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Sobre ética e chocolate | Lúcia Helena Galvão | TEDxPassoFundo

  • 0:10 - 0:14
    A palestra é sobre ética
    ou sobre chocolate?
  • 0:14 - 0:19
    São dois problemas né?
    A falta de ética e o excesso de chocolate.
  • 0:19 - 0:23
    Problemas diferentes,
    mas que guardam alguma semelhança.
  • 0:23 - 0:26
    Eu sou uma filósofa,
    como já fui apresentada,
  • 0:26 - 0:32
    e filósofo tem uma característica
    muito interessante: pensamento simbólico.
  • 0:32 - 0:34
    Isso é sensacional, gente.
  • 0:34 - 0:40
    Talvez seja uma das maiores invenções,
    não nossa, mas da natureza,
  • 0:40 - 0:42
    que ainda não aprendemos a usar.
  • 0:42 - 0:46
    Talvez nós vivamos, em um aspecto
    da vida, na pós-modernidade
  • 0:46 - 0:49
    e em outro na pré-antiguidade.
  • 0:49 - 0:52
    Porque talvez você pegue
    um Platão lá atrás,
  • 0:52 - 0:57
    e ele tenha um pensamento simbólico
    superior ao homem do século 21.
  • 0:57 - 1:02
    Existe um livro tibetano que se chama
    Bardo Thodöl, o livro tibetano dos mortos,
  • 1:02 - 1:07
    que ele diz, entre muitas outras coisas
    bombásticas e muito modernas,
  • 1:07 - 1:10
    que a vida é inteiramente pedagógica.
  • 1:10 - 1:14
    Não existe um momento na tua vida
    que não tenha alguma coisa pra te ensinar.
  • 1:14 - 1:19
    Porque se não tivesse nada pra te ensinar,
    já teria sido retirado da sua vida.
  • 1:19 - 1:22
    Então o chocolate pode
    nos ensinar sobre ética?
  • 1:22 - 1:28
    Eu acho que sim, vamos ver se eu consigo
    vender o peixe, ou o chocolate pra vocês.
  • 1:28 - 1:32
    Parem pra pensar a respeito
    da questão do chocolate.
  • 1:32 - 1:33
    Gostem ou não,
  • 1:33 - 1:36
    é uma unanimidade esse produto.
  • 1:36 - 1:40
    Desde que os espanhóis levaram pra Europa,
  • 1:40 - 1:45
    e converteram isso em barrinhas,
    adoçaram, misturaram com leite...
  • 1:45 - 1:49
    Isso é uma febre, o exército
    dos chocólatras é imenso.
  • 1:49 - 1:52
    Percebam que temos
    uma característica muito interessante
  • 1:52 - 1:53
    em relação ao chocolate:
  • 1:53 - 1:56
    você não precisa que ninguém
    te pressione pra comer.
  • 1:56 - 1:57
    "Tem chocolate? Oba!"
  • 1:57 - 1:59
    (Risos)
  • 1:59 - 2:02
    Ninguém te ameaça:
    "Se você não comer o chocolate..."
  • 2:02 - 2:06
    Não, você come o chocolate
    antes que ele termine a frase.
  • 2:06 - 2:11
    Ou seja, não existe medo e desejo,
    não existe coerção nem indução.
  • 2:11 - 2:14
    Gosto do chocolate, e acabou.
  • 2:14 - 2:18
    Agora vejam esse nosso
    outro amigo, o jiló.
  • 2:18 - 2:20
    (Risos)
  • 2:20 - 2:25
    Jiló e assemelhados tiveram um papel
    mórbido na nossa infância,
  • 2:25 - 2:30
    porque eles sempre estavam acompanhados
    de ameaças ou de compensações.
  • 2:30 - 2:35
    "Come a salada, menino,
    porque, se não, não ganha sobremesa."
  • 2:35 - 2:39
    "Se não comer direitinho,
    Papai Noel não traz presente."
  • 2:39 - 2:41
    "Come, se não não vê televisão."
  • 2:41 - 2:44
    Ou seja, porque comíamos o jiló?
  • 2:44 - 2:46
    Nada contra,
  • 2:46 - 2:53
    porém a verdade é que nossa relação
    com ele foi de prêmios ou punições.
  • 2:53 - 2:56
    Se eu comer, ganho tal coisa.
  • 2:56 - 2:59
    Se eu não comer, vou perder tal coisa.
  • 2:59 - 3:04
    Sempre coerção, sempre
    indução por fatores externos.
  • 3:04 - 3:06
    Bom, pensem bem...
  • 3:06 - 3:11
    Essa relação é muito parecida
  • 3:11 - 3:14
    com aquilo que um filósofo
    chamado Immanuel Kant
  • 3:14 - 3:18
    costumava chamar de imperativo categórico
    e imperativo hipotético.
  • 3:18 - 3:19
    Categórico:
  • 3:19 - 3:23
    "Eu faço porque eu sou, porque eu amo,
    porque eu me realizo fazendo".
  • 3:23 - 3:27
    Hipotético: "Se fizer ganha tal coisa.
    Se não fizer perde outra".
  • 3:27 - 3:30
    Gente, nós estamos
    muito condicionados com isso.
  • 3:30 - 3:34
    E percebam que é um condicionamento
    que vem de muito tempo,
  • 3:34 - 3:38
    é um condicionamento
    que não se modernizou, não saímos dessa.
  • 3:38 - 3:40
    Isso é uma coisa importante
    que a gente perceba.
  • 3:40 - 3:43
    Nós estávamos lá atrás,
    andando numa biga romana.
  • 3:43 - 3:46
    Hoje andamos num avião a jato.
  • 3:46 - 3:48
    A máquina evoluiu muito.
  • 3:48 - 3:53
    Mas o ser humano que conduz a máquina,
    será que evoluiu na mesma velocidade?
  • 3:53 - 3:55
    Para pra pensar sobre isso.
  • 3:55 - 3:58
    E será que os problemas
    fundamentais da vida,
  • 3:58 - 4:00
    perda, dor,
  • 4:00 - 4:02
    instabilidade emocional, convivência...
  • 4:02 - 4:04
    Convivência então é um inferno,
  • 4:04 - 4:06
    porque você não consegue ficar
    com as pessoas, nem sem elas.
  • 4:06 - 4:08
    Isso é uma coisa de louco.
  • 4:08 - 4:11
    Os problemas não são
    mais ou menos os mesmos?
  • 4:13 - 4:15
    E será que a gente tem respostas
    melhores pra eles hoje
  • 4:15 - 4:17
    do que o condutor de biga tinha?
  • 4:17 - 4:19
    Olha, capaz que não!
  • 4:19 - 4:23
    Capaz que ele fosse uma pessoa
    mais estável emocionalmente do que somos!
  • 4:23 - 4:27
    Capaz que ele soubesse lidar melhor
    com essas situações dramáticas da vida
  • 4:27 - 4:28
    do que sabemos!
  • 4:28 - 4:33
    Ou seja, a máquina evoluiu, mas o homem
    que conduz a máquina não necessariamente.
  • 4:33 - 4:37
    Nós ouvimos muito falar: "Bom as máquinas
    talvez venham a ocupar o nosso lugar".
  • 4:37 - 4:40
    Eu acho ótimo! Sejam bem-vindas!
  • 4:40 - 4:42
    Eu não acredito que elas
    ocupem o nosso lugar.
  • 4:42 - 4:45
    Nós é que estávamos ocupando o delas!
  • 4:45 - 4:47
    Mecanicidade é coisa de máquina.
  • 4:47 - 4:51
    Ser humano é um ser que tem
    resposta pra vida, tem visão simbólica,
  • 4:51 - 4:54
    sabe aprender de todos os acontecimentos.
  • 4:54 - 4:57
    Alguém disse aqui sobre
    a modernidade de Platão. Concordo!
  • 4:57 - 5:00
    A maior parte das coisas que aprendi
    de útil na vida, aprendi de Platão.
  • 5:00 - 5:02
    E ele viveu há 2,4 mil anos...
  • 5:02 - 5:05
    Não tinha pós-modernidade.
  • 5:05 - 5:07
    Tinha quase que
    pré-antiguidade, não é isso?
  • 5:07 - 5:10
    E tem muito a ensinar
    ainda nos nossos dias.
  • 5:10 - 5:13
    Então, vejam bem, essa questão
    do chocolate e do jiló...
  • 5:13 - 5:15
    "Faço porque amo!"
  • 5:15 - 5:18
    e "Faço porque, se não fizer,
    tenho castigo.
  • 5:18 - 5:20
    Se fizer, ganho prêmio".
  • 5:20 - 5:23
    Bom, continuando com a nossa história.
  • 5:23 - 5:26
    Como nós escolhemos
    as coisas na nossa vida?
  • 5:27 - 5:31
    Eu sou professora há 29 anos,
    professora voluntária,
  • 5:31 - 5:36
    e ética é um tema muito recorrente,
    dou palestra disso a toda hora.
  • 5:36 - 5:40
    Falo a respeito dos preceitos éticos
    mais belos que já se disse na história,
  • 5:40 - 5:43
    e sempre as pessoas me vêm
    com a mesma pergunta:
  • 5:43 - 5:46
    "Professora, por que
    as pessoas não são éticas?
  • 5:46 - 5:50
    Porque mesmo a gente, sabendo de tudo
    isso, na hora que coloca dentro da vida,
  • 5:50 - 5:54
    em geral não somos éticos,
    muitas vezes não somos éticos.
  • 5:54 - 5:57
    Por que a humanidade não é ética?"
  • 5:57 - 6:00
    E eu já pensei em mil respostas
    pra isso, gente.
  • 6:01 - 6:02
    Eu cheguei à conclusão que,
  • 6:02 - 6:05
    quando me perguntam
    por que a humanidade não é ética,
  • 6:05 - 6:08
    e por que a gente não come jiló,
  • 6:08 - 6:11
    duas situações aparentemente
    muito diferentes,
  • 6:11 - 6:13
    tem uma resposta única.
  • 6:13 - 6:16
    Sabe por quê? Porque a gente não gosta!
  • 6:16 - 6:18
    Porque a gente não gosta.
  • 6:18 - 6:22
    Nós vivemos uma ética de coerção
    e não de convicção.
  • 6:22 - 6:26
    Se for, ganha tal coisa.
    Se não for, perde tal outra.
  • 6:26 - 6:32
    Não existe um ser que esteja
    profundamente identificado com a ética
  • 6:32 - 6:35
    como um privilégio tão gostoso
    quanto o chocolate.
  • 6:35 - 6:37
    Percebem isso?
  • 6:37 - 6:43
    Parem pra pensar situações práticas:
    andar a 40, 50, no máximo 60 km/h.
  • 6:43 - 6:46
    A maior parte das pessoas
    não gosta disso. Por que anda?
  • 6:46 - 6:50
    Porque vou ser multado, isso é caro.
  • 6:50 - 6:52
    Ou as pessoas vão pensar mal de mim.
  • 6:52 - 6:55
    Ando com aquele papelzinho de lixo
    na mão até encontrar uma lata de lixo,
  • 6:55 - 6:57
    se é que eu faço isso.
  • 6:57 - 7:02
    Por que faço? Vão me ver, vão dizer
    que eu sou mal educado. Mas gosto disso?
  • 7:02 - 7:05
    Se não tivesse ninguém olhando, eu faria?
  • 7:05 - 7:08
    Não engano o outro,
    não manipulo, não minto...
  • 7:08 - 7:11
    Porque se eu for descoberto vai ficar mal.
  • 7:11 - 7:14
    Mas se fosse impune, faria ou não faria?
  • 7:14 - 7:17
    Percebem? Do que a gente gosta realmente?
  • 7:17 - 7:20
    Qual é a nossa?
    Qual é o chocolate pra nós?
  • 7:20 - 7:25
    Se não amamos essa coisa, fica um pouco
    aquilo que Platão falava do pacto social.
  • 7:25 - 7:28
    Sabe por que eu não engano ninguém?
  • 7:28 - 7:31
    Porque vai que essa pessoa
    é mais esperta que eu...
  • 7:31 - 7:34
    E na troca ali ela sai levando vantagem!
  • 7:34 - 7:37
    Então vamos fazer um pacto social:
    eu não engano e você não engana.
  • 7:37 - 7:38
    Porque aí é mais seguro.
  • 7:38 - 7:43
    Mas, se eu pudesse
    fazer impunemente, olha...
  • 7:43 - 7:46
    Vocês já ouviram falar
    de um cidadão chamado Giges?
  • 7:46 - 7:50
    Giges é um dos mitos
    mais famosos de Platão, genial.
  • 7:50 - 7:57
    Ele imagina um pastor lídio muito honesto,
    íntegro, enquadrado socialmente,
  • 7:57 - 7:59
    que um dia acha um tal dum anel
    que tem uma pedra.
  • 7:59 - 8:04
    Está aqui o belíssimo anel de Giges.
  • 8:04 - 8:07
    Ele acha um anel que tem uma pedra.
  • 8:07 - 8:13
    Quando ele vira a pedra pra dentro da mão,
    gente, ele fica invisível.
  • 8:13 - 8:16
    Quando ele vira pra fora, todo mundo o vê.
  • 8:16 - 8:19
    Gente, que coisa genial isso.
  • 8:19 - 8:23
    E aí Giges, que era o homem
    mais honesto daquela região,
  • 8:23 - 8:26
    começa a praticar todo tipo de falcatrua
    que vocês possam imaginar.
  • 8:26 - 8:29
    Nós somos muito imaginativos
    pra pensar em falcatrua, né?
  • 8:29 - 8:33
    Tudo, começa a praticar
    todo tipo de desonestidade.
  • 8:33 - 8:36
    Giges era honesto ou não era?
  • 8:36 - 8:39
    Era uma honestidade
    pra inglês ver, ou pra lídio ver,
  • 8:39 - 8:41
    não tinha inglês naquela época.
  • 8:41 - 8:42
    Não é isso?
  • 8:42 - 8:46
    E aí Platão continua com a sua reflexão.
  • 8:46 - 8:50
    E se Giges ficasse invisível
    e continuasse honesto?
  • 8:52 - 8:54
    E se as pessoas soubessem disso?
  • 8:54 - 9:00
    Ele imagina: "Olha, em primeiro lugar
    elas diriam: 'Puxa! Exemplar os Giges!
  • 9:00 - 9:03
    Como ele é bom, admirável', por medo,
  • 9:03 - 9:07
    porque vai que ele usa
    os seus poderes contra elas.
  • 9:07 - 9:08
    Mas intimamente pensariam:
  • 9:08 - 9:14
    'Que idiota, se fosse eu que tivesse
    uma oportunidade dessas, ia me dar bem'."
  • 9:14 - 9:18
    Ou seja, ele conclui:
    "As pessoas não amam a ética,
  • 9:18 - 9:22
    elas fazem por um pacto social,
    por um jogo de conveniências,
  • 9:22 - 9:26
    mas quando a última porta
    se fecha atrás delas,
  • 9:26 - 9:29
    elas não são assim, isso não é íntimo".
  • 9:29 - 9:31
    Sabe o que que isso gera?
  • 9:31 - 9:33
    Voltando a um slide anterior nosso:
  • 9:33 - 9:35
    coerção e convicção;
  • 9:35 - 9:37
    medo e desejo.
  • 9:38 - 9:40
    Isso é adestramento, gente.
  • 9:40 - 9:43
    Isso funciona muito bem
    com o cachorrinho da sua casa.
  • 9:43 - 9:46
    Isso funciona muito bem
    com a foquinha do circo.
  • 9:46 - 9:49
    É a sardinha ou o chicote do domador.
  • 9:49 - 9:50
    É bárbaro, mas acontece.
  • 9:50 - 9:55
    Isso funciona bem com
    uma mentalidade condicionada, animal.
  • 9:55 - 10:00
    Condicionamento no ser humano gera
    um verniz de muito pouca cobertura.
  • 10:00 - 10:02
    Qualquer situação de exceção social:
  • 10:02 - 10:04
    "Teve um terremoto!"
  • 10:04 - 10:05
    "Teve um blackout!"
  • 10:05 - 10:09
    Você vê as pessoas
    que tinham aquele verniz,
  • 10:09 - 10:11
    tão bem tratadinho, tão brilhante,
  • 10:11 - 10:15
    saírem às ruas como uma horda
    de vândalos, suevos, visigodos.
  • 10:15 - 10:17
    Ou vocês nunca viram isso?
  • 10:17 - 10:21
    Pessoas aparentemente
    de classe média quebrando vitrines,
  • 10:21 - 10:24
    roubando eletrodomésticos,
    roubando eletrônicos.
  • 10:24 - 10:28
    Olha, recentemente eu vi uma fotografia
    de uma situação assim ocorrida.
  • 10:28 - 10:31
    No Chile, na Inglaterra,
    quantas vezes temos visto isso?
  • 10:31 - 10:33
    Sabe o que é isso?
  • 10:33 - 10:38
    Uma película de pouca cobertura,
    criada pra inglês ver, superficial.
  • 10:38 - 10:43
    Por trás não existem raízes,
    não existe amor à ética.
  • 10:43 - 10:45
    É sempre um jogo de manipulação.
  • 10:45 - 10:50
    Nós estamos acostumados com uma relação
    que é sempre de coerção,
  • 10:50 - 10:52
    um imperativo hipotético.
  • 10:52 - 10:57
    Se eu ganhar, eu faço tal coisa,
    se eu perder, então evito tal coisa.
  • 10:57 - 10:59
    Sempre medo e desejo.
  • 10:59 - 11:03
    Isso é uma equação no eu animal,
    é o chicote ou a sardinha da foca.
  • 11:03 - 11:07
    Funciona bem pra focas,
    não funciona bem pra homens.
  • 11:07 - 11:12
    Os homens ou amam a ética,
    ou não vamos ter ética.
  • 11:12 - 11:16
    Você é o que você faz quando
    a última porta se fecha atrás de você.
  • 11:16 - 11:19
    Como isso é moderno, gente!
  • 11:19 - 11:21
    Embora pensado há 2,4 mil anos atrás.
  • 11:21 - 11:23
    Como é moderno!
  • 11:23 - 11:26
    Pensem em como jogamos, como manipulamos.
  • 11:26 - 11:30
    Pensem como o papel humano
    está desocupado na sociedade!
  • 11:30 - 11:34
    Eu acho bom que as máquinas
    nos empurrem pra fora da mecanicidade,
  • 11:34 - 11:36
    porque o emprego de ser humano
    está desocupado!
  • 11:36 - 11:39
    Alguém tem que ocupar esse cargo.
  • 11:39 - 11:42
    A natureza necessita de humanos,
  • 11:42 - 11:44
    e o humano ama ser,
  • 11:44 - 11:48
    e não necessariamente o que eu vou
    ganhar ou deixar de perder com isso.
  • 11:48 - 11:51
    Chegamos a um nível de manipulação
  • 11:51 - 11:54
    que, segundo Platão,
    manipulamos até o divino.
  • 11:54 - 11:58
    Ele dizia: "Olha, ofende mais aos deuses
    não é quem não acredita neles.
  • 11:58 - 12:03
    É quem acredita e acha
    que pode comprá-los".
  • 12:03 - 12:07
    Existe uma mestra de uma tradição
    antiga Sufi, Rabia al-Adawiyya,
  • 12:07 - 12:11
    que ela tinha uma oração,
    onde ela falava sobre isso:
  • 12:11 - 12:13
    "Senhor meu Deus,
  • 12:13 - 12:19
    se eu Te busco por medo do Teu inferno,
    queima-me no Teu inferno.
  • 12:19 - 12:22
    Se eu Te busco por desejo do Teu céu,
    expulsa-me do Teu céu.
  • 12:22 - 12:28
    Mas se eu Te busco apenas pelo que és,
    recebe-me do seio da Tua glória".
  • 12:28 - 12:31
    Vocês entendem?
    Pelo que és, pelo que eu sou.
  • 12:31 - 12:34
    Sabe por que que eu sou ético?
    Porque eu sou humano, eu mereço isso.
  • 12:34 - 12:35
    Me realizo aí.
  • 12:35 - 12:37
    Bom, esse é um cidadão que é sólido,
  • 12:37 - 12:43
    esse é um cidadão que está apto a ocupar
    o papel de ser humano na sociedade.
  • 12:43 - 12:47
    E cidadãos desse tipo, juntos,
    constroem uma sociedade humana,
  • 12:47 - 12:49
    constroem um mundo humano.
  • 12:49 - 12:54
    E a natureza espera ardentemente
    por isso, porque ela precisa disso.
  • 12:54 - 12:58
    Bom, continuando com a nossa história,
  • 12:58 - 13:00
    ingredientes pra isso:
  • 13:00 - 13:02
    aprender a gostar.
  • 13:02 - 13:06
    Pense numa coisa que eu acho fundamental,
    primeiro lugar, como filósofa,
  • 13:06 - 13:10
    me preocupa muito que o ser humano
    não acredite em si próprio.
  • 13:10 - 13:15
    A descrença no ser humano é uma das piores
    coisas que pode acometer ao homem,
  • 13:15 - 13:18
    porque, acreditando em si próprio,
    mudar já é difícil.
  • 13:18 - 13:21
    Sem acreditar, esquece, não vai dar.
  • 13:21 - 13:26
    E um dos elementos que fazem parte
    desse pacote "não acredito em mim mesmo"
  • 13:26 - 13:30
    é "achamos que não mudamos,
    achamos que somos produtos prontos,
  • 13:30 - 13:33
    achamos que somos rígidos,
    que não vamos mudar".
  • 13:33 - 13:38
    Podemos mudar, podemos
    por exemplo aprender a gostar,
  • 13:38 - 13:39
    gostar de ética.
  • 13:39 - 13:42
    Mudar a ética jiló pela ética chocolate,
  • 13:42 - 13:44
    podemos aprender!
  • 13:44 - 13:49
    E isso é interessante porque existe
    um filósofo do século passado, Sri Ram,
  • 13:49 - 13:55
    que ele dizia que a evolução
    nada mais é do que a depuração do gosto.
  • 13:55 - 13:57
    A depuração do gosto.
  • 13:57 - 14:03
    Até do ponto de vista do paladar físico,
    aqueles que trabalham com dietética sabem
  • 14:03 - 14:05
    que podemos mudar
    a nossa percepção do paladar físico.
  • 14:05 - 14:08
    Agora imaginem no paladar
    emocional, mental.
  • 14:08 - 14:12
    Quantas situações vocês
    rejeitaram por capricho,
  • 14:12 - 14:14
    e poderiam ter sido boas.
  • 14:14 - 14:17
    Quantos relacionamentos,
    quantas experiências,
  • 14:17 - 14:22
    quantas coisas ruins tomamos
    como princípio porque gostamos,
  • 14:22 - 14:25
    numa afeição totalmente infantil.
  • 14:25 - 14:29
    Percebam esse anacronismo que temos
    às vezes de uma mente de século 21
  • 14:29 - 14:33
    com um emocional de pré-história.
  • 14:33 - 14:37
    Como somos às vezes infantis e imaturos
  • 14:37 - 14:40
    do ponto de vista
    de uma coisa chamada caráter.
  • 14:40 - 14:43
    Aí é outra história complicada.
  • 14:43 - 14:45
    Uma das ofensas prediletas
    que nós usamos hoje em dia:
  • 14:45 - 14:47
    "Fulano não tem muito caráter".
  • 14:47 - 14:49
    "Fulano não tem bom caráter."
  • 14:49 - 14:54
    Olha, bom caráter é aquele que gosta
    do que é bom do ponto de vista humano,
  • 14:54 - 14:59
    que te faz crescer em relação ao ideal
    humano, valores, virtudes, sabedoria.
  • 14:59 - 15:05
    Mau caráter é aquele que gosta das coisas
    que te animalizam, que te embrutecem.
  • 15:05 - 15:08
    Sob essa definição, quem de nós
    tem tão bom caráter assim?
  • 15:08 - 15:13
    Fomos tão bem educados a ponto de que tudo
    que eu gosto é bom pro ser humano,
  • 15:13 - 15:15
    e tudo o que eu rejeito é mau?
  • 15:15 - 15:17
    Não, não fomos.
  • 15:17 - 15:20
    Precisamos acreditar
    que o caráter pode ser reformado,
  • 15:20 - 15:22
    podemos reeducar a nós mesmos.
  • 15:22 - 15:23
    Isso é um primeiro elemento.
  • 15:23 - 15:27
    Segundo elemento dessa solução
    que a filosofia propõe:
  • 15:27 - 15:32
    respeito por si próprio, vida interior.
  • 15:32 - 15:34
    Não fazer as coisas pra inglês ver,
  • 15:34 - 15:38
    ou pelo menos imaginar que tem um inglês
    dentro de você, que merece respeito.
  • 15:38 - 15:41
    Kant dizia que respeito vem de "respiciō",
  • 15:41 - 15:45
    de saber ver, olhar mais uma vez,
    olhar pra dentro de si próprio
  • 15:45 - 15:49
    e considerar que tem algo aí
    que é digno de respeito.
  • 15:49 - 15:53
    Existe uma história, um conto zen,
  • 15:53 - 15:55
    que diz que havia
    um mosteiro muito antigo,
  • 15:55 - 15:58
    vivia aí uma comunidade
    de monges mendicantes,
  • 15:58 - 16:02
    e o mosteiro estava quase desmoronando.
  • 16:02 - 16:05
    Num determinado momento, os discípulos
    se dirigem ao mestre e dizem:
  • 16:05 - 16:07
    "Mestre, a gente precisa
    reformar esse mosteiro,
  • 16:07 - 16:09
    senão vai cair na nossa cabeça".
  • 16:09 - 16:11
    E o mestre resolve
    submetê-los a uma prova.
  • 16:11 - 16:14
    Diz: "É verdade, discípulo,
    isso aqui vai desmoronar.
  • 16:14 - 16:18
    Então vocês vão até a cidade mais próxima,
    porque a gente não tem recursos...
  • 16:18 - 16:23
    Vão lá e roubem. Roubem tudo
    que vocês puderem carregar.
  • 16:23 - 16:25
    Agora, tem um detalhe!
  • 16:25 - 16:29
    Não deixem que ninguém veja vocês,
    porque nós somos um mosteiro tradicional.
  • 16:29 - 16:31
    Se alguém nos vê, isso vai
    causar uma desonra.
  • 16:31 - 16:34
    Vão lá e roubem o máximo
    que puderem, mas ninguém os veja".
  • 16:34 - 16:37
    Eles vão lá. "Bom, mas será
    que o mestre está louco?
  • 16:37 - 16:38
    O mestre virou maquiavélico?"
  • 16:38 - 16:40
    Maquiavel nem tinha
    nascido ainda nessa época.
  • 16:40 - 16:43
    Como é que foi isso, enfim... Foram.
  • 16:43 - 16:46
    E aí ele se levanta, entra
    no mosteiro e chega lá,
  • 16:46 - 16:49
    tinha um jovem fazendo
    seus afazeres normalmente.
  • 16:49 - 16:52
    Falou: "Rapaz, por que você
    não foi junto com os outros?"
  • 16:52 - 16:55
    "Ué mestre, eu estou fazendo
    o que o senhor mandou."
  • 16:55 - 16:57
    "Como assim o que eu mandei?"
  • 16:57 - 17:01
    "É sim, o senhor mandou que eu não
    roubasse se tivesse alguém me vendo.
  • 17:01 - 17:06
    E eu estou me vendo, o tempo
    todo eu estou me vendo."
  • 17:06 - 17:08
    Portanto não dava pra roubar.
  • 17:08 - 17:11
    Vocês sabem o que significa isso?
    Vamos lá pro nosso mosteiro...
  • 17:14 - 17:20
    Vida interior, existe algo dentro
    de mim que merece respeito.
  • 17:20 - 17:24
    Algo dentro de mim que está
    me vendo o tempo todo.
  • 17:24 - 17:30
    E se não faço as coisas por isso,
    nós temos uma sociedade de ética jiló.
  • 17:30 - 17:33
    Uma sociedade que trabalha por um verniz,
  • 17:33 - 17:37
    mas que nunca vai ser consistente
    o suficiente para ser um mundo ético.
  • 17:37 - 17:39
    E não esqueçam,
  • 17:39 - 17:44
    o fator fundamental do nosso
    sofrimento ou da nossa felicidade
  • 17:44 - 17:48
    não é se nós estamos viajando
    de biga ou de avião a jato.
  • 17:48 - 17:53
    É se somos honestos, se sabemos
    conviver, se temos vida interior,
  • 17:53 - 17:57
    se sabemos lidar com as nossas
    instabilidades emocionais.
  • 17:57 - 18:01
    Esse é o fator fundamental. É o ser.
  • 18:01 - 18:03
    E esse ser é uma questão muito antiga,
  • 18:03 - 18:06
    que nós ainda não nos resolvemos
    em relação a ela.
  • 18:06 - 18:10
    Talvez a história esteja nos empurrando
    pra sair do papel das máquinas
  • 18:10 - 18:12
    e entrar no papel humano.
  • 18:12 - 18:14
    Filósofo, gente, é um bicho esquisito.
  • 18:14 - 18:19
    Primeiro lugar, tem visão simbólica
    e procura aprender com tudo na vida.
  • 18:19 - 18:26
    Segundo lugar, filósofo acredita que o ser
    humano é a maior invenção da natureza,
  • 18:26 - 18:29
    uma invenção genial, melhor que chocolate.
  • 18:29 - 18:32
    Que quando a gente
    aprender a usar essa invenção,
  • 18:32 - 18:35
    ela vai recompensar
    a natureza de muitas formas.
  • 18:35 - 18:41
    Ela vai ser muito boa, vai ser a melhor
    boa nova que já se ouviu na história.
  • 18:41 - 18:46
    Nós acreditamos que o ser humano
    pode ser construído,
  • 18:46 - 18:51
    que o ser humano é
    uma excelente ideia da natureza.
  • 18:51 - 18:52
    Nós trabalhamos por isso.
  • 18:53 - 18:58
    Eu espero que vocês também acreditem
    nessa ideia, e também trabalhem por ela.
  • 18:58 - 18:59
    Obrigada.
  • 18:59 - 19:01
    (Aplausos)
Title:
Sobre ética e chocolate | Lúcia Helena Galvão | TEDxPassoFundo
Description:

Nesta fala, a professora Lúcia Helena discute a presença (ou a falta) da ética em nossa vida cotidiana.

Filósofa “à Maneira Clássica”, é professora pioneira da Nova Acrópole no Brasil, organização internacional que tem como objetivo a formação humana por meio da filosofia, dedicando-se a diversos temas como Sociopolítica, Filosofia da História, Introdução à Sabedoria Oriental, Psicologia, Simbologia Teológica entre outros. Já publicou livros de poesias e de crônicas inspiradas na temática filosófica clássica.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite http://ted.com/tedx

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Video Language:
Portuguese, Brazilian
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
19:12

Portuguese, Brazilian subtitles

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