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A vida secreta dos manuscritos medievais | Kathryn Rudy | TEDxUniversityofStAndrews

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    Há 600 anos,
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    os cristãos foram às igrejas
    e aprenderam a destruir manuscritos.
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    Vemos o seguinte manuscrito,
    "As Horas", de Blanche de Savoy,
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    escrito no século 14,
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    no qual o clero beijou alguns objetos,
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    incluindo um livro e um porta-paz.
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    Nesse processo de beijar esses objetos,
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    eles acabaram destruindo muitos deles.
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    Aqui, por exemplo,
    mostro a vocês um porta-paz,
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    que foi beijado de forma
    tão vigorosa e entusiasta,
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    que todos os detalhes ficaram borrados.
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    O padre também beijava este livro,
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    um missal,
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    que contém todos os textos
    que um padre precisaria ler
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    para rezar uma missa.
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    Durante esse processo,
    ele também beijava esse livro.
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    Vocês podem ver que ele beijou
    tanto o corpo de Cristo
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    que toda a tinta ficou
    desgastada no pergaminho.
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    E é possível que ele tenha
    roído um pouco desse canto.
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    (Risos)
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    Vemos como tudo aqui
    parece muito usado,
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    quanta saliva foi acumulada
    nessa passagem,
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    enquanto o livro ficava ali no altar.
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    E o problema era que, claro,
  • 1:31 - 1:37
    ao beijar os manuscritos
    várias vezes durante as missas,
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    o padre poderia destruir os livros.
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    Os artistas perceberam
    que isso poderia destruí-los.
  • 1:45 - 1:47
    Então, eles criaram uma solução
  • 1:47 - 1:51
    que foi este objeto aqui,
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    chamado de "placa osculatória".
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    ou "alvo de beijos".
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    (Risos)
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    O propósito desse objeto
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    era fazer com que os padres direcionassem
    seus lábios para um ponto do livro,
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    prevenindo a destruição dele.
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    Esse é um formato abstrato
    criado para proteger o livro
  • 2:17 - 2:21
    do amor caloroso do padre
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    sobre a pintura no livro.
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    Mas, como podemos ver
    em vários exemplos de missais medievais,
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    o padre não estava tão interessado
    em beijar a proteção
  • 2:38 - 2:43
    e seus lábios borraram a haste da cruz
  • 2:43 - 2:47
    e espalharam Cristo sobre a folha.
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    Ao ponto que alguns manuscritos,
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    como este aqui,
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    eu preciso dizer que esse
    foi comissionado por padeiros
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    então há um homenzinho
    colocando pão em um forno...
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    Esse livro foi comissionado
    por uma guilda de padeiros
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    é muito rico,
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    e ele tem uma placa osculatória de ouro.
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    Mas, como podem ver,
    o padre evitou beijar o alvo,
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    espalhando o peito e a virilha
    de Cristo sobre a folha.
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    Mas não podemos culpá-lo
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    pois, por causa de todo esse metal,
    seria como beijar alguém com aparelhos.
  • 3:24 - 3:25
    (Risos)
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    Neste livro,
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    também evitaram beijar o alvo.
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    Mas foi por uma razão diferente.
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    Esta imagem foi inserida
    em um livro diferente.
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    Este é o livro dos juramentos cívicos,
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    que foi escrito e guardado
    na cidade de 'S-Hertogenbosch,
  • 3:47 - 3:49
    tive de forçar as amídalas pra falar isso,
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    onde Jheronimus Bosch nasceu.
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    Mas o livro de juramentos cívicos
    ficava em cima de uma mesa,
  • 3:58 - 4:00
    não em um altar, mas em uma mesa,
  • 4:00 - 4:03
    onde os jurados colocavam
    uma mão sobre o livro
  • 4:03 - 4:07
    e faziam os juramentos escritos nele.
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    Vocês podem ver como o livro ficou borrado
  • 4:10 - 4:15
    depois de ter sido usado
    por décadas para esse propósito.
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    Gostaria de voltar à Blanche de Savoy
    por um momento, para uma comparação.
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    Esta imagem também tem uma plateia.
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    Blanche de Savoy está em pé no altar,
    segurando um livro.
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    Ela está imitando o que os padres
    fazem com o livro.
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    Parece que ela quase
    levanta o livro e o beija,
  • 4:39 - 4:42
    exatamente o que outras
    pessoas faziam com seus livros.
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    Este livro pertenceu à Felipe, o Audaz.
  • 4:45 - 4:48
    Ele tinha uma imagem inserida
    em seu livro de orações,
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    com um alvo de beijos abaixo.
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    Ele não era um padre, mas um duque,
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    e podem ver só um pouco de beijos aqui.
  • 4:56 - 5:01
    Mas podemos ver as páginas
    que ele realmente gostava aqui.
  • 5:01 - 5:03
    (Risos)
  • 5:03 - 5:07
    Ele tinha nada menos
    que cinco imagens da face de Cristo,
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    uma verdadeira adoração por ele,
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    presas no livro,
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    e ele as tocava
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    e beijava tanto ao ponto
    de a pintura descascar.
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    Então, vemos que beijar a imagem de Cristo
  • 5:27 - 5:30
    passou do clero à nobreza
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    até às classes rica e média,
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    como neste livro feito em Haarlem,
    por volta de 1475,
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    podem ver que a face de Cristo foi beijada
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    e é uma bela imagem nesse livro de Bruges,
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    feito, também, durante o século 15.
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    O dono do livro usava a técnica
    de molhar os lábios para beijar Cristo
  • 5:54 - 5:58
    o que levou essa pintura azul,
    da página seguinte,
  • 5:58 - 6:02
    a grudar no corpo de Cristo
    quando o livro era fechado.
  • 6:02 - 6:07
    Isso fez com que Cristo se parecesse
    um pouco com um dálmata azul.
  • 6:08 - 6:12
    A ideia de que, para demonstrar amor,
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    deve-se beijar muito
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    está presente em outros tipos
    de imagens devocionais
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    e mostrarei isto a vocês:
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    um livro de poesias sagradas,
    todo escrito em vermelho,
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    com a imagem da Virgem,
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    e ela foi tão beijada que se apagou
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    por veneração.
  • 6:34 - 6:37
    Todas essas imagens aqui
  • 6:37 - 6:42
    nos mostram a carga emocional das gravuras
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    e seu apelo emocional sobre as pessoas.
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    Também, pelo fato de elas terem pele,
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    pergaminhos, cópias medievais de livros,
    feitos de pele de animais,
  • 6:52 - 6:55
    então esses livros nos mostram histórias
  • 6:55 - 6:59
    de pessoas que tiveram
    respostas emocionais às imagens
  • 6:59 - 7:06
    e como esse contato "pele com pele"
    pôde ser documentado.
  • 7:06 - 7:12
    Essa sujeira causada
    pelo contato com manuscritos
  • 7:12 - 7:14
    está muito presente aqui.
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    Podemos ver neste livro de orações
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    que há uma área encrustada
    pelo suor das mãos
  • 7:22 - 7:25
    pelas múltiplas cópias feitas.
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    Mas o interessante nesse livro
    é que, em várias partes dele,
  • 7:28 - 7:32
    podemos ver o mesmo tipo
    de adorno e estilo,
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    mas nessa parte aqui, à direita,
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    não foi tão usada quanto as outras.
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    Podemos dizer que o dono desse livro
  • 7:41 - 7:44
    realmente usou esse texto
    e gostava muito dele
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    e não se interessava tanto pelo outro.
  • 7:47 - 7:52
    Eu queria descobrir se poderíamos
    mensurar a quantidade de sujeira
  • 7:52 - 7:54
    e saber o que as pessoas estavam lendo,
  • 7:54 - 7:57
    e sobre o que tinham
    respostas emocionais.
  • 7:57 - 7:59
    Para isso, usei este manuscrito,
  • 7:59 - 8:05
    o Livro das Horas, feito em Delft
    por volta de 1440, como experimento.
  • 8:05 - 8:09
    E aqui podemos ver
    seis cópias diferentes dele,
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    com diferentes quantidades
    de sujeira nos cantos
  • 8:12 - 8:16
    Nesse há bastante, aqui, há muita
    e aqui, um pouco menos.
  • 8:16 - 8:19
    Eu gostaria de saber
    se poderia contar essas palavras,
  • 8:19 - 8:21
    mais que, menos que e por aí vai.
  • 8:21 - 8:26
    Então, procurei e encontrei
    esse densitômetro
  • 8:26 - 8:30
    que analisa a densidade óptica
    de uma superfície refletida,
  • 8:30 - 8:36
    zerei o medidor na primeira página,
    onde ninguém a usaria,
  • 8:36 - 8:37
    e fiz uma análise
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    da parte mais suja até a mais limpa.
  • 8:41 - 8:45
    Então, coloquei os números num gráfico,
  • 8:45 - 8:48
    e podemos ver quais partes foram lidas.
  • 8:48 - 8:52
    Aqui temos o número de páginas abaixo,
  • 8:52 - 8:57
    e, então, o "sujômetro", acima,
  • 8:57 - 9:01
    os capítulos e seções do livro,
  • 9:01 - 9:03
    sublinhados em vermelho.
  • 9:03 - 9:07
    Vocês podem ver que o texto mais lido
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    foi o "As Horas da Virgem".
  • 9:09 - 9:13
    Então, ele tem grande área
    abaixo da curva.
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    Esse texto deveria ser lido
    desde a manhã
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    em poucas linhas, até tarde da noite.
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    Mas podemos ver que, no final do dia,
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    por volta das dez da noite,
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    o gráfico cai.
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    Isso pode sugerir que essa pessoa
    caiu no sono cerca de um terço do tempo
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    antes de terminar a leitura.
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    Aqui temos um gráfico
    de um outro "Livro das Horas"
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    e vocês podem ver
    que ele é muito diferente.
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    nesse há altos e baixos
  • 9:44 - 9:51
    e esses picos correspondem
    às gravuras no livro.
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    Aqui, alguém usou o livro
    somente para adorar as pinturas.
  • 9:55 - 9:58
    apesar de que podemos dizer
    que ele sabia ler,
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    pois o gráfico mostrou que algumas áreas
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    correspondem a textos lidos.
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    Mas a página que ele realmente
    gostava, com o maior pico,
  • 10:11 - 10:15
    é de uma pintura dele mesmo.
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    Então, a pintura que ele sempre via
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    era a imagem dele mesmo com seu brasão
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    e ele vê São Jerônimo olhando para a cruz.
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    Ele não se cansava dessa imagem.
  • 10:28 - 10:29
    (Risos)
  • 10:29 - 10:32
    Agora, esse é o gráfico
    de um terceiro "Livro das Horas",
  • 10:32 - 10:34
    que também tem diferentes resultados.
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    Aqui temos alguém que realmente o lê
    para os salmos penitenciais,
  • 10:39 - 10:40
    e depois duas orações,
  • 10:40 - 10:44
    uma para Santo Adriano
    e outra para São Sebastião.
  • 10:44 - 10:48
    Aqui vocês veem algumas partes dos textos,
  • 10:48 - 10:50
    e, aqui, temos São Sebastião,
  • 10:50 - 10:54
    que foi venerado com as lanças
    representando seu martírio
  • 10:54 - 10:58
    e suas feridas lembram os bubões
    da peste bubônica
  • 10:58 - 11:02
    e ele era adorado contra essa doença.
  • 11:02 - 11:05
    Então, podemos sugerir
    que o dono desse livro
  • 11:05 - 11:09
    tinha um medo terrível
    da peste bubônica ou de contraí-la
  • 11:09 - 11:14
    e, então, leu esse texto várias vezes
    como forma de prevenção.
  • 11:15 - 11:20
    Mas aqui há essa parte
    na qual praticamente não houve uso,
  • 11:20 - 11:23
    que é a oração para a Santa Apolônia.
  • 11:23 - 11:26
    Ela era mulher, uma virgem-mártir santa,
  • 11:26 - 11:27
    e o seu martírio
  • 11:27 - 11:33
    foi ter tido seus dentes arrancados
    por um dentista perturbado
  • 11:33 - 11:35
    e as pessoas a veneravam
  • 11:35 - 11:38
    para protegê-las contra doenças
    bucais e dores nos dentes.
  • 11:38 - 11:44
    Então, podemos concluir que esse leitor
    temia a peste, mas tinha bons dentes.
  • 11:44 - 11:46
    (Risos)
  • 11:46 - 11:52
    Tudo isso sugere que manuscritos medievais
  • 11:52 - 11:56
    podem nos dizer algo
    sobre nossa vida agora.
  • 11:56 - 12:00
    Principalmente que é importante lembrar
    que essa cultura da impressão,
  • 12:00 - 12:05
    que estamos trocando
    pela cultura das telas,
  • 12:05 - 12:07
    é muito diferente
    da cultura dos manuscritos.
  • 12:07 - 12:10
    A cultura das impressões, em papel,
  • 12:10 - 12:13
    não toque muito no livro,
    não escreva nele,
  • 12:13 - 12:17
    enquanto a cultura dos manuscritos
    nos convidava a interagir com o livro
  • 12:17 - 12:23
    e sua pele nos convidava a tocá-la
    e a deixarmos sujeiras.
  • 12:23 - 12:25
    Poderíamos dizer que pessoas medievais
  • 12:25 - 12:30
    se deleitavam na possibilidade
    de deixarem a marca delas no livro,
  • 12:30 - 12:32
    as marcas de uso,
  • 12:32 - 12:34
    para demonstrar
  • 12:34 - 12:38
    o quanto eram comprometidas
    com certos textos e imagens.
  • 12:38 - 12:42
    E podemos até pensar
  • 12:42 - 12:46
    que o uso de IPhones,
    IPads e smartphones
  • 12:46 - 12:49
    e todas essas coisas que tocamos,
  • 12:49 - 12:51
    que temos e estamos experienciando agora,
  • 12:51 - 12:55
    um amor não correspondido
    pelo objeto palpável,
  • 12:55 - 12:57
    pelo ato de "apalpar"
    o que está sendo lido
  • 12:57 - 13:01
    que foi perdido no tempo,
  • 13:01 - 13:03
    perdido em nossa cultura das telas,
  • 13:03 - 13:07
    que nos mostra que realmente
    ansiamos ser medievais novamente.
  • 13:07 - 13:08
    Obrigada.
  • 13:08 - 13:10
    (Aplausos)
Title:
A vida secreta dos manuscritos medievais | Kathryn Rudy | TEDxUniversityofStAndrews
Description:

Além da leitura dos ornamentados manuscritos medievais das igrejas e mansões, o que mais poderia ser feito com eles

Como uma reconhecida estudiosa da história da arte, Rudy liderou pesquisas, aulas e posições de curadoria nos Estados Unidos, Canadá, Holanda e Bélgica. Sua pesquisa enfoca a percepção e a função original dos manuscritos. Ela foi pioneira ao usar o densitômetro para mensurar a quantidade de sujeira depositada pelos usuários dos livros.

Esta palestra foi dada em um evento TEDx, que usa o formato de conferência TED, mas é organizado de forma independente por uma comunidade local. Para saber mais, visite http://ted.com/tedx

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Video Language:
English
Team:
closed TED
Project:
TEDxTalks
Duration:
13:20

Portuguese, Brazilian subtitles

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