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Outro dia falámos sobre dois tipos de verdade,
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a convencional e a última.
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Ao nível da verdade convencional,
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vemos que há um começo,
e há um fim para tudo.
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Há nascimento, há morte,
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há ser e não ser.
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E sabemos que estas noções também são úteis.
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Falámos sobre a data de nascimento,
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o aniversário.
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E sem um começo, um dia de nascimento,
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não podemos estabelecer um cartão de identidade.
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Portanto, o nascimento e a morte são importantes.
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Acima e abaixo são importantes.
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Esquerda e direita são importantes.
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Eles são úteis ao nível da
verdade convencional.
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Politicamente, é preciso saber se estamos
à direita ou à esquerda.
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Mas há outra dimensão da verdade,
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chama-se a última verdade.
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E os cientistas do nosso tempo estão a tentar
tocar essa última verdade.
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Porque, quando entram no mundo da
realidade subatómica,
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têm de abandonar as suas noções e ideias.
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Aprendem a libertar-se da aparência,
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do sinal.
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A partícula é um sinal,
a onda também é um sinal.
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E se um cientista ficar preso ao sinal
de partícula ou de onda,
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não conseguirá ver a verdadeira natureza do eletrão.
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Ao nível convencional,
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uma partícula só pode ser uma partícula,
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não pode ser uma onda.
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Porque têm formas diferentes,
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como a nuvem e o chá.
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Têm formas diferentes.
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Mas, olhando profundamente, são a mesma coisa.
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Uma partícula pode ser, ao mesmo tempo, uma onda.
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E se não fores capaz de ver isso,
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então não foste capaz de compreender a natureza
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nem da onda nem da partícula.
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Uma partícula tem uma localização específica no espaço.
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Mas quando a vês como uma onda, esse lugar específico
no espaço desaparece.
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E se fores mais fundo, uma coisa pode estar
em todo o lado ao mesmo tempo.
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O princípio da não-localidade.
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Estamos, assim, a deixar o mundo da verdade
convencional para entrar num nível mais profundo.
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E os nossos cientistas passaram muito tempo
a esforçar-se para conseguirem libertar-se
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das suas noções, das suas ideias, dos seus sinais,
para conseguirem começar a compreender
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o mundo... o mundo subatómico.
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Há a ciência clássica,
representada por Newton.
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E há muita verdade nessa ciência.
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Mas ela não pode explicar tudo.
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É por isso que temos de avançar para a ciência moderna,
para a física quântica.
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E a física quântica afirmou muitas coisas
que contradizem... que parecem contradizer
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as coisas afirmadas pela ciência clássica.
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Assim, a física moderna é algo como a verdade última.
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E há uma dificuldade em ligar os dois tipos de ciência,
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a ciência clássica e a ciência moderna.
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Reconhecemos que há verdade na
ciência clássica,
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e há verdade na ciência moderna.
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Mas, na aparência, contradizem-se.
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E precisamos de algum tipo de ligação para as conectar.
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Mas, na tradição budista, há algo que nos pode ajudar
a fazer essa ligação entre um nível de verdade
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e outro nível de verdade, e isso é muito claro.
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E esse tipo de distinção, esse tipo de conexão,
pode ser útil para vermos
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a verdadeira natureza do nascimento e da morte.
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Este é o nível da verdade convencional.
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E podemos ver nele a noção de
começo e fim,
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nascimento e morte,
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ser e não ser,
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igualdade e diferença.
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Há pares de opostos por toda a parte.
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Há eu e tu, há pai e filho, e eles não são o mesmo.
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São distintos um do outro.
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O homem é diferente dos animais.
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Os animais são diferentes dos vegetais.
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Os vegetais são diferentes dos minerais.
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E há essa separação,
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as coisas estão fora umas das outras.
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Mas, quando observamos de perto,
deixamos de ver essa separação.
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Vemos que as coisas estão dentro umas das outras.
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O pai está dentro do filho,
o filho está dentro do pai;
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não se pode retirar o pai do filho.
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Então, passamos para o segundo nível da verdade.
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Chama-se a verdade última.
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E, neste nível, não há começo nem fim.
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Não há nascimento nem morte.
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E as noções de ser e não ser
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desaparecem.
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E há uma liberdade absoluta nisso.
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Aqui vemos a extinção, a remoção de
todas as noções e conceitos.
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E os dois tipos de verdade
parecem contradizer-se.
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Mas há uma ligação, um caminho que conecta
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a verdade convencional com a verdade última.
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Então, desenhamos algo como um "Z" do Zorro.
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[Thay desenha no quadro, todos riem]
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E é esta linha, que representa a prática da meditação,
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que nos pode levar da verdade convencional
para a verdade última.
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Esta linha [apontando para a linha inferior do "Z"] representa a
compreensão do vazio.
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O vazio.
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E sabemos que vazio não significa inexistência.
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Olhem para este copo.
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Está vazio.
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Mas...
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O copo está vazio,
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mas isso não significa que o copo não esteja lá, certo?
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Portanto, vazio é algo muito diferente de inexistência.
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E o vazio é sempre vazio de algo.
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Está vazio de chá, concordo.
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Mas não está vazio de ar.
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Está cheio de ar.
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Então, ser vazio significa ser vazio de algo.
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Por isso, quando ouvimos o Bodhisattva Avalokita
dizer que tudo é vazio, temos de perguntar:
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"Sr. Bodhisattva, dizes que tudo
é vazio, mas vazio de quê?"
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E ele dir-nos-á que tudo é vazio
de uma existência separada.
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Como essa flor.
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A flor está cheia do cosmos.
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Quando olhas para uma flor,
vês o cosmos inteiro nela—
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tempo, espaço,
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luz do sol, Terra, consciência—
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tudo no cosmos tem de se unir
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para que uma flor se manifeste como um milagre da vida.
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E a flor pertence ao Reino de Deus.
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Está cheia do cosmos, mas está vazia
de um eu separado.
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Porque, se removermos todos os elementos não-flor,
não sobra flor nenhuma.
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Portanto, a natureza da flor é o vazio.
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O vazio significa a plenitude de tudo,
mas vazio de uma existência separada.
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Tu não podes existir sozinho.
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Tens de inter-existir connosco.
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E esse é o significado do vazio.
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Se removermos os antepassados, o pai, a mãe, a educação,
o alimento, a tradição...
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a mãe, a educação,
o alimento, a tradição...
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não sobra um "nós".
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Somos feitos de elementos que não são "nós".
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Isso não significa que não existimos.
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Estamos bem presentes.
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Mas não temos uma existência separada.
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Por isso, a palavra "ser"
pode ser enganadora.
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Na verdade, o correto seria "inter-ser".
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Ser é impossível.
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Inter-ser é a verdade.
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Quando olhas para o filho,
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vês que o
filho não pode ser sem o pai.
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O filho tem de inter-ser com o pai, com a mãe,
com o avô,
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com a avó, com tudo o resto.
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E isso é o vazio.
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O vazio representa a verdade última.