A música encantada da língua gestual
-
0:04 - 0:07Piano, "p",
é o meu símbolo musical preferido. -
0:08 - 0:10Significa tocar pianinho.
-
0:10 - 0:14Quando tocamos um instrumento musical,
e vemos um "p" na partitura, -
0:14 - 0:17temos que tocar mais pianinho.
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0:16 - 0:19Dois "p", ainda mais pianinho.
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0:19 - 0:23Quatro "p", extremamente pianinho.
-
0:26 - 0:30Este é um desenho meu duma árvore de "p"
-
0:30 - 0:31que demonstra
-
0:31 - 0:36que, mesmo que haja milhares
e milhares de "p" -
0:36 - 0:38nunca atingimos o silêncio total.
-
0:39 - 0:41Esta é a minha definição de silêncio:
-
0:41 - 0:43um som muito obscuro.
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0:45 - 0:47Gostava de vos contar um pouco da história
-
0:47 - 0:50da Língua Gestual Americana, a ASL,
-
0:50 - 0:52e um pouco da minha história.
-
0:54 - 0:59A língua gestual francesa entrou
na América no início do século XIX, -
0:59 - 1:03e à medida que o tempo foi passando,
misturou-se com os sinais locais, -
1:03 - 1:07evoluiu para a língua
conhecida hoje por ASL. -
1:07 - 1:10Portanto, tem uma história
de mais de 200 anos. -
1:12 - 1:14Eu nasci surda,
-
1:15 - 1:19e ensinaram-me que o som
não fazia parte da minha vida. -
1:21 - 1:23Eu julgava que isso era verdade.
-
1:25 - 1:29Mas agora percebo
que não era nada verdade. -
1:29 - 1:32O som fazia parte da minha vida,
-
1:32 - 1:34estão na minha cabeça todos os dias.
-
1:38 - 1:42Enquanto uma pessoa surda
que vive num mundo de sons, -
1:42 - 1:45era como se vivesse num país estrangeiro,
-
1:45 - 1:50seguindo cegamente as suas regras,
hábitos, comportamentos e normas, -
1:50 - 1:52sem sequer os pôr em dúvida.
-
2:01 - 2:04Então como é que eu entendo os sons?
-
2:06 - 2:09Observo como as pessoas se comportam
e reagem aos sons. -
2:11 - 2:14Vocês são os meus altifalantes
e amplificam o som. -
2:14 - 2:17Eu aprendo e imito esse comportamento.
-
2:17 - 2:20Simultaneamente, aprendi que crio sons
-
2:20 - 2:22e tenho visto como as pessoas me respondem.
-
2:23 - 2:25Assim, por exemplo, aprendi
-
2:25 - 2:27"Não batas com a porta!"
-
2:28 - 2:32"Não faças muito barulho
quando comes batatas fritas!" -
2:32 - 2:33(Risos)
-
2:33 - 2:34"Não arrotes,
-
2:34 - 2:36"e, quando estiveres a comer,
-
2:36 - 2:38"não arranhes o prato com os talheres".
-
2:38 - 2:41Chamo a estas coisas todas
a "etiqueta dos sons". -
2:44 - 2:47Talvez eu pense mais na etiqueta dos sons
-
2:47 - 2:49do que a média das pessoas que ouvem bem.
-
2:50 - 2:52Sou hiper vigilante quanto aos sons.
-
2:55 - 2:59Estou sempre à espera,
numa antecipação ansiosa, -
2:59 - 3:02de ouvir sons, do que virá a seguir.
-
3:02 - 3:03Daí este desenho.
-
3:04 - 3:07TBD — para decidir.
-
3:08 - 3:11TBC — para continuar.
-
3:11 - 3:13TBA — para anunciar.
-
3:17 - 3:19Repararam na pauta?
-
3:19 - 3:21Não há notas nas linhas.
-
3:21 - 3:25Porque as linhas já contêm sons
-
3:25 - 3:27através de subtis manchas e sombras.
-
3:29 - 3:32Na cultura dos surdos,
o movimento é equivalente ao som. -
3:38 - 3:40Este é um sinal para "pauta" na ASL.
-
3:40 - 3:43Uma pauta normal tem cinco linhas.
-
3:44 - 3:47Mas, para mim, fazer este sinal
com o meu polegar assim -
3:47 - 3:48não me parece natural.
-
3:48 - 3:51É por isso que nos meus desenhos,
eu só traço quatro linhas no papel. -
3:53 - 3:57Em 2008, tive a oportunidade
de ir a Berlim, na Alemanha. -
3:57 - 3:59para uma residência de artistas.
-
4:00 - 4:03Antes disso, tinha trabalhado em pintura.
-
4:05 - 4:09No verão, visitei vários museus
e galerias de arte -
4:09 - 4:11e, enquanto andava
de um lado para o outro, -
4:11 - 4:14reparei que não havia arte visual.
-
4:15 - 4:20Nessa época, a tendência era o som,
foi uma coisa que me chocou, -
4:20 - 4:22não havia arte visual,
-
4:22 - 4:24era tudo um auditório.
-
4:25 - 4:29O som tinha entrado
no meu território artístico. -
4:29 - 4:32Iria afastar-me da arte?
-
4:34 - 4:36Percebi que isso não seria o caso.
-
4:37 - 4:38Eu conheço o som.
-
4:38 - 4:40Conheço-o tão bem
-
4:40 - 4:44que não tem que ser uma coisa
que só é percecionada pelos ouvidos, -
4:44 - 4:47pode sentir-se pelo tacto,
-
4:47 - 4:49ou percecionado como visual,
-
4:49 - 4:51ou até mesmo como uma ideia.
-
4:53 - 4:56Por isso decidi recuperar a posse do som
-
4:56 - 4:59e utilizá-lo na minha prática artística.
-
5:01 - 5:05Tudo aquilo que me tinham ensinado
em relação ao som, -
5:05 - 5:08decidi pôr de lado e desaprender.
-
5:09 - 5:12Comecei a criar um novo tipo de trabalho.
-
5:13 - 5:16Quando o apresentei
à comunidade artística, -
5:16 - 5:19fiquei espantada com a quantidade
de apoio e atenção que recebi. -
5:21 - 5:22Percebi
-
5:24 - 5:27que o som é como o dinheiro,
-
5:27 - 5:30poder, controlo,
-
5:30 - 5:32é uma moeda social.
-
5:36 - 5:40Cá no fundo, sempre sentira
que o som era uma coisa vossa, -
5:40 - 5:42uma coisa de pessoas que ouvem.
-
5:44 - 5:46Mas o som é tão poderoso
-
5:47 - 5:50que podia enfraquecer-me,
a mim e ao meu trabalho artístico, -
5:50 - 5:53ou podia conferir-me poder.
-
5:53 - 5:56Optei pelo poder.
-
5:57 - 6:00Há uma enorme cultura
em torno da língua falada. -
6:01 - 6:06Como eu não uso a minha voz
para comunicar, -
6:07 - 6:11aos olhos da sociedade é como
se eu não tivesse voz nenhuma. -
6:13 - 6:17Por isso preciso de trabalhar com pessoas
que me apoiem em pé de igualdade -
6:17 - 6:19e sejam a minha voz.
-
6:21 - 6:25Dessa forma, posso manter
relevância na sociedade de hoje. -
6:25 - 6:27Na escola, no trabalho e nas instituições
-
6:27 - 6:30eu trabalho com muitas
intérpretes diferentes de ASL. -
6:31 - 6:35A voz delas torna-se a minha voz
e a minha identidade. -
6:36 - 6:38Elas ajudam-me a ser ouvida.
-
6:42 - 6:47As vozes delas têm valor, são uma moeda.
-
6:52 - 6:55Ironicamente, ao usar as vozes delas,
-
6:55 - 6:58posso manter uma forma
temporal de valor. -
6:58 - 7:02É como contrair um empréstimo
com uma taxa de juro muito alta. -
7:06 - 7:08Se eu não continuasse com esta prática,
-
7:08 - 7:11sentiria que podia cair no esquecimento
-
7:11 - 7:15e deixar de manter
qualquer tipo de valor social. -
7:17 - 7:20Com o som como o meu novo meio de arte,
-
7:20 - 7:22mergulhei no mundo da música.
-
7:23 - 7:27Fiquei surpreendida ao ver as semelhanças
entre a música e a ASL. -
7:29 - 7:31Por exemplo,
-
7:31 - 7:33uma nota musical
-
7:33 - 7:36não pode ser captada
e totalmente expressa no papel. -
7:37 - 7:41O mesmo acontece com um conceito na ASL.
-
7:42 - 7:46São ambos muito espaciais
e com muitas inflexões, -
7:50 - 7:52ou seja, alterações subtis
-
7:52 - 7:55podem afetar todo o significado
-
7:55 - 7:57tanto dos sinais como dos sons.
-
8:00 - 8:02Gostava de partilhar convosco
uma metáfora de piano -
8:02 - 8:05para vocês perceberem melhor
como funciona a ASL. -
8:05 - 8:07Imaginem um piano.
-
8:08 - 8:12A ASL divide-se em muitos parâmetros
gramaticais diferentes. -
8:13 - 8:17Se atribuirmos um parâmetro diferente
a cada dedo, quando tocamos piano, -
8:17 - 8:21como uma expressão facial,
um movimento corporal, -
8:22 - 8:26velocidade, forma da mão, etc.,
-
8:26 - 8:28enquanto tocamos piano...
-
8:28 - 8:30O inglês é uma língua linear,
-
8:30 - 8:33como se tocássemos
uma só tecla de cada vez. -
8:33 - 8:36Mas a ASL é mais como um acorde,
-
8:36 - 8:40são precisos os 10 dedos
a trabalhar em simultâneo -
8:40 - 8:43para exprimir um conceito claro
ou uma ideia na ASL. -
8:46 - 8:50Basta que uma só dessas teclas
altere o acorde, -
8:50 - 8:52para criar um significado
totalmente diferente. -
8:52 - 8:56O mesmo se aplica à música quanto
à altura, ao tom e ao volume. -
9:01 - 9:04Na ASL, ao jogar com estes
diferentes parâmetros gramaticais, -
9:04 - 9:06podemos exprimir ideias diferentes.
-
9:06 - 9:08Por exemplo, vejam o sinal "olhar".
-
9:08 - 9:10O sinal "olhar" é este.
-
9:13 - 9:14Eu estou a olhar para vocês.
-
9:16 - 9:18A olhar fixamente para vocês.
-
9:18 - 9:20(Risos)
-
9:21 - 9:22(Risos)
-
9:24 - 9:26Oh... droga.
-
9:26 - 9:28(Risos)
-
9:30 - 9:31Oh-oh!
-
9:34 - 9:35Para onde estás a olhar?
-
9:37 - 9:39Oh, basta!
-
9:39 - 9:40(Risos)
-
9:40 - 9:42Depois comecei a pensar,
-
9:42 - 9:45E se eu olhasse para a ASL
com lentes musicais? -
9:45 - 9:48E se eu criasse um sinal
e o repetisse vezes sem conta, -
9:48 - 9:51ele podia tornar-se numa espécie
de música visual. -
9:52 - 9:56Por exemplo, este é o sinal para "dia",
-
9:56 - 9:58quando o sol nasce e se põe.
-
10:00 - 10:02Isto é "o dia todo".
-
10:04 - 10:08Se eu o repetir mais devagar,
-
10:08 - 10:11visualmente parece uma peça musical.
-
10:12 - 10:14Todo... o dia.
-
10:15 - 10:19Sinto que acontece o mesmo
com "toda a noite". -
10:21 - 10:23Toda... a noite.
-
10:24 - 10:27Isto é "toda a noite"
representada neste desenho. -
10:31 - 10:34Isto levou-me a pensar
em três tipos diferentes de noites. -
10:38 - 10:40"a noite passada",
-
10:41 - 10:43"durante a noite",
-
10:46 - 10:48(Cantando) "durante toda a noite".
-
10:49 - 10:51(Risos)
-
10:56 - 10:59Sinto que a terceira tem muito mais
musicalidade do que as outras duas. -
10:59 - 11:00(Risos)
-
11:01 - 11:04Isto representa como se exprime
tempo na ASL -
11:05 - 11:09e como a distância ao nosso corpo
pode exprimir as variações no tempo. -
11:09 - 11:11Por exemplo,
-
11:11 - 11:14uma hora é uma mão,
duas horas são duas mãos, -
11:14 - 11:18o tempo presente acontece muito perto
e em frente do corpo, -
11:18 - 11:21o futuro fica em frente do corpo
e o passado fica atrás. -
11:24 - 11:27Portanto, o primeiro exemplo é
"há muito tempo". -
11:28 - 11:30Depois, o "passado"
-
11:33 - 11:34"eu costumava"
-
11:34 - 11:37e o último, que é o meu preferido,
-
11:37 - 11:39com uma noção muito romântica e dramática
-
11:39 - 11:41"era uma vez".
-
11:41 - 11:42(Risos)
-
11:46 - 11:49"Tempo comum"
-
11:49 - 11:50é um termo musical
-
11:50 - 11:54com um ritmo específico
de quatro tempos por compasso. -
11:56 - 11:58Mas, quando eu vejo
a expressão "tempo comum", -
11:58 - 12:01o que me ocorre automaticamente
é "ao mesmo tempo". -
12:02 - 12:05Reparem, RH: mão direita,
LH: mão esquerda. -
12:06 - 12:08Temos a pauta na cabeça e no peito,
-
12:14 - 12:17Agora vou ensinar-vos a forma
duma mão chamada "flash claw" -
12:19 - 12:21Podem fazer o mesmo que eu?
-
12:22 - 12:24Todos, mão no ar!
-
12:27 - 12:30Agora vamos fazer o mesmo
na cabeça e no peito, -
12:30 - 12:32como em "tempo comum"
ou "ao mesmo tempo". -
12:36 - 12:37É assim mesmo.
-
12:37 - 12:40Isso significa "apaixonar-se"
em língua gestual internacional. -
12:40 - 12:42(Risos)
-
12:42 - 12:44Já agora, a língua gestual internacional
-
12:44 - 12:47é uma ferramenta visual
que ajuda a comunicação -
12:47 - 12:49entre culturas e línguas gestuais
de todo o mundo. -
12:50 - 12:52A segunda coisa que eu
queria ensinar-vos é esta. -
12:52 - 12:54Por favor, façam o mesmo que eu faço.
-
12:59 - 13:01E agora isto.
-
13:05 - 13:08Isto é "colonização" em ASL.
-
13:08 - 13:10(Risos)
-
13:11 - 13:13Agora, a terceira.
-
13:13 - 13:15Por favor, mais uma vez.
-
13:19 - 13:21Outra vez.
-
13:25 - 13:27Isto é "esclarecimento" em ASL.
-
13:28 - 13:29Agora, vamos fazer as três seguidas.
-
13:32 - 13:33"Apaixonar-se",
-
13:34 - 13:35"colonização",
-
13:36 - 13:38"esclarecimento".
-
13:39 - 13:40Bom trabalho!
-
13:41 - 13:44Reparem como os três gestos
são muito semelhantes, -
13:44 - 13:46acontecem todos na cabeça e no peito,
-
13:46 - 13:48mas transmitem
significados muito diferentes. -
13:48 - 13:51É espantoso ver como a ASL
é viva e pujante, -
13:51 - 13:53tal como a música.
-
13:54 - 13:57Mas, atualmente,
-
13:57 - 14:00vivemos num mundo muito audiocêntrico.
-
14:00 - 14:03Mas como a ASL não contém sons,
-
14:03 - 14:06automaticamente não tem valor social.
-
14:07 - 14:12Precisamos de começar a pensar mais
no que é que define o valor social -
14:12 - 14:16e permitir que a ASL desenvolva
a sua forma de valor, -
14:16 - 14:17sem som.
-
14:18 - 14:23Isso poderá ser um passo para chegar
a uma sociedade mais inclusiva. -
14:26 - 14:28Talvez as pessoas venham a perceber
-
14:28 - 14:32que não precisam de ser surdas
para aprender a ASL, -
14:32 - 14:35nem é preciso ouvir,
para aprender música. -
14:37 - 14:40A ASL é um tesouro tão rico
-
14:40 - 14:42que gostava que tivessem
a mesma experiência. -
14:42 - 14:45E gostava de vos convidar
a abrir os ouvidos, -
14:45 - 14:47a abrir os olhos,
-
14:47 - 14:49a fazer parte da nossa cultura
-
14:49 - 14:51e a experimentar a nossa língua visual.
-
14:51 - 14:53Nunca se sabe,
-
14:53 - 14:55podem apaixonar-se por nós.
-
14:55 - 14:57(Aplausos)
-
14:57 - 14:58Obrigada.
-
14:58 - 15:01(Aplausos)
- Title:
- A música encantada da língua gestual
- Speaker:
- Christine Sun Kim
- Description:
-
A artista Christine Sun Kim nasceu surda, e ensinaram-lhe que o som não fazia parte da vida dela, que era uma coisa para as pessoas que ouvem. Através da arte, descobriu semelhanças entre a Língua Gestual Americana e a música, e percebeu que o som não tem que ser percecionado apenas pelos ouvidos, pode ser sentido, visto e vivido como uma ideia. Nesta palestra cativante, convida-nos a abrir os olhos e os ouvidos e a participar do rico tesouro da língua visual.
- Video Language:
- English
- Team:
closed TED
- Project:
- TEDTalks
- Duration:
- 15:17
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