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Estamos no Museu de Orsay, defronte
a famosa tela de Manet,
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"Le dejeuner sur l'herbe," ou
Almoço na Relva,
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que foi exibida no Salão dos Recusados
em 1863.
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Foi exibida lá porque a pintura
foi rejeitada
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quando o artista a submeteu para o
salão tradicional.
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De fato, naquele ano onde tantos artistas
foram rejeitados,
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Napoleão III abriu um espaço chamado
"Salon des Refuses",
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ou o salão dos trabalhos recusados ou
rejeitados.
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E este trabalho foi o ponto central do
Salão dos Recusados para os críticos.
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Essa é uma pintura que é muito
uma espécie de insulto.
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E muito, eu acho, uma tentativa de quebrar
tantas regras quantas o artista puder.
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Ela quebra regras formais. Quebra regras
composicionais.
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Quebra regras do tema.
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A composição foi emprestada de uma
gravura de Rafael.
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Havia uma tapeçaria de Rafael que
foi extraviada.
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Então a composição é emprestada de uma
fonte tradicional.
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E o tema em questão, mulheres nuas com
homens vestidos, numa paisagem idílica.
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é emprestada de uma pintura de Giorgione
no Louvre.
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O problema é que essa não é uma Vênus.
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O problema é que esse não é um
contexto clássico.
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O problema é que essa é uma
França moderna,
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talvez um parque, talvez o
Bosque de Bolonha.
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Ela não só não é uma deusa, mas ela é uma
determinada pessoa,
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uma modelo de Manet, Victorine Meurent, e
ela parece muito uma pessoa real
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que você veria caminhar pelas ruas de
Paris totalmente vestida..
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E pior, ela está olhando para nós.
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Ela sequer se importa em nos passar a
sensação de nos dar a oportunidade de
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olhá-la com uma espécie de pudor
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Mas ela está nos confrontando diretamente.
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Os homens com quem ela se senta, que estão
vestidos, não a olham e não nos olham.
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Então há um pressuposto de sexualidade,
mas de um modo não clássico,
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e ao mesmo tempo é importante o fato que
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ele parece totalmente dessexualizado.
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Por outro lado há todos estes indícios de
sensualidade e sexualidade.
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Temos abaixo à esquerda uma natureza
morta com frutas e pão,
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e um cantil com alguma bebida
alcoólica nele.
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E isto se encontra em cima da roupa que
ela tirou.
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O título original desta pintura era
"O Banho".
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Ele não é uma ninfa que vive numa floresta
mitológica e que está sempre nua.
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Ela é uma mulher moderna que tirou
seu vestido.
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Ela não está nua.
Ela está despida.
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Esta pintura está quebra muitas regras
com relação ao tema.
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Mas também está quebrando regras pela
forma como a pintura foi feita.
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Se observarmos a pele brilhante da figura
feminina, tão brilhante e bem delineada,
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e eu não diria delineada.
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Mas é circundada por tons mais escuros.
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Então ela na verdade parece um pouco
achatada, não?
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A modulação interna de tons que você
esperaria numa pintura do século 19
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deste tipo está ausente.
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De modo que alguém deve ter visto isso
como uma espécie de recorte bidimensional
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E pior que isso, há outras formas como
Manet está quebrando as regras
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que eram seguidas nessa época para
criar o naturalismo.
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Por exemplo, vejam como a fita em seu
cabelo, que é tão escura, bem como o
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cabelo, mesclam com o arbusto escuro
que está distante dela
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e como que eliminam esse espaço.
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Nós realmente não temos a sensação da
distância da figura que vemos no fundo,
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que está emergindo da água.
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A outra figura feminina.
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Ela quase parece muito grande.
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Bem, em especial suas mãos, que são tão
pequenas por conta da distância,
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parecem na verdade estar alcançando
o polegar do homem.
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E há esta terrível espécie de disjunção.
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Exato, uma espécie de colapso do espaço.
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Sim, e da escala, de certa forma,
das regras do ilusionismo
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que Manet parece estar convidando
a destruir
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Ele parece estar intencional e ludicamente
minando as regras da academia.
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E ao mesmo tempo, há todo este prazer
que se percebe na pintura,
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na aplicação da tinta nessa espécie de
pincelada informal
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que é muito sensual, especialmente
o azul de sua roupa,
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e a natureza morta, ou as calças
cinza e branca
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usadas pelas figuras masculinas.
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Manet esteve observando pintores como
Velazquez e outros
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onde o pincel se torna criticamente
importante, e está interessado em nós não
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apenas vermos o que está sendo retratado,
mas em vermos o modo como foi retratado.
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Vendo a própria pintura se recusando em
nos dar a ilusão perfeita, que foi
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realmente a fundação da pintura ocidental
desde o tempo da Renascença.
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Outra coisa que é tão estranha nela, é que
temos todo esse manejo livre
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de Velazquez da tinta,
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mas então você se move para o fundo você
tem uma tinta que parece ter sido bastante
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diluída e aplicada de um modo que parece
uma lavagem ou uma mancha,
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especialmente nas árvores e no campo
atrás da figura feminina.
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Por outro lado há tufos de tinta
nas árvores.
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Então há estes tipos diferentes de
manuseio da própria tinta.
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É, de certa forma, uma demolição das
expectativas de arte desse momento.
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E isto me lembra de Baudelaire falando a
respeito da pintura da vida moderna
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e da pintura do nu moderno.
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Vamos esquecer as Vênus.
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Nós não vivemos na Grécia Antiga.
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Vamos pintar a vida de hoje.
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Onde encontramos o nu feminino?
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Bem, Manet meio que criou um tema para
os nus femininos modernos.
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Mas de certa forma ele destacou o absurdo da
tradição clássica,
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da forma como vestimos o nu naquelas
tradições para torná-lo aceitável.
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Manet está dizendo, isto faz sentido?
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O ilógico desta tela, e o modo como ela
pressiona as normas sociais, também
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destaca que a forma como a arte daquele
período, que nós tão facilmente aceitamos,
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não faz sentido.
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Exatamente.
[Legendado por Isadora Souza]