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Isto é algo que podemos lembrar,
podemos praticar:
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Se nos sentarmos perto de uma pessoa que está a morrer,
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devemos falar com ele,
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devemos falar com ela,
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e tocar a semente da felicidade,
nele ou nela.
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Devemos ser capazes
de reconhecer essas sementes
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na pessoa agonizante
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e, mesmo que essa pessoa esteja em coma,
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devemos também falar com ele ou com ela,
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porque há uma forma
pela qual essa pessoa pode
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comunicar-se connosco.
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Havia um estudante em Bordéus, França,
que soube que a sua mãe estava a morrer
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e veio para Plum Village
para receber ensinamentos,
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algumas instruções,
para ajudar a sua mãe,
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e a Irmã Chân Không disse-lhe para fazer isso,
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ou seja, falar com a sua mãe,
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e falar com ela apenas sobre as coisas bonitas,
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as coisas felizes da sua vida.
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Quando ele chegou
à Califórnia, onde a sua mãe estava a morrer,
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ela estava em coma.
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Os médicos tentaram reanimá-la,
trazê-la de volta à consciência,
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mas não conseguiram.
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E o jovem estudante simplesmente praticou
de acordo com as instruções.
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Sentou-se e falou com a sua mãe.
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Cerca de quarenta e cinco minutos depois,
ela voltou, despertou.
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Muito surpreendente.
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Os médicos não podiam acreditar.
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Sabem, a Fellowship of Reconciliation,
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quando vim pela primeira vez à América,
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e o chanceler,
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que era o secretário-geral
da Fellowship of Reconciliation,
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Paz e Reconciliação em Nova Iorque,
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ajudou-me a percorrer a América
para falar
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sobre a situação no Vietname.
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Isso foi em 1966,
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e com a ajuda de Alfred
e da Fellowship of Reconciliation,
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organizamos atividades pela paz
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um pouco na Europa,
por toda a Europa,
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e na Ásia e por aí fora.
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E partilhámos muito tempo juntos
a trabalhar pela paz no Vietname,
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e houve momentos muito alegres
quando trabalhámos juntos
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para acabar com a guerra no Vietname.
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Um dia, a Irmã Chân Không, eu próprio
e alguns amigos
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estávamos a conduzir para,
penso eu,
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o Instituto Omega, no norte de Nova Iorque,
para dar um retiro.
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Soubemos que Alfred estava agonizante
num hospital católico
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não muito longe dali,
-
por isso decidimos ir lá visitá-lo.
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Quando chegámos,
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Dorothy, a sua esposa,
e Laura, a sua filha, estavam lá,
-
e Alfred estava a ser alimentado
com soro de glicose,
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mas também estava em coma.
-
E Laura, a sua filha,
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que se tinha voluntariado para trabalhar
no nosso Escritório da Paz em Paris,
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ficou tão feliz ao ver
a mim e à Irmã Chân Không
-
a virem visitar o seu pai.
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Ela fez o seu melhor para acordar Alfred:
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"Alfred, Alfred, Pai,
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Sabes que Thay está aqui,
a Irmã Chân Không está aqui,"
-
mas Alfred não acordou.
-
Então eu disse à Sư Cô (Irmã) Chân Không
para cantar para Alfred.
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A canção que escrevi,
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usando as palavras do Buda
no Cânone Pali,
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também no Cânone Chinês,
o mesmo texto,
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"Este corpo não sou eu.
-
Não estou preso neste corpo,
-
Sou vida sem fronteiras.
-
A minha natureza é sem nascimento e sem morte."
-
E continuou assim.
-
E quando a Sư Cô (Irmã) Chân Không
cantou pela terceira vez,
-
Alfred acordou.
-
Vês,
há uma comunicação possível.
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Ficámos muito felizes ao ver o Alfred acordado,
-
e eu estava a massajar-lhe os pés
para lhe dar a sensação de que estava ali.
-
Ele estava ali.
-
E Laura disse: "Alfred, sabes que
Thay está aqui? A Irmã Chân Không está aqui?"
-
Alfred não conseguia falar,
-
mas os seus olhos mostravam que estava consciente,
-
que eu estava ali,
que a Irmã Chân Không estava ali.
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Então, a Irmã Chân Không
começou a falar com ele.
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Aprendemos sobre o que falar.
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"Alfred, lembras-te
daquela vez em Roma?"
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Naquela altura, 300 monges budistas
estavam presos no Vietname
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porque se recusaram a ser recrutados
para o exército,
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e em Roma conseguimos convidar
300 padres católicos
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para uma vigília
— uma manifestação —
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e cada padre católico usava o nome
de um monge budista do Vietname.
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"Lembras-te disso, Alfred?"
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E ela continuou a falar com ele
sobre memórias felizes
-
do tempo em que trabalhámos juntos pela paz.
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E sabes o que aconteceu?
-
Após cerca de 10 minutos,
Alfred abriu a boca
-
e disse:
"Maravilhoso, maravilhoso" (duas vezes).
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E depois disso, voltou
a cair em coma.
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Era tarde,
e tínhamos de dar uma palestra de orientação
-
no Instituto Omega,
no norte de Nova Iorque.
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Por isso, tivemos de partir.
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Mas dissemos à Dorothy
e à Laura para continuarem a prática.
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Na manhã seguinte, bem cedo,
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recebi um telefonema da Laura
-
e ela contou que o pai faleceu
muito pacificamente, sem qualquer dor.
-
Śāriputra fez o mesmo
enquanto esteve com Anathapindika.
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Ele tentou regar as boas sementes,
as sementes da felicidade, em Anathapindika
-
praticando as quatro recordações.
-
E depois disso,
Anathapindika conseguiu sorrir.
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Continuaram a meditação guiada.
-
"Vamos praticar juntos,
nós os três", disse ele.
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"Inspirando,
-
sei que os meus olhos não sou eu,
-
os meus ouvidos não sou eu.
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Sou mais do que os meus olhos,
os meus ouvidos, o meu nariz, a minha língua.
-
Inspirando, sei que este corpo não sou eu.
-
Não estou preso neste corpo.
-
Sou vida sem fronteiras.
-
A desintegração deste corpo
não é a minha desintegração.
-
A minha verdadeira natureza
é a natureza de não nascimento e não morte.
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Inspirando,
-
estou consciente do elemento do calor em mim: fogo.
-
O calor em mim, o elemento fogo em mim,
não sou eu.
-
Sou mais do que o elemento 'fogo'.
-
Inspirando,
estou consciente do elemento 'água' em mim.
-
Não sou a água,
-
sou mais do que a água.
-
Não estou preso
no elemento 'água' em mim.
-
Sabes, os quatro grandes elementos,
Mahābhūta:
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Fogo, terra, ar e água.
Sim, quatro.
-
Inspirando,
-
sei que a forma que vejo com os meus olhos
não sou eu.
-
Os sons que ouço com os meus ouvidos
não sou eu."
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Assim, a meditação guiada
ajuda a pessoa que está a morrer
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a não se identificar com os seus sentidos e perceções.
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Isto é muito importante.
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Este corpo não veio do nada.
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Quando as condições são suficientes,
este corpo manifesta-se.
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Não veio do norte, do sul,
do leste, do oeste.
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Antes da manifestação,
não se pode dizer "não existia."
-
Após a manifestação,
não se pode dizer que existe.
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Sabes exatamente
o que acabámos de ouvir no ensinamento do Dharma.
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E, nesse momento,
Ānanda, o Venerável Ānanda,
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viu que lágrimas começaram a rolar
dos olhos de Anathapindika.
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Ele sentiu pena
de Anathapindika.
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Perguntou:
"Meu querido amigo, por que choras?!
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Arrependes-te de algo?"
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Anathapindika respondeu: "Não, Venerável Ānanda,
não me arrependo de nada."
-
"Ou talvez
não tenhas tido sucesso na tua meditação?"
-
"Não, Venerável Ānanda,
tive muito sucesso na minha meditação."
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"Então por que choras?"
-
"Venerável Ānanda,
choro porque estou tão emocionado.
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Servi o Buda, a Sangha,
o Dharma, por mais de 30 anos
-
e nunca recebi
e pus em prática
-
um ensinamento tão maravilhoso
como o que me foi dado hoje
-
pelo Venerável Śāriputra."
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"O ensinamento da não-nascença, da não-morte,
do não-vir, do não-ir,"
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"do não-ser, do não-não-ser."
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Ānanda ainda era jovem.
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Ele disse: "Querido amigo, não sabes,
mas este tipo de ensinamento
-
nós, monges e monásticos,
recebemos quase todos os dias."
-
(Risos)
-
Anathapindika olhou para os Veneráveis
e disse:
-
"Querido Venerável Ānanda,
por favor, quando voltares,
-
diz ao Senhor que nós, leigos,
mesmo que muitos de nós estejamos ocupados,
-
não sejamos capazes de receber
um ensinamento tão maravilhoso,"
-
"mas há aqueles entre nós, como leigos,
que são suficientemente livres, que têm tempo suficiente,
-
para receber este ensinamento
e colocá-lo em prática."
-
"Por isso, por favor, diz ao Buda
— pede-lhe —
-
para dispensar este tipo de ensinamento
também para nós, leigos."
-
E esse foi o último pedido
feito por Anathapindika.
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Ānanda aceitou levar o pedido,
-
e depois disso,
Anathapindika faleceu pacificamente.
-
Se quiseres ler a história novamente,
está no Livro de Cânticos do Plum Village,
-
e se estás a assistir...
-
se és assistente social,
ou médico, ou psicoterapeuta,
-
que tem o dever
de acompanhar pessoas no final da vida,
-
acredito que este ensinamento
é algo muito raro, útil e maravilhoso
-
para estudar e praticar.
-
Se não tiveres medo,
-
se tiveres tocado a natureza
da não-nascença e da não-morte em ti,
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serás um elemento precioso,
-
uma condição para que essa pessoa
possa partir em paz.
-
Serás inspirador,
muito inspirador para ele ou para ela.
-
A tua presença,
como a presença de Śāriputra,
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ajudará a pessoa a morrer pacificamente,
sem medo.
-
Gostaria de pedir à Irmã Chân Không
que venha cantar a canção:
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"Este Corpo Não Sou Eu".
-
Não sei se ela ainda se lembra da canção.
-
(Risos)
-
(Cantando)
-
Este corpo não sou eu,
-
Não estou preso neste corpo,
-
Sou vida sem fronteiras.
-
Nunca nasci,
-
E nunca morrerei.
-
Olha para o oceano e para o céu,
cheios de estrelas,
-
manifestações da minha mente maravilhosa.
-
Desde tempos imemoriais,
tenho estado a sonhar.
-
Nascimento e morte são apenas portas
pelas quais eu passo,
-
tesouro sagrado na minha jornada.
-
Nascimento e morte:
um jogo de esconde-esconde.
-
Por isso, sorri para mim,
pega na minha mão,
-
vamos dizer adeus,
-
dizer adeus até nos encontrarmos novamente.
-
Encontramo-nos hoje.
-
Encontrar-nos-emos amanhã.
-
Encontramo-nos em todos os caminhos da vida.
-
Este corpo não sou eu.
-
Não estou preso neste corpo.
-
Sou vida sem fronteiras.
-
Nunca nasci,
e nunca morrerei.
-
Nascimento e morte são apenas portas
pelas quais eu passo,
-
tesouro sagrado na minha jornada.
-
Nascimento e morte,
um jogo de esconde-esconde.
-
Por isso, sorri para mim, segura a minha mão,
vamos dizer adeus.
-
Dizer adeus, até nos encontrarmos novamente.
-
Encontramo-nos hoje.
-
Encontrar-nos-emos amanhã.
-
Encontramo-nos em todos os caminhos da vida.
-
Este corpo não sou eu.
-
Não estou preso neste corpo.
-
Sou vida sem fronteiras.
-
Nunca nasci,
e nunca morrerei.