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Querido Thay, queridos amigos.
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Sei que ainda estão aí,
e isso deixa-me muito feliz.
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Hoje gostaria de partilhar convosco
um pouco da reflexão que tenho feito
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sobre o vício.
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Recentemente, uma jovem muito bonita
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veio ao Mosteiro de Deer Park
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num Dia de Atenção Plena, e
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aproximou-se de mim,
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e agradeceu-me pelo meu livro,
"Healing: Journey from Doctor to Nun" (Cura: A Viagem de Médica a Monja).
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E depois de trocarmos algumas palavras, abracei-a.
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E pude sentir que o corpo dela
tremia
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profundamente por dentro.
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E senti de imediato
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que era alguém a passar por um trauma.
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Então convidei-a para caminhar comigo,
e depois sentámo-nos
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para conversar um pouco.
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Fiquei a saber que está a participar
num programa de reabilitação.
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E contou-me que na biblioteca
onde está hospedada, em reabilitação,
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encontrou o meu livro.
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E então requisitou-o
e estava a lê-lo.
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Sentiu-se confortada e ajudada por ele.
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Fiquei profundamente tocada ao saber
que há programas por aí
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que usam ensinamentos do Dharma,
os nossos ensinamentos no YouTube,
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que usam os nossos livros,
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escritos pelo nosso querido mestre,
o Mestre Zen Thich Nhat Hanh,
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e também pelos nossos irmãos e irmãs monásticos
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da comunidade de Plum Village.
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Ela disse-me que estava muito grata
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por poder partilhar comigo a sua jornada,
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porque o vício tem tanto estigma,
que raramente o partilhava com alguém.
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Por isso, foi um grande alívio para ela
poder falar comigo
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abertamente sobre o seu vício.
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Vejo o vício como apenas a ponta,
o ramo de uma árvore.
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Muitas vezes estamos presos
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ao estigma do vício — tanto quem sofre
do vício como a própria sociedade.
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Vemos isso como o problema principal.
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Mas, na verdade, quando olhamos profundamente,
vemos que o vício é apenas
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uma manifestação de um problema
mais profundo e enraizado:
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sofrimento, trauma
que a pessoa viveu.
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Quer na infância, quer na adolescência,
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ou mais tarde na vida.
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Quando passamos por uma crise,
por uma questão de sobrevivência,
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encontramos formas de lidar com isso.
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O mecanismo de defesa que,
como seres humanos, desenvolvemos naturalmente
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é o de lutar contra a situação,
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ou fugir dela,
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ou, se sentirmos que estamos encurralados,
sem saída,
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o sistema nervoso desliga-se automaticamente
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e entramos numa resposta de congelamento.
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Ficamos paralisados por dentro,
ou a mente dissocia-se,
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para não ter de testemunhar
o sofrimento, a dor do corpo.
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E, claro, dependendo do ambiente
em que estejamos,
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quando estamos a sofrer
e queremos fugir,
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se temos familiares ou amigos,
ou se vemos na televisão,
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vemos certos modelos a seguir.
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E se essas pessoas usam drogas,
pornografia,
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álcool, trabalho, sexo, etc.,
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para fugir aos seus problemas,
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então também podemos aprender a fazer o mesmo.
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Conheci pessoas que, em crianças
ou adolescentes,
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usaram pornografia para se anestesiar,
para fugir aos problemas familiares.
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Qualquer que seja o mecanismo de defesa
que tenhamos usado
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na fase inicial do sofrimento,
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pode tornar-se um hábito.
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Mesmo que já não estejamos a passar
pela mesma crise ou trauma,
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o mecanismo de defesa
tornou-se um hábito.
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Ficamos presos a ele.
Treinámo-lo durante tanto tempo.
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Então uma pessoa viciada em sexo,
pornografia, drogas, álcool,
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trabalho, entretenimento, jogos, etc., etc.,
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o que começou por ser uma fuga,
algo que nos ajudou a sobreviver,
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ou a não enfrentar uma situação
que era demasiado para nós
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compreendermos ou aguentarmos,
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agora tornou-se uma muleta.
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Mesmo depois de crescermos,
ficamos presos.
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A criança ferida em nós
está presa neste corpo.
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E está presa
a esse mecanismo de defesa,
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que agora nos causa imenso sofrimento.
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Acho importante ver o vício
nesta perspetiva.
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Para que possamos remover parte do estigma,
da vergonha, da culpa, da impotência,
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e da culpa atribuída a quem sofre com o vício.
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Se olharmos com profundidade, todos nós
já usámos mecanismos de defesa.
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Uns mais saudáveis, mais benéficos,
menos destrutivos, mais subtis,
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mas todos já usamos estratégias
para lidar com o sofrimento.
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E se virmos desta forma,
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ganhamos compreensão e compaixão,
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por nós mesmos e uns pelos outros.
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E também ganhamos esperança
de poder transformar o vício.
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Em vez de focarmos
na ponta do ramo,
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olhamos mais profundamente para as raízes
do problema,
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como o trauma, o sofrimento.
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Na nossa prática, aprendemos a acalmar
a mente, a acalmar o corpo,
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e esta jovem partilhava comigo
que tem ouvido muitos vídeos no YouTube
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dos nossos irmãos e irmãs monásticos
e do nosso Mestre.
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E tem aprendido
sobre a respiração consciente,
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e tem praticado isso.
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A respiração consciente pode ajudar-nos
a regressar ao corpo.
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Talvez não seja fácil para alguns de nós
regressar à respiração
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porque estamos tão afastados
do nosso próprio corpo,
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e a respiração tornou-se tão curta
e sufocante que custa estar consciente dela.
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Se for esse o caso,
podemos aprender a regressar
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e a estar conscientes, por exemplo, das mãos.
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Em vez de focar na respiração,
focamos nas mãos.
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Ao inspirar, sentimos as mãos a fechar…
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ao expirar, sentimos as mãos a abrir.
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E há mesmo um movimento natural,
muito subtil, das mãos,
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elas mexem-se assim
ao inspirarmos,
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e assim
ao expirarmos, naturalmente.
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Mas podemos exagerar esse movimento,
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só para tomarmos consciência
do movimento das mãos.
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Ou podemos colocar as mãos no colo,
e ao inspirar,
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levantamos a mão,
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e ao expirar, pousamos a mão no colo.
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Também aprendi a fazer isto:
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inspirar,
expirar,
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como um pequeno botão de flor.
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Inspiração, expiração.
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Inspiração, expiração.
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Inspiração, expiração.
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Ao aprendermos a regressar ao corpo,
que foi negligenciado, abandonado ou ferido
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durante tanto tempo — ferimo-lo,
abusámos dele durante tanto tempo —
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agora, lentamente, regressamos
para fazer amizade com ele.
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Inspirando, faço amizade com a minha respiração.
Com a minha inspiração.
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Ou, inspirando, faço amizade com as minhas mãos.
Com os meus pulmões, o meu coração,
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faço amizade com o meu corpo.
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E expirando, sorrio
ao meu corpo.
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Sorrio à minha expiração,
sorrio a mim mesma.
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É importante aprender
a fazer amizade connosco próprios,
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em vez de usarmos discurso duro,
palavras condenatórias.
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Agora aprendemos a, gentilmente,
dizer "olá" ao corpo,
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dizer "olá" às partes do corpo,
à respiração.
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O vício não é apenas sobre as drogas,
o objeto do nosso vício.
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Envolve uma imagem de nós próprios
que se enraizou:
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“Sou viciado(a).”
“Estou completamente perdido(a).”
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“A minha vida está destruída.”
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As famílias e os amigos frustram-se,
talvez até se afastem de nós.
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Talvez tenhamos perdido o emprego,
o casamento,
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a carreira,
a confiança em nós próprios,
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na nossa capacidade
de cuidar de nós,
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de lidar
com as dificuldades da vida.
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E por isso é um grande fardo.
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E claro, ao usarmos drogas,
álcool, pornografia, etc.,
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a doença física também começa a surgir
nas nossas vidas, no nosso corpo.
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Podemos ter muitos sintomas de abstinência,
podemos desenvolver ansiedade, depressão.
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Lidamos com muitos,
muitos, muitos problemas ao mesmo tempo.
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E pode ser completamente esmagador.
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A tolerância e a sensibilização
aos objetos do nosso vício
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causam-nos imenso sofrimento.
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Quero falar um pouco sobre isso.
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Digamos que, no início,
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os nossos sentimentos, a nossa sensação
de bem-estar ou mal-estar começa
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num nível 5.
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Sentimos-nos apenas a nível 5.
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E ao experimentar aquela droga,
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ou o álcool,
ou a pornografia, etc.,
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podemos sentir que o humor sobe
para o nível 7, ou 8,
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que é uma boa sensação. Gostamos disso.
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E queremos voltar
a esse nível 7, 8, ou até 9.
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Mas em breve,
a mesma dose da droga
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já não nos leva ao nível 8,
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mas só ao nível 7.
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E depois, lentamente, 6.
Depois, 5.
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É aí que começamos
a desenvolver tolerância.
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Temos de fazer mais, a dose é maior.
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Fazemos mais disso
apenas para voltar ao nível 7.
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Ou ao nível 6.
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E agora, sem as drogas, já não nos sentimos
no nível 5 como antes de as usarmos.
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Mas talvez estejamos no nível 4,
ou 3, ou 2.
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Sentimo-nos mal.
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Agora usamos drogas
não porque gostamos,
-
não porque nos faz sentir bem,
-
mas porque não queremos sentir-nos
tão mal. Tão doentes.
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Esse desconforto e dor intensos
no corpo e na mente.
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E por isso procuramos a droga
apenas para nos sentirmos “normais”.
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E isso é algo
que muitos de nós talvez não pensem,
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sobretudo se não tivermos
-
aquele vício específico.
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Podemos pensar que as pessoas
-
só querem sentir-se bem,
por isso usam drogas.
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Mas não — elas só querem sentir-se normais.
Toleráveis.
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É essa a tolerância que desenvolvemos.
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O cérebro habitua-se,
já não responde da mesma forma.
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Precisa de uma dose mais forte.
-
E ao mesmo tempo, o cérebro desenvolve
uma sensibilização.
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Ou seja, mesmo com uma pequena quantidade,
-
induz uma ânsia muito mais forte
do que antes.
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À medida que o vício se intensifica,
-
precisa de menos da substância,
menos do estímulo,
-
das imagens e sons,
-
para gerar uma ânsia intensa,
-
uma necessidade urgente
de procurar o objeto do vício
-
para nos acalmarmos.
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Fazemo-lo por desejo compulsivo,
por desconforto,
-
não por prazer.
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E muitos de nós também sofremos de negação.
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Demora muito tempo
para uma pessoa com uma doença mental
-
reconhecer — e aceitar —
-
que tem uma doença mental.
-
É por isso que a doença mental
piora,
-
porque não a reconhecemos,
não a aceitamos.
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Então tentamos consumir drogas —
isso é também uma situação
-
em que temos uma doença,
um problema físico, uma dor física,
-
e não conseguimos lidar com ela.
Então procuramos uma droga,
-
até mesmo um fármaco,
para suprimir essa dor.
-
E assim tornamo-nos dependentes dele...
-
Reconhecer que temos um vício
numa substância ou noutro comportamento
-
também é muito difícil para nós,
porque sentimos que temos justificação,
-
ou queremos justificar as nossas ações.
-
E isso torna ainda mais difícil
procurar ajuda,
-
ou tentar encontrar uma saída
para o problema,
-
porque entramos em negação.
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Todo o tipo de vício
acontece porque
-
ele altera o nosso cérebro.
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Quando eu estava na faculdade de medicina,
não se falava muito
-
sobre neuroplasticidade.
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Mas nos últimos 20 anos,
a comunidade científica começou
-
a falar mais sobre neuroplasticidade.
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O que, para mim, o Buda sempre soube,
há 2.600 anos.
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E é por isso que a prática budista,
os ensinamentos do Buda,
-
dizem respeito ao cuidar da mente,
ao cuidar dos nossos pensamentos, palavras
-
e ações corporais.
-
E até o Buda disse:
"Há uma coisa que, se não for cultivada,
-
trará muito sofrimento e miséria."
-
Qual é essa coisa?
-
É a mente.
-
E o Buda também disse que há
uma coisa que, se for bem cultivada,
-
trará muita felicidade.
-
Qual é essa coisa?
-
É a nossa mente.
-
É a nossa mente, a nossa capacidade
de estar presentes para o que é,
-
de reconhecer o que é,
e de cuidar bem disso.
-
E isso leva-me ao...
-
Alcoólicos Anónimos, esse programa,
que tem o que se chama
-
Programa dos 12 Passos.
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E um dia, percebi que, na verdade,
nós, praticantes budistas,
-
também passamos por um Programa
de 12 Passos.
-
Que inclui: as Quatro Nobres Verdades
e o Caminho Óctuplo.
-
Se somarmos,
dá 12 passos para todos nós.
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Nas Quatro Nobres Verdades,
-
a primeira Nobre Verdade
é que existe sofrimento.
-
É importante aprendermos
a reconhecer
-
que estamos a passar por uma dificuldade.
-
Estamos a passar por um acontecimento traumático.
-
Reconhecer que há sofrimento
já é libertador.
-
E a maioria de nós, na sociedade,
não pratica isto.
-
Tentamos suprimir,
tentamos encontrar algo para encobrir.
-
Não queremos reconhecer
que há sofrimento.
-
O que há de tão nobre no sofrimento
para que o Buda o tenha chamado de “Nobre Verdade do Sofrimento”?
-
Só é nobre porque o reconhecemos.
Esse é o primeiro passo.
-
É uma pedra fundamental.
-
E a segunda Nobre Verdade
-
é reconhecer que há causas
para o sofrimento,
-
tal como eu partilhei
-
sobre a raiz do vício,
e não apenas a ponta,
-
o ramo visível,
mas a causa enraizada.
-
Então olhamos profundamente
para as causas, em diferentes momentos da nossa vida,
-
na situação familiar,
no meio social,
-
no estado do mundo —
-
todos esses fatores influenciam
a vida de um ser humano,
-
porque estamos interligados
com tudo isso.
-
Olhar para as causas
do nosso sofrimento
-
é muito importante, e reconhecê-las.
-
E não apenas ver as causas
do nosso próprio sofrimento,
-
mas, à medida que praticamos mais profundamente,
-
também olhamos para as causas do sofrimento
daqueles que nos causaram sofrimento.
-
E reconhecemos que
-
os causadores do nosso sofrimento
também foram vítimas.
-
Há pouco tempo, dei uma consulta
a uma mulher.
-
Ela veio com outras perguntas,
como me disse mais tarde.
-
Mas sentámo-nos um pouco,
-
e ela começou —
hesitantemente — a tentar
-
partilhar algo mais profundo
-
do que as perguntas que tinha pensado.
-
E então olhou para mim
-
e perguntou-me:
-
“Quando eu tinha 5 anos,
fui imobilizada por 5 rapazes.
-
Como posso viver com isso?”
-
E à medida que começou
a contar-me o que aconteceu,
-
o corpo dela começou a tremer.
-
Coloquei a minha mão sobre o joelho dela,
e o corpo dela começou a tremer
-
cada vez mais violentamente.
-
E nesse momento, percebi:
-
isto é real.
-
Ela está a reviver a experiência.
-
Então disse-lhe: “Não precisas de falar.
-
Só respira.”
-
E abracei-a.
-
E o corpo dela, o corpo inteiro,
começou a tremer.
-
Começou pelas mãos,
depois os joelhos,
-
e depois o corpo todo.
-
Disse-lhe: “Vamos sentar-nos no chão.”
-
E ajudei-a a sentar-se no chão.
-
Segurei-a nos braços,
e ela estava encolhida,
-
literalmente como uma criança.
Estava encolhida assim.
-
E abracei-a por trás,
e embalei-a para a frente e para trás.
-
Só a embalei.
-
Ela tornou-se uma criança,
uma menina de 5 anos mesmo à minha frente.
-
E eu só a embalei
e abracei-a com força.
-
Nesse momento, algo em mim
disse que era isso que ela precisava,
-
uma pressão profunda, um abraço forte,
e simplesmente estar presente com ela.
-
E ela tremeu durante muito, muito tempo.
-
E depois, aos poucos,
o corpo dela começou a acalmar.
-
E ela disse-me: “Obrigada.”
-
“Obrigada. Obrigada.”
-
Ela sussurrava estas palavras,
-
e eu continuava a segurá-la,
a embalar o seu corpo,
-
e disse-lhe: “Obrigada.”
-
“Obrigada por sobreviveres todos estes anos.”
-
“Obrigada por teres feito
tantos esforços na tua vida.”
-
Ela agradeceu-me.
-
Mas agora que penso nisso,
não sei se foi ela quem me agradeceu,
-
ou se foi a criança interior dentro dela
que me agradeceu.
-
Mas eu estava, com certeza, a agradecer
à criança interior dela
-
por ter tentado tanto,
por ter sobrevivido.
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Por ter feito
coisas extraordinárias na sua vida,
-
apesar de toda a dor, vergonha e culpa,
-
e da tristeza que carregou
durante toda a vida.
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Ela até disse: "Eu estava a seguir os rapazes,
mas era apenas uma criança,
-
eu não sabia."
-
Então, na nossa partilha, também lhe disse:
"Para esses rapazes adolescentes
-
terem feito aquilo contigo,
eles devem ter visto isso algures.
-
E assim, imitaram
essa violência contigo.
-
Por isso, eles também foram vítimas."
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Para esses rapazes terem feito aquilo
a uma menina de apenas 5 anos,
-
as suas vidas nunca mais seriam
as mesmas.
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Os seus pensamentos, a sua fala,
e as suas ações corporais mudaram para sempre.
-
As suas vidas nunca mais poderiam
ser verdadeiramente felizes.
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Então, ao olharmos profundamente para as causas
do nosso sofrimento,
-
aprendemos também a olhar profundamente
para as causas do sofrimento
-
daqueles que nos fizeram mal.
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E isso é a Segunda Nobre Verdade.
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E ajuda-nos a ver
que há uma saída.
-
Que o sofrimento
-
pode ser transformado e curado,
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e essa é a Terceira Nobre Verdade.
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E a Quarta Nobre Verdade é
que há um caminho concreto para sair.
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E esse é o Nobre Caminho Óctuplo.
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O sofrimento pode ser transformado,
a felicidade pode ser cultivada
-
com a Atenção Plena Correta.
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Todos temos consciência de coisas,
mas por vezes é uma atenção errada
-
quando nos focamos apenas em imagens pornográficas,
nas drogas, em certas situações.
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Estamos completamente focados nisso, mas
isso é uma atenção prejudicial.
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Por isso, aprendemos a trazer a Atenção Plena Correta
para a nossa consciência:
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o que vemos, o que ouvimos,
o que cheiramos,
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o que colocamos dentro do nosso corpo,
pela boca,
-
pelo corpo, pelos pensamentos.
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A Atenção Plena Correta
traz Concentração Correta.
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Focamo-nos na positividade,
no que ainda está presente nas nossas vidas.
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Naqueles que ainda estão connosco,
que ainda tentam ajudar-nos,
-
nas condições de felicidade
que ainda estão presentes.
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Para as jovens mulheres que vejo,
os seus corpos felizmente ainda estão saudáveis.
-
Ainda têm saúde suficiente,
ainda são jovens o suficiente para se transformarem.
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O seu cérebro tem uma capacidade
incrível de mudança.
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O vício muda o nosso cérebro.
-
E à medida que praticamos,
também mudamos o nosso cérebro.
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A neuroplasticidade significa que o cérebro
é maleável, é modificável.
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Não só na infância,
mas durante toda a nossa vida.
-
O cérebro pode sempre mudar.
E é por isso que somos capazes,
-
todos agora sabem usar
um iPhone, um computador,
-
mesmo que essa pessoa
tenha 70 ou 80 anos.
-
A pessoa pode continuar a aprender.
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Porque tem esse interesse,
-
coloca esse esforço,
essa concentração,
-
e por isso aprende uma nova competência.
-
E isso prova que todos nós
podemos mudar a nossa mente.
-
Em vez de termos desenvolvido todas essas
redes neuronais associadas
-
a certos hábitos, vícios,
certas pessoas e ambientes,
-
agora, podemos desenvolver
novas redes neuronais.
-
Vamos chamá-las de redes neuronais conscientes.
-
Precisamos escolher um ambiente
mais positivo.
-
Se for necessário mudarmos para outro
lugar, outro apartamento,
-
outro bairro, outro estado,
-
por vezes as pessoas mudam até
de país.
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Afastamo-nos de
certos círculos de amigos,
-
de certos tipos de trabalho,
-
precisamos de um ambiente diferente que
nos ajude a desenvolver novos hábitos
-
e a desabituar-nos dos velhos hábitos,
das antigas associações,
-
dos fatores que nos despoletam.
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E assim, a Atenção Plena Correta
e a Concentração Correta
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levarão à Visão Correta.
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A Visão Correta sobre a interser,
a vítima está no agressor.
-
E o agressor tornou-se vítima.
-
E nós próprios fomos vítimas
e também, já fomos agressores
-
do nosso próprio sofrimento,
e do sofrimento dos outros também.
-
E assim, dessa forma, não assumimos sempre
a posição de vítima,
-
mas tornamo-nos mais proativos,
sentimo-nos mais responsáveis
-
pela nossa vida, e pelas vidas uns dos outros.
-
E isso ajuda-nos
-
a colocar mais esforço positivo
na mudança, acreditando na nossa capacidade
-
de curar e transformar.
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A Visão Correta ajuda-nos a ter
pensamento correto no nosso dia-a-dia.
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As pessoas podem passar por um programa
de reabilitação uma vez, duas vezes, ou muitas vezes
-
e pode não ter sucesso.
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E assim, ao reunir coragem suficiente
para tentar de novo,
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a pessoa é assombrada pelo pensamento:
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"Falhei antes, o que é que mudou agora?"
-
Por isso, é importante encontrarmos
um ambiente diferente, recebermos mais ajuda
-
e também, permitir que a neuroplasticidade aconteça.
-
O fator mais importante que nos ajuda
a mudar o cérebro, a mudar a mente,
-
é através dos pensamentos.
-
Através de pensamento correto e positivo,
visões corretas e positivas.
-
Pensamos o tempo todo.
-
Mas se conseguirmos simplesmente
reconhecer o pensamento
-
como benéfico ou prejudicial,
-
e aprendermos a mudá-lo,
respiramos e expiramos,
-
e sorrimos com esse pensamento negativo.
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E transformamo-lo em algo positivo:
"Eu amo-te, estou aqui por ti."
-
"Vamos dar-nos mais uma oportunidade."
Dizemos isso a nós próprios.
-
Em vez de olharmos para o nosso corpo
e sentirmos vergonha, dizemos:
-
"Obrigada, obrigada por estares aí,
por seres tão resiliente e compassivo.
-
Ajuda-me a amar-te.
Ajuda-me a cuidar bem de ti."
-
Por isso, a Visão Correta e o Pensamento Correto
são os fatores mais determinantes
-
para a nossa transformação e cura,
a forma mais eficaz de nos curarmos,
-
e isso levará à Fala Correta,
a Fala Correta connosco próprios
-
e com os outros.
-
As Ações Corporais Corretas.
-
Aprendemos a cuidar mais do nosso corpo.
-
Ensinei aquela jovem que veio
a um Dia de Atenção Plena
-
a massajar o rosto,
a segurar as suas próprias mãos,
-
a abraçar-se.
-
E o corpo dela também estava a tremer,
muito levemente.
-
Então perguntei-lhe:
-
"Sabes que o teu corpo está a tremer?
Sabes porquê?"
-
E ela disse:
"É a minha ansiedade."
-
Isso fez-me lembrar da mulher
que passou por esse trauma
-
quando tinha 5 anos, e como a abracei.
-
E pensei: "Podemos fazer isso também
uns pelos outros?"
-
Quando alguém passa por uma crise de abstinência,
por exemplo de uma adição,
-
e o corpo começa a tremer assim,
podemos abraçar-nos,
-
embalar-nos,
e falar com carinho para nós mesmos?
-
Podemos fazer isso por quem amamos?
Por um amigo?
-
Por alguém que esteja a passar
por esse momento de tremores
-
intensos?
-
Porque esse tremor físico
é também um tremor psicológico.
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Todo o sofrimento está a emergir,
a dor mental juntamente com a dor física.
-
Podemos fazer isso por nós mesmos
e uns pelos outros?
-
Porque esta mulher, a quem abracei
bem apertado e embalei o corpo,
-
no dia seguinte disse-me:
"Obrigada. Sinto que a minha criança interior
-
simplesmente saiu de dentro de mim.
A minha criança interior queria ser vista
-
e ser abraçada por ti.
-
Porque eu própria não sabia
como fazer isso por ela durante todos estes anos.
-
Eu não sabia."
-
E ela ficou grata por eu lhe ter mostrado
como cuidar da sua criança ferida
-
para que, quando acontecer de novo,
se acontecer,
-
ela saiba como agir.
-
E sente-se muito mais conectada
-
a si mesma, à sua criança interior,
muito mais leve.
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Isso é transformação na raiz,
é uma cura muito profunda.
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Os animais, quando são perseguidos,
quando escapam à morte,
-
eles tremem, violentamente.
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Os pássaros tremem – já vi um pássaro
bater numa janela e cair,
-
e depois levantar-se,
tremer durante bastante tempo,
-
e então voar novamente.
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Já vi outros animais aqui, que tremem
depois de escaparem a uma cobra ou algo assim.
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Os seres humanos também tremem e abanam
-
depois de um acidente de carro,
ou depois de uma queda,
-
ou algo que nos assusta.
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Infelizmente, não permitimos
que o nosso corpo
-
passe por esse processo completo.
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Levantamo-nos, tentamos seguir em frente,
e olhamos à volta a ver se alguém viu a queda.
-
Uma pessoa escapou de se afogar.
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E quando foi resgatada, contou-me:
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deitou-se por uns minutos,
e depois levantou-se,
-
foi de carro buscar o filho,
-
e no dia seguinte,
viajou para outro estado por causa do trabalho.
-
O corpo dele nunca teve oportunidade
de libertar toda aquela energia nervosa e assustadora.
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Nunca completou o processo de tremor.
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E por isso, ficou mesmo doente durante duas semanas,
não conseguia ultrapassar uma constipação,
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mesmo sendo um jovem bastante saudável.
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Muitos de nós continuamos a sofrer
porque de situação em situação,
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não nos damos o
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tempo nem o espaço
para processar esse trauma, esse incidente
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fisicamente, emocionalmente, psicologicamente.
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E fica retido aqui dentro.
O corpo começa a tremer por dentro.
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Às vezes abraço uma pessoa,
geralmente uma mulher jovem,
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ou uma mulher mais velha,
e ao abraçá-la,
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sinto esse tremor profundo no seu interior.
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A pessoa não tem consciência,
mas eu consigo sentir que vem de muito fundo.
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Um tremor subtil, mas estava lá.
E isso é trauma, guardado
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em cada célula do nosso corpo.
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Por isso, tomar consciência das Quatro Nobres Verdades
e praticar o Nobre Caminho Óctuplo:
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Atenção Plena Correta, Concentração Correta,
Visão Correta, Pensamento Correto, Fala Correta,
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Ações Corporais Corretas, Meio de Vida Correto.
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Encontrar um trabalho que seja significativo,
que seja benéfico para nós.
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Receber menos salário, mas ter mais tempo
para cuidar de nós próprios,
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dos nossos entes queridos.
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Um trabalho que nos dê sentido,
em que estejamos a ajudar os outros, a ajudar a Mãe Terra.
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Meio de Vida Correto e Esforço Correto —
fazem parte do Nobre Caminho Óctuplo.
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O Esforço Correto é muito importante
para todos nós.
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Temos 4 tipos de esforço:
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Os dois primeiros tipos de esforço
lidam com as sementes positivas em nós.
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Quando sofremos,
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quando temos um vício, só conseguimos ver
a negatividade da nossa situação.
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Só vemos a negatividade em nós próprios.
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Mas todos temos sementes muito positivas:
sementes de alegria, de amor, de compreensão,
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de bondade, de generosidade, de desejo
de bem-estar para nós e para os outros.
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Por isso, precisamos regar essas boas sementes
em nós, por mais pequeninas que sejam.
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Como um rebento — precisamos reconhecê-las,
identificá-las e regá-las.
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E convidá-las a permanecer mais tempo
na nossa consciência.
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Se vires a tua criança interior
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através de um pensamento,
de uma forma de falar ou de agir,
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dizes-lhe “Olá”.
“Olá, eu sei que estás aí.”
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“Obrigada.
Ajuda-me a cuidar bem de ti.”
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Convidas a tua criança interior
a estar contigo um pouco mais.
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A vir ao de cima e a permanecer,
a estar presente contigo um tempo.
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Para se conhecerem melhor,
para regarem as boas sementes,
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com gratidão pela tua criança interior.
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Os outros dois tipos de esforço
lidam com as sementes negativas.
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Sementes de dúvida, de vergonha,
de culpa, de autojulgamento, de tristeza —
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aprendemos a não as regar.
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Reconhecê-las, sim,
mas não alimentá-las,
não repetir histórias internas
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com imagens, sons, músicas, conversas,
pensamentos que só nos tornam
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mais negativos.
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E não as trazer ao de cima
com filmes, imagens, pensamentos — não as despoletar.
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Reconhecê-las quando estão presentes,
respirar, relaxar o corpo todo,
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e deixá-las acalmar.
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E então podemos olhar para elas
e compreendê-las melhor.
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E isso é, na prática, um verdadeiro caminho budista de 12 passos
que todos podemos seguir,
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seja qual for a adição que reconheçamos em nós.
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E esse caminho ajuda-nos
a construir confiança e fé em nós próprios.
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A maioria de nós, por muito "bem-sucedidos"
que possamos parecer, estamos partidos. Somos.
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Nunca sentimos que somos suficientes.
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Não somos bons o suficiente.
-
Não somos suficientes.
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Mas quando praticamos a respiração consciente,
a caminhada consciente, a fala amorosa,
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e a escuta profunda, escuta de nós próprios,
do nosso sofrimento, das nossas dores
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aos poucos, começamos a ganhar confiança e fé.
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Confiança de que conseguimos
estar presentes para nós mesmos,
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no que é difícil e no que é belo.
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Conseguimos escutar-nos,
compreender-nos,
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cuidar de nós
de forma concreta.
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E assim, recuperamos a confiança
e a fé que tínhamos perdido —
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ou que talvez nunca tivéssemos tido por nós.
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E também, através da nossa prática espiritual
diária, tornamo-nos mais seguros
-
para nós próprios.
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O nosso sistema nervoso
está constantemente a vigiar o ambiente.
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Está sempre a perguntar:
"Estou seguro? Estou bem?"
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Mas, na minha prática, descobri que
na verdade, o meu ambiente, em geral,
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é bastante seguro.
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Claro que num mosteiro
o ambiente é muito seguro.
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Mas mesmo quando vou ao aeroporto,
a este país ou àquele,
-
a um centro comercial, todos esses lugares
-
Na verdade, o ambiente é geralmente
bastante seguro, felizmente.
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Mas são os meus pensamentos negativos
que me tornam inseguro para mim e para os outros.
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As minhas visões negativas, cheias de discriminação
e preferências, cheias de culpa,
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de preconceito, é isso que me torna inseguro
para mim e para os outros.
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O meu discurso negativo, duro, sem gentileza
para comigo e para com os outros,
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é isso que torna as coisas inseguras para mim
e para os outros.
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Ou as minhas ações corporais — por vezes ficamos tão
frustrados que nos magoamos,
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cortamos os pulsos,
arranhamos o rosto,
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por causa do stress, da energia nervosa —
ferimo-nos,
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tornamo-nos inseguros para nós próprios.
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E por isso, quando praticamos
o Nobre Caminho Óctuplo,
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a fala amorosa, a escuta profunda,
o abraço bondoso,
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tornamo-nos seguros
e dignos de confiança para connosco.
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E isso é uma felicidade profunda, muito profunda.
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Tornamo-nos a nossa própria alma gémea,
alguém que se recorda, que sabe,
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que cuida bem de si,
que domina a si próprio.
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Essa é a definição de "alma gémea"
em vietnamita — tri kỷ.
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Recordar, saber,
-
cuidar bem de,
dominar-se — "kỷ", a si próprio.
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Por isso, meus queridos, sejam uma alma gémea
para o vício que possam estar a enfrentar.
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Conheçam-no.
-
Digam-lhe olá.
Também tem sido um amigo.
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Também sofreu convosco.
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Sejam bondosos com ele.
Aprendam com ele.
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Peçam ajuda a esse vício, essa substância,
essa prática que têm usado:
-
"Eu sei que me ajudaste em certo momento,
mas agora podemos encontrar um novo caminho.
-
Ajuda-me a curar,
ajuda-me a realizar plenamente o meu potencial
-
para viver uma vida com significado."
-
Uma jovem partilhou comigo
que quer mesmo curar-se,
-
que desta vez quer fazer as coisas bem.
-
Os pais estão a envelhecer,
a irmã mais nova — ela quer mesmo
-
ser um bom exemplo
para a sua irmã mais nova.
-
Ela própria ainda é jovem,
quer fazer o bem no mundo.
-
Estas são as motivações certas.
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Lembra-te das tuas aspirações
e motivações,
-
lembra-te
de todas as condições positivas
-
que ainda estão presentes na tua vida.
-
E dá-te uma nova oportunidade,
vez após vez,
-
porque, meus queridos,
todos nós merecemos isso.
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Todos nós merecemos misericórdia.
-
Todos nós merecemos compaixão.
-
Todos nós merecemos compreensão.
-
E assim, todos nós merecemos
transformação e cura.
-
(Fora de cena)"Lindo, Irmã. Tenho uma pergunta.
O meu pai era padeiro,
-
*mas também bebia muito.
-
Dizemos que era alcoólico, como dizem.*
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É como um estigma.
-
Claro que ele era muito mais do que isso,
mas era isso que víamos,
-
era isso que ele era.
-
O que diria... eu tinha 8 anos quando o meu pai
-
teve de sair de casa, a minha mãe já não aguentava mais
-
e tinha 5 filhos rapazes, eu era o do meio.
-
Nessa altura, com 5, 6, 7, ou 8 anos,
eu não tinha meios, nem capacidades,
-
para ajudar o meu pai.
-
O que diria às pessoas que rodeiam
pessoas com dependências fortes,
-
em qualquer área — como vê-las,
como abordá-las e como ajudá-las?"
-
Quando estamos presos num vício,
tornamo-nos inseguros para nós próprios
-
e muitas vezes tornamo-nos inseguros para os outros.
-
Por isso, para aqueles de nós que são alcoólicos,
-
dependentes de álcool ou drogas,
pornografia ou sexo, etc.,
-
as nossas crianças, os jovens à nossa volta
na família, também testemunham isso.
-
Os nossos companheiros ou companheiras sofrem muito.
-
E, muitas vezes, os filhos —
herdam também o nosso vício.
-
Existe um pequeno fator genético,
-
alguns de nós têm, de facto,
uma personalidade mais propensa ao vício.
-
É mais fácil para nós
ficarmos dependentes de certas coisas.
-
Mas a maioria de nós, creio eu,
usa as drogas ou o álcool, etc.,
-
mais como um mecanismo de sobrevivência,
e depois desenvolvemos tolerância
-
e dependência.
-
Então, como podemos ajudar
-
alguém da nossa família
que tem uma dependência tão severa?
-
Acho que é importante, como adultos
nessa situação,
-
tentarmos proteger-nos a nós mesmos
e também proteger as crianças,
-
para que elas não tenham de sofrer
-
naquele momento,
e também pelo resto das suas vidas.
-
Por vezes, nós próprios também estamos em negação,
não queremos falar com a pessoa
-
que tem o vício,
por raiva, vergonha ou negação.
-
Não queremos falar sobre isso.
-
Ou quando falamos, discutimos,
gritamos, acusamos.
-
E isso não ajuda nada
a resolver o problema.
-
Se conseguirmos ajuda da comunidade,
de amigos,
-
para ver o panorama mais alargado,
para oferecer ajuda a essa pessoa,
-
aconselhamento, orientação, grupos de apoio, etc.,
podemos passar pelo processo de uma forma mais
-
gentil e construtiva.
-
E a verdade é que a pessoa
com dependência já sofre muito.
-
Por isso, se conseguirmos usar uma fala amorosa
e escuta profunda,
-
isso pode ser um grande apoio.
-
Pode dar a essa pessoa esperança
e inspiração para tentar com mais força.
-
Ainda assim, acho que é importante
retirar as crianças dessa situação,
-
ter essa opção.
-
"Consegues ajudar a proteger os nossos filhos,
ou precisas de sair?
-
Ou seremos nós a sair
para os podermos proteger?"
-
Demasiados de nós tornamo-nos dependentes
porque um dos nossos pais,
-
ou até ambos,
eram dependentes.
-
E assim, o ciclo de sofrimento
repete-se.
-
Ou as crianças crescem com muitos outros
problemas — podem não desenvolver o vício,
-
mas podem desenvolver outros mecanismos
negativos de sobrevivência.
-
E por isso, precisamos de proteger as crianças.
-
E tenho de dizer
que precisamos de muita ajuda
-
à nossa volta.
-
Mas no fim, somos nós que temos
de nos levantar e dar o nosso melhor
-
para nos curarmos e transformarmos.
-
Temos de nos enfrentar a nós mesmos,
enfrentar o nosso sofrimento,
-
e procurar uma saída por nós próprios.
-
Caso contrário, os nossos entes queridos esforçam-se tanto,
mas também têm as suas limitações.
-
Eles próprios estão a tentar sobreviver,
e no fim podem ficar demasiado frustrados,
-
podem falar de forma pouco habilidosa,
por frustração e dor,
-
ou podem afastar-se de nós.
-
Por isso, temos de ser nós próprios
a ficar connosco mesmos
-
nos momentos bons e nos maus,
a levantar-nos e a procurar ajuda por nós.
-
E para nós, familiares,
é importante percebermos que só podemos ajudar
-
até certo ponto,
só podemos ser responsáveis até certo ponto.
-
Não conseguimos mudar alguém
que não quer mudar,
-
que ainda não vê o seu problema,
-
ou que ainda não tem força interior
suficiente para o fazer.
-
Aquilo que podemos realmente oferecer
é amor.
-
Oferecer fala amorosa
e escuta profunda.
-
Dizer:
"Eu sei que estás a sofrer muito,
-
e lamento tanto ver-te sofrer,
lamento não conseguir ajudar-te.
-
Mas eu amo-te.
-
E desejo que encontres uma saída."
-
Isso pode mesmo salvar essa pessoa —
o teu amor.
-
Tenho um irmão mais novo,
três anos e meio mais novo do que eu.
-
Crescemos juntos, viemos juntos para os EUA,
eu sofri de depressão,
-
ele também sofreu de depressão,
ele teve pensamentos suicidas, e eu também.
-
Mas eu pensava no meu irmão,
e não queria fazer nada à minha vida
-
que o deixasse sozinho neste mundo.
-
E sabes, ele fez o mesmo por mim.
-
Contou-me que houve momentos
em que tinha a arma junto à têmpora,
-
mas pensava em mim.
-
Não queria deixar-me sozinha
neste mundo,
-
porque os nossos pais
já tinham falecido.
-
Então, ele salvou-se por mim.
-
Às vezes, não conseguimos salvar-nos
por causa do sofrimento —
-
é demasiado profundo,
ou o hábito está demasiado enraizado.
-
Mas podemos salvar-nos
pelos que amamos,
-
e às vezes isso resulta.
-
E eu gastei muito dinheiro com o meu irmão
quando estava na universidade.
-
A certa altura, cheguei a calcular —
gastei mais de 50 mil dólares com ele.
-
Isto foi há mais de 20 anos.
-
E eu era apenas uma estudante universitária.
-
Esse dinheiro vinha apenas
de bolsas e do meu trabalho.
-
E de uma vida simples.
-
Não gastava com nada,
só com o meu irmão.
-
Mas também aprendi
a nunca lhe falar com dureza,
-
nunca disse: "Dei-te todo este dinheiro!"
-
Não. Nunca disse isso.
Apenas chorava e dizia:
-
"Só quero que sejas feliz, querido.
Só quero que estejas em segurança."
-
Escrevi tantos poemas sobre a morte dele,
porque achava que um dia
-
ia receber a notícia —
num acidente de mota, numa festa,
-
ou por suicídio, sabes?
-
Mas amava-o tanto.
Continuava a dizer-lhe
-
que tudo o que queria
era que ele estivesse seguro, feliz.
-
E mantive-me ao lado dele,
todos estes anos.
-
Nunca esperei que ele
fosse para a universidade como eu,
-
nem que fosse médico como eu,
-
só queria que ele estivesse seguro
e feliz.
-
E agora ele está bem.
-
Trabalha muito.
-
Parte-me o coração às vezes ver
quanto ele trabalha, porque não tem
-
um diploma, uma formação académica,
por isso faz trabalho manual.
-
Faz construção, cria coisas,
mas é muito criativo.
-
Tem uma mente incrível.
-
Pensa numa coisa,
desenha-a e constrói-a.
-
E eu tenho tanto orgulho nele.
-
E mais do que tudo, sinto-me tão feliz,
porque ele está seguro.
-
E agora,
-
cuida bem da filha,
-
está presente para a esposa, para a família,
está vivo!
-
E essa é a minha maior felicidade.
-
E tu também podes fazer isso
por ti e pelos teus entes queridos.
-
Oferece-lhes o teu amor da melhor forma que conseguires,
e oferece esse amor a ti próprio.
-
Levanta-te, dá o teu melhor —
e é só isso que podes pedir de ti.
-
Só faz o melhor que conseguires, meu querido.
E tu és suficiente.
-
Está bem?
Tu és mais do que suficiente.
-
(Fora de cena)Muito obrigada, querida Irmã,
por estares presente para ti,
-
para o teu irmão,
-
e para o meu pai,
que já não está entre nós,
-
mas há tantas pessoas
como o meu pai por aí
-
que serão reconfortadas
e ajudadas pelo que partilhaste hoje.
-
(sons de pássaros)