
    nas universidades.
  • 32:40 - 32:43
    E uma política muito recente
    de ocupação das universidades, né,
  • 32:43 - 32:45
    porque a gente também
    não podia acessar.
  • 32:45 - 32:48
    E eu só quero reforçar aqui
    um dado que a gente fala sempre,
  • 32:48 - 32:52
    que é do Censo 2022 do IBGE.
  • 32:52 - 32:56
    A população negra formada
    por pessoas pretas e pardas
  • 32:56 - 32:59
    representa a maior parte
    da população brasileira.
  • 32:59 - 33:03
    Se a gente está em espaços
    em que não há pessoas pretas e pardas,
  • 33:03 - 33:05
    a gente não tem
    representação desse país,
  • 33:05 - 33:07
    seja no acadêmico,
  • 33:07 - 33:10
    seja no mercado de trabalho,
    em qualquer lugar.
  • 33:10 - 33:12
    Então, saber estes
    dados é importante
  • 33:12 - 33:17
    porque se não tem diversidade
    e se não tem representação,
  • 33:17 - 33:20
    não tem inovação,
    não tem possibilidades
  • 33:20 - 33:24
    de continuar tentando
    massificar uma população inteira
  • 33:24 - 33:27
    a partir de uma perspectiva de quem
    só quer ter manutenção de poder.
  • 33:27 - 33:29
    Porque, me desculpe
    falar isso para vocês,
  • 33:29 - 33:32
    mas nem vocês estão
    inseridos necessariamente
  • 33:32 - 33:34
    nesses cenários
    e nesses contextos.
  • 33:34 - 33:37
    Então, qual é o nosso papel
    para abrir esses espaços
  • 33:37 - 33:40
    e para ter noção do contexto
    e do país que a gente vive
  • 33:40 - 33:42
    para conseguir fazer diferente,
  • 33:42 - 33:44
    porque senão não vai rolar.
  • 33:44 - 33:47
    Não rola mais, não dá
    para fingir que não existe.
  • 33:47 - 33:50
    E aí, para a gente
    chegar ao fim,
  • 33:50 - 33:52
    quer trazer
    algum ponto, Agnalda?
  • 33:52 - 33:53
    Você está aqui
    com o olhinho brilhando.
    ,
  • 33:53 - 33:55
    Não, é porque...
  • 33:55 - 33:59
    Pensando na representação
  • 33:59 - 34:03
    e pensando particularmente
    no que eu vivi em casa,
  • 34:03 - 34:08
    e a partir dessa força motriz,
  • 34:08 - 34:11
    de novo trazendo
    essa Matripotência,
  • 34:11 - 34:15
    como que mulheres negras
    movimentam essa sociedade.
  • 34:15 - 34:19
    Veja bem, foi uma força
    motriz e uterina
  • 34:19 - 34:23
    que me fez fundar uma empresa
  • 34:23 - 34:26
    que abriu um mercado
    que não existia.
  • 34:26 - 34:28
    Os criadores negros existiam,
  • 34:28 - 34:30
    não existia mercado para eles.
  • 34:30 - 34:32
    Então eu fundei um mercado.
  • 34:33 - 34:37
    Se há algo ancestral
  • 34:37 - 34:39
    e incrível,
  • 34:39 - 34:43
    se não essa tecnologia pioneira.
  • 34:43 - 34:45
    E eu não vou dizer:
    ah, eu não gostaria
  • 34:45 - 34:48
    de ter necessitado.
  • 34:48 - 34:50
    Eu não tenho...
  • 34:50 - 34:54
    Esse futuro do pretérito
    não existe para mim.
  • 34:54 - 34:57
    Ou eu faço, ou quem vai fazer?
  • 34:57 - 35:02
    Para abrir caminhos é
    necessário o movimento.
  • 35:02 - 35:06
    Isso também é para falar
    para você, estudante.
  • 35:06 - 35:09
    Não espere que ninguém faça,
  • 35:09 - 35:12
    não espere que alguém vá
    abrir para você as portas.
  • 35:12 - 35:13
    Arrombe-as.
  • 35:15 - 35:19
    Porque é esse movimento
    que vai trazer a inovação.
  • 35:19 - 35:22
    É do incômodo que você nasceu.
  • 35:22 - 35:26
    Um parto, uma gestação...
  • 35:26 - 35:29
    Não é um momento só de flores não.
  • 35:29 - 35:31
    Tem dor, tem incômodo,
  • 35:31 - 35:33
    tem falta de ar
    para essa mulher.
  • 35:33 - 35:37
    E é assim que a gente aprendeu
    a construir as coisas.
  • 35:37 - 35:39
    O novo vem desse incômodo.
  • 35:39 - 35:42
    E eu, lembrando do PH,
  • 35:42 - 35:46
    como ele era com 13 anos
    e quem ele é hoje com 22.
  • 35:46 - 35:48
    Ele era um menino tímido
  • 35:48 - 35:51
    que, na câmera,
  • 35:51 - 35:53
    ele era quem ele gostaria
    de ser para o mundo.
  • 35:53 - 35:55
    E ele não conseguia ser.
  • 35:55 - 35:58
    Era só ele e uma câmera.
  • 35:58 - 35:59
    Ninguém aprovando
    ou desaprovando.
  • 35:59 - 36:01
    Ele fazendo as edições,
  • 36:01 - 36:03
    contando a história
    do jeito que ele queria.
  • 36:03 - 36:06
    Aquilo foi fortalecendo,
  • 36:06 - 36:08
    e a cada história de herói...
  • 36:08 - 36:09
    Porque, gente, com 13 anos,
  • 36:09 - 36:12
    não dá para o PH ficar
    lendo livros e fazendo roteiro.
  • 36:12 - 36:13
    Eu que lia.
  • 36:13 - 36:14
    Ele foi muito...
  • 36:15 - 36:19
    Isso é uma visão
    também de parceria,
  • 36:19 - 36:21
    porque ele foi muito honesto
    com ele mesmo.
  • 36:21 - 36:22
    Ele: "Mamãe,
    você pode me ajudar?"
  • 36:22 - 36:24
    Por que você quer a minha ajuda?
  • 36:24 - 36:26
    "Não, porque você gosta de ler,
  • 36:26 - 36:29
    você escreve bem,
    e eu vou fazer do meu jeito."
  • 36:29 - 36:32
    Então eu escrevia os roteiros,
  • 36:32 - 36:35
    eu lia as histórias,
    que não são histórias...
  • 36:35 - 36:38
    São histórias de muita tragédia.
  • 36:38 - 36:39
    Se a gente...
  • 36:39 - 36:40
    Todas as histórias.
  • 36:40 - 36:41
    O Lima Barreto...
  • 36:41 - 36:43
    É muito difícil às vezes.
  • 36:43 - 36:46
    É muito difícil,
    você sofre lendo.
  • 36:46 - 36:49
    Mas como você transforma
    isso em algo encantador,
  • 36:49 - 36:50
    para um jovem de 13 anos
  • 36:50 - 36:52
    que vai repercutir isso...
  • 36:52 - 36:54
    - Para outras crianças?
    - Só corrigindo.
  • 36:54 - 36:56
    Eu não estou falando que os autores
    são difíceis porque são ininteligíveis.
  • 36:56 - 36:59
    A dificuldade para pessoas negras...
  • 36:59 - 37:01
    - É a dor que a gente aciona.
    - Ler esses autores...
  • 37:01 - 37:03
    Que trazem essa dor dessa
    maneira, como a gente sabe.
  • 37:03 - 37:04
    Exato.
  • 37:04 - 37:07
    Mas se para uma pessoa adulta
  • 37:07 - 37:09
    há um desafio, imagine...
  • 37:09 - 37:10
    Para uma criança, é traumatizante.
  • 37:10 - 37:13
    Então eu tinha que trazer as histórias
  • 37:13 - 37:15
    da forma mais
    encantadora possível
  • 37:15 - 37:17
    para que ele pudesse contar.
  • 37:17 - 37:20
    E eu fico lembrando como
    os olhinhos dele brilhavam,
  • 37:20 - 37:21
    e ele inventava...
  • 37:21 - 37:24
    Tinha uns cacos de gravação
    que ele inventava.
  • 37:24 - 37:26
    Porque quando ele contou
    a história de Dandara...
  • 37:26 - 37:28
    Porque Dandara se mata, né?
  • 37:28 - 37:30
    Mas ele fala assim:
  • 37:30 - 37:33
    "Zumbi era osso duro de roer,
  • 37:33 - 37:36
    Dandara era um osso
    de quebrar os dentes".
  • 37:36 - 37:40
    Isso foi ele que colocou
    no texto,
  • 37:40 - 37:44
    porque ele viu
    que ela era capoeirista,
  • 37:44 - 37:46
    que ela que ensinava as estratégias,
  • 37:46 - 37:50
    que ela que ensinava
    a parte de folhas,
  • 37:50 - 37:51
    dos saberes das folhas.
  • 37:51 - 37:56
    Ela era líder em várias frentes
    dentro do quilombo.
  • 37:56 - 38:00
    Quando ele lê isso,
    ele também incorpora para ele
  • 38:00 - 38:04
    a força das mulheres,
    e das mulheres negras.
  • 38:04 - 38:05
    Como uma mulher...
  • 38:05 - 38:07
    Ele só foi grande desse jeito
  • 38:07 - 38:11
    porque ele tinha uma parceria
    com uma mulher gigante.
  • 38:11 - 38:15
    E aí, quando traz o suicídio..
  • 38:15 - 38:16
    Porque Dandara se suicida.
  • 38:16 - 38:18
    Quando foi invadido...
  • 38:18 - 38:20
    Pelo menos dentro
    dos relatos históricos.
  • 38:20 - 38:23
    Quando o quilombo
    enfim é invadido,
  • 38:23 - 38:25
    e ela sabendo que ela
    poderia ser utilizada
  • 38:25 - 38:30
    como uma ferramenta
  • 38:30 - 38:32
    de sujeição do seu povo,
  • 38:32 - 38:35
    de pegar esse
    líder e colocá-lo...
  • 38:35 - 38:37
    Enfim, ela sabia o que poderia
    ser feito com ela,
  • 38:37 - 38:38
    ser estuprada, enfim.
  • 38:38 - 38:40
    Ela sabia o que poderia
    ser feito com ela.
  • 38:40 - 38:44
    Ela se joga do penhasco
    antes que a peguem.
  • 38:44 - 38:45
    E aí, quando ele lê isso,
  • 38:45 - 38:47
    ele não lê no lugar de...
  • 38:48 - 38:50
    Ela foi embora, ela se matou.
  • 38:50 - 38:51
    É uma dignidade, né?
  • 38:51 - 38:53
    É a dignidade que ela mantém
  • 38:53 - 38:56
    ao saber da sua importância
  • 38:56 - 38:59
    dentro daquela comunidade,
    da sua liderança,
  • 38:59 - 39:02
    e de como isso poderia ser
    utilizado de forma negativa.
  • 39:02 - 39:05
    E aí Zumbi some por um tempo,
  • 39:05 - 39:07
    ele consegue fugir,
  • 39:07 - 39:10
    enquanto essa mulher
    toma essa decisão.
  • 39:10 - 39:13
    Então, olha só que fantástico
  • 39:13 - 39:15
    esse guri aprendendo
    sobre o seu povo.
  • 39:15 - 39:17
    E o PH foi mudando.
  • 39:17 - 39:20
    Esse menino foi ficando
    cada vez maior,
  • 39:20 - 39:23
    e maior no sentido
    de se ver grande,
  • 39:23 - 39:26
    porque ele estava lendo sobre pessoas
  • 39:26 - 39:30
    que foram relevantes
    na história do Brasil.
  • 39:30 - 39:31
    E não interessava...
  • 39:31 - 39:33
    E na escola, gente,
  • 39:33 - 39:35
    não era...
  • 39:35 - 39:38
    Ele não estava sendo
    valorizado por isso não.
  • 39:38 - 39:41
    A escola começa a entender
    o tamanho dele,
  • 39:41 - 39:45
    quando ele vai passar
    numa grande rede de TV
  • 39:45 - 39:48
    e tem lá um ator, o Lázaro,
  • 39:48 - 39:51
    que fala assim:
    "Eu amo o trabalho desse menino".
  • 39:51 - 39:54
    E aí, quando fala isso
    dentro de uma grande rede,
  • 39:54 - 39:56
    aí a escola olha, todo
    mundo olha para o lado...
  • 39:56 - 39:59
    "Gente, ele estuda aqui
  • 39:59 - 40:00
    e ele está fazendo isso".
  • 40:00 - 40:02
    Mas foi um desafio para ele,
  • 40:02 - 40:05
    porque ele estudava
    numa escola particular,
  • 40:05 - 40:08
    de maioria não racializada,
  • 40:08 - 40:10
    e que se sentiram...
  • 40:12 - 40:13
    Provocados.
  • 40:13 - 40:15
    Mas não foi provocado
    no lado positivo.
  • 40:15 - 40:16
    Foram provocados tipo assim:
  • 40:16 - 40:17
    "Quem esse moleque
    pensa que é?".
  • 40:17 - 40:18
    Eu não tô falando da escola.
  • 40:18 - 40:19
    Eu estou falando dos colegas.
  • 40:19 - 40:22
    "Quem ele está pensando que é para fazer
    sucesso,
  • 40:22 - 40:25
    falar de gente preta
  • 40:25 - 40:26
    e ser reconhecido?".
  • 40:26 - 40:30
    Veja bem, é um trabalho
    de educação,
  • 40:30 - 40:34
    porque ele ouve isso lá fora
    e aqui dentro de casa
  • 40:34 - 40:36
    estimulando, estimulando.
  • 40:36 - 40:38
    E aí, para fora de casa,
    eu vou para onde?
  • 40:38 - 40:39
    Para a comunidade.
  • 40:39 - 40:40
    E aí eu vou para onde?
  • 40:40 - 40:43
    Para as peças de autores,
  • 40:43 - 40:45
    de roteiristas,
    de pessoas negras.
  • 40:45 - 40:47
    E isso vai fortalecendo.
  • 40:47 - 40:50
    Ele vai entendendo que não
    está só nesse passado,
  • 40:50 - 40:52
    no presente passado.
  • 40:52 - 40:55
    Essa história está presente,
    acontecendo...
  • 40:56 - 41:00
    A partir de outros corpos
    parecidos com o dele.
  • 41:00 - 41:01
    Presente futuro também.
  • 41:01 - 41:02
    Presente futuro.
  • 41:02 - 41:04
    E aí ele vai entendendo...
  • 41:04 - 41:06
    Por isso que ele estava
    aqui no estúdio.
  • 41:06 - 41:09
    Vocês não viram, mas ele
    estava aqui no estúdio.
  • 41:09 - 41:12
    Ele saiu, mas ele saiu com esse
    gostinho de quero mais,
  • 41:12 - 41:14
    porque o que vocês estão falando aqui
  • 41:14 - 41:16
    é o que eu acredito,
  • 41:16 - 41:19
    é o que sustenta ele,
    é o que o alimenta.
  • 41:19 - 41:21
    Isso é maravilhoso
    porque eu acho que,
  • 41:21 - 41:23
    quando a gente sabe
    da importância da palavra,
  • 41:23 - 41:25
    a gente não desperdiça palavras.
  • 41:25 - 41:28
    E a nossa sociedade,
    que é muito barulhenta, né,
  • 41:28 - 41:30
    é uma sociedade tagarela.
  • 41:30 - 41:33
    Ela fala demais porque
    ela não sabe falar, né?
  • 41:35 - 41:37
    Então a gente está falando
    de um fundamento
  • 41:37 - 41:41
    em que a palavra é de extrema
    responsabilidade.
  • 41:41 - 41:43
    A palavra é você no mundo.
  • 41:43 - 41:44
    Você não joga a palavra
    a torta e a direito.
  • 41:44 - 41:46
    A palavra é entidade.
  • 41:46 - 41:48
    Exatamente, é uma entidade.
  • 41:48 - 41:49
    É isso.
  • 41:49 - 41:52
    E olha só, você falou
    de folhas, das folhas.
  • 41:54 - 41:55
    Eu esqueci de falar.
  • 41:55 - 41:57
    Eu poderia ter trazido no começo.
  • 41:58 - 42:02
    Tem até um mito que fala
    das folhas, muitos mitos.
  • 42:02 - 42:04
    Porque, assim, sem
    folha não tem axé.
  • 42:04 - 42:06
    Então o axé precisa da folha.
  • 42:06 - 42:08
    Só que, para despertar
    o axé da folha,
  • 42:08 - 42:10
    é preciso a palavra.
  • 42:10 - 42:14
    E aí tem o mito de Ossãe
    inclusive, por causa disso.
  • 42:16 - 42:18
    Então, palavra quanto
    ao seu significado,
  • 42:18 - 42:19
    mas esse sopro vital.
  • 42:19 - 42:22
    Ossãe era o Orixá que tinha...
  • 42:22 - 42:26
    Era detentor de todas as folhas.
  • 42:26 - 42:29
    Aí ele desperta a inveja
    dos outros Orixás,
  • 42:29 - 42:30
    porque os Orixás têm corpo,
  • 42:30 - 42:32
    os orixás sentem inveja.
  • 42:32 - 42:34
    São potências, né,
  • 42:34 - 42:36
    eles têm que negociar
    as potências deles.
  • 42:37 - 42:40
    Aí eles falam: "Não, a gente quer
    também essas folhas aí do Ossãe,
  • 42:40 - 42:41
    mas o Ossãe quer tudo para ele".
  • 42:41 - 42:44
    Então guardava tudo
    numa cabacinha.
  • 42:44 - 42:46
    E aí os outros Orixás
    se unem e falam assim:
  • 42:46 - 42:47
    "Vamos dar um jeito".
  • 42:47 - 42:51
    Aí falam para Iansã:
    "Olha, taca uma ventania lá,
  • 42:51 - 42:52
    joga essa cabacinha para longe,
  • 42:52 - 42:55
    que a gente corre
    para catar as folhas".
  • 42:55 - 42:58
    E aí ela faz isso,
    ela traz a ventania,
  • 42:58 - 43:01
    e aí a cabacinha dele rola
    para lá, as folhas se espalham,
  • 43:01 - 43:03
    cada Orixá vai pegando
    o quanto pode.
  • 43:03 - 43:05
    Aquela loucura toda.
  • 43:05 - 43:09
    E aí conseguem tirar do Ossãe
    esse poder toda em torno das folhas.
  • 43:09 - 43:12
    Só quer a ? fala: "Ah, vocês
    esqueceram uma coisa.
  • 43:12 - 43:14
    E a palavra, e o axé?
  • 43:14 - 43:16
    E a palavra para suscitar o axé?
  • 43:16 - 43:17
    Vocês não tem".
  • 43:17 - 43:20
    Então ele continua
    tendo esse poder,
  • 43:20 - 43:21
    porque ele tem
    o poder da palavra
  • 43:21 - 43:26
    que vai suscitar na planta
    aquela energia dela.
  • 43:26 - 43:28
    Por isso é preciso
    conversar com a planta,
  • 43:28 - 43:30
    é preciso pedir
    licença para a planta
  • 43:30 - 43:33
    quando você vai pegar
    uma flor ou uma folha,
  • 43:33 - 43:36
    Não é só chegar e meter a mão.
  • 43:36 - 43:38
    Tem axé ali, tem vida ali.
  • 43:38 - 43:41
    Então, tudo é vivo e tudo fala.
  • 43:42 - 43:43
    Entende?
  • 43:43 - 43:47
    É um mundo encantado
    porque o mundo é todo falante.
  • 43:47 - 43:50
    E um mundo em que tudo fala,
  • 43:50 - 43:52
    a fala do mundo tem valor,
  • 43:52 - 43:54
    e se tem valor...
  • 43:54 - 43:58
    A gente está falando de um pensamento
    que é essencialmente ecológico,
  • 43:58 - 43:59
    entende?
  • 43:59 - 44:03
    Porque eu valorizo a fala do rio.
  • 44:03 - 44:06
    O rio fala, tem um ente ali.
  • 44:07 - 44:09
    Então eu não vou lá
    emporcalhar o rio.
  • 44:09 - 44:11
    Eu tenho que falar com ele,
    eu tenho que pedir licença.
  • 44:11 - 44:13
    Não é assim, eu chego
    metendo a mão nas coisas.
  • 44:13 - 44:16
    Não existe
    a hierarquia do existir.
  • 44:16 - 44:19
    Tudo que existe somos nós.
  • 44:19 - 44:21
    O rio somos nós,
  • 44:21 - 44:25
    a folha somos nós,
  • 44:25 - 44:27
    os animais somos nós.
  • 44:27 - 44:30
    Ou seja, tem uma ética aí.
  • 44:30 - 44:32
    - De comportamente e de vivência.
    - Eu passo por uma árvore...
  • 44:32 - 44:34
    Eu posso inclusive
    cumprimentá-la,
  • 44:34 - 44:36
    porque ela é um ser,
    uma entidade.
  • 44:36 - 44:40
    Eu posso conversar com ela
    e pedir licença para passar ali.
  • 44:40 - 44:41
    Não é assim,
    chegar e meter a mão.
  • 44:42 - 44:44
    - Então, tudo fala.
    - Não é chegar e cortar.
  • 44:44 - 44:48
    A gente fala isso da gente, né,
    nosso corpo.
  • 44:48 - 44:50
    A gente não faz isso, então a gente
    não faz isso em lugar nenhum.
  • 44:50 - 44:50
    Exatamente.
  • 44:50 - 44:53
    Gente, é um privilégio
    poder ter vocês,
  • 44:53 - 44:56
    privilégio de ter vocês na vida.
  • 44:56 - 44:59
    Que encontro muito maravilhoso
    que a gente fez aqui.
  • 44:59 - 45:00
    Coisa maravilhosa!
  • 45:00 - 45:02
    Antes da gente encerrar,
  • 45:02 - 45:05
    eu achei muito bonito
    a gente encerrar dessa forma,
  • 45:05 - 45:07
    porque é isso, a gente
    fala tanto de protagonismo,
  • 45:07 - 45:08
    a gente fala tanto
    das histórias
  • 45:08 - 45:11
    e as formas que essas
    histórias tomam
  • 45:11 - 45:14
    e como elas ganham
    seus espaços no mundo,
  • 45:14 - 45:16
    dependem só de pessoas.
  • 45:18 - 45:22
    Então, que pessoas são essas que a gente
    está valorizando, dando espaço,
  • 45:22 - 45:25
    e que histórias são essas
    que essas pessoas contam?
  • 45:25 - 45:27
    Obrigada por contarem
    as histórias de vocês aqui.
  • 45:27 - 45:29
    Mas antes de encerrar,
    vocês trouxeram livros,
  • 45:29 - 45:33
    então quero dicas aqui
    do que vocês trouxeram
  • 45:33 - 45:34
    e o que vocês recomendam
    para a galera
  • 45:34 - 45:35
    que está acompanhando a gente.
  • 45:35 - 45:40
    Tem bastante livro, muitas autoras
    maravilhosas para indicar.
  • 45:40 - 45:44
    Eu vou indicar dois,
    mas um eu trouxe
  • 45:44 - 45:48
    porque eu estou lendo agora,
    que é da Viviane Mosé,
  • 45:48 - 45:49
    que é psicanalista
    e está psicóloga, filósofa
  • 45:49 - 45:54
    e traz corpo, poema, poesia.
  • 45:54 - 45:57
    Ela faz performances.
  • 45:57 - 45:59
    Ela é maravilhosa assim, sabe?
  • 45:59 - 46:02
    Eu não conheço ela pessoalmente,
    mas vou conhecê
  • 46:02 - 46:05
    la em breve,
    porque eu quero ela, uma entidade.
  • 46:06 - 46:08
    Ela quando está no palco,
  • 46:08 - 46:12
    ela sabe o que ela está fazendo
    e a responsabilidade dessa comunicação.
  • 46:12 - 46:15
    Então acho que
    quando a gente fala de troca justa,
  • 46:15 - 46:19
    é muito justo eu pagar o ingresso
    para assistir essa mulher, sabe?
  • 46:20 - 46:23
    Então a gente tem que entender também
    onde a gente está investindo o nosso tempo
  • 46:24 - 46:28
    e esse nosso dinheiro que a gente ganha,
    cada um aí da sua forma.
  • 46:28 - 46:33
    Então tem a Viviane, tem Eliane Cruz,
    que tem, que é assim.
  • 46:33 - 46:38
    Todos os livros delas,
    todos os livros dela são essenciais
  • 46:38 - 46:41
    para soletrar seu pensamento
  • 46:41 - 46:44
    a partir de uma nova perspectiva.
  • 46:45 - 46:48
    E eu falo nova porque,
    como a gente ouviu aqui nas pesquisas
  • 46:49 - 46:55
    até então,
    esses autores brancos heteronormativos
  • 46:55 - 47:00
    ditaram a regra do que se contar
    é de construção de imagem.
  • 47:01 - 47:05
    Então essas autoras vão trazer
    para vocês novas construções,
  • 47:06 - 47:09
    novas possibilidades
    de imaginar o futuro e o futuro.
  • 47:09 - 47:13
    Lembre, ele é agora
    e a gente constrói isso nesse agora.
  • 47:13 - 47:17
    Então, agradeço muito a oportunidade
    de estar com Emi, que é.
  • 47:18 - 47:23
    Uma. Honra querida
    e um gigante e um jeito.
  • 47:23 - 47:24
    Nos conhecemos hoje.
  • 47:24 - 47:27
    Nós nos conhecemos hoje,
    mas eu já estou apaixonada.
  • 47:27 - 47:30
    Mais e mais e presente, passado, presente,
    presente, presente.
  • 47:31 - 47:33
    E isso a gente já foi um reencontro.
  • 47:33 - 47:34
    Nessas águas. Aí.
  • 47:36 - 47:39
    E a Marina sabe das nossas trocas de anos.
  • 47:39 - 47:41
    É uma sobrevivente.
  • 47:41 - 47:45
    Admiro você demais pelo trabalho
  • 47:45 - 47:49
    que você faz,
    onde você faz e como você faz.
  • 47:50 - 47:55
    Você é brilhante, brilhante
    na forma com que você consegue
  • 47:55 - 47:59
    se conectar com um universo
    às vezes bastante violento,
  • 48:01 - 48:04
    mas que é importante também ser ocupado.
  • 48:04 - 48:05
    Parabéns!
  • 48:05 - 48:08
    Muito obrigada pelo convite
    e por toda oportunidade
  • 48:08 - 48:13
    de estar com esse time aqui hoje da FIAP,
    que foi muita gente, muito Gustavo,
  • 48:13 - 48:19
    muito focada
    e que acontecesse de forma tão generosa.
  • 48:20 - 48:21
    Muito obrigada pelo presente.
  • 48:21 - 48:22
    Um presente.
  • 48:22 - 48:25
    Recíproco e totalmente. Verdadeiro.
  • 48:25 - 48:26
    Não é?
  • 48:26 - 48:28
    E eu assino
    embaixo de tudo o que você falou.
  • 48:28 - 48:31
    E quando você falava da Viviane Mosé
    eu me lembrei.
  • 48:31 - 48:34
    Inclusive a Viviane
    foi muito importante para organizar
  • 48:35 - 48:38
    o livro de poemas da Estela do Patrocínio.
  • 48:38 - 48:41
    Estela do Patrocínio ficou décadas.
  • 48:41 - 48:45
    Foi a mulher negra,
    ficou décadas internada no Juliano Moreira
  • 48:46 - 48:49
    e ninguém sabia de onde veio essa mulher.
  • 48:49 - 48:50
    A princípio, tinha um sobrinho
  • 48:50 - 48:53
    que a visitava, depois sumiu e ninguém,
    por mais que procurassem,
  • 48:53 - 48:57
    ninguém conseguiu encontrar
    parentes dessa mulher.
  • 48:57 - 49:01
    As origens dela e as enfermeiras.
  • 49:01 - 49:05
    Uma enfermeira percebeu que ela falava
  • 49:05 - 49:08
    umas coisas interessantes
    na fala da loucura dela
  • 49:08 - 49:13
    e gravou algumas falas
    da Estela de Patrocínio.
  • 49:13 - 49:17
    E aí a Viviane Mosé
    organizou isso num livro chamado
  • 49:17 - 49:20
    O Reino dos Bichos e dos Animais
    e o meu nome.
  • 49:22 - 49:25
    Então a Viviane fez essa organização
    dessa mulher negra
  • 49:25 - 49:28
    totalmente invisibilizada no manicômio
  • 49:30 - 49:31
    e que eu falei de Juliano Moreira.
  • 49:31 - 49:35
    Mas assim que o hospício
    que ganhou o nome dele, sem mais
  • 49:35 - 49:38
    o Juliano e dessa luta antimanicomial
  • 49:38 - 49:42
    e a essa altura inclusive já
    tinha melhorado muito essa essa questão.
  • 49:42 - 49:47
    Mas enfim, essa mulher negra como
    muitos encarcerados, vão para a prisão.
  • 49:48 - 49:50
    Enfim. Então me lembrei dela, mas
  • 49:51 - 49:53
    eu também tenho indicação.
  • 49:53 - 49:56
    No começo eu falei dessa questão do tempo
  • 49:57 - 50:00
    presente, do presente pra gente,
    do passado presente, do futuro,
  • 50:00 - 50:04
    que é o tempo espiralar,
    que é o que a Leda Maria Martins,
  • 50:05 - 50:09
    uma dramaturga, poeta brasileira, nasceu
    no Rio de Janeiro,
  • 50:09 - 50:10
    radicada em Minas Gerais,
  • 50:10 - 50:14
    ela tem esse livro, que é uma referência
    para as artes cênicas e uma referência
  • 50:14 - 50:17
    para a poesia,
    para o pensamento contemporâneo.
  • 50:17 - 50:21
    Performances do tempo
    espiralar poéticas do corpo tela.
  • 50:21 - 50:26
    Esse livro aqui é um
    é um clássico já e ele é muito importante
  • 50:26 - 50:29
    para quem quiser se aprofundar
    nesse assunto e de literatura.
  • 50:29 - 50:32
    Além dos que Agnaldo
  • 50:33 - 50:36
    sugeriu Mulheres, hoje
    a gente está falando só de mulheres,
  • 50:36 - 50:39
    sem a Ana Maria Gonçalves,
    que deu um defeito de cor.
  • 50:39 - 50:42
    É obrigatório
    porque nasceu clássico. Também.
  • 50:42 - 50:46
    E que bom que teve até enredo
    de escola de samba e você falou muito nele
  • 50:46 - 50:50
    E eu vou deixar aqui
    a sugestão da Marilene Filinto.
  • 50:50 - 50:56
    Um livro chamado As Mulheres de Tijuco
    Papo As Mulheres de Tijuco.
  • 50:56 - 50:58
    Papo é uma potência sim.
  • 50:58 - 51:02
    Eu acho que uma das grandes escritoras
    contemporâneas, a Marilene Felinto.
  • 51:02 - 51:05
    Esse é o primeiro romance dela,
    Então fica a dica.
  • 51:05 - 51:06
    Tá bom?
  • 51:06 - 51:09
    Eu não trouxe,
    mas vou dar uma dica de um livro infantil
  • 51:09 - 51:13
    que chama do Hugo e do Tadeu França,
    que é um influenciador inclusive.
  • 51:13 - 51:17
    E ele conta a história de um novelo
    e da sua convivência
  • 51:17 - 51:21
    em ambientes com pessoas
    que não reconhecem a força dos seus pelos.
  • 51:21 - 51:25
    Esse livro mexeu com as crianças lá
    de casa, os meus filhos, os meus sobrinhos
  • 51:26 - 51:29
    e é um livro bem importante
    pela representação,
  • 51:29 - 51:32
    que traz um livro infantil
    gostosinho de ler.
  • 51:32 - 51:35
    Os meninos amam, então recomendo.
  • 51:35 - 51:38
    A Marina Brito
    essa leitura trazida às crianças.
  • 51:38 - 51:41
    Assim
    eu posso também indicar um outro infantil,
  • 51:42 - 51:46
    A melhor Mãe do Mundo, da Nina Rizzi,
    da Companhia das Letrinhas. Esse
  • 51:48 - 51:50
    é um livro que fala de uma.
  • 51:50 - 51:53
    É uma criança que narra história,
    um menino
  • 51:53 - 51:57
    e ela dá todas as indicações
    de que é um menino periférico.
  • 51:57 - 51:59
    Ela fala, mas que não é estereotipada.
  • 51:59 - 52:03
    E ele vai falando
    muito amorosamente dessa mãe.
  • 52:03 - 52:05
    E a mãe está encarcerada.
  • 52:05 - 52:07
    É uma mulher que está presa.
  • 52:07 - 52:10
    Eu nunca vi esse tema na literatura
    infantil.
  • 52:10 - 52:11
    Esse livro é belíssimo.
  • 52:11 - 52:15
    Eu eu formo mediadores de leitura,
    como eu falei no começo, então eu trabalho
  • 52:15 - 52:19
    muito com esse livro e ele toca demais
    as pessoas, adultos e crianças,
  • 52:19 - 52:20
    inclusive, tem.
  • 52:20 - 52:23
    Feito a indicação de indicações.
  • 52:23 - 52:26
    Tem mais uma leitora
  • 52:26 - 52:28
    infanto juvenil que o São Oliveira.
  • 52:28 - 52:30
    Todos que.
  • 52:30 - 52:32
    São. Queridos são lindos.
  • 52:32 - 52:36
    As peças teatrais que ela também monta
    a partir dos livros dela são maravilhosos!
  • 52:36 - 52:40
    E tem um livro gente muito interessante
  • 52:40 - 52:44
    que eu estou lendo e isso
    eu já estou no sétimo capítulo, Assim
  • 52:45 - 52:46
    do Renato Nogueira,
  • 52:46 - 52:50
    um novo Mulheres e Divindades que ele traz
  • 52:51 - 52:56
    como que foi formada
    a feminilidade a partir das divindades
  • 52:56 - 53:00
    européias e greco romanas ali.
  • 53:00 - 53:03
    E aí ele traz as divindades
  • 53:04 - 53:08
    iorubás e divindades dos povos
    originários.
  • 53:09 - 53:12
    É um livro que traz os mitos.
  • 53:12 - 53:17
    Como que é construído
    esse arquétipo da rivalidade?
  • 53:17 - 53:19
    É muito interessante.
  • 53:19 - 53:22
    Assim, achei brilhante a ideia do Renato
  • 53:22 - 53:26
    de trazer essa construção do feminino
    a partir
  • 53:27 - 53:29
    de uma ideia
  • 53:29 - 53:32
    de mulheres que se odeia, que rivalizam.
  • 53:32 - 53:35
    Cara, isso não é de agora, é muito tempo.
  • 53:35 - 53:38
    Foi muito tempo plantado assim.
  • 53:38 - 53:43
    Então como que a gente escapa disso
    senão a partir da educação e do
  • 53:43 - 53:46
    porque quando a gente
    consegue racionalizar o porquê,
  • 53:46 - 53:49
    você consegue fazer o caminho
    contrário de não presente,
  • 53:49 - 53:52
    passado, presente, presente,
    presente, futuro.
  • 53:52 - 53:55
    Então acho que agora me veio assim.
  • 53:55 - 53:58
    Eu achei tão interessante.
  • 53:58 - 54:01
    Super indico também que que leiam assim.
  • 54:01 - 54:04
    E tem no pra
    quem não está, não tem muito tempo de ler,
  • 54:04 - 54:09
    mas fica muito tempo no trem, metrô,
    ônibus, enfim, mora longe.
  • 54:09 - 54:14
    Tem o livro,
    não sei lá se não consegue ler,
  • 54:14 - 54:17
    mas se você gosta de ouvir
    podcast, vai para o audiolivro.
  • 54:18 - 54:22
    Alguns livros até são gratuitos
    e tem alguns da Eliane mais.
  • 54:22 - 54:26
    Mas saindo um pouquinho do instagran
    de vez em quando dá pra ler também.
  • 54:26 - 54:29
    Eu já da ver, não é assim você pegar.
  • 54:29 - 54:32
    Não tem nada mais gostoso do que eu. Li,
    eu amo.
  • 54:32 - 54:34
    Mas é que é isso. Não são. Livros, são.
  • 54:34 - 54:37
    Realmente os que tem
    esse daí de você ficar ouvindo as vezes
  • 54:37 - 54:42
    vai treinar, coloca o livro
    lá para escutar o livro então assim.
  • 54:43 - 54:47
    Então tem esses autores também
    estão nessas plataformas de áudio boa.
  • 54:48 - 54:52
    Quem é assinante
    tem muitos livros gratuitos lá,
  • 54:52 - 54:57
    então isso é democratização
    da informação e da educação e
  • 54:58 - 54:59
    não dá mais
  • 54:59 - 55:02
    para ter a não consigo ou não dá.
  • 55:02 - 55:06
    De um jeito ou de outro,
    busque conhecimento em outros lugares,
  • 55:06 - 55:09
    para além do Instagram,
    para além do YouTube,
  • 55:10 - 55:14
    porque vai te fazer bem, vai te fazer bem
    construir esse repertório.
  • 55:15 - 55:18
    O que você vê aqui,
    aqui tem mais de um século
  • 55:19 - 55:24
    de repertório pela idade atual
    dessas pessoas físicas que tem,
  • 55:24 - 55:28
    que estão aqui tem um século e meio,
    pelo menos aqui. E é.
  • 55:28 - 55:32
    Mas a gente traz a oralidade há milênios.
  • 55:32 - 55:34
    Então é mais isso.
  • 55:34 - 55:38
    Você tem que ativar e a gente ativa isso
    buscando vários recursos.
  • 55:39 - 55:41
    Busque seu e escolham suas companhias.
  • 55:41 - 55:45
    Então a gente termina por aqui
    dando essas dicas maravilhosas para vocês
  • 55:45 - 55:48
    escolherem as histórias
    que vocês vão acessar
  • 55:48 - 55:51
    e como vocês passam essas histórias
    daqui em diante.
  • 55:52 - 55:53
    Obrigada, até mais!
Title:
FS CAP05 2025 VIDEOCAST LITERATURA E ORALIDADE CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Video Language:
Portuguese, Brazilian
Duration:
55:57

Portuguese, Brazilian subtitles

Incomplete

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